Buscar

monografia Daniel Bruno de Jesus Ferreira

Prévia do material em texto

1 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS 
CURSO DE HISTÓRIA 
 
 
 
 
DANIEL BRUNO DE JESUS FERREIRA 
 
 
 
 
 
“POR OCCASIÃO DA EPIDEMIA”: o aparato médico durante os surtos epidêmicos em 
São Luís do Maranhão (1850-1855) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2013 
2 
 
 
 
 
 
DANIEL BRUNO DE JESUS FERREIRA 
 
 
 
 
“POR OCCASIÃO DA EPIDEMIA”: o aparato médico durante os surtos epidêmicos em 
São Luís do Maranhão (1850-1855) 
 
Monografia apresentada ao Curso de História 
da Universidade Federal do Maranhão, para 
obtenção do grau de Licenciatura em História. 
Orientador: Profº. Ms. Manoel de Jesus 
Barros Martins 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2013 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FERREIRA, Daniel Bruno de Jesus. 
 “Por occasião da epidemia”: o aparato médico durante os surtos 
epidêmicos em São Luís do Maranhão (1850-1855)/ Daniel Bruno 
 de Jesus Ferreira. – 2013. 
 54- f. 
 Impresso por computador (fotocópia). 
 Orientador: Manoel de Jesus Barros Martins. 
 Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Maranhão, 
 Curso de História, 2013. 
 1. Saúde pública - São Luís – MA 2. Epidemias –3. Cemitérios 
 I. Título 
 CDU 614(812.1).06 
 
 
 
 
4 
 
 
DANIEL BRUNO DE JESUS FERREIRA 
 
 
“POR OCCASIÃO DA EPIDEMIA”: o aparato médico durante os surtos epidêmicos em 
São Luís do Maranhão (1850-1855) 
 
Monografia apresentada ao Curso de História 
da Universidade Federal do Maranhão, para 
obtenção do grau de Licenciatura em História. 
 
 
Aprovada em: / / 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
Prof. Ms. Manoel de Jesus Barros Martins – (Orientador) 
Mestre em História 
Universidade Federal do Maranhão 
 
 
 
Profª Drª Antonia da Silva Mota 
 
 
 
Profª Drª Maria da Glória Guimarães Correia 
 
 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
A Deus por mais essa vitória. 
Nossa Senhora de Fátima, São Jorge e São João que mantiveram minha fé e o meu 
foco. 
A minha mãe Wilsa por todo amor e carinho, e pelas palavras de incentivo. 
A meu pai José Domingos Ferreira (in memorian) pelo homem batalhador que 
sempre foi e pelos bons exemplos que deixou. 
Aos meus avós maternos Marister e Wilson (in memorian) que sempre estiveram 
presentes em minha vida, e sempre tiveram muito orgulho do seu neto mais velho. 
Ao meu irmão Marcos André que sempre torceu e desejou o melhor pra mim. 
A Joyce Pereira, amada e amiga pelo apoio e amor incondicional, 
Ao professor Manoelzinho pela amizade e pela valorosa orientação. 
A todos os professores do departamento de História da UFMA que cotribuíram para 
minha formação acadêmica, e em especial a Profª. Drª Antonia Mota, Profª. Drª Maria da 
Gloria Guimarães, Profª. Drª Regina Faria, Prof. Dr. Flavio Soares, Prof. Dr. Alexandre 
Navarro, Prof. Ms. Washigton Tourinho, Prof. Dr. Johnni Langer e Prof. Dr. Dorval do 
Nascimento. 
A todos os amigos e companheiros do Curso de História e agregados, um abraço 
especial para Natalia Barbosa, Rodrigo Boleta, Rodrigo Muniz (in memorian), Ruan Mota, 
Luis de França, Valquíria Nascimento, Rayan, Yasmim Porto, Íris Michelle, Gomes, Paulo 
Roberto, Luciana Fernandes, Laiana, Rogério Coelho, Wanderson, Rafael Aguiar, 
Peterson, Chico Junior, Thiago Brandão, Flávio, Luan, Flávia Marreiros, Danielle Caldas, 
Fernanda, Katiuce, Vanessa e Pedro Moraes. 
A toda a equipe do Arquivo Público do Estado do Maranhão, em especial a dona 
Lourdes, dona Ivone e dona Conceição Rios, por toda a ajuda prestada durante essa 
pesquisa. 
A dona Sandra, senhor Francisco, Marjory e Pimenta Neto, pelo apoio e amizade 
para comigo. 
A todos os amigos e familiares que estiveram presentes nessa caminhada, o meu 
muito obrigado. 
 
6 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 
CAPÍTULO I ....................................................................................................................... 12 
1.1 - A Província do Maranhão no século XIX ............................................................... 13 
1.1.1 - Politesse e inteligentsia maranhense e instituições ........................................ 16 
1.1.2 – Urbanização e Estado Sanitário da Província do Maranhão ......................... 18 
CAPÍTULO II ...................................................................................................................... 22 
2.1 – A Medicina no século XVIII: populações e Estado ................................................ 22 
2.2 – Medicina Francesa no XIX: “Paris, a Meca do mundo médico”. ......................... 24 
2.3 – Problemas de saúde pública: as epidemias ............................................................ 26 
CAPÍTULO III .................................................................................................................... 31 
3.1 – Epidemias e a emergência de soluções .................................................................. 31 
3.2 – Cemitérios: solução ou problema?......................................................................... 38 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 45 
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 47 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando uma ameaça de contágio se delimitava no horizonte de uma cidade, as coisas, no 
estágio do poder de decisão, passava-se geralmente da seguinte maneira: as autoridade 
mandavam examinar por médicos os casos suspeitos. Muitas vezes esses médicos faziam um 
diagnóstico tranquilizador, antecipando-se assim ao desejo do corpo municipal; mas, 
quando suas conclusões eram pessimistas, outros médicos ou cirurgiões eram nomeados 
para um contrainquerito, que não deixava de dissipar as primeiras inquietações. 
Jean Delumeau 
8 
 
RESUMO 
Este trabalho monográfico pretende analisar os discursos produzidos em torno das medidas 
extraordinárias realizadas pelos presidentes da Província do Maranhão no contexto dos 
surtos epidêmicos ocorridos em São Luís do Maranhão entre os anos de 1850 e 1855. 
Procura-se compreender os discursos que circulavam pela capital provincial, dando conta 
de uma cidade descrita como limpa e saudável. Tais discursos não condiziam com a 
realidade de uma cidade, geralmente assolada anualmente tanto por doenças corriqueiras 
quanto por surtos epidêmicos de monta, especialmente no período já mencionado. Procura-
se entender também as justificativas dadas para a interdição do Cemitério da Santa Casa de 
Misericórdia e a instituição do Cemitério do Gavião. Entre outras, utilizamos como fontes 
Fallas dos Presidentes de Província do Maranhão à Assembleia Legislativa Provincial 
(1850-1855), Coleções de Leis e Decretos da Província do Maranhão (1850-1855) e o 
Jornal O Publicador Maranhense (1851). 
Palavras-chave: São Luís – Epidemias – Cemitérios – Século XIX 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
RÉSUMÉ 
 
Ce travail monographique vise à analyser le discours produit autour les mesures 
extraordinaires prises par les présidents de la province du Maranhão dans le cadre des 
épidémies ont eu lieu à São Luís do Maranhão entre 1850 et 1855. Cherche à comprendre 
les discours de circulation de la capitale provinciale, rendant compte d'une ville qualifiée 
de propre et sain. Ces discours ne cadrent pas avec la réalité d'une ville, généralement 
assaillie par an aussi bien par les maladies et les grandes épidémies, surtout dans la périodementionnée ci-dessus. Cherche à comprendre les justifications données pour l'interdiction 
du cimetière de Santa Casa de Misericórdia et l'institution du cimetière de la buse. Entre 
autres choses. Nous utilisons comme sources Fallas dos Presidentes de Província do 
Maranhão à Assembleia Legislativa Provincial (1850-1855), Coleções de Leis e Decretos 
da Província do Maranhão (1850-1855) e o Jornal O Publicador Maranhense (1851). 
 Mot-clés : São Luís-épidémies-cimetières-le XIXe siècle 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
INTRODUÇÃO 
 
Neste trabalho monográfico, pretendemos analisar os vários discursos enunciados 
acerca das medidas emergenciais adotadas pelos presidentes da Província do Maranhão 
durante o período de ocorrência de surtos epidêmicos em São Luís do Maranhão, entre 
1850 e 1855. 
Durante o ano de 2011, acabei me deparando com um trabalho que versava sobre a 
epidemia de febre amarela no Maranhão, em 1850. Isso despertou meu interesse e procurei 
saber da existência de trabalhos sobre História da Medicina no Maranhão. A partir dos 
estudos sobre epidemia na Província do Maranhão, desenvolvi alguns trabalhos 
acadêmicos, tais como: Saber e práticas médicas no Maranhão do século XIX: o 
enfrentamento da febre amarela (Comunicação oral apresentada no XII Encontro 
Humanístico) e Medicina, Poder e Política na Província do Maranhão (1850), no III 
Encontro de História do Império Brasileiro. 
Neste trabalho, a pesquisa foi aprofundada e tornou-se mais densa. É importante ter 
como objeto de estudo as medidas emergenciais tomadas pelos presidentes da Província do 
Maranhão, pois, os trabalhos existentes sobre os surtos epidêmicos no Maranhão 
oitocentista, geralmente abordam as teorias médicas, as posturas adotadas no período, 
todavia, muito pouco deles dão conta do discurso adotado pelos governantes sobre a saúde 
pública, o estado sanitário e as medidas adotadas para a contenção de doenças. É nesse 
sentido que se enquadram os trabalhos de Jossilene Louzeiro Alves
1
, de Suzete Maria 
Pereira
2
, e de Heitor Ferreira de Carvalho
3
, que analisam separadamente as questões de 
saúde pública, enterramentos e leis. 
Como metodologia, utilizamos Análise de Discurso
4
, procurando compreender a 
língua fazendo sentido dentro do contexto do homem e da sua história. Assim, procuramos 
 
1
 ALVES, Jocilene Louzeiro. Saúde Pública em debate. 1998. Monografia (Graduação em História). 
Universidade Federal do Maranhão. São Luís, MA. 
2
 PEREIRA, Maria Suzete. Mudanças nas Práticas de Sepultamentos em São Luís do Maranhão em 
meados do século XIX. 2006. Monografia (Graduação em História). Universidade Federal do Maranhão, 
São Luís, MA. 
3
 CARVALHO, Heitor Ferreira. A civilização nos trópicos: um estudo do processo civilizatório de São Luís 
no século XIX. 2000. Monografia (Graduação em História). Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 
MA. 
4
 ORLANDI, Eni Pucelli. Discurso de Texto: formação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: Pontes, 
2001. 
11 
 
refletir sobre as condições de produção dos processos da linguagem no século XIX 
referentes às epidemias por parte dos governantes da Província do Maranhão. 
O corpus documental utilizado nesse trabalho é composto fundamentalmente pelas 
Fallas dos Presidentes de Província do Maranhão à Assembleia Legislativa Provincial 
(1850-1855), pela Coleção de Leis e Decretos da Província do Maranhão (1850-1855) e 
pelo Jornal O Publicador Maranhense (1851).
5
 
Este trabalho foi estruturado em três capítulos com temas similares. No primeiro 
capítulo, A província do Maranhão no século XIX, procuramos tratar das condições 
políticas, econômicas, sociais, culturais e sanitárias da província vigentes nesse período. 
No segundo capítulo, Medicina, saúde publica e as epidemias no século XIX, discutimos 
vários aspectos relativos ao processo de cientificização da medicina e do processo de 
medicalização das sociedades ocidentais. No último capítulo, O Aparato Médico Nos 
Surtos Epidêmicos: As Despesas Extraordinárias e os Cemitérios-1850-1851, reunimos as 
fontes e analisamos as decisões tomadas pelos Presidentes de Província quanto às 
epidemias e aos cemitérios. 
 
 
 
5
 Colleccção de Leis, Decretos e Resoluções da Província do Maranhão. Maranhão, impresso na Typ. 
Const. de I. J. Ferreira, (1849-1856). 
Falla dirigida pelo exm. Presidente da provincia do Maranhão, Honorio Pereira de Azeredo Coutinho, 
à Assembéa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de Setembtro de 1850. 
Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1850. Disponível em 
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao>. 
Falla dirigida pelo exm. Presidente da provincia do Maranhão, Honorio Pereira de Azeredo Coutinho, 
à Assembéa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de Setembtro de 1851. 
Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1851. Disponível em 
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao>. 
Jornal Publicador Maranhense. Julho a Setembro de 1850. 
Relatório com que o presidente da Provincia do Maranhão, o Dr. Eduardo Olimpio Machado, passou a 
administração da mesma Provincia ao vice-presidente Manoel de Sousa Pinto de Magalhães em 9 de 
Julho de 1852. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1852. Disponível em 
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao>. 
Relatório do presidente da Provincia do Maranhão, o Dr. Eduardo Olimpio Machado na abertura da 
Assembéa Legislativa Provincial no dia 3 de Maio de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. 
Ferreira, 1855. Disponível em <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao>. 
Relatório com que o vice-presidente, José Joaqim Teixeira Vieira Berford, entregou a presidência da 
Provincia do Maranhão ao Illm. e Exm. Snr. Commendador Antonio Candido da Cruz Machado. 
Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1856. Disponível em 
<http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao>. 
 
12 
 
CAPÍTULO I 
A PROVÍNCIA NO MARANHÃO NO SÉCULO XIX 
 
De um casebre miserável, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadores enferrujados 
de uma rede e uma voz tísica e aflautada, de mulher, cantar em falsete a “gentil Carolina 
era bela”; do outro lado da praça, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de 
madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas, apregoava 
em tom muito arrastado e melancólico: “Fígado, rins e coração!’’
6
 
 
Aluísio Azevedo 
 
 
A transferência da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808
7
 representou o estímulo 
para a formação de uma nova nação, bem como a instalação e a consolidação do poder 
monárquico no Novo Mundo
8
. A cidade do Rio de Janeiro tornou-se a capital do Império 
Português e passou por grandes transformações para tentar assemelhar-se aos padrões 
culturais europeus. Dentre essas realizações podemos citar a criação do Museu Real, 
Imprensa Régia, Real Horto, a Biblioteca Real, a Missão Artística Francesa.
9
 
Para além de mudanças arquitetônicas, também foi iniciado o disciplinamento dos 
costumes e dos hábitos, tendo como referência o modelo francês e Paris como a cidade-
símbolo. Segundo Suzete Maria Pereira, 
Essas normas trazidas para o Brasil, tratando, sobretudo, do 
comportamento, traziam regras sobre como as pessoas “civilizadas” e 
“educadas” deveriam se portar diante das mais variadas situações e 
eventos sociais. Nessa época era comum o uso de manuais que 
orientavam as pessoas de como se comportar à mesa, como cuidar do 
corpo, da saúde, enfim, como se tornar um cidadão civilizado. Os 
manuais expedidos geralmente na Corte Francesa funcionavam no Novo 
Mundo, como uma espécie de livro didático que trazia em suas páginas os 
 
6
 AZEVEDO, Aluísio. O Mulato. São Paulo: Livraria MartinsEditora S.A., 1969. 
7
 “A mudança da Corte fora conseqüência imediata da pressão exercida por Napoleão, que insistia na 
necessidade de Portugal romper com a Inglaterra e aderir ao Bloqueio Continental”. Cf. SCHWARCZ, Lilia 
Moritz. O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de d. João. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 12 
8
 Cf. TOSTES, Vera Lúcia Bottrel. O Rio de Janeiro no tempo de D. João VI. In: AMARAL, Sonia Guarita 
do. (org.). O Brasil como Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009. p. 39 
9
 Para uma análise da Missão Artística Francesa, ver SCHWARCZ, op. cit. 
13 
 
tão sonhados modelos e condutas, úteis em todas as circunstâncias da 
vida terrena e indispensáveis a jovens e adultos.
10
 
 
Para Heitor Carvalho, como sede Corte Portuguesa, cidade do Rio de Janeiro se 
transformou num pólo centralizador e difusor de hábitos e costumes vigentes.
11
 Era dessa 
cidade que irradiavam os padrões e normas oriundos do Novo Mundo, geralmente de Paris, 
É possível identificar vários indícios da influência francesa nos bailes, nos saraus, nas 
roupas elegantes, em filós e rendas, entre outros. Essa influência não ficou restrita somente 
à Corte Portuguesa nas Américas. Na verdade, esse discurso civilizador chegou com maior 
ou menor força em todas as províncias brasileiras, atingindo, principalmente, capitais 
importantes como Salvador, Recife e São Luís.
12
 
 
1.1 - A Província do Maranhão no século XIX 
É quase consensual na historiografia regional, que a economia maranhense somente 
„deslanchou‟ com a criação da Companhia Geral de Comércio do Grão Pará e Maranhão, 
em 1755, que retirou a então capitania da situação de penúria em que se encontrava. Ao 
iniciar suas operações no Maranhão, para cumprir os objetivos de sua constituição, a 
Companhia de Comercio adotou uma série de medidas, dentre elas “introduziu a mão-de-
obra africana, melhores técnicas agrícolas e crédito, impulsionando a agricultura 
principalmente do algodão e do arroz”. 
13
 Essas iniciativas concorreram fortemente para a 
constituição de um sistema agroexportador no Maranhão. Segundo Regina Faria, 
O sistema agroexportador montado no Maranhão, a partir de meados do 
século XVIII, se caracteriza por um tipo específico de acumulação, por 
meio do qual se solidarizam o capital mercantil, o Estado metropolitano e 
o grande proprietário rural, sob o predomínio do primeiro. Desde sua 
gênese, organiza-se no Maranhão a grande produção mercantil e 
escravista, voltada para o mercado internacional de matérias-primas e 
alimentos (a grande lavoura), a qual cumpre dessa forma uma função 
 
10
 PEREIRA, Maria Suzete. Mudanças nas Práticas de Sepultamentos em São Luís do Maranhão em 
meados do século XIX. 2006. Monografia (Graduação em História). Universidade Federal do Maranhão, 
São Luís, MA., p.15. 
11
 Cf. CARVALHO, Heitor Ferreira. A civilização nos trópicos: um estudo do processo civilizatório de São 
Luís no século XIX. 2000. Monografia (Graduação em História). Universidade Federal do Maranhão. São 
Luís, MA., p. 07. 
12
 Cf. PEREIRA, op. cit., p. 19. 
13
 CAMPOS, Marize Helena de. Senhoras Donas: economia, povoamento e vida material em terras 
maranhenses (1755-1822). São Luís: Café e Lápis; FAPEMA, 2010, p. 104. 
14 
 
específica na divisão internacional do trabalho ditada pelo capitalismo 
industrial, em fase de consolidação no final dos setecentos. 
14
 
 
A Revolução Industrial foi a grande responsável pela introdução do algodão 
maranhense no mercado internacional, já que as exportações originárias da América do 
Norte estavam estagnadas devido às guerras de independência ocorridas nos Estados 
Unidos
15
: 
A industrialização da Europa, com sua demanda por algodão aumentando 
de maneira exponencial, garantiu, a partir de 1780, um mercado em 
expansão constante para o principal produto de exportação maranhense, e 
ajudou a consolidar o crescimento do setor de exportação. O algodão 
passou a representar 75% das exportações do Maranhão, e chegou mesmo 
entre 1796 e 1811, ao segundo lugar nas exportações brasileiras com 
24,4% logo depois do açúcar, com 34,7%. O Maranhão era então a 
segunda região exportadora do produto – depois de Pernambuco - e São 
Luís chegou a ser o quarto porto exportador do Brasil. 
16
 
 
No que concerne à produção do arroz, que também foi incentivada pela Companhia, 
ela teve uma trajetória produtiva mais tortuosa, passando do cenário de exportação bem 
sucedida em 1767, para um período de seca de 1768, e por uma devastadora praga de ratos 
nos arrozais do interior da capitania em 1770.
17
 Após essa conjuntura desfavorável, a 
produção rizícola continuou em expansão, porém passou a esbarrar em problemas de 
logística, decorrente da grande exportação de algodão. Conforme relatou César Marques, já 
em 1775, “saíram daqui doze navios e levaram para mais de cem mil cruzados de arroz e 
tivera ido muito mais, se os navios da praça não viessem com o ajuste de levar só meio 
porão de arroz”.
18
 
Em 1780, a exportação de arroz só „perdia‟ para a de algodão. São Luís tinha se 
tornado, no fim do século XVIII, a segunda cidade mais importante do Estado do Brasil. 
Mas, segundo Matthias Rohring, o algodão americano a partir de 1800, começou a 
 
14
 FARIA, Regina Helena Martins de. A transformação do trabalho nos trópicos: propostas e realizações. 
2001. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, p. 32. 
15
 As perspectivas de lucros com a produção algodoeira levou a uma rápida expansão no Maranhão: o cultivo 
e o beneficiamento eram fáceis, os equipamentos não eram caros, sendo as maiores despesas os gastos com 
os escravos, ensacamento, frete e dízimo. Cf. CAMPOS, op. cit., p. 105. 
16
 ASSUNÇÃO, Matthias Rohring. Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província 
brasileira: o caso do Maranhão, 1800-1860. Estudos Sociedade e Agricultura, 14, abril 2000, pp. 03-04. 
17
 Cf. CAMPOS, op. cit., p. 109. 
18
 Cf. CAMPOS apud MARQUES, op. cit., p. 109. 
15 
 
substituir, pouco a pouco, o algodão maranhense no mercado inglês. Assim, apenas em 
conjunturas de guerra (como 1812-14 e 1861-65) a província do Maranhão voltou a ocupar 
lugar de destaque no mercado internacional. 
19
 Semelhante ao algodão, a partir de 1821, os 
preços do arroz também começaram a declinar. Regina Faria acentua que 
As exportações de arroz, por sua vez, também começam a declinar no 
decênio de 1820. Não se conhecem informações sobre estes indicadores 
para as três décadas seguintes; quando voltam a ser mencionados, em 
relação ao ano de 1856, equivalem a um quinto do volume exportado no 
qüinqüênio de 1815-1819, período em que foram mais elevados. Maria 
do Socorro Coelho Cabral (1984, p. 73) compara a produção do início do 
século (560.000 alqueires, em média) com a de 1860 (544.500 alqueires), 
indicando que a queda das exportações foi compensada, em parte, com o 
aumento do consumo interno. 
20
 
 
Esse consumo interno do algodão ou de arroz representou para os lavradores
21
 a 
chamada “decadência da lavoura” 
22
, ou seja, falta de altos lucros para o pagamento de 
suas despesas de luxo, bem como para o investimento feito na compra de escravos, mas, 
para o historiador Mathias Rohring foi o processo de “interiorização da economia”. 
Como solução para a “decadência”, os grandes proprietários investiram na 
produção de açúcar e os comerciantes diversificaram a aplicação de seus capitais.
23
 Os 
preços estavam baixos, mas a conjuntura internacional permitiu um êxito à agroindústria 
açucareira: 
A passagem do Maranhão de importador a exportador de açúcar é 
atribuída à ação do Presidente Joaquim Franco de Sá, por ter tomado uma 
série de medidas para incentivar-lhe a produção, quandoadministrou a 
Província, de 1846 a 1848. Antes disso, bem poucos eram os “engenhos 
de açúcar”. Em 1822, apenas sete, enquanto os “engenhos de 
aguardente”, que exigiam capitais muitíssimos menores, eram cento e 
quinze. Apesar da secular tendência de baixa no preço do açúcar, 
especialmente o de cana, a conjuntura estava favorável, devido à “[...] 
abolição da escravidão nas Antilhas Inglesas, em 1836 – provocando a 
desorganização temporária [da produção], num momento de expansão do 
mercado metropolitano. Assim, as exportações brasileiras passaram de 
 
19
 Cf. ASSUNÇÃO, op. cit., p. 299. 
20
 FARIA, op. cit., p. 34. 
21
Segundo Alfredo Wagner os lavradores eram “os sesmeiros e grandes proprietários de fazendas de algodão, 
notadamente do Vale do Itapecuru”. ALMEIDA, Alfredo Berno Wagner de. A ideologia da decadência: 
uma leitura antropológica a uma história da agricultura do Maranhão. 2ª edição. Rio de Janeiro: Casa 8/ 
Fundação Universidade do Amazonas, 2008, p. 33. 
22
 Para saber mais ver ALMEIDA, op. cit. p.33. 
23
 Cf. FARIA, op. cit., p. 34. 
16 
 
479.951 toneladas no decênio de 1821/30, para 1.004.043 toneladas no de 
1841/50.
24
 
 
Até 1880, o Maranhão obteve êxito nas exportações de açúcar, mas a abolição da 
escravidão (1889) e a concorrência internacional com o açúcar de beterraba e o açúcar de 
Cuba levou ao preço mais baixo do período imperial.
25
 
 
1.1.1 - Politesse
26
 e inteligentsia maranhense e instituições 
O surto progressista na economia maranhense, graças à exportação do algodão e do 
arroz, proporcionou aos grandes proprietários rurais e comerciantes a construção de 
grandes casarões e sobrados para abrigar suas famílias e negócios.
27
 O enriquecimento os 
levou a procurar o refinamento de seus hábitos e costumes: “Os jovens que iam estudar na 
Europa, principalmente em Coimbra, foram os principais divulgadores da cultura europeia 
no Maranhão. Ao retornarem com títulos de bacharéis e doutores, sobretudo em leis, 
filosofia e medicina, disseminavam novos padrões estéticos”. 
28
 Esse refinamento não 
passou despercebido daqueles que visitavam a capital maranhense, como foi o caso dos 
viajantes austríacos Spix e Martius, em 1819, para os quais: 
 
A população branca do Maranhão é, verdadeiramente, notável pela 
elegância, de seus modos e sua educação esmerada. Não só a riqueza da 
região, o desejo de imitar os costumes europeus (...), mas também, e 
principalmente, a liberdade, a boa educação, a polidez e a doçura das 
maranhenses contribuíram para tornar aquela cidade um dos lugares do 
Brasil onde é mais agradável a permanência. Quase todas educadas em 
Portugal, as jovens maranhenses levam consigo o gosto pelo trabalho e 
pela ordem e hábitos de reserva e discrição. (...). Quanto aos homens são 
quase todos mandados aos bons colégios da França e Inglaterra.
29
 
 
24
 FARIA, op.cit., pp. 34-35. 
25
 Cf. ibid, p. 36. 
26
 Define-se como politesse “ensemble de règles qui régissent le comportement, le langages considérés 
comme le meilleurs dans une sociéte; le fait el La manière d‟observer ces usages (conjunto de regras que 
regem o comportamento, a língua, o modo de se comportar na sociedade,)”. DICTIONAIRES LE 
ROBERT MICRO, Poche: Paris, 2006, p. 1016. 
27
 Não devemos olvidar a presença marcante de ingleses no Maranhão neste momento devido à exportação de 
algodão. Sobre a atuação deles, ver ASSUNÇÃO, op. cit. 
28
 PEREIRA, op. cit., p. 21. 
29
 CARVALHO apud CALDEIRA, op. cit., p. 31. 
17 
 
 
Com o surgimento dos espaços públicos como lugar de divertimento, a sociedade 
sanluisense também sentiu necessidade de espaços para representar sua politesse. O Teatro 
União, inaugurado em 1817, foi um desses locais. Antonia Mota acentua que a maioria dos 
lucros da agroexportação foi gasta em elementos ligados ao mundo urbano e que a elite 
ludovicense se diferenciava do resto da sociedade pobre e/ou escravizada ostentando sua 
riqueza:
30
 “Ficamos a imaginar em que ocasiões seria possível ostentar tamanha riqueza. 
Provavelmente em reuniões sociais, festas familiares, recepções, festejos. Sabemos que o 
primeiro teatro de São Luís foi inaugurado logo no início do XIX, talvez construído para 
oferecer ocasião ao convívio social das famílias abastadas”.
31
 
Em 1821 foi fundada a Tipografia Maranhense e foi impresso o primeiro jornal 
maranhense: “O Conciliador do Maranhão”. Em 1829 foi criada a Biblioteca Pública de 
São Luís e, quase dez anos depois (1838), o Liceu Maranhense e o Seminário Episcopal de 
Santo Antônio tornaram-se locais por excelência de educação dos jovens.
32
 Também não 
podemos olvidar a criação em 1834 da Assembléia Legislativa Provincial. Ela foi a 
responsável pela aprovação dos Códigos de Posturas, que vieram disciplinar os hábitos 
considerados ociosos e nocivos à sociedade.
33
 
Esse número crescente de instituições produziu um considerado número de 
escritores reconhecidos nacionalmente e criou para São Luís a alcunha de “Atenas 
Brasileira”, título que até hoje é usado como referência a um passado glorioso. Isso só foi 
possível, em virtude da riqueza gerada pela cotonicultura, 
que possibilitou o deslocamento dos filhos dos senhores algodoeiros para estudar na 
Europa, a fim de adquirirem uma educação requintada. Baseados no conceito de 
 
30
 Cf. MOTA, Antonia da Silva. A dinâmica colonial portuguesa e as redes de poder local na Capitania 
do Maranhão. 2007. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, p. 
128. 
31
 MOTA, op. cit., p. 162. 
32
 Cf. CARVALHO, op. cit., p. 34. 
33
 Cf. ibid, p. 38. “A partir de 1834, foi instituída, para cada província, uma Assembléia Legislativa 
Provincial, cuja função era legislar em sua área de competência. O referido órgão, instalado em 1835, era 
responsável pela aprovação dos Códigos de Postura – Instrumento normativo que estabelecia parâmetros 
gerais para o convívio da sociedade – proposto pelas Câmaras Municipais, que desde a Carta Constitucional 
de 1824 possuíam natureza exclusivamente administrativa. Cf. id. 
18 
 
civilização, quando retornaram a São Luís tornaram-se ícones da vida cultural e intelectual 
da província do Maranhão. 
34
 
 
1.1.2 – Urbanização e Estado Sanitário da Província do Maranhão 
No início do século XIX, as capitais das províncias estavam preocupadas em 
reorganizar os seus espaços. Segundo Agostinho Coe, melhorias deveriam ser feitas para 
proporcionar um ambiente mais saudável aos habitantes da urbe: 
A idéia desenvolvida no Brasil do século XIX, e que obteve destaque no 
contexto ludovicense, era de que existia um caminho a ser seguido por 
todas as cidades que buscavam o “progresso”, ou seja, uma espécie de 
modelo geral que primava pelo “aperfeiçoamento moral e material”, 
tendo validade para qualquer contexto histórico. Assim, cabia aos 
governantes cuidar para que tal caminho fosse percorrido o mais 
rapidamente possível. Uma das prioridades era a solução dos problemas 
de higiene pública.
35
 
 
A urbanização ocorrida no século XIX não se preocupou em higienizar os espaços 
públicos. Na verdade, buscou atender aos interesses de uma classe emergente (grandes 
proprietários de terra e de trabalhadores escravos). Não existia ainda, a ideia de que o 
poder público era responsável pela infraestrutura das cidades e este exercia seu poder por 
meio da consolidação da política e da cultura.
36
 As questões debatidas em torno da saúde 
pública estavam mais preocupadas em preparar um ambiente que atraísse os estrangeirosdo que atender o bem estar da população: 
Assim, a intervenção do Estado Brasileiro na saúde pública, na segunda 
metade do século XIX, em vez de atender à coletividade, tentou 
basicamente controlar a febre amarela, uma vez que atingia mais aos 
estrangeiros. Desta forma, procurou promover os interesses de 
fazendeiros, preocupados em garantir braços para a lavoura cafeeira, além 
de contribuir para o progressivo embranquecimento da população 
brasileira. Logo, „todos os esforços e recursos foram dirigidos à febre 
amarela, enquanto doenças como tuberculose e a varíola, ambas 
 
34
 SANTOS, José Luso. A cidade revisitada: Urbanismo, saúde pública e epidemias em São Luís na virada 
do século XIX. 2010. Monografia (Graduação em História). Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 
MA, p. 19. 
35
 COE, Agostinho Holanda. “Nós, os ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”: a higiene e o fim 
dos sepultados eclesiásticos em São Luís (1828-1855). 2008. Dissertação (Mestrado em História). 
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE., p. 09. 
36
 Cf. ALVES, op. cit., p. 31. 
19 
 
normalmente associadas a mestiços, pobreza, eram sempre quase 
completamente negligenciadas.
37
 
 
 
As ações imperiais não criaram melhorias significativas nas condições de higiene 
pública, quase sempre eram aplicadas somente no Rio de Janeiro. As elites provinciais 
atrelavam seus interesses aos interesses públicos, impedindo as políticas de saúde.
38
 
Apesar da existência das posturas municipais, as necessidades fundamentais não eram 
atendidas: 
As ruas fediam a água podre, as praças fediam a animais mortos, as 
avenidas formavam matas verdejantes, os baixos de sobrados e cortiços 
sem ventilação fediam a mofo, fedia o matadouro a carne podre e sangue 
coagulado, fedia o mercado a verdura e legumes podres – o lixo 
proliferava pelas casas e vias públicas emanando podridão e torpor. 
39
 
 
Desde o período colonial, o abastecimento de água de São Luís era bem precário e 
feito especialmente nas fontes, que estavam localizadas em pontos estratégicos da cidade. 
As principais eram a Fonte do Ribeirão, das Pedras, do Bispo, do Apicum e do Mamoim, 
mas a água daí retirada não era própria para a alimentação. Para os locais mais distantes, os 
aguadeiros a transportavam e comercializavam em pipas carregadas em burros.
40
 
Até a metade do XIX, o abastecimento era feito pela Companhia de Águas de Ana 
Jansen, que detinha o monopólio, mas, a partir de 1850, o poder público se preocupou em 
montar um sistema de abastecimento de água. Em 1874, concedeu à Companhia Rio Anil o 
monopólio da distribuição de água por sessenta anos, que provinha do rio Anil, ficando ela 
também responsável pelos encanamentos e pela distribuição. Assim, foram distribuídos 
seis chafarizes pela cidade, os quais não conseguiram suprir às necessidades da 
população.
41
 
Como o esgoto não era canalizado, a dispersão dos dejetos e da água suja era feita 
pela população de diversas maneiras: nas casas onde havia fossas, as fezes decompunham-
 
37
Cf. ALMEIDA, Maria de Conceição Pinheiro de. Saúde Pública e Pobreza: São Luís na Primeira 
República. In: Org.: COSTA, Wagner Cabral da. História do Maranhão: novos estudos. São Luís: 
EDUFMA, 2004, p. 234. 
38
 Cf. ALMEIDA, op. cit., p. 235. 
39
 GALDEZ FERREIRA, Márcia Milena: Epidemia de varíola em São Luís: amálgama de crenças, saberes e 
fazeres. In: FARIA, Regina Martins de & BESERRA COELHO, Elizabeth Maria. Saberes e fazeres em 
construção: Maranhão, séc. XIX-XX. São Luís: EDUFMA, 2011, p.38. 
40
 Cf. SANTOS, op. cit., p. 24. 
41
 Cf. ibid 
20 
 
se lá dentro; e onde não havia esse sistema, os escravos eram os responsáveis pelo despejo 
das matérias fecais, geralmente no mar. Devido a esse hábito, a Travessa 28 de Julho, no 
centro de São Luís, ficou conhecida também como o Beco da Bosta: 
Beco da Bosta (Travessa Vinte Oito de Julho) 
Parte da Rua de Santo Antônio (ten. Mário Carpentier) e atinge a Rua 
Parque 15 de Novembro. É beco estreito por onde transitavam os 
escravos carregando tonéis de excrementos das famílias para jogá-los na 
maré, os conhecidos tigres ou cabungos, únicos meios de despejo até 
então.
42
 
 
 Segundo SANTOS, “Os hábitos de higiene dentro das casas eram praticamente 
inexistentes. Nas moradias onde não havia latrinas, as necessidades fisiológicas eram feitas 
nos cômodos e os excrementos ali ficavam até o período da noite quando eram lançados ao 
mar”.
43
 
O lixo também não tinha um destino apropriado, ficando espalhado pelas ruas e 
praças. Quando chegava o período das chuvas, essa situação de precariedade contribuía em 
muito para que epidemias eventuais grassassem sem muitas barreiras. A salubridade 
pública, em São Luís, seguia realmente comprometida: 
Na virada do século XIX a cidade marcada pela existência de praças 
ajardinadas em seu centro era também a cidade do lixo. O lixo doméstico 
que não tinha um destino seguro era comumente jogado em locais a 
esmo. As ruas da cidade estavam enfeitadas de uma variedade de lixo que 
ia de resquícios de alimentos a restos de animais (...) situação que piorava 
no período de chuvas, onde a variedade de lixo associada à umidade que 
aumentava as regiões alagadiças, concorriam para a eminência de 
doenças epidêmicas. 
44
 
 
Esse cenário da cidade de São Luís, descrito para a virada do século XIX, serve 
sem muitas variações para todo esse século. Ora, essas condições de higiene tornaram mais 
propício o surgimento de surtos epidêmicos de febre amarela, desinteria, pneumonias, 
 
42
 LIMA, Carlos de. Caminhos de São Luís: ruas, logradouros e prédios históricos. 2ª ed. São Luís: Livraria 
Vozes, 2007, p. 36. 
43
 SANTOS, op. cit., p. 27. 
44
 Id. 
21 
 
bronquites, coqueluches, hepatites, sarampo, cólera morbus e varíola em São Luís no 
século XIX.
45
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
45
 Cf. ALVES, op. cit., p.27. 
22 
 
CAPÍTULO II 
MEDICINA, SAÚDE PÚBLICA E AS EPIDEMIAS NO SÉCULO XIX 
 
Abram alguns cadáveres e as teorias irreais dos antigos desaparecerão!
46
 
Xavier Bichat, pai da Histologia. 
 
Os sujeitos da segunda metade do século XIX acreditavam estar vivenciando um 
momento crucial na história da humanidade. Nesse sentido, as descobertas científicas 
divulgadas cotidianamente apareciam como se fossem finais, isto é, como as últimas 
possibilidades da capacidade industriosa do homem.
47
 Segundo Bresciani, 
A máquina o século XIX conferiu todo o poder transformador e produtor 
da abundância e apostou nela, como possibilidade, não muito remota, de 
superação do reino da necessidade (superação de um mundo sempre às 
voltas com a escassez de recursos para manter o crescimento ilimitado do 
gênero humano), mas também a ela foi conferido o poder transformador 
da estrutura social (the fabric of society), o que colocava em algo 
exterior ao próprio homem a potência movimentadora do novo sistema 
social (social system).
48
 
 
Essa mudança na sociedade perpassou pela relação entre a medicina e a população. 
Nesse momento histórico, a normatização das condutas sociais era feita por meio da 
higiene dos corpos. Neste capítulo faremos um breve percurso sobre a evolução da 
medicina entre os séculos XVIII e XIX, mostrando como ela se transformou e transformou 
o mundo. 
2.1 – A Medicina no século XVIII: populações e Estado 
A Medicina européia até 1780 caracterizou-se por um cunho individualista. Nesse 
momento, o médico tinha o papel de vencer a doença na relação pessoal entre ele e o 
doente. O conceito de um bom médico era constituído no processo de “transmissão de 
 
46
 BYNUM, William. História da medicina.Porto Alegre: RSL&PM, 2011, p. 64. 
47
 HOSBSBAWN, Eric. A Era do Capital. 2 ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 261. 
48
 BRESCIANI, Maria Stella Martins. Metrópoles: as faces do Monstro Urbano (as cidades no século XIX). 
In: Revista Brasileira de História. São Paulo. ISSN 1806-9347, Vol 05, nº 8/9, setembro1984/abril 1985, p. 
35. 
23 
 
receitas mais ou menos secretas ao público”.
49
 O hospital
50
 não era um lugar de 
diagnósticos, de cura, era um lugar para morrer, um lugar de caridade: 
Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de 
assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de 
separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência 
e, como doente, portador da doença e de possível contágio, é perigoso. 
Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo, 
quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem 
ideal até o século XVII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre 
que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e 
espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o 
último sacramento.
51
 
 
Foucault acentuou ainda que, desde o fim do século XVI e começo do XVII, as 
nações do mundo europeu começaram a se preocupar com o estado de saúde de suas 
populações como parte da sua burocracia. O mercantilismo, sendo uma prática política, 
procurava o controle da economia e da atividade produtiva: 
A política mercantilista consiste essencialmente em marjorar a produção 
da população, a quantidade da população ativa, a produção de cada 
indivíduo ativo e, a partir daí, estabelecer fluxos comerciais que 
possibilitem a entrada no Estado da maior quantidade possível de moeda, 
graças a quem se poderá pagar os exércitos e tudo o que assegure a força 
real de um Estado com relação aos outros.
52
 
 
Dessa maneira, foram feitas contagens populacionais na Inglaterra e na França, 
medição dos níveis de natalidade e de mortalidade, mas sem uma intervenção efetiva para 
a melhoria da saúde. “As distribuições gratuitas de medicamentos são efetuadas na França, 
com uma amplitude variável, de Luís XIV a Luís XVI. Cria órgãos de consulta e de 
informação (O Collegium sanitário na Prússia em 1776)”.
53
 
Já na Alemanha, ocorria o contrário: a polícia médica, (Medizinichepolizei), propôs 
programas efetivos para a melhoria da saúde pública. Entre as inovações podemos destacar 
a “observação da morbidade pela contabilidade pedida aos hospitais e aos médicos que 
 
49
 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 102. 
50
 Sobre o nascimento do hospital ver FOUCAULT, op. cit., pp. 99-111. 
51
 FOUCAULT, op. cit., p. 102 
52
 Ibid., p. 82. 
53
 Ibid., p. 194. 
24 
 
exercem a medicina em diferentes cidades ou regiões e registro, ao nível do próprio 
Estado, dos diferentes fenômenos epidêmicos ou endêmicos observados”.
54
 
Outros aspectos relevantes da medicina alemã desse período foram a normalização 
do ensino médico (houve uma preocupação por parte do Estado alemão em controlar o 
sistema de ensino e a atribuição de diplomas), a subordinação da prática médica ao Estado 
alemão e o aparecimento do médico como administrador da saúde.
55
 
A preocupação dessa medicina não foi o corpo como força de trabalho, mas o corpo 
do indivíduo que constitui o Estado. É importante destacar esse modelo médico estatizado 
alemão como o modelo inicial da medicina moderna, pois, “os outros modelos de medicina 
social dos séculos XVIII e XIX são atenuações desse modelo profundamente estatizado e 
administrativo já apresentado na Alemanha”.
56
 
 
2.2 – Medicina Francesa no XIX: “Paris, a Meca do mundo médico”. 
A Revolução Francesa de 1789 não abalou só o mundo político, a medicina também 
se modificou. As instituições médicas características do Ancién Régime foram 
progressivamente abolidas. “Ao passo que as forças políticas e militares da Revolução 
foram ganhando poder, as instituições da medicina – médicos, cirurgiões, hospitais, as 
antigas academias e faculdades – foram eliminadas junto com outros detritos do Antigo 
Regime”.
57
 Concomitante a essa nova forma de pensamento político, no século XIX houve 
uma “revolução médica” e tudo se modificou com o modelo francês de ensinar e aprender 
medicina.
58
 
Bynum salienta que nesse momento ocorreu uma nova educação médica. Esta 
enfocava fundamentalmente a medicina prática baseada nos hospitais com treinamento 
cirúrgico. Não houve mudanças nos pilares na medicina, mas a junção deles permitiu um 
novo olhar para as doenças: “A medicina hospitalar francesa baseou-se em três pilares, 
nenhum deles totalmente novo, mas junto constituíram um novo olhar para a doença. Os 
 
54
 Ibid., p. 83. 
55
 Cf. ibid., p.84. 
56
 Ibid., p. 85. 
57
 BYNUM, op. cit., p. 53. 
58
 Cf. ibid., p. 59. 
25 
 
três pilares eram o diagnóstico físico, a correlação clínico-patológica e o uso de um grande 
número de casos para elucidar categorias de diagnóstico e avaliar a terapia”.
59
 
O diagnóstico físico estabeleceu uma nova relação entre o médico e o paciente e 
como parte da nova ideologia instigava os médicos a procurarem sinais efetivos da doença: 
O diagnóstico físico era central nesse esforço. As quatro dimensões 
cardinais do diagnóstico físico, ainda ensinadas a estudantes de medicina, 
são inspeção
60
, palpação
61
, percussão
62
 e auscultação
63
. Em formas 
variadas, todas já haviam sido usadas ocasionalmente por médicos desde 
os hipocráticos. Os médicos dos hospitais franceses as agruparam, 
tornando-as rotineiras e sistemáticas, e mudaram para sempre o 
relacionamento entre médico e paciente.
64
 
 
A vistoria clínica da doença seria confirmada com a autopsia do paciente após a 
morte. Esta permitiu a objetivação dos sintomas das enfermidades: “As autopsias eram 
conduzidas por clínicos franceses no mesmo espírito dos exames clínicos: para objetificar 
os fenômenos da doença e assim substituir as especulações de dois mil anos com 
conseqüências sólidas, palpáveis, visíveis, pesáveis e materiais da patologia”.
65
 Os 
hospitais tornaram-se instrumentos terapêuticos que deviam ser organizados medicamente, 
locais de cura e de formação dos médicos.
66
 
Essa nova ciência médica influenciou também as cidades, pois no século XIX tanto 
Londres como Paris tornaram-se inúmeros canteiros de obras dos quais surgiram grandes 
 
59
 Ibid., p. 55. 
60
 Ação ou efeito de olhar, de examinar, de verificar: inspeção realizada para detectar problemas. Dicionário 
Online de Português. Inspeção. Disponível em http://www.dicio.com.br/inspecao/. Acesso em 11/03/2013 às 
14:37. 
61
 Meio de inspeção pelo tato das partes do corpo e cavidades acessíveis, a fim de apreciar as qualidades 
físicas dos tecidos, sua consistência, etc. Dicionário Médico. Palpação. Disponível em 
http://www.dicionáriomédico.com/palpa%C3%A7%C3%A3o.html. Acesso em 11/03/2013 ás 14:06. 
62
 Ato de percutir, vibração mecânica, por choques, sobre uma parte vibratória ou ressonante, para sentir 
alterações consequentes a modificação estruturais. Dicionário médico. Percussão. Disponível em 
http://www.xn--dicionriomdico-0gb6k.com/percuss%C3%A3o.html. Acesso em 11/03/2013 ás 14:07. 
63
 Ato de ouvir sons ou ruídos produzidos no interior do organismo (coração, pulmão). Dicionário médico. 
Auscultação. Disponível em http://www.dicionáriomédico.com/ausculta%C3%A7%C3%A3o.html. Acesso 
em 11/03/2013 às 14:08. 
64
 Cf. BYNUM, op. cit., p. 62. 
65
 Cf. Ibid., p.64. 
66
 Cf. FOUCAULT, op. cit., p. 111. 
http://www.dicio.com.br/inspecao/
http://www.dicionáriomédico.com/palpa%C3%A7%C3%A3o.html
http://www.dicionáriomédico.com/percuss%C3%A3o.html
http://www.dicionáriomédico.com/ausculta%C3%A7%C3%A3o.html26 
 
boulervards, com os quais pretendiam melhorar a circulação do ar e empurrar a classes 
perigosas – os pobres - para longe do centro urbano.
67
 
 
2.3 – Problemas de saúde pública: as epidemias 
No século XIX houve uma divisão da medicina em dois tipos: uma voltada para o 
indivíduo e a outra que enfocava a população.
68
 Esta última ficou mais conhecida como 
“Saúde pública”; tinha por preocupação a manutenção da saúde, a prevenção ou a 
contenção das doenças epidêmicas.
69
 
Segundo Bynum, o movimento de saúde pública ocorrida no XIX foi uma reação 
direta às sucessivas epidemias de cólera que assolaram a Europa: 
A primeira epidemia a atingir a Europa (a primeira pandemia, que durou 
de 1817 a 1823, desapareceu de forma gradual depois de se espalhar da 
Índia até o Oriente Médio e o Norte da África) certamente aumentou a 
consciência sobre a doença comunitária. A partir de 1827, quando a 
segunda pandemia começou a se disseminar desde seu lar costumeiro, no 
leste da Índia, a Europa observou com ansiedade enquanto a doença se 
aproximava cada vez mais. 
70
 
 
Houve uma rápida identificação da causa das epidemias: os pobres e sua pobreza.
71
 
O fato de as epidemias sempre grassarem no seio das populações menos favorecidas levou 
os médicos a concluírem que isso ocorria devido às suas condições de vida, alimentação 
pouca, e que não supria suas necessidades, além dos vícios:
72
 “E houve então o diagnóstico 
de que os hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à sociedade, e isto porque as 
habitações coletivas seriam foco de irradiação de epidemias, além de serem, naturalmente, 
 
67
 Cf. COMBEAU, Ivan. Paris: uma história. Porto Alegre, RS: L&PM , 2009, p. 76. 
68
 Cf. id., p. 111. 
69
 Cf. BYNUM, op.cit., p. 78. 
70
 Ibid, pp. 84-85. 
71
 “O Estado moderno, voltado para o desenvolvimento industrial, tinha necessidade de um controle 
demográfico e político da população adequado àquela finalidade. Esse controle, exercido junto às famílias, 
buscava disciplinar a prática anárquica da concepção e dos cuidados físicos dos filhos, alem de, no caso dos 
pobres, prevenir as perigosas conseqüências políticas da miséria e do pauperismo. No entanto, não podia 
lesar as liberdades individuais, sustentáculo da ideologia liberal. Criam-se, assim, dois tipos de intervenção 
normativa que, defendendo a saúde física e moral das famílias, executavam a política do Estado em nome dos 
direitos do homem”. COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 5ª edição. Rio de Janeiro: 
Edições Graal, 2004, p. 51. 
72
 Cf. Ibid, p. 91. 
27 
 
terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os tipos”. 
73
 Esta proposta de 
Medicina Social colocada no XIX era identificada com os interesses da classe dominante 
que tinha como objetivo tomar o corpo social enquanto espaço de promoção da saúde.
74
 
No Brasil, as sucessivas epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro
75
 intimaram 
o Governo Imperial a interferir com mais vigor na saúde pública. Nessa discussão, as 
relações comerciais e a imigração estrangeira estavam como pontos principais, já que a 
febre amarela matava mais os estrangeiros que estavam no Brasil. Assim, as intervenções 
realizadas na metade do século XIX não atenderam ao povo, mas buscavam o controle da 
febre tendo em vista os estrangeiros e o projeto de branqueamento da população do Brasil 
Imperial:
76
 
A medicina que, desde o início do século XIX, lutava contra a tutela 
jurídico-administrativa herdada da Colônia, deu um largo passo em 
direção à sua independência, aliando-se ao novo sistema contra a antiga 
ordem colonial. Este progresso fez-se através da higiene, que incorporou 
a cidade e a população ao campo do saber médico. Administrando antigas 
técnicas de submissão, formulando novos conceitos científicos, 
transformando uns e outros em táticas de intervenção, a higiene 
congregou harmoniosamente interesses da corporação médica e objetivos 
da elite agrária.
77
 
 
Adotou-se o modelo médico francês como solução para os problemas urbanos e de 
sua população viciosa, estatizando o indivíduo a partir do dispositivo médico: onde havia 
ordem jurídica foi sobreposta pelas normas que a ciência considerava correta e a censura 
 
73
 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1996, p. 29. 
74
 Cf. LUZ, Madel Terezinha. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições de saúde. Rio de 
Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 105. 
75
 A febre amarela se tornou contínua nos verões do Rio de Janeiro em toda a década de 1850. Cf. 
ALMEIDA, Maria da Conceição Pinheiro. Saúde Pública e Pobreza: São Luís na Primeira República. In: 
História do Maranhão: novos estudos. (Org. COSTA, Wagner Cabral). São Luís: EDUFMA, 2004, p. 233. 
76
 Cf. ALMEIDA, op. cit., pp. 233-234. 
77
 COSTA, op. cit., p. 28. 
28 
 
pelo que era inaceitável.
78
 Assim, produziram-se novas mentalidades e comportamentos 
individuais e sociais:
79
 
Entre os trunfos da superioridade médica, um dos mais importantes foi a 
técnica de higienização das populações. Na Colônia, a conduta anti-
higiênica dos habitantes era um dos empecilhos fundamentais à saúde da 
cidade. A administração procurava atacar a dificuldade com auxilio de 
almotacés de limpeza. Esta ação vigilante da justiça operava no mesmo 
universo de punição que caracterizava a represália aos marginais. Ela era 
descontínua, fragmentar e, acima de tudo, não sabia prevenir. A própria 
relação numérica almotacé-população excluía a possibilidade de um 
controle permanente. A medicina servindo-se de técnicas análogas às da 
militarização, contornou esta situação. Suscitou o interesse do individuo 
por sua própria saúde. Cada habitante tornou-se seu próprio almotacé e, 
em seguida almotacé de sua casa e da vizinhança. A descontinuidade no 
controle e a inferioridade numérica de seus agentes foram, deste modo, 
superadas. Por outro lado, a medicina contava, com a participação do 
Estado na sustentação de sua política de saúde. Enquanto que, na 
Colônia, a visão caritativo-assistencial da religião reduzia a “assistência 
médica‟ a uma atividade social marginal e supérflua, no Império, a ética 
leiga dos higienistas fez ver que a saúde da população e do Estado 
coincidiam. A saúde da população inscrevia-se, assim, na política de 
Estado.
80
 
 
Os médicos eram considerados como portadores de conhecimentos que levariam o 
Brasil ao “progresso” e à “civilização” sendo, que isso perpassaria pelo processo de 
medicalização da sociedade.
81
 No Brasil, durante o Segundo Reinado, os intelectuais 
médicos trabalharam bastante para conseguir prestígio e influência sobre as autoridades.
82
 
Esse foi o casamento perfeito entre autoridades e intelectuais médicos:
83
 
 
78
 “A ordem da lei impõe-se por meio de um poder essencialmente punitivo, coercitivo, que age excluindo, 
impondo barreiras. Seu mecanismo fundamental é o da repressão. A lei é teoricamente fundada na concepção 
“jurídico- discursiva” do poder e histórico-politicamente criada pelo Estado medieval e clássico. A norma, 
pelo contrário, tem seu fundamentos histórico-políticos nos Estados modernos dos séculos XVIII e XIX, e 
sua compreensão teórica explicitada pela noção de “dispositivo”. Os dispositivos são formados pelos 
conjuntos de práticas discursivas e não discursivas que agem, à margem da lei, contra ou a favor delas, mas 
de qualquer modo empregando tecnologia de sujeição própria”. Ibid., p. 50. 
79
 Cf. LUZ, op. cit., p. 109. 
80
 COSTA, op. cit., pp. 29-30. 
81
 PEREIRA, J.O; FERREIRA, D.B.J. Medicina, epidemia e política na Província do Maranhão (1850). In: 
Anais do III Encontro de História do Império Brasileiro: Cultura e poder no Oitocentos. São Luís.ISSN 
978-85-7745-619-2, pp. 01-02. 
82
 SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro 
Imperial. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, CECULT, IFCH, 2001, p. 111. 
83
 A normatização dos cursos de formação dos médicos, profissionalização da medicina e a “caça” aos 
charlatães, médicos estrangeiros e curandeiros foram essenciais nesse processo. Para saber mais ver 
SAMPAIO, op. cit. 
29 
 
Tais questões de saúde pública estavam cada vez mais na ordem do dia, 
já que nos políticos e governantes daquele período estava bastante 
presente a noção de que havia um caminho de “civilização” e 
“aperfeiçoamento da moral” a ser buscado, o qual só seria atingido 
através da solução dos problemas de higiene pública. E, naquele contexto, 
ninguém melhor que os detentores do conhecimento científico, da técnica 
– principalmente médico – para indicar os caminhos a serem seguidos na 
administração do país.
84
 
 
Mas, não devemos pensar que toda essa organização dos intelectuais médicos 
significava que, no século XIX, o campo médico fosse coeso em suas teorias. Ao contrário, 
“Longe de ser uma tarefa simples, a consolidação daqueles representantes da medicina 
científica como influentes e poderosos diante da sociedade foi um processo conflituoso e 
lento, atravessado sempre por novas dificuldades não imaginadas pelos doutores”.
85
 
Dentre essas dificuldades, podemos destacar aqui várias teorias médicas, existentes 
no momento, que os intelectuais médicos eram adeptos e defensores ferrenhos: 
contagionismo
86
, infeccionismo
87
, homeopatas, alopatas. 
88
Os conflitos teóricos acerca dos 
tratamentos dados aos pacientes entre esses profissionais eram constantes que levavam a 
população a consultá-los em último caso:
89
 
Não era algo comum procurar um médico quando se estava doente. Ao 
contrário, parecia que se render a esses especialistas era mesmo o último 
recurso, a derradeira tentativa de quem não tinha mais nada a perder. 
Após esgotar todos os meios tradicionalmente empregados, aquelas 
pessoas acabavam “tendo que procurar os recursos da ciência”. 
90
 
 
Sampaio ressalta que não é que os populares não procurassem os médicos, mas esse 
grupo, não tendo na ciência sua verdade única, recorria aos curandeiros (que por sua vez 
 
84
 Ibid., p. 112. 
85
 Ibid., p. 25. 
86
 As doenças eram transmitidas pelo contato físico, objetos contaminados e pelo ar que circulava. Cf. 
CHALHOUB, op. cit., p. 64. 
87
 Os “miasmas morbíficos” (animais e vegetais em putrefação) causavam as infecções. Cf. ibid. 
88
 “No meio de tantas atividades diferentes que eram consideradas charlatanismo, havia uma que era sempre 
citada e que representava uma grande ameaça aos interesses dos médicos. Era a homeopatia. Afinal, não era 
tão simples qualificá-la como pura ignorância, pois muitos homeopatas eram médicos formados, possuíam 
um discurso articulado, uma doutrina que poderia substituir a medicina alopática. Eram adversários que 
pareciam ser considerados perigosos, pois discutiam em termos científicos os princípios das teorias médicas. 
Os médicos alopatas foram então obrigados a reconhecer que havia “charlatães” dentro de sua própria 
classe”. SAMPAIO. op. cit. , p. 55 
89
 Um desses casos “O Doutor fura–uretras” é relatado por Ibid, pp. 31-61. 
90
 Ibid., p. 68. 
30 
 
eram alvo dos intelectuais médicos em geral), sendo “o que havia eram restrições, 
tentativas de se adiar a procura do médico, resolvendo as doenças de outro modo”.
91
 No 
próximo capítulo, trataremos do processo de medicalização da sociedade ludovicense. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
91
 Ibid., p. 77. 
31 
 
CAPÍTULO III 
 
O APARATO MÉDICO NOS SURTOS EPIDÊMICOS: AS DESPESAS 
EXTRAORDINÁRIAS E OS CEMITÉRIOS (1850-1855) 
 
E’ de presumir que, no corrente anno, appareça déficit, já em razão das despesas 
extraordinárias, que se fizerão com o avultado numero de doentes.
92
 
Eduardo Olímpio Machado 
 
 
3.1 – Epidemias e a emergência de soluções 
Durante o século XIX, a capital da Província do Maranhão tinha seu estado de 
saúde pública, considerado satisfatório pelos presidentes de Província, mas, foram 
constantes e intermitentes os surtos epidêmicos. Todos os anos, as mesmas doenças que 
ocorriam de acordo com as estações „batiam ponto‟ e deixavam muitas pessoas acamadas: 
o pleuriz e pulmonia, sarampo, benigna varicela, de espasmo, coqueluche, febres biliosas, 
de malignas, congestão cerebral, febres intermitentes e diversas outras moléstias 
consideradas de menos consequência. Entretanto, grandes surtos epidêmicos ocorriam e 
deixavam a população e o governo provincial sem saber como proceder. 
No Relatório de 1850, o Presidente da Província Eduardo Olímpio Machado, 
discorreu sobre o surto de febre amarela que ameaçou e matou uma boa parcela da 
população do Império do Brasil: 
Nos últimos meses do anno passado apareceo a febre amarella na 
Província da Bahia, e d‟ali communicou-se rapidamente às do Rio de 
Janeiro, Pernambuco, Alagôas, Parayba e outras Províncias do litoral, 
fazendo em todas ellas horriveis estragos, sendo principalmente fatal às 
tripulações dos navios e aos estrangeiros recentemente chegados. Em 
principio do corrente ano passou ella para a Província do Pará, onde foi 
 
92
 Falla dirigida pelo exm. Presidente da provincia do Maranhão, Honorio Pereira de Azeredo 
Coutinho, à Assembéa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de Setembtro de 
1851. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1851. Disponível em 
<<http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao>>, p. 14. 
 
http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranhao
32 
 
igualmente mortífera. Julguei então que era tempo de tomar mais severas 
medidas de precaução para vedar a invazão do flagello nesta Província. 
93
 
 
O Presidente da Província descreveu as atitudes tomadas para a que a epidemia de 
febre amarela não tivesse o mesmo „desempenho‟ no Maranhão. Para que tal ocorresse 
procurou a ajuda de médicos, a fim de que eles elaborassem um projeto para dar combate 
ao flagelo: “Nomeei uma comissão composta do Dr. José da Silva Maia, do Comissário 
Vaccinador da Província, Dr. José Miguel Pereira Cardozo, e do Provedor da Saúde, 
Veríssimo dos Santos Caldas, para me dar o seu parecer sobre as medidas que convinham 
adoptar”.
94
 As recomendações aprovadas foram as do Dr. José da Silva Maia. Logo essas 
recomendações se tornaram posturas por meio da Câmara de São Luís. No geral, elas 
consistiam em instituir, para que essa medida surtisse o efeito esperado: 
Um Lazareto no Forte da Ponta d‟Areia, sugeitando a uma rigorosa 
quarentena os navios que entrassse no porto empestados, designando para 
ancoradouro de quarentena o igarapé que corre próximo ao mesmo Forte. 
Nomeei Director do Lazareto o Provedor de Saúde, que ali foi residir com 
os demais Empregados da Repartição da Saúde, um Empregado do 
Correio, dous guardas da Alfandega, os remadores do escaler, e a força 
militar necessária para coadjuvar a execução das medidas ordenadas pelo 
diretor.
95
 
 
Esse modo de lidar emergencialmente com surtos epidêmicos demonstra o 
despreparo do aparato médico no século XIX: “Ao passo que na entrada do porto se 
oppunha barreira aos ataques da epidemia, a Cidade converteu-se repentinamente em um 
vasto Arsenal onde todos á porfia trabalhava para remover qualquer foco de emanações 
nocivas á saúde pública”.
96
 O presidente de Província destacou o baixo custo do combate 
contra a epidemia: “Assim com a modica despeza de 5:803$441 rs. conseguio-se preservar 
a capital da invazão da peste”.
97
 
Entretanto, a Santa Casa de Misericórdia teve seu rendimento afetado devido ao 
número de doentesque estiveram sob sua custódia durante a epidemia: “E‟ de presumir 
 
93
 Falla dirigida pelo exm. Presidente da provincia do Maranhão, Honorio Pereira de Azeredo 
Coutinho, à Assembéa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de Setembtro de 
1850. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1850, p.11. 
94
 Falla..., p.11. 
95
 Ibid, p. 12. 
96
 Id. 
97
 Ibid, p. 13. 
33 
 
que no corrente anno, appareça déficit, já em razão das despesas extraordinárias, que se 
fizeram com o avultado numero de doentes, tractados no Hospital da Casa por occasião da 
epidemia, que lavrou nesta, já com o asseio, diversas obras e creação de uma botica no 
referido Hospital”.
98
 Em 1851, a Santa Casa teve uma renda superior devido ao número de 
mortos enterrados em seu cemitério durante a epidemia de febre amarela: 
E aqui releva notar que a receita desse anno foi muito superior ao 
computo ordinário, circunstancia esta, que se deve atribuir ao avultado 
numero de enterramentos, que se tiverão lugar no Cemitério da Santa 
Casa, em conseqüência da febre amarella, que fez numerosas victimas 
nos mezes de Março a Junho. O rendimento do Cemitério subiu a 
4:000$600 rs., sem falar nas diárias dos enfermos não indigentes, que 
produsirão também um rendimento superior. 
99
 
 
Há notoriamente uma diferença entre a fala do Presidente, que afirma que não 
houve muitas mortes de pessoas vitimadas pela febre amarela, e a da mesa da Santa Casa 
de Misericórdia, que deixa bem expressa a existência de gastos excessivos no hospital pelo 
número de doentes e saldo superior devido ao número de enterramentos nos cemitérios. 
Qual seria a intenção de Eduardo Olímpio Machado em esconder o verdadeiro estado 
sanitário da Província do Maranhão? 
Em idos de outubro de 1855, foi dada a notícia de um surto de varíola na Capital da 
província, que a principio matou um soldado. Como em outras ocasiões, houve isolamento 
do hospital regimental para a contenção da moléstia, mas, em novembro do mesmo ano, a 
peste tornou-se corrente e mortífera aos moradores: “O número dos indivíduos, que tem 
fallecido de bexigas desde o princípio do contagio até 15 de abril, monta á 517, regulando 
os respectivos óbitos, o anno passado, 1 por cada dous dias em novembro, menos de 2 por 
dia em dezembro; este anno, 5 por dia em janeiro, pouco mais de 4 por dia em fevereiro, 
pouco menos de 3 e ½ por dia em março”.
100
 
Para tentar deter a moléstia, o presidente de província ordenou: 
 
98
 Falla dirigida pelo exm. Presidente da provincia do Maranhão, Honorio Pereira de Azeredo 
Coutinho, à Assembéa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de Setembtro de 
1851. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1851, p. 14. 
99
 Relatorio com que o presidente da Provincia do Maranhão, o Dr. Eduardo Olimpio Machado, 
passou a administração da mesma Provincia ao vice-presidente Manoel de Sousa Pinto de Magalhães 
em 9 de Julho de 1852. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1852, p. 25. 
100
 Relatorio do presidente da Provincia do Maranhão, o Dr. Eduardo Olimpio Machado na abertura 
da Assembéa Legislativa Provincial no dia 3 de Maio de 1855. Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. 
Ferreira, 1855, p. 61. 
34 
 
Tenho, durante a crise, dado todas as providencias, que estão á meu 
alcance, para socorrer os affectados do contagio, e minorar a propagaççao 
delle pelo preservativo da vaccina; já estabelecendo nesta capital na 
menos de dous lazaretos, onde são recolhidos e tractados gratuitamente, 
n‟um os bexiguentos livres, n‟outros os escravos, e distribuindo socorros 
públicos aos que não podem ser nelles recolhidos; já encarregado a 
diversos facultativos de tractar a pobresa afectada nas diferentes 
localidades da província, e incubindo-os igualmente de auxiliar o 
commisário vaccinador na capital, e de propagar a vaccina pelo interior; e 
já, finalmente, creando commisões médicas, que proponhão o emprego 
das medidas sanitárias mais convenientes.
101
 
 
No ano de 1856, o então vice-presidente da província, José Joaquim Teixeira Vieira 
Berford, „desabafou‟ sobre os esforços empreendidos pela saúde pública, a fim de conter as 
doenças, que, entretanto, continuaram a „aparecer‟: 
Se um dos fins a que se propõe a hygenie publica, é, como acredito, de 
extinguir e remover as cauzas, que, directa ou indirectamente, podem 
influir para a alteração da saude publica, fôra, entretanto, demasiado 
exigir que ella podesse affastar de nós todas as enfermidades que fagellão 
a humanidade. As causas, que não estou em erro, do aparecimento e do 
desenvolvimento das queixas que sofremos na saúde, a maior parte das 
vezes, permanecem, a despeito dos esforços da sciencia, occultas ao 
homem, e na generalidade dos casos de molestias endêmicas, 
esporadicas, ou epidêmicas, são elles devidos a causas telluricas ou 
atmosphericas, contra as quaes tem até hoje provado de pouca ou nehuma 
utilidade os esforços da arte; e a auctoridade, que nas occasiões mais 
criticas, não pode obrigar a stricta observancia das regras prescriptas pela 
sciencia, vê, sem poder prover de remédio, os tristes effeitos que 
produzem não poicas vezes prejuizos arraigados na maioria do povo, e 
inutilisados todos os seus sacrifícios. 
102
 
 
Podemos notar na fala de Berford que as medidas tomadas para a contenção das 
doenças não tiveram efeito real e, retomando que são feitas apenas emergencialmente após, 
considerado o fim do surto a paisagem urbana e as práticas sociais que podem ser a causa 
de fato das enfermidades eram retomadas, bem como as que eram consideradas nocivas 
pelos médicos do século XIX. 
 
101
 Ibid. 
102
 Relatorio com que o vice-presidente, José Joaqim Teixeira Vieira Berford, entregou a presidência 
da Provincia do Maranhão ao Illm. e Exm. Snr. Commendador Antonio Candido da Cruz Machado. 
Maranhão, impresso na Typ. Const. de I. J. Ferreira, 1856, p. 07. 
 
35 
 
Quando ele considera que o governo não pode fiscalizar as medidas que a ciência 
determina como as corretas, assinala nas entrelinhas que a população é a responsável por 
esses surtos, retirando a responsabilidade do governo Provincial, o qual sempre assegura 
que o estado sanitário da província do Maranhão é bom: 
Na crize actual, o Governo, auxiliado dos recursos, de que a sciencia 
pode dispor e aconselha, tem, por todos os meios a seu alcance procurado 
remover as causas conhecidas, que por ventura possão comprometter a 
saude publica, e, na eventualidade, não esperada, do desenvolvimento de 
uma epidemia, tem dado todas as providencias para que não fosse 
surprehendido, antes de haver, como lhe cumpria, disposto a maneira de 
prover, com regularidade e promptidão, o tractamento dos doentes e das 
pessoas desvalidas. Felizmente, porem, o estado da saude publica, folgo 
de dizel-o, é satisfactorio nesta provincia, excepção feita de algumas 
febres intermitentes de mão caracter e de outras molestias, que nesta 
quadra do anno, como V. Excª. Sabe, grassão nesta capital.
103
 
 
Ainda no ano de 1855, houve uma epidemia de cólera e, mais uma vez, os médicos 
discordavam sobre a origem da moléstia e não sabiam como tratá-la. Então, a Praia da 
Ponta da Areia recebeu um lazareto de observação dos navios que não estariam 
contaminados. Na Ilha do Medo que já tinha casas para o fim de isolamento de doentes, se 
tornou lugar de tratamento para os acometidos de cólera: 
O cholera, fez estabelecer um lazareto de observação na Ponta d‟Areia, 
visto haver na ilha do Medo, para as quarentenas de rigor, um lazareto 
destinado ao tractamento dos cholericos, e consistindo em duas casas, 
uma das quaes era para armazem de mercadorias. O lazareto da Ponta 
d‟areia é, como lazareto de observação,destinado para os navios que não 
trazem molestia suspeita á bordo, e que, durante a travessia, a não 
tiverão.
104
 
 
Para tais construções na Ilha do Medo (casas e um poço) foram destinadas 
3:100$000. Entretanto, as embarcações que chegavam ao local deparavam-se com 
condições precárias e contrárias às recomendações médicas: 
A obra foi feita por contracto e importou na quantia de 3:100$000 rs, 
inclusive o poço; mas, ou fosse pela falta de capacidade professional do 
contractante, ou porque, pelo preço, se não podesse fazer naquelle logar, 
attenta a distancia, em que fica desta cidade, casas melhores do que as 
que se construirão, ou mesmo porque se não considerasse então a 
 
103
 Ibid, p. 07. 
104
 Id. 
36 
 
construcção delas, se não como uma medida provisoria, o certo é que, 
com a chegar do vapor Paraense aqui, depois da noticia do aparecimento 
da epidemia no Pará, tendo elle de ir para a quarentena na ilha do Medo, 
apparecerão queixas, não só pela falta de acommodações das casas, como 
pelo pessimo local, em que, com preterição de todos os preceitos 
hygienicos, tinhão sido construídas.
105
 
 
É constante o uso de desculpas por parte dos governantes da província do 
Maranhão para justificar os porquês dos problemas epidêmicos. Por isso, usavam-se verbas 
emergenciais para acabar com a epidemia e anunciava-se o fim, Mas, no próximo ano 
sempre apareciam as mesmas doenças quando não grandes surtos e recomeçavam o ciclo. 
E, observando os orçamentos percebemos que não há grandes alterações de verbas 
destinadas à saúde pública: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
105
 Id. 
37 
 
RECEITA PROVINCIAL DO MARANHÃO (1850-1855) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 01/07/1850 a 
30/06/1851 
01/07/1851 a 
30/06/1852 
01/07/1852 a 
30/06/1853 
01/07/1853 a 
30/06/1854 
01/07/1854 a 
30/06/1855 
Saúde e 
caridade pública 
4:220$000 
Aproximadam
ente 15,58% 
da receita 
2:300$000 
Aproximadam
ente 9,3% da 
receita 
5:530$000 
Aproximadam
ente 21,25% 
da receita 
5:530$000 
Aproximadam
ente 21,09% 
da receita 
5:830$000 
Aproximadament
e 23,32% da 
receita 
Conselho de 
salubridade 
pública 
1:800$000 Extinto Extinto Extinto Extinto 
Cirurgião-Mor 300$000 300$000 300$000 300$000 300$000 
Agente ... o 
serviço da 
vaccina 
120$000 Não consta Não consta Não consta Não consta 
Santa Casa de 
Misericórdia e 
creativo dos 
Lazaros 
2:000$000 2:000$000 5:530$000 5:230$000 5:530$000 
Receita total 270:836$795 246:754$380 260:181$410 262:186$050 250:000$000 
Despesa 
Provincial 
270:836$795 246:754$000 250:568$750 262:186$050 381:673$850 
Fonte: Relatórios do presidente da Província do Maranhão (1850-1855). Maranhão, impresso 
na Typ. Const. de I. J. Ferreira. 
 
38 
 
3.2 – Cemitérios: solução ou problema? 
Como já exposto em capítulos anteriores, ao longo do século XIX houve ascensão 
do pensamento científico e da medicina, mas nem todos os sujeitos estavam dispostos a 
aceitar as novas regras de convivência que passaram a ser perpassadas pela noção de 
salubridade. Em São Luís, não foi diferente das outras capitais de província e também 
tentou impor normas aos habitantes. Uma dessas foi a mudança na prática de 
enterramentos das igrejas para os cemitérios. Como o campo médico ainda não era coeso, 
esses intelectuais defendiam ferrenhamente que as igrejas eram grandes repositórios de 
doenças devido ao acúmulo de corpos e dos gases que provinham da putrefação: 
Os médicos eram unanimes em apontar o perigo que corriam as pessoas 
que iam diariamente às igrejas carregadas de eflúvios metíficos 
produzidos, durante a noite, pelos mortos ali enterrados. Os eflúvios eram 
potencializados pelo suor e a respiração dos fieis e a queima de velas e 
incenso. [...] Para ajudar no processo de decomposição combriam-se os 
cadaveres com cal e, em seguida, jogava-se terra que era batida por 
pesadas calceiteiras. 
106
 
 
Para que fosse efetivada, houve muitas tentativas para que ela pudesse vir a 
acontecer. Desde 1808 que já haviam leis versavando sobre o enterramento extramuro: 
No Brasil, a primeira tentativa de proibição de enterros nos templos foi 
através da Carta Régia nº 18, de 14 de janeiro de 1808. A ordem era clara, 
cidades populosas deveriam construir cemitérios extramuros. Esta lei foi 
esquecida, tornando-se letra morta. Nova tentativa de sua aplicação 
ocorreu em 1825, quando Dom Pedro I tratou pela decisão número 265, 
de 17 de novembro de 1825, da transferência do cemitério da matriz de 
Campos dos Goytacazes, na província do Rio de Janeiro, para fora da 
cidade conforme recomendava a Carta Régia
107
. 
 
A criação das Câmaras municipais no Império do Brasil em 1828 foi responsável 
por legislar sobre os enterramentos extramuros. Entretanto, apenas houve indicação que os 
cemitérios deveriam ser construídos pelas autoridades eclesiásticas locais: 
 
A lei imperial de 1º de outubro de 1828, que instituía as câmaras 
municipais do Império do Brasil, regulamentou entre outras questões 
sobre o sepultamento fora das igrejas. Neste primeiro momento, não 
 
106
 PACHECO, Alberto. Meio ambiente & cemitérios. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012, p.76 
107
 SOUZA, Fabio William. Fronteiras póstumas: a morte e as distinções sociais no cemitério de Santo 
Antonio em Campo Grande. 2010. Dissertação (Mestrado em história) – Universidade Federal da Grande 
Dourados, Dourados, MS, p.15 
39 
 
ocorreu uma proibição, apenas uma recomendação para instituição dos 
cemitérios fora dos templos e que o mesmo fosse edificado sob a tutela da 
autoridade eclesiástica local. Portanto, a lei não proibiu o enterro dentro 
das Igrejas apenas recomendou e permitiu que as Câmaras locais 
legislassem sobre o tema, cada vila ou cidade deveria adotar ou não a 
recomendação. Assim, de 1828 a 1862, seguiram outras leis imperiais 
tentando disciplinar o sepultamento dos mortos fora das Igrejas.
108
 
 
A mudança dos enterros para os cemitérios não foi fácil, houve resistência por parte 
da população devido à importância no imaginário social da época do local de repouso 
eterno estar ligado diretamente à noção de salvação. Houve conflitos reais, a exemplo da 
Cemiterada ocorrida em Salvador a 25 de outubro de 1836: “Nesta ocasião, a multidão 
destruiu o cemitério do Campo Santo que tinha sido inaugurado três dias antes [...] A 
revolta contou com a participação indiscriminada da população, e inclusive com a 
complacência da polícia local [...]”. 
109
 
Paralelamente aos conflitos entre religião e ciência, desenvolveu uma questão mais 
forte em São Luís. Segundo Cesar Marques, o primeiro cemitério de São Luís estava 
localizado no Largo do Palácio, nos fundos da Santa Casa de Misericórdia: 
Como a todos os corpos se dão sepultura no estreito recinto do adro da 
matriz da mesma capital, sucedendo encontrar-se ao abrir das sepulturas 
vestígios de não estarem bem consumidos os cadáveres, aconselhava ele 
que à vista da presente epidemia de bexigas, em que se tem perdido 
infinitas pessoas, elegessem a um sitio e terreno próprio para o cemitério, 
e cerca-lo de madeira, ficando em estado de se poder benzer e habilitar 
para sepultura de católico.
110
 
 
Apesar das leis que tratavam da construção de cemitérios extramuros, os 
enterramentos continuaram sendo feitos no terreno doado pela Câmara Municipal à Santa 
Casa de Misericórdia “que era no fim da Rua Grande com frente para a Rua do Passeio [...] 
e finalmente no Cemitério da Misericórdia, até que, em sessão de 5. Agos.1804, deliberou 
a mesa da Santa Casa de Misericórdia a criação de um outro cemitério, elegendo-se logo o 
inspetor da obra”.
111
 
 
108
 SOUZA, op. cit., p. 15. 
109
 KANTOR, Iris.

Continue navegando