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FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 1 Módulo XI - Processos de Resistência e Transferência Índice TÉCNICA PARA ANALISAR RESISTÊNCIA 3 DINÂMICA DA SITUAÇÃO DE TRATAMENTO 3 COMO É QUE O ANALISTA ESCUTA 6 A IDENTIFICAÇÃO OU DESCOBERTA DA RESISTÊNCIA 7 CONFRONTAÇÃO: A DEMONSTRAÇÃO DE RESISTÊNCIA 8 O ESCLARECIMENTO DA RESISTÊNCIA 9 A INTERPRETAÇÃO DA RESISTÊNCIA 11 INTERPRETANDO O MOTIVO DA RESISTÊNCIA 11 INTERPRETANDO A FORMA DE RESISTÊNCIA 13 PROBLEMAS ESPECIAIS AO ANALISAR RESISTÊNCIA 14 AS RESISTÊNCIAS NAS PRIMEIRAS SESSÕES 14 RESISTÊNCIA À RESISTÊNCIA 15 O SEGREDO 15 TRANSFERÊNCIA 16 O QUE É E A SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO TERAPÊUTICO 16 Vocabulário de Psicanálise. 17 AS TEORIAS TOPOGRÁFICAS E ESTRUTURAL 22 A TEORIA TOPOGRÁFICA 23 CONSCIENTE 23 PRÉ-CONSCIENTE 24 FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 2 INCONSCIENTE 24 A TEORIA ESTRUTURAL 27 O ID 27 A TRANSFERÊNCIA E O ID; A COMPULSÃO À REPETIÇÃO 28 O EGO 29 O SUPEREGO 31 TRANSFERÊNCIA E SUPEREGO 33 AS IMPLICAÇÕES DA TRANSFERÊNCIA NA RELAÇÃO PACIENTE- ANALISTA 35 A CLASSIFICAÇÃO DAS REAÇÕES TRANSFERÊNCIAIS 40 A TRANSFERÊNCIA POSITIVA 42 A TRANSFERÊNCIA NEGATIVA 44 NEUROSE DE TRANSFERÊNCIA 45 TRANSFERÊNCIA E RESISTÊNCIA 50 A CONTRATRANSFERÊNCIA 52 Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise. Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos do Curso. Os créditos às obras usadas como referências ou citação constam nas Referências Bibliográficas. https://drive.google.com/file/d/0BzB3Lb9sbna2SzVCYmYtbmh1N0k/view?usp=sharing FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 3 TÉCNICA PARA ANALISAR RESISTÊNCIA A Psicanálise como técnica só começou a existir, quando as resistências foram analisadas e não evitadas ou superadas por outros meios. Não se pode definir técnica psicanalítica sem incluir o conceito da análise de resistência completo e sólido. Não se deve entender a resistência apenas com oposição ao progresso de análise embora seja esta a sua manifestação clínica mais óbvia e direta. O estudo das resistências de um paciente irá lançar luz não só sobre muitas funções básicas do ego como também sobre seus problemas ao se relacionar com objetos. Além disso, a análise de resistência também explica a maneira pela qual as diversas funções do ego são influenciadas intra-estruturalmente pelo id, superego e mundo externo. E ainda mais, as resistências aos procedimentos terapêuticos reproduzem os conflitos neuróticos entre as diferentes estruturas psíquicas. A relação oscilante entre as forças das resistências, por um lado e o anseio de comunicar, por outro lado, pode ser notada com a maior nitidez nas tentativas do paciente ao fazer a associação livre. Este é um dos motivos pelos quais a associação livre é considerada o instrumento fundamental da comunicação no procedimento psicanalítico. DINÂMICA DA SITUAÇÃO DE TRATAMENTO A situação de tratamento mobiliza tendências conflitantes dentro do pacientes. Antes de tentarmos analisar as resistências do paciente, seria útil examinar o alinhamento das forças dentro do paciente. “Começarei enumerando aquelas que são favoráveis ao psicanalista, aos processos e procedimentos psicanalíticos” (Ralph Greenson). FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 4 1) A desgraça neurótica do paciente que o impede a trabalhar na análise por mais doloroso que seja. 2) O ego racional consciente do paciente que não perde de vista os objetivos do longo alcance e tem uma noção da base lógica da terapia. 3) O Id, o reprimido e seus derivados; todas aquelas forças dentro do paciente à procura de descarga e com tendência para aparecer nas produções do paciente. 4) A aliança de trabalho que capacita o paciente a cooperar com o psicanalista apesar da coexistência de sentimentos transferenciais opostos. 5) A transferência positiva desinstintualizada que permite ao paciente supervalorizar a competência do analista. Baseando-se nas poucas provas de que dispõe, o paciente vai aceitar o analista como um especialista, ou entendido no assunto. 6) O superego racional que impele o paciente a cumprir seus deveres e compromissos. 7) Curiosidade e desejo de se conhecer que motivam o paciente para se explorar e se revelar. 8) O desejo de progresso profissional e outros tipos de ambição. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 5 9) Fatores irracionais, como sentimentos competitivos em relação a outros pacientes, valorizar o próprio dinheiro, a necessidade de reparação e confissão, tudo isto constituindo aliados inseguros e provisórios do psicanalista. Todas as forças enumeradas acima, influenciam o paciente a trabalhar na situação analítica. Elas variam em valor e eficiência e mudam no decorrer do tratamento. As forças que, dentro do paciente, se opõem aos processos e procedimentos analíticos, podem ser examinadas da seguinte maneira. 1. As manobras defensivas do ego inconsciente que fornecem os modelos para as operações de resistência. 2. O medo da mudança e a busca de segurança que impele o ego infantil a se agarrar aos padrões neuróticos familiares. 3. O superego irracional que exige sofrimento a fim de expiar uma culpa inconsciente. 4. A transferência hostil que motiva o paciente a derrotar o psicanalista. 5. A transferência romântica e sexual que leva à inveja e frustração e, finalmente, a uma transferência hostil. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 6 6. Impulsos sádicos e masoquistas que impulsionam o paciente a criar uma variedade de prazeres dolorosos. 7. Impulsividade e tendências à atuação que impelem o paciente na direção de gratificações rápidas e, ao mesmo tempo, lutando contra a compreensão interna. 8. Os ganhos secundários da doença neurótica que tentam o paciente a ficar preso à sua neurose. Estas são as forças que a situação analítica mobiliza no paciente. Quando se ouve um paciente, convém trazer em mente esta divisão bem simplificada de forças. COMO É QUE O ANALISTA ESCUTA O analista escuta com três objetivos em mente: (1) traduzir as produções do paciente para seus antecedentes inconscientes. Os pensamentos, fantasias, sentimentos, comportamento e impulsos do paciente têm que ser pesquisados até os seus predecessores inconscientes. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 7 (2) Os elementos inconscientes devem ser sintetizados em introvisões inteligíveis. Os fragmentos da história passada e presente, conscientes e inconscientes, devem ser relacionados entre si de maneira a dar uma idéia de continuidade e coerência à vida do paciente. (3) As introvisões obtidas devem poder ser comunicáveis ao paciente. À medida que se escuta, é preciso verificar que material – daquilo tudo que veio à tona – será utilizado construtivamente pelo paciente. O analista escuta com atenção uniformemente flutuante. Não se faz uma tentativa consciente para se lembrar. O analista vai se lembrar dos dados importantes se ele presta atenção e se o paciente não está despertando as reações transferenciais do próprio analista. A atenção não-seletiva, não- direcionada, irá governar nossas próprias tendências especiais e irá permitir que o analistaacompanhe a conduta do paciente. Dessa atenção flutuante uniforme, o analista pode oscilar e fazer misturas com o que veio de suas associações livre, empatia, intuição, introspecção, raciocínio solucionador, conhecimento teórico etc. A IDENTIFICAÇÃO OU DESCOBERTA DA RESISTÊNCIA A primeira tarefa do analista é identificar ou descobrir a presença da resistência. O que pode ser muito simples quando a resistência é óbvia. Torna- se mais difícil quando a resistência é sutil, complexa, vaga ou egossintônica ao paciente. Nestas circunstâncias, o paciente pode complicar nossa tarefa tentando encobrir o fato de que está fugindo de alguma coisa. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 8 CONFRONTAÇÃO: A DEMONSTRAÇÃO DE RESISTÊNCIA Nosso dever é fazer o paciente compreender que ele está resistindo, por que está resistindo, a que ele está resistindo e como está resistindo. Demonstrar a resistência pode ser uma medida relativamente simples ou até mesmo desnecessária se a é evidente para o paciente. Se não for esse o caso, se o paciente não está cônscio da resistência, então é fundamental confrontar o paciente com o fato de que há uma resistência presente antes de tentarmos qualquer outra coisa. A capacidade do paciente em identificar uma resistência vai depender de duas coisas: O estado de seu ego racional e a vivacidade da resistência. Um ego profundamente racional vai tomar conhecimento até mesmo da resistência mais simples e um ego pouco racional vai exigir uma evidencia arrasadora da resistência. Nossa tarefa consiste em avaliar, através da observação e da empatia, o estado do ego racional do paciente a fim de determinar o grau de clareza que a evidência da resistência deve ter para que o paciente possa reconhecê-la como tal. A confrontação do paciente só deve ser feita quando existe uma possibilidade de que a confrontação vai ser significativa para ele e somente quando ele não tiver sucesso em sua tentativa de negar ou minimizar a validade dessa resistência. A demonstração prematura de uma resistência não é apenas uma perda de tempo mas dispersa um material que poderia ser eficiente posteriormente. Por mais clara que posa parecer a evidência da resistência, o fato decisivo é – será que esta confrontação vai fazer sentido para o paciente? Outra técnica para ajudar o paciente é identificar a presença de forças resistências que consiste em apontar todas as evidências clínicas. Só se pode provar alguma coisa a um ego racional – vamos ter que esperar até que apareça um ego racional ou até que a evidência fique tão arrasadora que FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 9 mesmo o ego racional mais fraco será obrigado a tomar conhecimento da resistência. O ESCLARECIMENTO DA RESISTÊNCIA Vamos prosseguir com o procedimento para analisar uma resistência. Fazemos com que o paciente se conscientize de que tem uma resistência. O que fazemos a seguir? Existem três possibilidades que podemos agora observar: (1) Porque o paciente está evitando? (2) O que o paciente está evitando? (3) Como o paciente está evitando? As duas primeiras perguntas: por que o paciente está evitando podem, juntas, ser consideradas como motivo para a resistência. A pergunta: Como o paciente está evitando, refere-se ao modo de resistência. Em ambos os casos, a análise prosseguiria pelo esclarecimento do assunto sendo examinado. Tentaríamos aumentar nosso enfoque no processo psíquico que estamos procurando analisar. Com todo o cuidado, separaríamos e isolaríamos o motivo ou modo especial de resistência que estamos procurando investigar. Os detalhes importantes teriam que ser desenterrados e cuidadosamente separados do assunto externo. O paciente resistente está tentando bloquear alguma emoção dolorosa como ansiedade, culpa, vergonha ou depressão, ou alguma combinação de disso tudo. Algumas vezes, apesar da resistência, o afeto doloroso é óbvio porque o paciente se comporta de uma forma que é característica desse afeto específico. Por exemplo, um paciente falando hesitantemente ou usando jargões cobrindo o rosto com as mãos, virando seu rosto de modo que ninguém pode ver qualquer porção do seu rosto, cobrindo sua área genital com as mãos ou repentinamente, cruzando as pernas bem apertadas etc. Esconder um comportamento indica vergonha. Tremores, transpiração, secura da língua e da FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 10 boca, tensão muscular, tiritar de frio ou rigidez podem ser sinais de medo. Num paciente que vem falando num tom lento e tristonho, o queixo retesado, os suspiros, silêncio, o engolir doloroso e os punhos cerrados, tudo isso pode indicar a luta contras as lágrimas e a depressão. Em todas estas circunstâncias, estamos procurando detectar as reações corpóreas e não verbais que estão ocorrendo. Elas nos podem fornecer pistas sobre o afeto doloroso especial com que o paciente está lutando. Se pensamos que podemos detectar o afeto específico, podemos confrontar o paciente com: “Você parece estar embaraçado, ou com medo, ou amargurado, ou com medo de chorar”. Podemos dizer, “Você parece”, não “Você está”. Por quê? Porque, antes de mais nada, poderíamos estar errados e, em segundo lugar, queremos dar uma chance de fugir se precisar fazer isso. Mais tarde, poderemos ficar mais afirmativo se estamos mais seguro de estar certo ou se sua fuga do trabalho com as resistências se devem tornar o assunto de discussão. Se não conseguimos detectar o afeto doloroso especial, então simplesmente perguntaríamos: “Quais os sentimentos que você está tentando afastar? ou “O que você está sentindo enquanto está deitado aí em silêncio”. Temos que mencionar aqui alguns pontos técnicos importantes. Nossa linguagem deve ser simples, clara, concreta e direta. Quando estamos procurando tocar no afeto especial contra o qual o paciente poderia estar lutando, temos que ser o mais específico e exato possível. Escolhemos a palavra que parece descrever o que está acontecendo dentro do paciente, a palavra que reflete a situação do paciente no momento. Se o paciente parece estar vivendo um afeto como se fosse uma criança, por exemplo, se o paciente parece ansioso como uma criança, podemos dizer: “Você parece assustado”, porque essa é uma palavra infantil. Jamais poderíamos dizer: “Você parece apreensivo”, porque isso não serviria, essa é uma palavra adulta. Além disso, FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 11 “assustado” é evocativo, desperta cenas e associações ao passo que “apreensivo” é banal. Usaremos palavras como acanhado, tímido ou envergonhado, se o paciente parece estar lutando com sentimentos de vergonha do passado. Além disso, poderemos calcular a intensidade do afeto com o maior cuidado possível. Se o paciente está com muita raiva não dizemos: “Você parece aborrecido” mas diríamos: “Você parece furioso”. Empregamos a palavra comum e vivaz para expressar a quantidade e qualidade de afeto que, em nossa opinião, está acontecendo. Diremos coisas como: Você parece irritado ou mordaz ou resmunguento ou rabugento ou inflexível ou briguento ou furioso, para descrever diferentes espécies de hostilidades. Como são diferentes as associações feitas com “resmunguento’ se comparados com as que aparecem como “hostil”. Ao tentar esclarecer e descobrir o afeto doloroso e as recordações associadas com aquele afeto específico, a palavra empregada deve estar correta em relação ao tempo, qualidade, quantidade e entonação. Assim como procuramos esclarecer o afeto que provoca a resistência, assim tambémdevemos procurar esclarecer o impulso causador do afeto se isso surgir na análise. A INTERPRETAÇÃO DA RESISTÊNCIA INTERPRETANDO O MOTIVO DA RESISTÊNCIA FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 12 Algumas vezes, não é necessário que o analista demonstre e esclareça a resistência porque o paciente faz isso sozinho espontaneamente. Depois de demonstrada e esclarecida a resistência, estamos prontos para interpretar os determinantes inconscientes. Isso quer dizer que tentamos descobrir os impulsos instintuais, fantasias ou recordações escondidas, responsáveis que são pela resistência. Ao analisar o motivo para uma resistência, deveríamos procurar investigar o conteúdo que provocou o afeto doloroso que deu origem a resistência. O paciente evita porque se quer livrar de algum sentimento doloroso. Mas qual conteúdo, que material está despertando a emoção dolorosa? Mas, existem circunstâncias em que não fica claro nem o porquê, nem a que, o paciente está resistindo. Um paciente pode manter silêncio mais ou menos durante uma sessão inteira e não deixar escapar nenhuma pista sobre o que está acontecendo nem pelas suas reações corpóreas nem pelas expressões faciais. Isso raramente ocorre. O silêncio absoluto ou a ausência de expressão corporal ou facial poderiam ser pistas para fantasias sobre morte, coma ou sono profundo. As resistências que ocorrem à análise são uma repetição dos fatos acontecidos anteriormente na vida do paciente. As resistência não são um artifício da análise, não são criações novas, mas repetições, edições novas de fatos passados. Devemos insistir numa observação clínica importante: é que a fonte mais freqüente de resistência é a situação transferencial. Quando todas as outras são iguais, obscuras ou desconhecidas, deve procurar-se as reações transferenciais como a fonte de resistência. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 13 INTERPRETANDO A FORMA DE RESISTÊNCIA Algumas vezes ao tentar analisar uma resistência, o caminho mais promissor para a investigação da resistência não é o afeto, o impulso, ou fato causativo. Pode ser que a forma da resistência, o método ou o meio de transferência, ofereça o caminho mais proveitoso para a investigação. Pode ser esse o caso se a forma de resistência se repete muitas vezes e nesse caso, estamos, provavelmente, lidando com um traço de caráter. Embora a análise da forma talvez nem sempre seja a primeira abordagem à análise da resistência, os métodos típicos e habituais de resistência de acabam transformando no assunto da análise porque este procedimento constitui o acesso para a análise das assim chamadas defesas de caráter. Se a forma de resistência é bizarra e “descaracterizada” para o paciente, ela é, geralmente, uma ação sintomática e, comumente, mas facilmente acessível ao ego racional do paciente. Depois que o paciente identificou o aspecto resistência do seu comportamento, nossa tarefa seguinte é o esclarecimento. Agora saímos à procura de comportamento fora da análise e então acompanhamos a história e o objetivo desta atividade. O que aconteceu na vida do paciente para que escolhesse este tipo de resistência? É importante, além disso, não fazer o jogo da resistência do paciente utilizando o mesmo tipo de resistência que ele. Se o paciente está em silêncio, você deve estar atento para que seu próprio silêncio não seja uma contra-resistência. Ou então se ele emprega uma linguagem afetada, obscenidades ou jargões, você não deve acompanhar essa resistência ou fazer o oposto. O importante é ser direto e pertinente sem ser rude, ser provocar com brincadeiras e sem ficar censurando. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 14 Finalmente, é importante compreender que por mais habilidosos e por mais corretos que sejamos no trabalho com as resistências, elas tornam a voltar. É bom que nos lembremos da observação de Freud: que a resistência vai estar presente a cada passo, em cada aspecto, em cada sessão de análise até que a análise termine. A elaboração é necessária para que uma determinada resistência perca sua patogenia. A análise da resistência não é um desvio da análise mais parte fundamental e necessária de toda a análise. PROBLEMAS ESPECIAIS AO ANALISAR RESISTÊNCIA AS RESISTÊNCIAS NAS PRIMEIRAS SESSÕES Deve dizer-se ao paciente que a resistência é uma atividade do paciente. É uma ação que está praticando ou inconscientemente, ou pré-conscientemente ou conscientemente (Fenichel). No momento oportuno, deve dizer-se ao paciente que a percepção da resistência e a análise da resistência constituem partes valiosas, importantes e necessários da psicanálise. A resistência não é um erro, um defeito ou uma fraqueza do paciente. Não se deve sentir merecedor de críticas ou rejeições por ter resistências. Uma outra boa medida no início da análise é perguntar ao paciente como ele sentiu enquanto descrevia algum fato durante a sessão. Isso faz com que ele se acostume a trazer suas emoções e reações corpóreas para as suas associações. Podemos perguntar o que estava imaginando enquanto se FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 15 desenvolvia determinada atividade para que se perceba da importância das suas fantasias. RESISTÊNCIA À RESISTÊNCIA Em geral, os pacientes vão esconder suas resistências por dois motivos principais: (1) Têm vergonha ou medo de revelar um estado de resistência. Resistência quer dizer defeito e vão levar à perda do amor ou à punição. (2) eles têm medo de mostrar uma situação que está causando resistência – geralmente para evitar um material que acham que poderiam provocar uma reação transferencial hostil. Existem pacientes que tem medo de ficar com raiva. Em geral, tentam encobrir sua raiva com o sentimento oposto – tentar agradar e submissão. O SEGREDO Nossa tarefa costumeira, em análise, é descobrir os segredos inconscientes do paciente; o paciente não está cônscio das recordações que traz escondidos dentro de si; elas também constituem um segredo para seu ego consciente. Embora possa ter resistência pré-consciente e inconscientes às nossas investigações, o paciente, em geral, é favorável ao trabalho analítico, pelo menos conscientemente. Mas, às vezes, realmente acontece que um paciente vai tentar, conscientemente esconder determinado material do analista. Na maioria dos casos esse retraimento deliberado e voluntário é passageiro e, geralmente, o próprio paciente acaba superando esse retraimento – confessando, então, seu FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 16 segredo. Mas, existem pacientes que guardam um segredo por muito tempo e não conseguem superar esta resistência consciente sem nossa ajuda. Nosso comportamento básico é que não deve haver concessão alguma quanto aos segredos: eles têm que ser analisados. Todavia, também é importante compreender que é um erro usar coerção, ameaças ou súplicas para fazer o paciente contar seu segredo. É tão errado forçar os pacientes a entregar seus segredos como é errado permitir que tenham segredos. A atitude analítica é que devemos tentar analisar segredos como o faríamos com qualquer outro tipo de resistência. Somos tão inflexíveis quanto pacientes. TRANSFERÊNCIA “Em todo ser vivo, aquilo que designamos como partes constituintes forma um todo inseparável, que só pode ser estudado em conjunto, pois a parte não permite reconhecer o todo, nem conjunto deve ser reconhecido nas partes...” (Goethe).O QUE É E A SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO TERAPÊUTICO Em 1912, Freud escreveu um ensaio sobre a Dinâmica da Transferência, que serviu de base para a prática psicanalítica. A análise profunda da transferência tornou-se o elemento central do processo terapêutico. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 17 Laplanche e Pontalis dão-nos uma boa conceituação do termo na visão psicanalítica: “Transferência é o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se de uma repetição de protótipos infantis, vivida com um sentimento de atualidade acentuado”. (. 514). Vocabulário de Psicanálise. A transferência foi primeiramente descrita por Freud e refere-se aos sentimentos e comportamentos do paciente em relação ao analista, os quais são baseados em desejos infantis do paciente para com os pais ou figuras parentais. Esses sentimentos são inconscientes, mas revelam-se na neurose de transferência, na qual os pacientes lutam por gratificar seus desejos infantis inconscientes através do analista. Freud descobre muito cedo o que determinava a possibilidade ou não de uma análise. Através de seu desconhecimento e conseqüentemente do fracasso de uma análise (Dora em questão), começa seu percurso de conceitualizar esse elemento fundamental – a transferência. Daí em diante, por mais surpreendente que pareça, esse será o conceito que unirá os psicanalistas. Há por ele uma unanimidade não encontrada em nenhum outro. O que indica se tratar de um elemento indiscutível na análise. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 18 No Dicionário de Psicanálise organizado por Chemana, transferência é conceituada como um vínculo afetivo intenso, que se instaura de forma automática e atual, entre o paciente e o analista, comprovando que a organização do paciente é comandada por um objeto. O estabelecimento desse vínculo afetivo intenso é automático, incontornável e independente de todo contexto de realidade. Laplanche e Pontalis afirmam que existe especial dificuldade em propor uma definição de transferência porque a noção assumiu, para numerosos autores, uma extensão muito grande, que chega ao ponto de designar o conjunto de fenômenos que constituem a relação do paciente com o psicanalista e que, nesta medida, veicula, muito mais do que qualquer outra noção, o conjunto das concepções de cada analista sobre o tratamento, o seu objetivo, a sua dinâmica, a sua tática, os seus objetivos, etc. E, assim, estão implicados nela toda uma série de problemas que são objetos de debates clássicos. Esclarecendo de forma concisa, Laplanche e Pontalis continuam nos trazendo informações preciosas sobre a transferência na visão de Freud: “Na origem, a transferência não passa para Freud, pelo menos no plano teórico, de um caso particular de deslocamento do afeto de uma representação para outra. Se a representação do analista é escolhida de forma privilegiada, é porque constitui uma espécie de “resto diurno” sempre à disposição do sujeito, e também porque este tipo de transferência favorece a resistência, pois a confissão do desejo recalcado se torna especialmente difícil se tem de ser feita à pessoa visada por ele.” (Vocabulário de Psicanálise, 516). Na primeira exposição de conjunto que consagra a transferência (1912), Freud mostra que ela está ligada a “protótipos”, a imagos (principalmente a imago do FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 19 pai, mas também a imago da mãe, do irmão, etc.). Freud descobre que é a relação do sujeito com as figuras parentais que é revivida na transferência, principalmente com a ambivalência pulsional que a caracteriza. Citando a afirmação de Freud no “Epílogo”, Etchegoyen confirma que o tratamento psicanalítico não cria a transferência, “mas a descobre, a torna possível, de igual modo que a outros processos psíquicos ocultos”. Ele afirma que “a transferência existe fora e dentro da análise, a única diferença é que nesta ela é detectada continuamente”. Sua conclusão é a de Freud, que, para ele e para nós, são palavras duradouras: “A transferência destinada a ser o máximo obstáculo para a Psicanálise, se converte em seu auxiliar mais poderoso, quando se consegue detectar em cada caso e traduzi-lo para o enfermo”. (1987; p. 54). Em muitos momentos de seus trabalhos, Freud fala da transferência, sublinha sua função de aliada do processo analítico e a define rigorosamente a partir de três parâmetros citados por Etchegoyen: realidade e fantasia, consciente e inconsciente, presente e passado. A vida emocional que o paciente não pode recordar, conclui, é revivenciada na transferência e é ali onde deve ser resolvida. A transferência é uma peculiar relação de objeto de raiz infantil, de natureza inconsciente (processo primário) e, portanto irracional, que confunde o passado com o presente, o que lhe dá seu caráter de resposta inadequada, desajustada, inapropriada. Numa análise histórica da teoria da transferência, Daniel Lagache coloca em evidência alguns pontos muito importantes: FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 20 1. A transferência é um fenômeno freqüente e até mesmo regular; toda e qualquer reivindicação dirigida à pessoa do terapeuta é uma transferência e o paciente é pego a cada nova ocasião. 2. Segundo os exemplos e as explicações que Freud nos fornece, o mecanismo da transferência supõe: a) No passado, o recalcamento de um desejo. b) No presente e na relação com o terapeuta, o despertar do mesmo afeto que, originalmente, forçou o paciente a banir esse desejo clandestino. O mecanismo da transferência é, portanto, uma “falsa conexão”, uma “aliança desigual”. 3. Tecnicamente, a dificuldade só pode ser superada tornando, em primeiro lugar, o paciente consciente do obstáculo. 4. Do ponto de vista terapêutico, Freud ficou inicialmente contrariado com este desvio, até o momento em que percebeu que o novo sintoma devia ser tratado como o antigo. Assim, nos Estudos sobre a histeria, Freud já possui uma idéia clara de transferência, de sua gênese, de sua importância técnica e terapêutica. Ao iniciar seus estudos sobre a transferência, Greenson afirma que os maiores progressos na técnica psicanalítica vieram das importantes descobertas de FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 21 Freud sobre o duplo poder da transferência: “É um instrumento de valor insubstituível e é a fonte dos maiores perigos”. (1981; p. 167). As reações transferenciais oferecem ao analista uma oportunidade inestimável para investigar o passado inacessível e o inconsciente. A sua compreensão da transferência é colocada como um tipo de relacionamento especial com uma pessoa – uma forma característica de relacionamento objetal. Ele diz que a característica principal é a vivência de sentimentos – em relação a uma pessoa – que não está endereçada àquela pessoa e que, na verdade, está à outra. Fundamentalmente, uma pessoa no presente é reativada como se fosse uma pessoa do passado. “A transferência é uma repetição, uma nova edição de um relacionamento objetal antigo” (Freud in Greenson, 1987, p. 168). É um anacronismo, uma falha no tempo. Houve um deslocamento; impulsos, sentimentos e defesas visando a uma pessoa no passado foram transportados para uma pessoa no presente. É basicamente um fenômeno inconscientee a pessoa que reage com sentimentos transferenciais está quase que totalmente inconsciente dessa distorção. (ibidem, p. 168). Lagache cita, em A Transferência, que em O ego e os mecanismos de defesa, Anna Freud dedica algumas páginas para tratar especificamente da transferência e nos dá uma definição muito clássica. Por transferência entendemos todos aqueles impulsos do paciente devidos à sua relação com o analista. Esses impulsos não são uma criação objetiva no decurso da análise, mas emanam de relações objetais remotas (de fato, arcaicos) e ressuscitam, sob a influência do automatismo de repetição, no decorrer da análise. (1990, p. 56). FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 22 Para Lagache, a transferência é, no sentido mais estrito, “um deslocamento de afeto para a pessoa do analista” (1990, p. 103). Greenson afirma que as reações transferênciais são sempre inadequadas. Inadequadas na qualidade, quantidade ou duração da reação. A pessoa pode reagir a mais, ou a menos, ou então pode ter-se uma reação estranha ao objeto transferencial. A reação transferencial é incompatível no seu contexto atual, mas já foi, certa vez, uma reação adequada a uma situação do passado. Assim como as reações transferenciais não se ajustam a uma pessoa no presente do mesmo modo elas se encaixam muito bem para alguém no passado. As reações transferenciais são, portanto, essencialmente, repetições de um relacionamento objetal do passado. Concluindo, Greenson afirma que os fenômenos transferenciais são, sempre, repetições do passado; o paciente repete com seu analista aquilo que não pode e não vai lembrar. Portanto, seu comportamento transferencial é especialmente conveniente para fazer reconstruções do passado e, na verdade, esta característica da transferência e que lhe dá importância singular. AS TEORIAS TOPOGRÁFICAS E ESTRUTURAL E a sua inter-relação com a transferência. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 23 A divisão do psíquico em que o que é consciente e o que é inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, e somente ela torna possível a esta compreender os processos patológicos da vida mental, que são tão comuns quanto importantes, e encontrar lugar para eles na estrutura da ciência. Estas teorias constituem a base da Psicanálise e a compreensão do fenômeno da transferência está intimamente relacionada a este conhecimento. A Psicanálise se resume em estudar esses elementos e em como eles se relacionam. A TEORIA TOPOGRÁFICA A teoria topográfica é conhecida como “os três andares do psiquismo” (Silva, 1970, p. 42). Do ponto de vista tópico, a psique comportaria três sistemas: inconsciente, pré-consciente e consciente. CONSCIENTE Segundo Freud, o consciente é como uma espécie de órgão sensorial de atenção que opera em íntima associação com o pré-consciente. O sistema consciente no modelo topográfico se caracteriza como a parte da mente na qual as percepções que vêm do mundo externo ou de dentro do corpo ou da mente são trazidos à consciência. A consciência é vista como um fenômeno subjetivo, cujo conteúdo pode ser comunicado apenas pelo meio da linguagem ou do comportamento. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 24 Os fatos acontecem no consciente, são gravados no pré-consciente e recalcados no inconsciente. A Teoria Topográfica serve para explicar melhor a neurose. PRÉ-CONSCIENTE É o nosso arquivo de memória. Aí estão memórias que resgatamos quando queremos. Para William James, o pré-consciente corresponderia “as franjas da consciência”. Poderia também ser comparado a um arquivo morto: nomes, idéias, fatos não utilizados no dia-a-dia “desvanecem-se no crepúsculo do pré- consciente”, de tal sorte que como acontece com um arquivo morto, podem ou não ser localizados pelo consciente, quando este decide evocá-los. É interessante notar que, como fronteira que é, o pré-consciente mantém intercâmbio também com o inconsciente, seja recebendo dele material que quer vir à luz do dia, seja enviando à sua escuridão aquilo que recebeu do consciente. O sistema pré-consciente compreende aqueles conteúdos mentais capazes de serem trazidos à consciência quando focalizamos a atenção. Conceitualmente, o pré-consciente liga-se às regiões, tanto inconsciente quanto consciente da mente. O pré-consciente também mantém a barreira repressiva e censura desejos e vontades inaceitáveis. INCONSCIENTE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 25 O conceito de inconsciente como uma entidade mental já era conhecido antes das publicações de Freud. Freud encarou o inconsciente de uma maneira mais dinâmica de acordo com todo um sistema mental. Para Freud tudo entra em nossa mente pelo inconsciente. É a camada mais profunda do psiquismo. É um conjunto de processos dinâmicos, formado por desejos recalcados e pela libido. Para Jung, assim como para Freud, o inconsciente precisa ser aflorado ao consciente, onde chega necessitando de interpretação. O inconsciente seria o “fundo de toda a vida psíquica” e contém tudo que é mantido fora da consciência por bloqueios internos. Para o inconsciente são jogadas as experiências e lembranças associadas a fortes emoções que foram como que expulsas da consciência. O sistema inconsciente é o componente dinâmico. Em outras palavras, os conteúdos e processos mentais do inconsciente são mantidos fora da atenção através da força da censura ou repressão. O inconsciente está estreitamente relacionado com as pulsões instintivas. O conteúdo do inconsciente é limitado aos desejos que buscam gratificação. Os conteúdos do inconsciente podem tornar-se conscientes unicamente passando pelo pré-consciente, onde os censores são subjugados, permitindo que os elementos ingressem na consciência. Para Freud, o inconsciente é o verdadeiro psiquismo, o psiquismo real. Em seu livro A Cura Pelo Espírito, Stefan Zweig deu um exemplo extremamente claro de que compreendeu o que Freud expressou: “O inconsciente não é em absoluto o resíduo da alma, mas, pelo contrário, sua matéria prima, da qual só uma porção mínima alcança a superfície iluminada da consciência; mas a parte principal, chamada FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 26 inconsciente, que não se manifesta, nem por isso está morta ou privada de dinamismo. Dotada de vida e ação influi de modo efetivo sobre os nossos pensamentos e sentimentos, representando o setor mais plástico de nossa existência psíquica”. Como para Freud o inconsciente é o verdadeiro psiquismo, Tallaferro fez uma exposição bem mais profunda de todas as suas características. É, pois, importante considerar os modos próprios que o inconsciente tem de atual, que constituem o processo primário: a) ausência de cronologia; b) ausência de conceito de contradição; c) linguagem simbólica; d) igualdade de valores para a realidade interna e a externa, ou a supremacia da primeira; e) predomínio do princípio do prazer. Assim como o sistema inconsciente é regido pelo processo primário, segundo Tallaferro, também o pré-consciente tem leis próprias que constituem o processo secundário, que compreende: a) a elaboração de uma sucessão cronológica nas representações; b) a descoberta de uma correlação lógica; c) o preenchimento de lacunas existentes entre idéias isoladas; FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA ETRANSFERÊNCIA - pág. 27 d) a introdução do fator causal, ou seja, a relação de coexistência e sucessão entre o fenômeno: relação causa-efeito. A TEORIA ESTRUTURAL A Teoria Estrutural é o segundo aspecto sob o qual se pode considerar a psique. A Teoria Estrutural foi a última teoria elaborada por Freud sobre a constituição da mente, da personalidade do ser humano. Três sistemas estariam aí integrados: o Id, o ego e o superego. O modelo estrutural do aparelho psíquico é a pedra fundamental da psicologia do ego. As três províncias – id, ego e superego – são diferenciadas por suas diferentes funções. O ID A denominação “id” foi introduzida na terminologia psicanalítica por Greg Groddeck, que por sua vez a tomou de Nietzche, sendo legitimada por Freud em 1923 em seu livro O Ego e o ID. Corresponderia aos instintos primitivos, atuando exclusivamente no inconsciente. É a fonte dos dois grandes impulsos de onde derivam todos os outros: o amor e o ódio, os impulsos eróticos e agressivos ou ainda da permanente batalha entre eros e tanatos – aquele o instinto da vida, ente o da morte e da destruição. Todo processo da vida está ligado à batalha que essas fontes primitivas de energia e de impulsos travam entre si e com a própria pessoa. Do domínio, controle e direção que se obtenha sobre elas dependerá o curso da nossa vida. Embora este assunto tenha sido profundamente estudado na visão psicanalítica de Freud, não é um assunto FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 28 novo, já tendo sido citado na Bíblia, através do Apostolo Paulo, para ressaltar o eterno conflito interno do ser humano: “O bem que quero, este não faço, o mal que não quero, este faço”. Tal como o inconsciente, o id é ilógico, atemporal e regido pelo princípio do prazer – isto é, o que move é a busca do prazer a qualquer preço. O que caracteriza o comportamento de uma criança. Em verdade, o id se torna adulto, permanecendo infantil e primitivo ao longo de toda a vida, sempre procurando manifestar e obter o que quer, independente das proibições, conveniências, convenções e até do prejuízo que possa causar a pessoa de que faz parte. O id é chamado à realidade pelo ego. O id é inalterável. É o homem como máquina. A nível de id o homem não mudou através dos tempos. Freud usou o termo “id” para referir-se a um reservatório das pulsões instintuais desorganizadas. A TRANSFERÊNCIA E O ID; A COMPULSÃO À REPETIÇÃO Em A Transferência, Lagache lembra-nos que a questão da transferência é abordada por diversas vezes em Além do princípio do prazer (Freud, 1920); a transferência, com a neurose traumática e os jogos infantis, é um dos dados psicológicos em que se apóia Freud para demonstrar a existência de um automatismo de repetição, o qual transcende o princípio de prazer-desprazer. Ele afirma categoricamente que a compulsão à repetição, na transferência, é independente do princípio de prazer: Ao invés da repetição no jogo infantil, é evidente que a tendência que o leva a reproduzir por meio da transferência, os acontecimentos do período infantil de sua vida é, sob todos os aspectos, independente do princípio de prazer, transcende-o, por assim FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 29 dizer. O doente comporta-se nessa ocasião de maneira inteiramente infantil e mostra-nos assim que os traços mnêmicos recalcados prendem-se às suas mais primitivas experiências psíquicas, que não existem nele em estado ligado e são até, numa certa medida, incompatíveis com os processos secundários. Essa mesma tendência para a repetição ergue-se freqüentemente diante de nós como um obstáculo terapêutico quando queremos, no fim do tratamento, obter do paciente que se desprenda por completo do analista. (p. 34). Pode-se dizer, portanto, afirma Lagache, que se os fenômenos de transferência figuram no primeiro plano entre os dados que decidem Freud a postular a compulsão à repetição, esta, por sua vez, repercute no modo pessimista como ele apresenta os fenômenos de transferência; só é utilizada a repetição automática das pulsões recalcadas; é deixado de lado o aspecto dinâmico e talvez criador da tensão que as envolve em novas experiências e as impele para novos objetos. Ao mesmo tempo, as hipóteses tópicas, ao formularem de uma nova maneira a opinião entre o ego e as pulsões recalcadas, levam Freud a acentuar a conformidade da defesa do ego com o princípio de prazer e, por conseguinte, e não conformidade do id. (p. 35). O EGO É constituído durante toda a vida. É uma emanação do id no confronto com a realidade. Ego quer dizer exatamente o “eu”, ao passo que id é um termo latino associado ao alemão “es” por Nietzche, querendo dizer “ele”. Freud quis assim enfatizar a existência, dentro de cada um de nós, de duas forças distintas: nós mesmos, da qual tomamos consciência e controlamos e um outro (ele), que foge a nosso controle e que na verdade desconhecemos. Ao contrário do id, que é puramente impulso, instinto e querer, e totalmente irresponsável, o ego é pleno de responsabilidade e preocupação com as conseqüências de seus atos. O ego possui a tarefa de auto-preservação. No que diz respeito a FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 30 conhecimentos externos, desempenha esta tarefa tornando-se consciente dos estímulos, armazenando experiências sobre eles (na memória), evitando estímulos excessivamente fortes (através da fuga), lidando com estímulos moderados (através da adaptação) e, finalmente, aprendendo a realizar mudanças convenientes no mundo externo para seu próprio beneficio (através da atividade). Toda mudança é alteração do ego. O ego é o órgão executivo da psique e controla a motilidade, percepção, contato com a realidade e, através dos mecanismos de defesa de que dispõe, o adiamento e modulação da expressão dos impulsos. O principal papel do ego é coordenar funções e impulsos internos, e fazer com que os mesmos possam expressar-se no mundo exterior sem conflitos. Ele tem duas funções muito importantes, que são o exame da realidade e o trabalho de síntese. A psicanálise é, para Freud, “um instrumento que capacita o ego a conseguir uma progressiva conquista do id”. (Freud, 1969, p. 61). Para Freud, em O Ego, e o Id, “o ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste com o id, que contém as paixões”. E para maior clareza de suas argumentações ele faz uso da analogia: A importância funcional do ego se manifesta no fato de que, normalmente, o controle sobre as abordagens à motilidade compete a ele. Assim, em sua relação com o id, ele é como um cavaleiro que tem de manter controlada a força superior do cavalo, com a diferença de que o cavaleiro tenta fazê-lo com a sua própria força, enquanto o ego utiliza forças tomadas de empréstimo. A analogia pode ser levada um pouco além. Com freqüência um cavaleiro, se não deseja ver-se separado do cavalo, é obrigado a FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 31 conduzi-lo aonde este que ir; da mesma maneira, o ego tem o hábito de transformar em ação a vontade do id, como se fosse sua própria. (1969, p. 25). O SUPEREGO Pode ser entendido como nosso censor e crítico inconsciente, embora uma íntima parte dele corresponda à censura consciente. Nele entra toda a nossa bagagem cultural. O superego estabelece e mantém a consciência moral da pessoa com base em um sistema complexo de ideais e valores internalizados a partir dos próprios pais. Freud via o superego como o herdeiro do complexo de Édipo. No círculo do SER,o superego é formado pela interseção do id e do ego. A formação do superego decorre basicamente da incorporação, que fazemos à nossa bagagem psíquica, dos valores, das normas e dos padrões de comportamento que nos são legados, principalmente por nossos pais e primeiros mestres, secundariamente, pelo meio social em que estamos inseridos. A função do superego pode se resumir em: acusar e criticar o ego. É, pois, o principal responsável pelo sentimento de culpa que todos nós sentimos, tanto em nível consciente quanto inconsciente. O superego funciona bem somente em uma mente normal. Em psicóticos ele não filtra ou filtra mais do que deveria, não funciona como cerceador, como componente da personalidade. Na criança muito nova existe, pois, a predominância do id. Um bebê recém- nascido, segundo Freud, é puramente id. À medida que cresce, a criança FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 32 começa a perceber que existem barreiras e limites que impedem a consecução de seus desejos. Lentamente, então, forma-se, desenvolve-se e fortalece-se o ego. Este age, pois, principalmente na área da consciência, embora atue também, em menor escala, sobre a porção do inconsciente. Daí para frente começa a formar-se o superego. Diz Fenichel1: “A agressividade do id, antes dirigida para os objetos, contribui para formar o superego, e essa agressividade assim transformada acaba tomando o ego por objeto, com uma intensidade variável, conforme o objeto”. (Fenichel in Tallaferro, 1996, p. 98) Tallaferro, resumindo o estudo do superego, diz: O superego representa todas as restrições morais e todos os impulsos para a perfeição. É o instrumento psicológico do que se costuma chamar ‘as coisas superiores da vida’. O conhecimento de suas existências e formas de atuação constitui uma grande ajuda para a compreensão de diferentes sintomas, da conduta social do homem e de problemas sociais agudos, como a delinqüência. (p. 99). O superego luta por perfeição, o ego exige adequação à realidade e o id esforça-se para obter prazer e evitar sofrimento, independentemente dos meios e das conseqüências. Em relação as duas teorias, Tallaferro afirma: “O ego tem uma parte dentro do consciente, mais atinge o pré-consciente e o inconsciente. O id, em compensação, está totalmente situado no inconsciente e é regido pelas leis FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 33 desse sistema”. Em suma, afirma ele, são campos de limites imprecisos, nebulosos, que têm zonas fronteiriças comuns. TRANSFERÊNCIA E SUPEREGO Argumentando sobre este assunto, Lagache, em A Transferência cita uma consideração de Freud sobre o assunto: “toda situação pode ser resumida nesta fórmula: o objeto tomou o lugar do que era o ideal do ego” (p. 36). Se, por outro lado, o objeto é colocado no lugar do ego, tem-se uma transformação parcial (do ego), segundo o modelo do objeto desaparecido, ou seja, uma identificação; em todos os casos trata-se, de acordo com a expressão de Ferenczi, de uma introjeção do objeto no ego. Conclusão As teorias topográfica e estrutural apresentam-se como um pano de fundo no cenário da transferência e estão fundamentalmente interrelacionadas neste fenômeno. Compreendendo a transferência como uma reedição de um protótipo infantil, os elementos que o compõem estão recalcados no inconsciente e vêm à tona no processo analítico com um forte acento de atualização. O paciente põe-se a repetir condutas cujos fundamentos se encontram enraizados na sua infância, que por sua vez estão armazenados no inconsciente. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 34 Enquanto fenômeno do sistema inconsciente, Etchegoyen afirma que “a transferência pertence à realidade psíquica, a fantasia e não à realidade dos fatos. Isso quer dizer que os sentimentos, impulsos e desejos que aparecem no momento atual e em relação a uma determinada pessoa (objeto) não podem ser explicados em termos dos aspectos reais dessa relação e sim, ao contrário, se as referir ao passado”. (p. 54). Silvestre afirma em A Transferência é Amor que se Dirige ao Saber: A hipótese do inconsciente é necessária para explicar a transferência. Pode-se até dizer que é num mesmo movimento que Freud, por uma parte, verificou em seus pacientes os surgimentos de lembranças e de palavras ‘deslocadas’, a que denominou suspensão de recalcamento, e por outra parte, a hipótese do inconsciente se impõe. O inconsciente pode neste ponto ser definido como o lugar onde são guardados em reserva as determinações do sujeito, e a transferência, como o movimento, o processo pelo qual tais determinações são reveladas pela palavra. (p. 95). Ele ainda conclui suas considerações afirmando que “organizada como uma máquina de produzir significantes inconscientes, a transferência pode portanto conceber-se de modo muito simples. Não há mistério. Só complicações” (p. 96). FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 35 AS IMPLICAÇÕES DA TRANSFERÊNCIA NA RELAÇÃO PACIENTE- ANALISTA Em sua definição dos fenômenos de transferência, Freud diz: São reimpressões, cópias das moções e das fantasias que devem ser despertadas e tornadas conscientes à medida dos progressos da análise; o que é característico da sua espécie é a sua substituição pela pessoa do médico de uma pessoa anteriormente conhecida. (Freud in Laplanche e Pontalis, p. 517). O caráter inevitável e automático da transferência é acompanhado, no paciente, quando da revivescência deste ou daquele afeto, por uma cegueira total. O paciente esquece completamente de que a realidade da situação analítica não tem nada a ver com a situação outrora vivenciada, que tinha suscitado esse afeto. É nesse ponto que a intervenção do analista é decisiva, mesmo que às vezes se limite a um silêncio atento, mas que, de uma ou de outra forma, demonstra que o analista compreendeu em que lugar (pai, mãe, etc.) o paciente o coloca. Ademais, o analista sabe que nada mais faz do que se prestar a esse papel. Tal distanciamento mantido pelo analista que o paciente analise, a posteriori, essa transferência e, ao mesmo tempo, progrida. Cada transferência deve ser tratada como qualquer sintoma, de forma a manter ou restaurar uma relação terapêutica fundada numa cooperação confiante, em que Freud, entre outros fatores, faz intervir a influência pessoal do médico sem a referir de modo nenhum a transferência. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 36 Greenson afirma que a transferência é em si uma repetição inadequada do passado. A repetição pode ser uma cópia exata do passado, uma réplica, uma recordação ou pode ser uma edição nova, uma versão modificada, uma representação distorcida do passado. Se uma modificação do passado transpira no comportamento transferencial, então é, em geral, em direção à satisfação do desejo. Muitas vezes, as fantasias da infância são vivenciadas como se realmente tivessem acontecido. Os pacientes vão vivenciar sentimentos em relação ao analista, sentimentos esses que podem ser interpretados como uma sedução sexual feita pelo pai, que, mais tarde, mostraram ser uma repetição de um desejo que ocorrera originalmente como uma fantasia infantil. O analista é um alvo ideal das reações transferenciais, mas todas as pessoas importantes na vida de um indivíduo também o são. Não resta dúvida que os afetos transferidos pelo analisando para o analista constituem um enamoramento, contudo, é um enamoramentotodo especial, porque não se sedimenta em objetivos sexuais. É um alerta para o analista, visto que o sentimento pode ser tomado como paixão verdadeira pelo paciente. É importante ressaltar que este amor transferido não é amor legítimo. Argumentando sobre esse amor, Gastão Pereira da Silva alerta que: “ao analista, cabe prevenir-se contra uma possível transferência amorosa recíproca... Em primeiro lugar, deverá suspeitar que tudo aquilo vem perturbar a cura que se está esforçando por realizar e assim deve encarar a transferência positiva como uma manifestação da resistência e, pensando assim, explicará a participação do amor no curso da análise”. (Silva, 1970, p. 163). FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 37 Para muitos opositores da Psicanálise este é um ponto vulnerável. É para reafirmar suas convicções, Gastão usa um exemplo de Freud citando: “é-nos fácil saber que um psicanalista, em tais casos, opera como um químico num laboratório de explosivos. É claro, portanto, que terá de observar a mesma prudência e o mesmo cuidado, a fim de evitar o desastre”. (Ibidem p. 164) Laplanche e Pontalis, dão-nos alguns esclarecimentos indispensáveis da transferência do ponto de vista da sua função no tratamento: A transferência é antes de tudo, da forma mais explicita, classificada por Freud entre os principais “obstáculos” que se opõem à rememoração do material recalcado. Mas, também desde o início, o seu aparecimento é assinalado como freqüente e mesmo generalizado: ‘... podemos estar certos de que a encontraremos em qualquer análise relativamente séria’. (1997; 518). Por isso, neste momento do seu pensamento, afirmam Lapanche e Pontalis, Freud constata que: O mecanismo da transferência para a pessoa do analista se desencadeia no próprio momento em que conteúdos recalcados particularmente importantes ameaçam se revelar. Neste sentido, a transferência surge como forma de resistência, e ao mesmo tempo assinala a proximidade do conflito inconsciente. Assim, Freud encontra desde a origem o que constitui a própria contradição da transferência e o que motiva as formulações muito divergentes que apresentou acerca da sua função; em certo sentido, ela é, relativamente à rememoração verbalizada, “resistência de transferência”; em outra, na medida em que constitui tanto para o sujeito como para o analista uma maneira privilegiada de apreender “a quente” e “in statu nascendi” os elementos do conflito infantil, ela é o terreno em que se representa, em sua atualidade irrecusável, a FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 38 problemática singular do paciente, em que este se encontra confrontando com a existência, com a permanência, com a força dos seus desejos e fantasias inconscientes. E, para enfatizar a importância deste tema para a teoria psicanalítica, trazem uma das mais brilhantes citações sobre o tema transferência: É inegável que a tarefa de domar os fenômenos de transferência implica as maiores dificuldades para o psicanalista; mas é preciso não esquecer que são justamente elas que nos prestam o inestimável serviço de atualizar e manifestar as moções amorosas, sepultadas e esquecidas. (Freud in Laplanche e Pontalis, p. 518). E isto assume importância cada vez maior para Freud: A transferência, tanto na sua forma positiva como negativa, entra a serviço da resistência; mas nas mãos do médico torna-se o mais poderoso dos instrumentos terapêuticos e desempenha um papel que não pode deixar de ser hipervalorizado na dinâmica do processo de cura. (1992, p. 518). Mas inversamente, deve notar-se o fato de que, mesmo quando Freud vai mais longe no reconhecimento do caráter privilegiado da repetição na transferência – “o doente não pode recordar-se de tudo o que nele está recalcado, nem talvez do essencial. Ele é antes obrigado a repetir e recalcado, como vivência no presente” – isso não o impede de enfatizar a seguir a necessidade de o analista “... limitar o mais possível o domínio desta neurose de transferência, de levar o máximo de conteúdo possível para o caminho da rememoração e de FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 39 abandonar o mínimo possível à repetição”. (Freud in Laplanche e Pontalis, p. 518). De todas as vantagens que a transferência tem para a adequada relação entre analista e paciente, há duas que merecem total atenção e cuidados, pois acenam para o analista como uma tentação, e este alerta vêm de Freud: Ademais, a relação de transferência traz consigo duas outras vantagens. Se o paciente coloca o analista no lugar do pai (mãe), está também lhe concedendo o poder que o superego exerce sobre o ego, visto que os pais foram, como sabemos, a origem de seu próprio superego. O novo superego dispõe agora de uma oportunidade para uma espécie de pós-educação do neurótico; ele pode corrigir erros pelos quais os pais foram responsáveis ao educá-lo. A essa altura cabe uma advertência contra o mau uso dessa nova influência. Por mais que o analista possa ficar tentado a transformar-se num professor, modelo e ideal para outras pessoas, e criar homens a sua própria imagem, não deve esquecer que essa não é a sua tarefa no relacionamento analítico, e que, na verdade, será desleal a essa tarefa se permitir-se ser levado por suas inclinações. Se o fizer, estará apenas repetindo um equívoco dos pais, que esmagaram a independência do filho através de sua influência e estará simplesmente substituindo a primitiva dependência do paciente por uma nova. Em todas as suas tentativas de melhorar e educar o paciente, o analista deve respeitar a individualidade deste. A influência que possa legitimamente permitir- se será determinada pelo grau de inibição no desenvolvimento apresentado pelo paciente. Alguns neuróticos permaneceram tão infantis que, também na análise, só podem ser tratados como crianças. (Freud, 1940a:175). Para complementar, Daniel Lagache também deixa claro o papel do analista na questão da transferência. Ele esclarece que em todos os escritos técnicos, demonstrar e recomendar a receptividade do analista foi uma preocupação FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 40 constante de Freud. Ele evoca a famosa comparação do espelho de Freud, citada nos Conselhos aos médicos de 1912: “O médico deveria ser impenetrável ao paciente e, como um espelho, só refletir o que lhe é mostrado” (1990; 21). Continua assinalando que é por isso que ele condena a ambição terapêutica, a reciprocidade das confidências, a ação educadora. Recomenda a análise didática e a auto-análise como controle da contratransferência. Para ele, a regra da atenção flutuante é simétrica à regra de associação livre, e o analista “deve fazer do seu inconsciente um órgão receptor no que se refere ao inconsciente do paciente que emerge”. Do mesmo modo o receptor converte em ondas sonoras as vibrações elétricas induzidas pelas ondas sonoras, também o inconsciente do médico é capaz de reconstruir o inconsciente do paciente, que dirigiu suas associações, de acordo com as comunicações que dele derivam. (Lagache, 1990, p. 22). Freud recomenda ainda ao psicanalista a frieza emocional do cirurgião, que só tem que se preocupar com a tarefa de operar bem; o analista deveria inspirar- se na máxima de um antigo cirurgião: “Je le pansai, Dieu lê guérit”. (Eu lhe fiz os curativos, Deus o curou”. (Freud in Lagache, p. 22). A CLASSIFICAÇÃO DAS REAÇÕES TRANSFERÊNCIAIS Ao falar da transferência, Freud distingue a transferência positiva e a transferência negativa. Foi levado a fazeresta distinção, quando constatou que a transferência poderia se tornar a mais forte resistência oposta ao tratamento e quando se perguntou o porquê. Essa distinção se deve, segundo Freud, à necessidade de tratar diferentemente esses dois tipos de transferência. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 41 Servimos ao paciente em diversas funções, com autoridade e substituto dos pais, como professor e educador, e fizemos o melhor por ele se, como analistas, elevamos os processos mentais de seu ego a um nível normal, transformando o que se tornou inconsciente e reprimido em material pré- consciente, e assim devolvemo-lo, mais uma vez, à posse de seu ego. Do lado do paciente, alguns fatores racionais trabalham em nosso favor, tais como a necessidade de restabelecimento, que tem seu motivo nos sofrimentos dele, e o interesse intelectual que possamos ter-lhe despertado pelas teorias e revelações da Psicanálise; de muito maior força, porém, é a transferência positiva com que ele nos recebe. Lutando contra nós, por outro lado, estão a transferência negativa, a resistência do ego devida à repressão (isto é, seu desprazer por ter de abrir-se ao árduo trabalho que lhe é imposto), o sentimento de culpa que surge de sua relação com o superego e a necessidade de estar doente devida a mudanças profundas na economia de seus instintos [do paciente]. (Freud, 1940a:181-2). A transferência positiva se compõe de sentimentos conscientes amigáveis e ternos, e outros, cujos prolongamentos são encontrados no inconsciente e que, constantemente, parecem ter um fundamento erótico. Ao contrário, a transferência negativa se refere à agressividade em relação ao analista, à desconfiança etc. Freud traz-nos esclarecimentos sobre este assunto: A transferência sobre a pessoa do analista não representa o papel de uma resistência, a não ser quando se tratar de uma transferência negativa, ou então de uma transferência positiva composta de elementos eróticos recalcados. (A dinâmica da transferência, 1912). Por outro lado, a transferência positiva, em virtude da confiança do paciente, permite que o paciente fale mais facilmente sobre as coisas difíceis de serem FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 42 abordadas em outro contexto. Contudo, é evidente que toda transferência é constituída, simultaneamente, de elementos positivos e negativos. Diz-se que a transferência é positiva, negativa ou ambivalente segundo os afetos e atitudes transferidos pertençam à classe do amor, do ódio e da ambivalência. Mas, é importante informar o que Greenson registrou sobre este assunto: Embora Freud tenha reconhecido muito cedo que todos os fenômenos transferencias são ambivalentes por natureza, o rótulo de transferência positiva e negativa continuaram a ser suas formas favoritas de nomenclatura. Apesar de todas as ambigüidades e erros que este tipo de classificação acarreta, continuou sendo a designação mais freqüente utilizada entre os psicanalistas praticantes. (1981; 248). A TRANSFERÊNCIA POSITIVA Há uma transferência positiva quando o paciente sente pelo seu analista sentimentos tais como: amor, apego, confiança, amorosidade, preocupação, dedicação, admiração, desvario, paixão, desejo, o gostar, ternura ou respeito. As formas de amor não-sexuais, não-românticas e moderadas fazem parte da aliança de trabalho. Outra forma importante de transferência positiva ocorre quando o paciente se apaixona pelo analista. Este é um fato comum nas análises, porque nossos FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 43 pacientes tiveram experiências dolorosas nesse campo em suas vidas passadas. É um sentimento reprimido e emerge como amor transferencial no decorrer da análise. Greenson afirma que Freud foi inquestionavelmente claro nos conselhos que deu sobre a paixão do paciente pelo analista: O analista não se pode permitir nem mesmo as gratificações eróticas mais inocentes e parciais. Qualquer gratificação desse tipo torna o amor da paciente relativamente impossível de ser analisado. Isso não quer dizer que se deva comportar de maneira insensível e empedernida. Deve ser-se respeitoso e cuidadoso com a paciente em sua dor e mesmo assim continuar em sua tarefa de analisar. (1981; 250). Talvez em nenhum outro momento seja tão absolutamente necessária a atitude analítica de firmeza, compaixão e humanidade controlada. Freud certa vez definiu a psicanálise como todo tipo de investigação que leve em consideração a “transferência” e a “resistência” e, com efeito, ao menos na clínica, nada é possível sem transferência e, menos ainda, sem transferência positiva. Enquanto é positiva, ela nos serve admiravelmente. Altera toda a situação analítica; empurra para o lado o objetivo racional que tem o paciente para ficar sadio e livre de seus achaques. Em lugar disso, surge o objetivo de agradar o analista e de conquistar o seu aplauso e amor. Este passa a ser a verdadeira força motivadora da colaboração do paciente; e seu ego fraco torna-se forte; sob essa influência realiza coisas que, ordinariamente, estariam além de suas forças; desiste dos sintomas e aparenta ter-se restabelecido – simplesmente por amor ao analista. Este pode modestamente admitir para si próprio que se FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 44 dispôs a uma empresa difícil sem suspeitar sequer dos extraordinários poderes que estariam sob seu comando. (Freud, 1940a:175). Evidentemente, este amor pelo analista é só meia verdade, mas é a metade da verdade que deve vir primeiro (a transferência negativa e as resistências devem ser, no mínimo, concomitantes, ou, o que é o ideal. Devem secundar a transferência positiva). Deve, portanto, a transferência positiva, ser o carro chefe do processo analítico. A TRANSFERÊNCIA NEGATIVA O termo “transferência negativa”, segundo Greenson, é empregado para designar sentimentos transferenciais que se baseiam no ódio em qualquer de suas diferentes modalidades, seus antecedentes e seus derivativos. A transferência negativa pode ser expressa como ódio, ira, hostilidade, desconfiança, desdém, aversão, censura, ressentimento, amargura, inveja, desgosto, desprezo, aborrecimento etc. Está sempre presente na análise, embora seja, em geral, muito mais difícil de ser descoberta do que as manifestações da transferência positiva. Não são só os pacientes que se defendem da percepção do ódio transferencial, mas o próprio psicanalista é capaz, inconscientemente, de compartilhar dessa resistência. Greenson afirma que o “aparecimento das reações transferenciais negativas transitórias logo no início da análise traz mais problemas do que o amor transferencial passageiro também no princípio”, e esclarece-nos mais sobre o assunto: FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 45 A hostilidade e a ira ao iniciar-se a análise, antes de estabelecida uma aliança de trabalho segura, faz com que o paciente tente atuar e interromper a análise... Mas, uma vez estabelecida uma aliança de trabalho, a emergência da transferência negativa pode ser um sinal importante de progresso. O reviver da hostilidade e ódio pelas figuras da infância primitiva, na transferência, é uma fase muito produtiva do trabalho analítico, contanto que esteja presente uma boa aliança de trabalho... A ausência de transferência negativa, ou seu aparecimento apenas em reações esporádicas e passageiras, é indício de uma análise incompleta. (1981, p, 261). Portanto, a análisedo ódio transferencial é tão importante quanto a do amor transferencial. NEUROSE DE TRANSFERÊNCIA O termo “neurose de transferência” tem dois sentidos, um nosográfico e um técnico, segundo afirma Lagache, em A Transferência. “No sentido nosográfico, é a neurose na qual a transferência psicanalítica é possível (histeria, neurose obsessiva) por oposição à neurose narcísica, na qual a transferência psicanalítica é impossível ou, pelo menos, difícil (melancolia, esquizofrenia). No sentido técnico, é a neurose terapêutica que, num tratamento psicoterapêutico, substitui a neurose clínica; de um modo geral, o termo só é aplicado ao tratamento psicanalítico e corresponde ao processo no qual os sintomas da neurose clínica são transpostos para a relação do analisando com FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 46 o psicanalista; mencionou-se igualmente a “neurose de transferência” ao falar da hipnose, da catarse”. (p. 104, 105). Lapache e Pontalis esclarece que é em Recordar, Repetir, Perlaborar que Freud introduz a noção de neurose de transferência relacionada com a idéia de que o paciente repete na transferência os seus conflitos infantis. Desde que o paciente consinta em respeitar as condições de existência do tratamento, conseguimos regularmente conferir a todos os sintomas da doença um novo significado transferencial, substituir a sua neurose comum por uma neurose de transferência de que pode ser curado pelo trabalho terapêutico. (Freud in Laplanche e Pontalis, p. 309). Laplanche e Pontalis continuam argumentando que segundo esta passagem: parece que a diferença entre as reações de transferência e a neurose de transferência propriamente dita pode ser compreendida do seguinte modo: na neurose de transferência, todo o comportamento patológico do paciente vem se recentrar na sua reação com o analista. Poderíamos dizer que, por um lado, a neurose de transferência coordena as reações de transferência a princípio difusas e, por outro lado, ela permite que o conjunto dos sintomas e comportamentos patológicos do paciente assumam uma nova função referindo- se à situação analítica. (1997; p. 309) Afirmam, ainda, que para Freud, a instauração da neurose de transferência é um elemento positivo na dinâmica do tratamento: “O novo estado assumiu todas as características da doença, mas representa uma doença artificial por todos os lados acessível às nossas influências”. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 47 Nesta perspectiva, concluem afirmando que: Podemos ter por modelo ideal do tratamento a seguinte seqüência: a neurose clínica transforma-se em neurose de transferência, cuja elucidação leva à descoberta da neurose infantil. (1997; p. 310). Reafirmando, a Neurose de Transferência é o processo pelo qual os sintomas da neurose são transpostos para a relação do paciente com o analista. É a substituição de uma neurose comum por uma que pode ser curada pelo trabalho terapêutico, por se tornar acessível às nossas influências. Diz-se que na neurose de transferência o analista deixa de ser testemunha e passa a ser ator, por se envolver na situação. É uma neurose que há que ser controlada quanto à sua expansão, esforçando-se, entretanto o analista, em levar o máximo de rememoração ao quadro com o fim de reduzir ao mínimo a repetição. Na prática, o analista acopla a Neurose de Transferência a regra de abstinência, que visa impedir que o paciente, no tratamento, encontre o mínimo de satisfações substitutivas para os seus sintomas. O analista nunca atende às solicitações do paciente que visem preencher os papéis que pretende impor ao analista. Recomenda-se a regra de abstinência especificamente ante comportamento repetitivos que dificultem à rememoração e a elaboração. FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 48 Na Neurose de Transferência, o analista se abstém de ceder, manifestar afeição, desaprovação ou opinião. Considero antes que trata de alguém sob a ação do id, mas que não decidiu como e se deve satisfazer ou não os impulsos atuantes. Freud usou o termo “Neurose de Transferência” de duas maneiras diferentes. Por um lado, ele usou o termo para designar um grupo de neuroses caracterizado pela aptidão do paciente em criar e manter uma série de reações transferências relativamente coerente, multiforme e acessível. Freud também usou este termo para transcrever uma ocorrência usual nas reações transferenciais de um paciente em tratamento psicalalítico. (Freud, 1905c, 1914c, 1916-1917, Cap XXVIII). Ferenczi compreende claramente que a tendência a transferir é um traço fundamental da neurose, ou como ele diz, “que a neurose é esta paixão pela transferência: o paciente foge de seus complexos e, em total submissão ao princípio do prazer, distorce a realidade conforme seus desejos”. (Ferenczi in Etchegoyen, 1978, p. 55). Segundo Etchegoyen, Freud concebe a neurose de transferência como um efeito especial do início do tratamento psicanalítico em que cessa a produção de novos sintomas e surgem em substituição a eles outros novos que convergem para o analista e seu ambiente. No decorrer de uma análise, pode notar-se que os interesses do paciente se vão concentrando cada vez mais na pessoa do analista. Freud salientou como a compulsão à repetição no paciente neurótico se torna não só inofensiva, mas útil, aceitando-se essa compulsão à repetição na transferência: FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 49 “como um pátio de recreio que só é permitido expandir com liberdade quase total e onde se espera que nos seja mostrado tudo aquilo que está escondido na mente do paciente sob a forma de instintos patogênicos”. (Freud, 1914c, p. 154). Se a situação transferencial é manejada adequadamente: ... nós, normalmente, conseguimos dar um significado transferencial novo a todos os sintomas da doença e substituir sua neurose habitual por uma “neurose de transferência”, da qual o paciente pode ser curado através do trabalho terapêutico”. (Freud, 1914c, p. 154). A neurose transferencial assume todos os aspectos da doença do paciente, mas é uma doença artificial e é acessível à nossa intervenção em todos os pontos. É uma nova edição de uma doença antiga. Nas primeiras fases do tratamento psicanalítico, geralmente observamos reações transitórias esporádicas, que Glover denominou de reações transferenciais “flutuantes” (1955, p. 37). Se essas reações transferenciais iniciais forem adequadamente manejadas o paciente vai desenvolver reações transfereciais mais prolongadas. Clinicamente, podemos notar o desenvolvimento da neurose de transferência pelo aumento de intensidade e duração da preocupação do paciente pela pessoa do analista e pelos processos e procedimentos analíticos. O analista e a análise se tornam a principal preocupação da vida do paciente. Além dos sintomas do paciente e das exigências instintuais girarem em torno FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - www.psicanaliseclinica.com MÓDULO 11 - PROCESSOS DE RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA - pág. 50 do analista, também todos os conflitos neuróticos antigos são remobilizados e concentrados na situação analítica. Esse interesse será sentido pelo paciente como uma variedade e mistura de amor e ódio assim como defesas contra estas emoções. Se predominarem as defesas, algum tipo de ansiedade ou culpa aparecerá em primeiro plano. Estas reações podem ser intensas, explosivas, sutis ou crônicas. De qualquer forma, assim que se formou a neurose de transferência, tais constelações