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TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 fonte: Manual de diagnóstico e tratamento por animais peçonhentos (FUNASA), https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/marco/29/2018-059.pdf TEMA: ACIDENTES OFÍDICOS 1-CLASSIFICAR OS PRINCIPAIS TIPOS DE ACIDENTES OFÍDICOS E DIFERENCIAR AS SERPENTES PEÇONHENTAS E NÃO PEÇONHENTAS JUNTO ÀS SUAS DISTRIBUIÇÕES GEOGRÁFICAS; A ocorrência do acidente ofídico está, em geral, relacionada a fatores climáticos e aumento da atividade humana nos trabalhos no campo. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, observa-se incremento do número de acidentes no período de setembro a março. Na região NE, os acidentes aumentam de janeiro a maio, enquanto que, na região Norte, não se observa sazonalidade marcante, ocorrendo os acidentes uniformemente durante todo o ano. O pé e a perna foram atingidos em 70,8% dos acidentes notificados e em 13,4% a mão e o antebraço. Em 52,3% das notificações, a idade dos acidentados variou de 15 a 49 anos, que corresponde ao grupo etário onde se concentra a força de trabalho. O sexo masculino foi acometido em 70% dos acidentes, o feminino em 20%. Características das serpentes peçonhentas no Brasil: - Presença de fosseta loreal: A fosseta loreal, órgão sensorial termorreceptor, é um orifício situado entre o olho e a narina, daí a denominação popular de “serpente de quatro ventas”. Confirma que a serpente é peçonhenta e é encontrada nos gêneros Bothrops, Crotalus e Lachesis. Todas as serpentes destes gêneros são providas de dentes inoculadores bem desenvolvidos e móveis situados na porção anterior do maxilar. A cobra coral, do gênero Micrurus, não possui fosseta loreal, mas é considerada peçonhenta, já que possui dentes menos desenvolvidos mas ainda capazes de inocular o veneno na vítima. https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/marco/29/2018-059.pdf TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 A fauna ofídica brasileira é representada pelos gêneros: 📍 Gênero Bothrops (botrópico) Compreende cerca de 30 espécies, distribuídas por todo o território nacional. São conhecidas como: jararaca, ouricana, jararacuçu, urutu-cruzeira, jararaca-do-rabo-branco, malha de-sapo, patrona, surucucurana, combóia, caiçara. Têm hábitos predominantemente noturnos ou crepusculares. Podem apresentar comportamento agressivo quando se sentem ameaçadas, desferindo botes sem produzir ruídos. As lesões locais, como edema, bolhas e necrose, atribuídas inicialmente à “ação proteolítica”, têm patogênese complexa. Possivelmente, decorrem da atividade de proteases, hialuronidases e fosfolipases, da liberação de mediadores da resposta inflamatória, da ação das hemorraginas sobre o endotélio vascular e da ação pró-coagulante do veneno. As hemorraginas provocam lesões na membrana basal dos capilares, associadas à plaquetopenia e alterações da coagulação. Os pacientes vítimas de acidente botrópico não costumam apresentar hipotensão ou manifestações clínicas do TGI. Provocam distúrbios de coagulação pois ativam, de modo isolado ou simultâneo, o fator X e a protrombina. Possuem também ação semelhante à trombina, convertendo o fibrinogênio em fibrina. Isso gera consumo dos seus fatores coagulantes, de produtos de degradação de fibrina e fibrinogênio, podendo ocasionar incoagulabilidade sanguínea. Este quadro é semelhante ao da coagulação intravascular disseminada. Ainda podem provocar plaquetopenia. ● Clínica: Dor e edema endurado no local da picada, de intensidade variável e, em geral, de instalação precoce e caráter progressivo. Equimoses e sangramentos no ponto da picada são frequentes. Infartamento ganglionar e bolhas podem aparecer na evolução, acompanhados ou não de necrose. Podem ser observadas hemorragias à distância como gengivorragias, epistaxes, hematêmese e hematúria. Em gestantes, há risco de hemorragia uterina. Podem ocorrer náuseas, vômitos, sudorese, hipotensão arterial e, mais raramente, choque. ● Exames importantes: - Tempo de coagulação (TC): normal até 10 min, TC prolongado entre 10/30 min e TC incoagulável > 30 min. - Hemograma: geralmente revela leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda, hemossedimentação elevada além de plaquetopenia variável. - Sumário de urina: pode haver proteinúria, hematúria e leucocitúria. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 ● Tratamento: Administração de soro antibotrópico (SAB) por via intravenosa e, na falta deste, das associações antibotrópico-crotálica (SABC) ou antibotrópicolaquética (SABL). Se o TC permanecer alterado 24 horas após a soroterapia, está indicada dose adicional de duas ampolas de antiveneno. ● Medidas gerais: a) Manter o segmento picado elevado e estendido; b) Emprego de analgésicos para alívio da dor; c) Manter o paciente hidratado, com diurese entre 30 a 40 ml/hora no adulto, e 1 a 2 ml/kg/hora na criança; d) Antibioticoterapia: o uso de antibióticos deverá ser indicado quando houver evidência de infecção. *Soro antibotrópico (SAB). **Sora antibotrópico-laquético (SABL). TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 📍 Gênero crotalus (crotálico) São conhecidas por cascavel, cascavel-quatro-ventas, boicininga, maracambóia, maracá. São encontradas em locais de mata seca. Não têm por hábito atacar e, quando excitadas, denunciam sua presença pelo ruído característico do guizo ou chocalho. No ano de 2016 as notificações nas regiões NE e SE representaram 74% desse total. Apresenta o maior coeficiente de letalidade devido à frequência com que evolui para insuficiência renal aguda (IRA). A ação neurotóxica é produzida principalmente pela fração crotoxina, uma neurotoxina de ação pré-sináptica que atua nas terminações nervosas inibindo a liberação de acetilcolina. Esta inibição é o principal fator responsável pelo bloqueio neuromuscular. A ação miotóxica produz lesões de fibras musculares esqueléticas (rabdomiólise) com liberação de enzimas e mioglobina para o soro e que são posteriormente excretadas, identificando cor avermelhada ou vinhosa à urina. Já a ação coagulante decorre de atividade do tipo trombina que converte o fibrinogênio diretamente em fibrina. O consumo do fibrinogênio pode levar à incoagulabilidade sanguínea. Geralmente não há redução do número de plaquetas. As manifestações hemorrágicas, quando presentes, são discretas. ● Clínica: Não há dor, ou esta pode ser de pequena intensidade. Há parestesia local ou regional, que pode persistir por tempo variável, podendo ser acompanhada de edema discreto ou eritema no ponto da picada. a) Gerais: mal-estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos, sonolência ou inquietação e secura da boca podem aparecer precocemente e estar relacionadas a estímulos de origem diversas, nos quais devem atuar o medo e a tensão emocional desencadeados pelo acidente. b) Neurológicas: decorrem da ação neurotóxica do veneno e caracterizam o fácies miastênica: ptose palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face alteração do diâmetro pupilar, incapacidade de movimentação do globo ocular (oftalmoplegia), podendo existir dificuldade de acomodação (visão turva) e/ou visão dupla (diplopia). Pode-se encontrar paralisia velopalatina, com dificuldade à deglutição, diminuição do reflexo do vômito, alterações do paladar e olfato. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 c) Musculares: a ação miotóxica provoca dores musculares generalizadas (mialgias) que podem aparecer precocemente. A fibra muscular esquelética lesada libera quantidades variáveis de mioglobina que é excretada pela urina (mioglobinúria), conferindo-lhe uma cor avermelhada ou de tonalidade mais escura, até o marrom. d) Coagulativos: pode haver incoagulabilidade sanguínea ou aumento do TC, em aproximadamente 40% dos pacientes. obs: Deve-se considerar como diagnóstico diferencial o acidente elapídico (coral), que apresenta os mesmos sintomas de neurotoxicidade, mas em geral com um quadro mais grave e sem os efeitos miotóxicos ou coagulantes. ● Exames: - Sangue: como resultado da miólise, há liberaçãode mioglobina e enzimas, podendo-se observar valores séricos elevados de creatinoquinase (CK), desidrogenase lática (LDH), aspartase-amino-transferase (AST), aspartase-alanino-transferase (ALT) e aldolase. O aumento da CK é precoce, com pico de máxima elevação dentro das primeiras 24 horas após o acidente, o aumento da LDH é mais lento e gradual, constituindo-se, pois, em exame laboratorial complementar para diagnóstico tardio do envenenamento crotálico. - Tempo de Coagulação (TC) frequentemente está prolongado. - Hemograma: pode mostrar leucocitose, com neutrofilia e desvio à esquerda, às vezes com presença de granulações tóxicas. - Urina: o sedimento urinário geralmente é normal quando não há IRA. Pode haver proteinúria discreta, com ausência de hematúria. ● Tratamento: O soro anticrotálico (SAC) deve ser administrado intravenosamente. Poderá ser utilizado o soro antibotrópico-crotálico (SABC). ● Medidas gerais: - A hidratação adequada é importante a prevenção da IRA e será satisfatória se o paciente mantiver o fluxo urinário de 1 ml a 2 ml/kg/hora na criança e 30 a 40 ml/hora no adulto. - O pH urinário deve ser mantido > de 6,5 (através administração parenteral de bicarbonato de TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 sódio) pois a urina ácida potencia a precipitação intratubular de mioglobina. - Diurese osmótica pode ser induzida com o emprego de solução de manitol a 20% (5 ml/kg na criança e 100 ml no adulto). Caso persista a oligúria, indica-se o uso de diuréticos de alça tipo furosemida por via intravenosa. 📍 Gênero Lachesis (laquético): São popularmente conhecidas por: surucucu, surucucu-pico-de-jaca, surucutinga, malha-de-fogo. É a maior das serpentes peçonhentas das Américas, atingindo até 3,5m. Habitam áreas florestais como Amazônia, Mata Atlântica e matas úmidas do NE. A distribuição geográfica da surucucu é na maior parte restrita à região Norte, mas pode estar presente na Mata Atlântica. Os acidentes laquéticos se restringem praticamente à região Norte, onde são notificados 90% desses acidentes. O veneno age produzindo lesão tecidual, semelhante ao veneno botrópico. Possui ação coagulante com caracterização parcial de uma fração do veneno com atividade tipo trombina. Além de intensa atividade hemorrágica do veneno de Lachesis muta muta, relacionada à presença de hemorraginas. Também possui ação do tipo estímulo vagal, não totalmente conhecida. ● Clínica: Dor e edema, que podem progredir para todo o membro. Podem surgir vesículas e bolhas de conteúdo seroso ou sero-hemorrágico nas primeiras horas após o acidente. As manifestações hemorrágicas limitam-se ao local da picada na maioria dos casos. São relatados hipotensão arterial, tonturas, escurecimento da visão, bradicardia, cólicas abdominais e diarréia (síndrome vagal). Os acidentes botrópico e laquético são muito semelhantes do ponto de vista clínico, sendo, na maioria das vezes, difícil o diagnóstico diferencial. As manifestações da “síndrome vagal” podem auxiliar na distinção do acidente laquético. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 ● Exame importante: Tempo de Coagulação (TC). ● Tratamento: O soro antilaquético (SAL) ou antibotrópico-laquético (SABL) deve ser utilizado por via EV. Nos casos de acidente laquético comprovado e na falta dos soros específicos, o tratamento deve ser realizado com soro antibotrópico, apesar deste não neutralizar de maneira eficaz a ação coagulante do veneno laquético. Além disso, deve-se seguir as mesmas medidas gerais do acidente botrópico. 📍 Gênero Micrurus (elapídico) Compreende 18 espécies, distribuídas por todo o território nacional. São animais de pequeno e médio porte com tamanho em torno de 1,0 m, conhecidos popularmente por coral, coral verdadeira* ou boicorá. Apresentam anéis vermelhos, pretos e brancos em qualquer tipo de combinação. Na Região Amazônica e áreas limítrofes, são encontradas corais de cor marrom-escura (quase negra), com manchas avermelhadas na região ventral. No Brasil são conhecidas 32 espécies de cobras-corais-verdadeiras, entre elas a Micrurus lemniscatus, que ocorre em todo o território brasileiro e, com frequência, nos estados do Pará, Maranhão e Amapá. *Em todo o país, existem serpentes não peçonhentas com o mesmo padrão de coloração das corais verdadeiras, porém desprovidas de dentes inoculadores. Diferem ainda na configuração dos anéis que, em alguns casos, não envolvem toda a circunferência do corpo. São denominadas falsas-corais (à direita). As neurotoxinas (NTXs) de atividade pré-sináptica competem com a acetilcolina pelos receptores colinérgicos da junção neuromuscular, atuando de modo semelhante ao curare. Nos envenenamentos onde predomina essa ação (M. frontalis), o uso de substâncias anticolinesterásicas (edrofônio e neostigmina) pode prolongar a vida média do neurotransmissor (Ach), levando a uma rápida melhora da sintomatologia. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 As NTXs pós-sinápticas atuam na junção neuromuscular, bloqueando a liberação de Ach pelos impulsos nervosos, impedindo a deflagração do potencial de ação. Esse mecanismo não é antagonizado pelas substâncias anticolinesterásicas. ● Clínica: Os sintomas podem surgir precocemente, em menos de uma hora após a picada. Recomenda-se a observação clínica do acidentado por 24 horas. Há discreta dor local, geralmente acompanhada de parestesia com tendência a progressão proximal. Inicialmente, o paciente pode apresentar vômitos. Posteriormente, pode surgir um quadro de fraqueza muscular progressiva, ocorrendo ptose palpebral, oftalmoplegia e a presença de fácies miastênica ou “neurotóxica”. Podem surgir dificuldades para manutenção da posição ereta, mialgia localizada ou generalizada e dificuldade para deglutir em virtude da paralisia do véu palatino. A paralisia flácida da musculatura respiratória compromete a ventilação. ● Tratamento: O soro antielapídico (SAE) deve ser administrado na dose de 10 ampolas, pela via intravenosa. Todos os casos de acidente por coral com manifestações clínicas devem ser considerados como potencialmente graves. Nos casos com manifestações clínicas de insuficiência respiratória, é fundamental manter o paciente adequadamente ventilado, seja por máscara e AMBU, intubação traqueal e AMBU ou até mesmo por ventilação mecânica. a) Teste da Neostigmina: aplicar 0,05 mg/kg em crianças ou uma ampola no adulto, por via IV. A resposta é rápida, com melhora evidente do quadro neurotóxico nos primeiros 10 minutos. Se houver melhora dos fenômenos neuroparalíticos com o teste, a neostigmina pode ser utilizada na dose de manutenção de 0,05 a 0,1 mg/kg, IV, a cada 4 horas ou em intervalos menores, precedida da administração de atropina. b) A atropina é um antagonista competitivo dos efeitos muscarínicos da Ach, principalmente a bradicardia e a hipersecreção. Deve ser administrada sempre antes da neostigmina. 📍 Família Colubridae São conhecidas popularmente por cobra-cipó ou cobra-verde (Philodryas) e muçurana ou cobra-preta (Clelia). Possuem dentes inoculadores na porção posterior da boca e não apresentam fosseta loreal. Para injetar o veneno, mordem e se prendem ao local. O veneno de Philodryas olfersii possui atividades hemorrágica, proteolítica, fibrinogenolítica e fibrinolítica estando ausentes as frações coagulantes. A determinação do tempo de coagulação pode ser útil no diagnóstico diferencial com os envenenamentos botrópicos e laquéticos. Podem ocasionar edema local importante, equimose e dor, semelhantes aos observados nos acidentes botrópicos, porém sem alteração da coagulação. O tratamento é sintomático. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 2- APRESENTAR A EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS; No Brasil, os acidentes por animais peçonhentos são a 2ª causa de envenenamento humano, ficando atrás apenas da intoxicação por uso de medicamentos. Entre 2007 e 2017, foram notificados 95.205 AT com animais peçonhentos em trabalhadores do campo, floresta e águas. No período,houve um aumento de 38,25% no número de registros, passando de 7.830 em 2007 para 10.825 em 2017. A maior parte dos casos de AT por animais peçonhentos envolvendo aranha, escorpião e serpente ocorreu com o sexo masculino (73,1%), pessoas com mais de 50 anos de idade (29,4%), escolaridade fundamental 1 (24,3%), trabalhadores na exploração agropecuária (71,3%), e o estadiamento do AT foi considerado leve (58,7%). Essa situação é potencializada por condições inseguras de trabalho, dificuldade de acesso aos serviços de saúde em áreas rurais e déficit de conhecimento desses trabalhadores, condições mais frequentemente relacionadas a essas atividades econômicas no Brasil. Os soros antipeçonhentos são produzidos no Brasil pelo Instituto Butantan (SP), Fundação Ezequiel Dias (MG) e Instituto Vital Brazil (RJ). Toda a elaboração é comprada pelo Ministério da Saúde, que os distribui para todo o país, por intermédio das Secretarias de Estado de Saúde. Desse modo, o soro está acessível em serviços de saúde e é cedido gratuitamente aos acidentados. A distribuição de soros é realizada de acordo com as características regionais da ocorrência dos acidentes notificados no Sinan, daí a importância de se registrar esse agravo. Apesar disso, sabe-se que a subnotificação ainda é um desafio a ser superado pelo SUS, o que pode impactar diretamente no subdimensionamento de distribuição dos soros no país. As UFs que apresentaram maiores incidências em 2017 foram Espírito Santo (463,2/100 mil), Amapá (251,1/100 mil), Amazonas (207,9/100 mil) e Roraima (204,6/100 mil). Os maiores coeficientes de mortalidade foram estimados para os estados do Amazonas (10,9/1 milhão), Goiás (10,6/1 milhão) e Piauí (6,8/1 milhão). Por sua vez, as letalidades mais elevadas foram encontradas para o Piauí TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 (1,8%), Goiás (1,4%) e Mato Grosso do Sul (1,1%). Deve-se levar em consideração que ainda não são suficientemente bem conhecidos os fatores que acarretam mudanças no padrão de crescimento e comportamento das populações de animais peçonhentos em um determinado meio, como os desequilíbrios ecológicos (ocasionados por desmatamentos, uso indiscriminado de agrotóxicos, praguicidas e outros produtos químicos, processos de urbanização) e as alterações climáticas. Tais fatores têm participação no incremento dos acidentes e, consequentemente, impacto para a saúde pública. 3-IDENTIFICAR AS PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES DOS ACIDENTES OFÍDICOS (IRA E SÍNDROME COMPARTIMENTAL); ● Insuficiência renal aguda (IRA): A IRA no acidente botrópico costuma ser infrequente, com incidência variando entre 1,6 a 5% dos acidentes. Apesar de, após a inoculação, grande parte da peçonha botrópica permanecer na pele e, portanto, causar alterações predominantemente locais, efeitos sistêmicos como IRA podem ocorrer em uma minoria de pacientes. Através de estudos ficou comprovado que a peçonha botrópica é capaz de provocar toxicidade tubular renal. Autores sugerem ação proteolítica direta do veneno sobre os glomérulos, que é acompanhada de alterações morfológicas. No entanto, no animal intacto, outros fatores podem indiretamente contribuir para o desenvolvimento de IRA, como rabdomiólise e hemólise, principalmente quando acompanhadas de hipovolemia, além das alterações sobre o sistema de coagulação, que podem levar à deposição de fibrina nos capilares glomerulares. Algumas frações do veneno, como a Bothropstoxin-1, que é uma das principais frações da peçonha da Bothrops jararacussu, possuem ação “fosfolipase A2 -like”. A fosfolipase A2 é uma enzima capaz de promover a liberação de ácido araquidônico da membrana celular. O ácido araquidônico, por sua vez, é matéria-prima para a formação de mediadores inflamatórios, como os prostanoides (prostaglandinas e tromboxana), que possuem ação vasoativa e, portanto, são capazes de alterar a hemodinâmica glomerular e a TFG. A IRA ocorre quase sempre nas primeiras 24 horas do acidente, podendo evoluir, porém, com redução do débito urinário apenas no segundo ou terceiro dia. Pode-se especular que a maior susceptibilidade à IRA após acidente ofídico no idoso se deva à sua menor massa renal funcionante. O atraso na soroterapia é considerado um importante fator de risco para IRA. Na grande maioria dos casos (cerca de 90%), a IRA no acidente botrópico é oligúrica. A duração da fase oligúrica varia de 1 a 3 semanas. Pode haver proteinúria e hematúria no sedimento urinário. A lesão renal mais comum no acidente botrópico é a necrose tubular aguda, porém alguns casos evoluem com necrose cortical bilateral. Tardiamente, exames radiográficos podem demonstrar calcificação do parênquima renal. A principal forma de prevenir a lesão renal no acidente botrópico é a soroterapia precoce e adequada. Adicionalmente, outras medidas gerais devem ser observadas para não somar insultos nefrotóxicos: 1) evitar uso de contraste iodado para exames de imagem; 2) evitar analgesia com anti-inflamatórios não esteroides; 3) evitar antibióticos nefrotóxicos. É preciso também garantir uma perfusão renal adequada através de soroterapia e outras medidas de suporte hemodinâmico. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 A IRA no acidente crotálico é bem mais frequente que no botrópico. No acidente crotálico, os rins apresentam concentrações do veneno até 50% maiores do que a concentração plasmática. Como a peçonha é de excreção predominantemente renal, os mecanismos de concentração e transporte tubular favorecem a ocorrência de toxicidade celular direta. A crotoxina é o principal componente responsável pela toxicidade renal direta da peçonha crotálica, seguida da girotoxina. Além disso, a fosfolipase A2 também está presente no veneno crotálico, o que promove a liberação de mediadores inflamatórios que podem contribuir para IRA através de ações predominantemente hemodinâmicas. Mas talvez seja a rabdomiólise (liberação de mioglobina no sangue e urina devido à lesão muscular) o principal mecanismo de lesão renal no acidente crotálico. No acidente crotálico, a fase oligúrica tende a ter duração variando de cerca de 6 a 14 dias. Assim como no acidente botrópico, a maioria dos casos de IRA ocorre precocemente, antes das primeiras 24 horas, com alguns casos iniciando a fase oligúrica em até três dias. A IRA secundária à picada por cascavel pode evoluir com oligúria ou com débito urinário normal, dependendo, provavelmente, do grau de lesão renal. Atraso no tratamento, fácies miastênica, mialgia e elevação acentuada de enzimas musculares são fatores que se correlacionam à IRA. Evidencia-se a mialgia e fácies neurotóxica como fatores preditivos de IRA em pacientes acima de 40 anos. A urina avermelhada, decorrente da mioglobinúria, ocorre em mais de 80% dos acidentes crotálicos, não é um bom parâmetro clínico para identificar pacientes com maior risco de desenvolver IRA. Há uma relação positiva entre IRA e a idade avançada, apesar de a incidência de IRA em crianças variar de acordo com a média geral. Dessa forma, é recomendada maior atenção com os pacientes nos extremos da faixa etária. A diurese adequada na admissão (> 90 mL/h) parece ser um fator protetor contra IRA. Manter o fluxo urinário elevado é também uma estratégia de prevenção de IRA no acidente crotálico, visando a reduzir a exposição das células tubulares ao veneno e à mioglobina. Nos pacientes que são picados por cascavel, podem ser encontradas alterações no sedimento urinário, tais como glicosúria, proteinúria, leucocitúria, células epiteliais e cilindros, sendo muito mais frequentes nos pacientes com diagnóstico de IRA. As medidas gerais descritas na prevenção da IRA no acidente botrópico também são válidas no acidente crotálico: 1) soroterapia precoce e adequada; 2) evitar nefrotoxinas; 3) evitar hipovolemia. No entanto, devido à alta prevalência de rabdomiólise no acidente crotálico, algumas medidas específicas para manejo da IRA por rabdomiólise são aplicáveis nesses casos. Tais medidas visam a prevenir/corrigir os fatores que predispõemà IRA na rabdomiólise, como depleção de volume, obstrução tubular, acidúria e elevação dos radicais livres. A principal medida para prevenir ou reduzir lesão renal é estabelecer um alto fluxo urinário para diminuir a concentração intratubular de mioglobina, diminuir o tempo de exposição das células tubulares ao pigmento e minimizar os riscos de precipitação e consequente obstrução tubular por mioglobina. A IRA é a principal complicação dos acidentes ofídicos, podendo ocorrer tanto nos acidentes botrópicos como nos crotálicos. Embora os acidentes crotálicos sejam mais nefrotóxicos, o número absoluto de casos de IRA entre os dois tipos de acidente acaba sendo semelhante, simplesmente pelo maior volume de acidentes botrópicos. A necrose tubular aguda é a lesão renal mais frequente nos dois tipos de acidente e costuma ser reversível. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 ● Síndrome compartimental: É definida como o aumento da pressão intersticial sobre a pressão de perfusão capilar dentro de um compartimento osteofascial fechado, podendo comprometer vasos, músculos e terminações nervosas provocando dano tecidual. A etiologia da síndrome está relacionada com o aumento da pressão intracompartimental por diversas causas traumáticas como as lesões por esmagamento e contusões, podendo estar associadas ou não a fraturas, resultando no aumento de conteúdo num compartimento limitado. O fator desencadeante da SC é quase sempre o edema resultante do trauma, que é proporcional ao dano tecidual. Quando existe fratura associada, o hematoma exacerba o volume e, consequentemente, a pressão dentro do espaço fechado. O quadro clínico inicial é caracterizado por dor importante e edema, ocorrendo manifestações tardias como a ausência de pulsos distais, parestesias de extremidade, e hipoestesia. Em torno de 45% dos casos de SC é causado por fraturas dos ossos da perna. Outras causas além das fraturas incluem lesões vasculares, traumatismos por esmagamento e lesões por overuse. A pressão que leva ao dano tecidual pode variar a cada indivíduo. A paralisia mostra acometimento da placa neuromuscular e ausência de resposta à estimulação neurológica. A parestesia é o sintoma inicial refletindo primeiramente o sofrimento nervoso. A dor que pode ser entendida como o sintoma mais importante é pulsante, profunda e não alivia com medicação analgésica. O edema do membro é evidente, brilhante, duro e quente. A palidez reflete um sinal de perfusão capilar reduzida e é mais tardio, fato que ocorreu em apenas um paciente que evolui para amputação. A ausência de pulso pode ser verificada na palpação ou com doppler. Existe uma redução do fluxo sanguíneo e tecidual levando a isquemia e edema. Esse ciclo de perfusão tecidual é contínuo. Alguma redução no gradiente artério-venoso pode ser compensado por mudanças na resistência vascular. Quando ocorre nos membros inferiores, os músculos do compartimento anterior da perna são os mais afetados, entretanto a loja posterior também pode ser acometida. O tratamento da síndrome compartimental aguda é cirúrgico, através da fasciotomia, que libera os músculos com a abertura da fáscia no compartimento acometido, descomprimindo-o. A conduta pós-operatória mais importante será a prevenção das complicações. O membro deve ser mantido ao nível do coração. A posição neutra é a mais indicada, pois desta forma a perfusão permanece adequada. Observar os sinais vitais do paciente, principalmente no controle da pressão. Corrigir a hipoperfusão com soro fisiológico e se necessário colóides. 4- CITAR OS PRINCIPAIS MÉTODOS DE PREVENÇÃO E PRIMEIROS SOCORROS DE ACIDENTES OFÍDICOS; - Utilizar equipamentos de proteção individual (EPIs) no manuseio de materiais de construção, lenhas, móveis, em atividades rurais, limpeza de jardins, quintais e terrenos, etc. - Observar com atenção os locais de trabalho e de passagem. - Não colocar as mãos em tocas, buracos e espaços entre lenhas e pedras (utilizar ferramenta). - Evitar aproximar-se de vegetação rasteira ao amanhecer TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 e ao anoitecer (período de maior atividade de serpentes) - Inspecionar roupas, calçados, roupas de cama e banho, panos e tapetes antes de usá-los. - Afastar camas das paredes. - Não depositar lixo, entulho e materiais de construção junto às habitações. - Evitar que plantas e folhagens encostem nas casas. - Fazer o controle de roedores. - Evitar acampar onde se sabe que existem roedores e serpentes. - Não fazer piquenique às margens de rios, lagos e lagoas. - Não se encostar em barrancos durante pescarias. - Limpar regularmente e com EPIs móveis, cortinas, quadros, paredes e terrenos baldios. - Vedar frestas, buracos, portas, janelas e ralos. - Manter limpos jardins, quintais, paióis e celeiros. - Combater insetos (especialmente baratas, que servem de alimento para escorpiões e aranhas). - Preservar predadores naturais de animais peçonhentos. *Disque Intoxicação Nacional: 0800 722 6001 O membro deve ser imobilizado, com elevação passiva e articulações estendidas. Em estudos em modelo de envenenamento, com análise realizada através de radioisótopos, a imobilização compressiva atrasa a absorção do veneno. Portanto, pode haver algum benefício, mas a qualidade da evidência é baixa. De qualquer maneira, esse método só deve ser usado em acidentes crotálicos e elapídicos, pois não causam edema local. O torniquete não é recomendado. Antes da aplicação do soro antiveneno deve-se considerar pré-medicações para evitar reações de hipersensibilidade ao soro agudas e tardias. A única medida que comprovadamente reduz o risco de reações graves é a aplicação de adrenalina (250 µg) por via subcutânea imediatamente antes de aplicação do antiveneno. A aplicação dessa medicação foi segura, inclusive em pacientes com coagulopatia. O soro nunca deve ser diluído e deve ser sempre aplicado de forma endovenosa e não há benefício de aplicá-lo de forma subcutânea, próximo à lesão. A administração do soro deve ser feita em 10 a 30 minutos sob monitorização contínua. O número de ampolas depende de cada serpente e da gravidade do quadro. Faz-se uma ressalva ao soro antilatrodectus, que é o único aplicado de forma intramuscular. TUTORIA 3 - UC 12 Karolina Cabral Machado - P4 2021.1 5- ENTENDER A NOTIFICAÇÃO DE ACIDENTES OFÍDICOS E O FLUXOGRAMA DE ATENDIMENTO; A vigilância epidemiológica dos acidentes de trabalho por animais peçonhentos no SUS é feita por meio de uma ficha de coleta de dados padronizada, do Sinan, que contém um campo específico para identificação da relação com trabalho, o que é relevante para a gestão desse agravo.
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