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MARILENA CHAUI - A ÉTICA E O JUSTO MEIO

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CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia : dos pré-socráticos a Aristóteles,
volume 1 / Marilena Chamo -2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2002
FABRICIO DA SILVA E SILVA
[RESUMO, p. 440 a 477]
A ÉTICA E O JUSTO MEIO
Todavia, Protágoras supusera que a ética é uma técnica e Platão, opondo-se ao sofista, a
concebera como parte integrante da vida contemplativa, portanto como um saber teorético de
mesmo tipo que a ontologia ou a matemática. Aristóteles é o fundador da filosofia prática
porque demarcou o campo da ação humana e distinguiu, pelo método e pelo conteúdo, o saber
prático e a técnica fabricadora, assim como o saber teorético e o prático.
A ética é uma ciência prática ou uma ciência da práxis humana, isto é, um saber que tem
por objeto a ação. Em outras palavras, embora a práxis seja objeto de um saber prático, seu
pressuposto é a natureza humana tal como a metafísica, a física e a psicologia a conhecem.
Toda arte e todo procedimento , assim como toda ação e toda escolha tendem para algum
bem, segundo a opinião geral.
Eis a primeira questão da ética. Como toda ciência prática, a ética deve determinar a
essência do fim a ser alcançado, a essência do agente e das ações e os meios para realizá-las.
Um bem, diz Aristóteles, é mais perfeito do que outros quando procurado por si mesmo
e não em vista de outra coisa, e a felicidade é um bem deste gênero, diferentemente da honra, da
riqueza, do prazer e da inteligência, que são buscados como meios para outros fins. Um bem é
mais perfeito do que outros pelo seu grau de autossufIciência , isto é, quando o escolhemos por
ele mesmo e não em vista de outra coisa ou, como escreve Aristóteles, «aquilo que, à parte de
todo o resto, toma a vida desejável e não carece de nenhum outro» é um bem mais perfeito do
que qualquer outro. E a felicidade é um bem desse gênero, pois ela não é buscada em vista de
outra coisa e sim as outras coisas é que são buscadas como meios para ela.
Um bem é sempre uma virtude, ou seja, uma excelência -uma areté - e a felicidade não é
um estado de espírito subjetivo e sim, como lemos no Livro I da Ética a Nicômaco, consiste
numa atividade da alma de acordo com a virtude e isto numa vida realizada plenamente , e
assim, a felicidade não é obra de um só dia, nem de pouco tempo, mas de uma vida inteira.
Eis por que Aristóteles critica Platão por formular a ideia universal do Bem como uma
entidade inteligível separada do sensível, isto é, a Forma universal da Bondade, como se o Bem
fosse o mesmo para todos os seres e como se pudesse ser alcançado apenas pela via teorética.
Sendo a felicidade um fim em si mesma e para si mesma, ela é o bem Supremo e, como tal, é
um bem prático e não teorético, é uma ação e não uma ideia contemplativa.
A PECULIARIDADE DA AÇÃO HUMANA
As ações humanas não são como as operações naturais, isto é, na natureza, cada ser
segue necessariamente as exigências impostas por sua matéria e por sua forma e, como vimos,
essas operações são necessárias, isto é, possuem sempre as mesmas causas, produzem sempre
os mesmos efeitos e cada operação produz um único efeito . Ao contrário, as ações humanas são
possíveis e não necessárias, pois decorrem de uma deliberação e de uma escolha voluntária
entre alternativas contrárias, de sorte que os efeitos são variáveis e múltiplos, dependendo da
escolha feita. Além disso, por envolver deliberação e escolha, as ações humanas se referem ao
tempo futuro, e vimos que Aristóteles coloca os juízos referentes ao futuro como juízos
possíveis e não há ciência teorética do possível, pois este é contingente. Assim, a ação ética
pertence ao gênero das ações que têm em si mesmas sua familiaridade e que se referem ao
possível.
A PAIXÃO
Para compreendermos a presença decisiva da contingência como um elemento
constitutivo das ações humanas não basta considerarmos a vontade e o tempo futuro como seus
determinantes, mas precisamos também levar em conta o papel do apetite ou do desejo, isto é,
da paixão.
O que é o desejo ? É nossa inclinação natural para buscar o prazer e fugir da dor,
segundo o modo como somos afetados pelos objetos na sensação, ou conforme os imaginemos
segundo suas imagens retidas na memória. Porque depende da maneira como as coisas ou os
outros seres humanos nos afetam, o desejo é a marca de nossa passividade, realizando
movimentos internos à nossa alma e movimentos internos e externos ao nosso corpo para obter
o que causa prazer e afastar o que causa dor. É a paixão, o pathos*. O desejo é causado por uma
afeição externa ou por sua imagem interiorizada e é causa dos nossos sentimentos ou de nossas
emoções, constituindo nossa afetividade natural.
Ora, uma paixão é um acidente ou um predicado que tem a peculiaridade de ser sempre
contingente. Se nos lembrarmos da distinção aristotélica entre movimento natural e violento,
teremos que dizer que a paixão é um movimento natural e violento. Violento, porque a paixão
pode suscitar movimentos contrários ao bem de nossa natureza, oscilando entre o excesso e a
falta, entre a busca desenfreada do prazer e a fuga desesperada da dor.
A presença da paixão como um elemento essencial da ação moral faz com que a tarefa
da ética seja educar nosso desejo para que não se tome vício e colabore com a ação feita por
meio da virtude. Em outras palavras, Aristóteles não expulsa a afetividade, mas busca os meios
pelos quais o desejo passional se torne desejo virtuoso.
AGENTE ÉTICO E A VIRTUDE
Aristóteles não é Platão. Isso significa que a educação ética, destinada a nos fazer
adquirir o hábito da virtude, não atribui à razão o poder que Platão lhe dera para controlar,
dominar e governar os desejos nascidos da concupiscência e da cólera. Vindo de uma família e
de uma corporação de médicos, Aristóteles classifica os homens segundo a tipologia de
caracteres estabelecida pela medicina grega.
A unidade das quatro causas é a virtude. A ética é, pois, a ciência prática da moderação
ou, como diz Aristóteles, da prudência. A virtude é virtude do caráter ou força do caráter
educado pela moderação para o justo meio ou a justa medida.
A virtude é uma disposição constante para agir de um modo deliberado, consistindo
numa medida relativa a nós, racionalmente determinada e tal como seria determinada pelo
homem prudente.
A virtude é ação, atividade da vontade que delibera e escolhe segundo a orientação da
razão, a qual determina os fins racionais de uma escolha, com vista ao bem do agente, isto é,
sua felicidade. Por isso, diz Aristóteles, não nascemos bons, mas nos tomamos bons com os atos
bons, pois atualizam nossa potencialidade para a razão e para a felicidade.
O QUE ESTÁ E O QUE NÃO ESTÁ EM NOSSO PODER
Para determinar a essência da ação moral ou da ação virtuosa, Aristóteles distingue
ações involuntárias e voluntárias, introduzindo uma inovação de grande envergadura.
Aristóteles, ao contrário, os considera voluntários, pois entende a vontade como espontaneidade
natural, isto é, aquilo que a natureza de um ser o leva naturalmente a querer e a realizar e, no
caso do homem, aquilo que, além de espontâneo, é consciente.
Adquirindo uma disposição interior constante que nos permita responder racional ou
prudentemente a situações que não foram escolhidas nem determinadas por nós, isto é,
realizando um ato voluntário feito por e com virtude.
Sabemos, ainda, que a virtude é a medida justa do desejo e que o vício é ausência de
medida ou moderação. Para Aristóteles, porém, a fraqueza da vontade se manifesta quando
sabemos qual é o bem e não conseguimos realizá-lo.
Estamos agora em condições de distinguir páthos e areté, paixão e virtude. A virtude,
prossegue o comentador, é o lugar da identidade do sujeito, que atualiza suas disposições, as
exerce, as pratica. A paixão exprime a diferença no interior do sujeito, dividindo-o em
inclinações contrárias, enquanto a virtude exprime sua identidade, sua natureza íntegra e sua
excelência.
A PRUDÊNCIA E OPRUDENTE
Paz de bem deliberar sobre as coisas boas e úteis para si, e isso não de maneira parcial,
como, por exemplo, que coisas são boas para a saúde e para a força física, mas com respeito ao
bem-viver em sua totalidade
Sua causa material é o éthos do agente, sua causa formal, a natureza racional do agente,
sua causa formal, o bem do agente, sua causa eficiente, a educação do desejo do agente. É a
disposição voluntária e refletida para a ação excelente, tal como praticada pelo homem
prudente. Com a prudência, passamos das virtudes éticas àquelas que Aristóteles chama de
virtudes dianoéticas ou intelectuais. Além das virtudes éticas, que se referem às funções
sensitiva e apetitiva da alma em sua relação com o corpo, existem virtudes que se referem
apenas à função racional ou intelectiva, e que Aristóteles denomina de virtudes dianoéticas ou
intelectuais.
AS VIRTUDES INTELECTUAIS E A FELICIDADE PERFEITA
Como explica o helenista Pierre Aubenque, Aristóteles concebe uma cisão no interior da
razão entre a teoria e a prática, ou entre a sabedoria e a prudência , entre a contemplação e a
ação. Cada uma dessas virtudes intelectuais existe, inicialmente, em potência na alma racional e
cada uma delas, em condições próprias, será atualizada para realizar a plenitude de sua forma,
passando de aptidões potenciais a disposições atuais constantes adquiridas. Lógos, como vimos
ao estudar a técnica, deriva do verbo légo que, na linguagem corrente dos gregos, significa
reunir, juntar, contar, calcular e distribuir, de onde provêm as significações de linguagem e
pensamento.
Nas virtudes éticas, a vontade racional é exatamente o cálculo moderador que encontra o
justo meio entre dois extremos e, entre várias virtudes, calcula o valor mais alto para orientar a
escolha. As virtudes dianoéticas incluirão esse primeiro sentido de lógos e médio, porém a ele
acrescentarão outros, de tal maneira que possam abarcar todas as disposições para o
conhecimento. Vimos que Aristóteles define o conhecimento como inclinação natural ou desejo
natural. O conhecimento, portanto, também deve ser tratado sob a perspectiva do justo meio e
como disposição virtuosa da alma intelectiva ou racional para a verdade.
Como para Platão, também para Aristóteles as virtudes intelectuais são as mais
desejáveis. Porém, diferentemente de Platão, o quadro dessas virtudes é muito mais amplo,
abrangendo os vários sentidos de longos e médios. A sabedoria prática é a disposição racional
para a boa deliberação, segundo a regra certa da virtude. A arte é a disposição racional para
produzir coisas em conformidade com certas regras e modelos.
A inteligência é a disposição racional para apreender, sem demonstração, a verdade dos
primeiros princípios de onde parte a ciência. A sabedoria teorética é a disposição racional
nascida da união da ciência com a inteligência para o conhecimento das coisas mais elevadas.
A natureza de seu objeto e sua continuidade fazem da contemplação a causa maior do
prazer, e a felicidade é inseparável do prazer, de sorte que, não havendo prazer maior do que
conhecer, não há felicidade maior do que a do conhecimento. Por esse motivo, nela a plena
autarquia, a autossuficiência e a independência são quase totalmente possíveis, pois além de não
depender de nada exterior, mas apenas da ação intelectual, o sábio, embora seja feliz na
companhia dos amigos e vivendo na pólis, não está impedido de agir quando estiver sozinho e a
solidão não o impedirá de conhecer, enquanto no caso das virtudes éticas a autossuficiência
plena é impossível, tanto porque são necessários os objetos de desejo e prazer como porque são
necessários os outros seres humanos. Enfim, somente nela a felicidade, inseparável do lazer ou
do ócio, é possível, pois em todas as virtudes práticas ou éticas as ações concernem à vida social
e política, a práticas e trabalhos, deveres e tarefas que temos para com os demais e que não
termina nunca, enquanto na virtude contemplativa estamos isentos de fadiga e pena, numa vida
de paz e sossego, que é a felicidade perfeita.
Com Aristóteles, rompe-se, portanto, a unidade profunda que Platão concebe entre o
político e o sábio, ruptura que se deve tanto à distinção entre teoria e prática ou entre as
disposições da alma racional como às condições históricas da filosofia aristotélica, elaborada e
escrita quando a pólis não mais existe e o poder imperial de Alexandre domina o mundo.
A afirmação da superioridade das virtudes intelectuais sobre as éticas poderia levar-nos a
supor que Aristóteles teria retomado ao platonismo, isto é, à ideia de que a alma racional deve
dominar e comandar a sensitiva e a apetitiva. Em primeiro lugar, porque a racionalidade das
virtudes éticas encontra-se nelas mesmas e não num comando externo - a prudência, embora
dianoética, é uma virtude eminentemente prática. Para cada um de nossos sentidos há um prazer
que lhe é próprio, assim como há um prazer próprio em cada uma de nossas atividades ,
alcançando sua plenitude ou perfeição quando o órgão que o experimenta está em perfeita saúde
e em perfeitas condições para realizar sua função, ao mesmo tempo que o objeto experimentado
também se encontra no estado de sua maior perfeição. Aspiramos pelo prazer porque desejamos
viver, e a vida é uma atividade que recebe do prazer um suplemento, um «algo a mais» que
aumenta a atividade e o desejo de viver.
Por isso, sem atividade não há prazer e sem prazer a atividade diminui, tendendo mesmo
a desaparecer. O laço que une virtude e prazer explica, enfim, por que as virtudes intelectuais
são superiores às morais, pois nelas o prazer é mais intenso, mais vivo, mais longo e duradouro.
TRANSIÇÃO DA ÉTICA PARA A POLÍTICA: JUSTIÇA E AMIZADE
A obra do prudente é a moderação, isto é, encontrar a medida e a regra correta para a
escolha virtuosa. Para isto, depende da ciência arquitetônica, isto é, daquela ao qual os seus fins
estão subordinados, portanto, depende da política.
O vínculo entre a ética e a política é constituído não só pela subordinação dos bens
individuais ao bem comum, mas também pela identidade da disposição do prudente e do
político, isto é, daquele que modera ou legisla, oferecendo a medida e a regra correta. Assim
entendida, a justiça é a virtude completa ou inteira, pois quem a possui é capaz de usá-la para si
e para os outros.
No entanto , justiça e virtude são idênticas como disposição, mas suas essências são
diferentes. Porque akrasía e philía dizem respeito ao prazer, mas de modo contrário . Quando,
na busca imoderada do próprio prazer, prometo prazer a outrem para, na realidade, fazê-lo
dar-me prazer, a akrasía simula a philía.
Essa simulação na verdade é uma dissimulação, um simulacro da verdadeira amizade. É
por este risco da dissimulação de um vício numa virtude que Aristóteles expõe, numa sequência
contínua, a incontinência, primeiro, e a amizade, a seguir. A definição da amizade é curiosa. A
definição é curiosa porque não sabemos exatamente se a amizade é uma virtude ou algo que
pressupõe a existência de virtudes, sendo, então, uma consequência da vida virtuosa.
Na verdade, não há ambiguidade na definição porque, de fato, a amizade é uma virtude,
é condição da vida virtuosa e é consequência da vida virtuosa.
Só pode existir entre os iguais e semelhantes por caráter, isto é, somente entre os
virtuosos. A amizade perfeita é aquela entre os virtuosos que são semelhantes na virtude, pois
tais amigos desejam-se reciprocamente o bem enquanto são bons e são bons por si mesmos.
Porém, os que desejam o bem a seus amigos por amor a eles são os amigos por
excelência, sua amizade persiste enquanto forem bons e a virtude é uma disposição estável. São
agradáveis uns aos outros, porque cada um encontra prazer nas ações que exprimem seu caráter
e nas que são da mesma natureza que ele . Toda amizade, com efeito, tem como fonte o bem ou
o prazer, seja em sentido absoluto, seja para aquele que ama, isto é, em razão da semelhança.Os
maus, diz Aristóteles, não sentem o menor prazer na companhia uns dos outros e não se unem
para se fazerem reciprocamente o bem.
A amizade só existe entre os prudentes e os justos, sendo por isso condição e
consequência da vida justa, que é a vida na comunidade política. Compreendemos, então, por
que philía e akrasía são contrárias, pois esta última usa a co munidade política para servir ao seu
próprio interesse e prazer, podendo arruiná-la e traí-la . Mas Aristóteles possui ainda um outro
motivo, mais profundo, para fazer da amizade uma virtude e a mais alta virtude ética. O ideal da
autonomia é o ideal da autarquia, isto é, da independência e autossuficiência.
Os homens não podem ter essa plenitude, mas podem desejá-la e podem imitá-la, isto é,
emulá-la e simulá-la. Pela amizade. A amizade é nossa parte no divino, a maneira como a ação
humana imita a autarquia divina e faz a pólis imi tar a autarquia do kósmos.
A POLÍTICA
Na abertura da Ética a Nicômaco, como vimos, Aristóteles, ao prosseguir examinando a
diferença entre as ciências produtivas e as práticas, conclui que, além de as práticas serem
superiores às produtivas, a política é superior à ética.
Como observa o helenista Francis Wolff, dizer que a pólis é natural e que o homem é
naturalmente político não significa dizer que a Cidade é a primeira comunidade humana na
ordem do tempo, pois a natureza de um ser não é necessariamente aquilo que aparece nele em
primeiro lugar. O homem é um animal político ou naturalmente político porque é um ser carente
e imperfeito que necessita de coisas e de outros , buscando a comunidade como o lugar em que,
com os seus semelhantes, alcance completude.
A comunidade política é o fim a que tendem a comunidade familiar e a comunidade de
aldeia e, por ser o fim das outras comunidades, é anterior a elas do ponto de vista lógico e
ontológico, embora lhes seja posterior do ponto de vista cronológico. Sendo a comunidade
política o fim das outras comunidades, ela é lógica e ontologicamente anterior a elas, como o
todo é anterior às partes. A comunidade política, isto é, a pólis distingue-se da família ou lar e
do vilarejo pelo tipo de poder ou de autoridade próprio a cada uma dessas comunidades. Este
ponto é uma das maiores contribuições de Aristóteles ao pensamento político, pois foi ele o
primeiro a demonstrar que a política não é a simples continuidade da família e da reunião de
famílias, ainda que na família existam embrionariamente ou em potência as três principais
forma de regimes ou constituições políticas.
Cada Constituição está de acordo com a constituição de seus membros e corresponde ao
modo como eles esperam alcançar o fim da vida política, que é a vida justa e o bem comum.
Assim como ninguém nasce virtuoso, mas se torna virtuoso, assim também ninguém
nasce cidadão, mas se torna cidadão pela educação, que atualiza a inclinação potencial e natural
dos homens à vida comunitária ou social. Antes de estudar as Constituições políticas,
Aristóteles, como dissemos, estuda o lar, o oikos, e o conjunto de lares que formam o vilarejo
ou a aldeia.
Independentemente de sua Constituição, toda Cidade existe para cumprir seu fim e esse
cumprimento será mais ou menos perfeito em decorrência do tipo de Constituição. A finalidade
da política sendo o bem comum e a vida justa, o valor essencial da política, aquele valor que
serve para medir todos os demais valores da Cidade, é a justiça. Em cada caso, a necessidade, o
mérito, o retorno para o bem da Cidade do que ela distribuiu devem ser as regras da
distribuição.
O poder é indivisível e participativo e todos os cidadãos possuem o mesmo poder. Cada
forma política tem uma causa própria para sua corrupção. A população se revolta e, como está
habituada a ser governada por um só, acredita que basta substituir o rei por um outro. Ao
escolher um homem superior a todos os outros para substituir o rei, a população cria a tirania,
pois este escolhido deseja exercer por si mesmo e segundo seus poderes pessoais o poder
político.
A aristocracia degenera em oligarquia quando os aristocratas se tornam demagogos para
obter para si os favores populares e quando formam facções rivais que se combatem,
enfraquecendo o poder. As honras começam a ser dadas somente para alguns , as desigualdades
e rivalidades crescem e um grupo rico e poderoso toma o poder, passando à oligarquia. A
Cidade precisa ter agricultores, artesãos, guerreiros, comerciantes, um grupo abastado que possa
dedicar-se integralmente à política sem visar aos seus interesses pessoais, sacerdotes,
magistrados, juízes, professores das artes e dos ofícios e de educação liberal . Assim, ao
responder à pergunta sobre qual é a extensão do poder ou da soberania popular, Aristóteles
afirma que o povo deve ter a soberania judiciária e deliberativa.
À primeira objeção, Aristóteles responde que a política é arte e que numa arte o
julgamento cabe ao usuário e não ao produtor.
Como consequência, nessa tradição, Aristóteles teria afirmado que o melhor Estado é
um regime que combina o que há de melhor na realeza, a aristocracia e no regime popular. E da
realeza receberia o critério da unidade e indivisibilidade do poder, assim como o exercício da
prudência. Para compreendermos o regime misto proposto por Aristóteles, precisamos
compreender como foi que Aristóteles chegou à ideia do regime justo perfeito, que acabamos de
ver. Como observa Sérgio Cardoso, a ideia de regime misto é elaborada por Aristóteles a partir
do exame de dois regimes corruptos ou desviados, isto é, a oligarquia e a democracia, ou seja,
do regime dos ricos para os ricos e do regime dos pobres para os pobres.
A politeía se define, então, como regime de todos os homens livres , que buscam
verdadeiramente um bem comum, promovendo a integração e comunicação das duas partes
fundamentais. Sob essa perspectiva, a ideia de regime misto, resposta concreta a uma realidade
concreta, modifica a finalidade da política. De fato, no exame do regime justo ou perfeito, a
finalidade da política não é a virtude de cada um de seus cidadãos, mas «a própria efetivação da
pólis como comunidade ativa de todos os cida dãos», da qual decorrerá a virtude de seus
membros.
Em segundo, a pólis existe para o bem dos cidadãos e não o contrário, motivo pelo qual
Aristóteles delimita com precisão a esfera pública de atuação do Estado, impedindo-o de regular
e dirigir a esfera privada. Como se observa, entre as ideias aristotélicas e platônicas e as cristãs
medievais há enorme distância.

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