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Disciplina: História do Cristianismo Aula 6: Movimentos reformadores Apresentação Como vimos na aula anterior, a partir do século XII, foi possível identificar algumas mudanças na sociedade medieval, que inspiraram o nascimento das primeiras concepções humanistas. Tais concepções se expandiram no século XIII, com a formação das universidades e o desenvolvimento da escolástica. A busca por uma religiosidade mais racional e individual motivou tanto os clérigos quanto os laicos, fomentando o questionamento das práticas eclesiásticas. O resultado foi a formação de correntes dogmáticas diversas no seio da Igreja, que inspiraram movimentos heréticos e reformistas: novas formas de cristianismo originárias do período moderno. Nesta aula, estudaremos os princípios dogmáticos mais significativos das tendências protestantes anabatistas, luteranas e calvinistas. Além disso, analisaremos a maneira como a Igreja Católica reagiu à expansão dessas tendências por meio da Contrarreforma. Objetivos Analisar os movimentos reformadores ocorridos no interior da Igreja – milenarismo, calvinismo, luteranismo e anabatista – a partir da etapa intermediária do Período Medieval, com base no contexto de sua produção; Explicar o processo de Contarreforma desenvolvido na Igreja Católica como medida de contenção do avanço desses movimentos. Crise do século XIV No início do século XIV, após um período de relativa prosperidade, iniciado no século XI, a população europeia havia crescido. Isso provocou a multiplicação das cidades, com a consequente expansão da atividade econômica, vinculada ao comércio e à produção artesanal. O aumento da expansão demográfica implicou a necessidade de ampliar ainda mais as áreas de cultivo. Avançou-se, então, para o arroteamento de novas terras, com o aterramento de pântanos e a derrubada de florestas. Em longo prazo, esses efeitos causaram grandes desequilíbrios climáticos, como as chuvas torrenciais que assolaram o Ocidente no século XIII, agravando o desabastecimento das cidades e alastrando a fome por toda a Europa. Com isso, as condições de sobrevivência no Ocidente entraram em declínio. Sem a produção agrícola necessária, foi preciso aumentar a importação de alimentos – especialmente cereais – da Ásia Central. Os carregamentos de cereais eram transportados em navios em que ratos promoviam sua contaminação. Esses alimentos eram vendidos nas cidades que haviam sido construídas sem planejamento adequado. As condições de insalubridade frequentes nas áreas urbanas atraíam esses animais e facilitavam a disseminação das bactérias, que agiam potencialmente nos organismos fragilizados pela fome. Deu-se, início, então, a um ciclo de doença conhecida como Peste Negra . 1 2 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Mapa da Peste Negra | Disponível em: < https://goo.gl/QwF2fb <https://goo.gl/QwF2fb> >. Acesso em: 27 abr. 2018. O alto índice de mortalidade promovido pela Peste impactou profundamente a sociedade medieval, até porque a morte não priorizava nenhuma condição social: podia atingir ricos e pobres, clérigos e laicos. Sem dúvida, isso alimentou uma série de questionamentos sobre a religiosidade ora desenvolvida pela Igreja, que parecia não acalmar a ira divina. Afinal, esta continuava a descer dos céus na forma da Peste, como muitas pessoas começaram a indagar. A proximidade com a morte levou os indivíduos a refletirem sobre: Os rumos de sua vida pessoal A sociedade que os cercava O tipo de religiosidade que deveria ser vivenciado em tempos tão sombrios https://goo.gl/QwF2fb Dessa forma, a epidemia da Peste foi interpretada por alguns como um sinal do fim dos tempos e da chegada do Anticristo. Representação da Peste Negra | Disponível em: < https://goo.gl/xjSHUu <https://goo.gl/xjSHUu> >. Acesso em: 27 abr. 2018. Descritos no livro do Apocalipse, tais eventos precederiam o retorno de Jesus ao seio da cristandade, como acreditavam os defensores de uma corrente do pensamento cristão já estudada em aulas anteriores: milenarismo . Vamos entendê-la melhor? Milenarismo A crença milenarista ganhou força na Idade Média, durante a virada do primeiro milênio. Mas, com o passar do tempo, a partir do século XI, foi perdendo importância. Em contrapartida, no início do século XIV, ressurgiu com força devido à instalação de uma forte crise marcada pela fome, pela Peste Negra e pelas guerras – tanto internas quanto externas. Vejamos alguns detalhes acerca desses conflitos: 3 https://goo.gl/xjSHUu file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Guerras internas Traduzidas nas lutas camponesas e nas revoltas urbanas que se instalaram como fruto do(a): Desabastecimento de recursos; Falta de trabalho; Aumento das pressões senhoriais sobre o campesinato. Guerras externas Um exemplo foi a Guerra dos Cem Anos, que teve como protagonistas a Inglaterra e a França. A chegada do século XV não diminuiu os efeitos da chamada crise do século XIV. O Ocidente europeu tentava dar os primeiros passos rumo a sua recuperação. Mas esse processo não foi fácil, principalmente em virtude da tomada da cidade de Constantinopla pelos turcos otomanos, que dificultaram o acesso da população ocidental aos produtos orientais mediante a cobrança de impostos pesados. A ocupação de Constantinopla, em 1453, foi considerada pelos historiadores do século XIX o marco cronológico final da Idade Média e inicial da Idade Moderna, em grande parte porque incitou os europeus a buscarem novos caminhos para chegar às Índias e a suas mercadorias. 4 5 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Das buscas e dos investimentos econômicos e tecnológicos feitos pelas cortes europeias resultaram as conquistas da América, da África e da Ásia, que marcaram o início do período moderno. Ideias reformistas de Lutero Com o decorrer do tempo, aumentou não só o protagonismo socioeconômico dos comerciantes e dos artesãos nas cidades, mas também a consequente tensão provocada pelos conflitos de interesses entre: A burguesia emergente A urgência de fazer frente às mudanças políticas e culturais pelas quais o Ocidente passou com a formação do Império Carolíngio e sua desagregação. O clero A nova onda invasora que assolou a Europa entre os séculos IX e X. As aristocracias locais A formação da chamada ordem feudal. Em meio a esse cenário, surgiu na Alemanha, no início do século XVI, um movimento reformista liderado por Martinho Lutero (1483-1546), cujas ideias se inspiraram nas reformas defendidas pelo inglês John Wycliff (1328-1384) no século XIV. Em 1376, Wycliff publicou uma obra em que fazia inúmeras críticas à Igreja e ao papado, que, desde 1309, por influência direta do rei da França (Filipe IV), sediava-se na cidade de Avignon . 6 7 8 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Lutero | Disponível em: < https://goo.gl/oKrfXC <https://goo.gl/oKrfXC> >. Acesso em: 27 abr. 2018. As críticas de Wycliff ao papado foram bem acolhidas pelos ingleses, que viviam, desde 1337, um conflito com os franceses pela sucessão do trono da França: a Guerra dos Cem Anos. Os ingleses viam com desagrado a influência da Igreja Católica – situada em território francês e, sobretudo, persuadida pelo rei da França – sobre seus assuntos. Entre as divergências expressas por Wycliff estava o repúdio à concessão de indulgências em troca de favores oferecidos à Igreja. Esse ponto ocupou lugar central nas críticas feitas à Igreja por Lutero, que, em 1517, afixou suas 95 teses na entrada da igreja do castelo de Wittenberg. https://goo.gl/oKrfXC Nessas teses, Lutero pôs em discussão, logo de início, a questão do pecado. A batalha contra as más ações e os maus pensamentosdevia ser travada no interior da alma de cada cristão por meio do(a): Reconhecimento de sua culpa Arrependimento sincero Adoção convicta de uma penitência compatível com a gravidade do pecado Tais procedimentos tinham de ser estimulados pela Igreja, que, para Lutero, precisava se concentrar na mera ação sacramental da confissão. Ao papa cabia não o perdão dos pecados em si mesmos, mas apenas a absolvição de punições impostas por ele de acordo com as normas da Igreja. Com base nessas premissas, Lutero desenvolveu um extenso ataque à concessão de indulgências, questionando todos os alicerces dessa prática. Para ele, era impossível para um agente da Igreja ter certeza do arrependimento de alguém, o que falseava o fundamento da concessão da indulgência e, pior ainda, permitia a um pecador deixar de se lamentar pela falta por ter obtido o perdão. Em contrapartida, uma pessoa que se arrependia sinceramente em seu íntimo já era perdoada por Deus, o que tornava inútil a concessão da indulgência por uma autoridade da Igreja. Ao lado da forte rejeição das indulgências, as teses de Lutero acentuavam a noção da importância das obras da piedade e das ações misericordiosas para a salvação dos fiéis. A exemplo do que defendiam algumas correntes de pensamento na Baixa Idade Média, como é o caso do movimento liderado por Francisco de Assis (1182-1226), Lutero procurou enfatizar a relevância dos atos de caridade como um ponto primordial para a salvação da alma. As teses deram início a uma controvérsia entre Lutero e autoridades da Igreja, levando-o a ser acusado de heresia em 1518. Esse processo se estendeu até 1521, quando o Édito de Worms estabeleceu sua excomunhão . Para fugir das penas impostas, Lutero buscou abrigo no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde continuou a dedicar-se aos estudos teológicos e à tradução da Bíblia para o alemão. Seu exílio abriu caminho à formação de uma ruptura entre os adeptos de suas ideias reformistas e a Igreja Católica Apostólica Romana. Com isso, vários integrantes do clero católico na Alemanha e fora dela se posicionaram contra normas da Igreja, rejeitando o celibato e o uso de imagens nos cultos, e defendendo publicamente as ideias de Lutero. Os governantes de várias cidades alemãs apoiaram clérigos que se convertiam ao luteranismo. Logo, as ideias reformistas se espalharam, dando origem a um processo de separação entre católicos e reformistas. Ao lado desse processo de cisão doutrinária, também surgiram em várias partes da Europa movimentos de luta armada que adotaram preceitos reformistas. O maior deles foi a Guerra dos Camponeses, que eclodiu em 1524, na Alemanha. Nessa revolta, as ideias de Lutero sobre a justiça divina foram invocadas por camponeses que protestavam contra os privilégios da nobreza e do clero. A noção de justiça social associou-se ao conceito de justiça divina – questão fortemente desenvolvida nas teses de Lutero. Muitos clérigos e teólogos que se haviam identificado com a reforma proposta por Lutero se juntaram aos camponeses. Comentário 9 10 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Esse foi o caso de Thomas Müntzer (1490-1525), que adotou e associou algumas ideias de Lutero sobre questões religiosas a uma visão de mundo relacionada a aspectos de natureza social, tais como a distribuição uniforme da riqueza e a igualdade de direitos entre todos, independente do grupo social a que pertencessem. As ideias de Müntzer repercutiam não apenas entre os camponeses, mas também entre artesãos e pequenos comerciantes que viviam nas cidades e que ansiavam por melhores condições de vida. Até mesmo membros empobrecidos da nobreza alemã participaram da revolta, assumindo o papel de chefes das ações militares. Consciente do fato de que suas ideias eram usadas pelos revoltosos, Lutero se manifestou contra o movimento, que foi alvo de uma intensa repressão brutal e definitivamente derrotado em 1525, com o massacre de milhares de rebeldes e a execução de Müntzer. A Reforma de Lutero tinha o apoio de setores da nobreza e da alta burguesia, que desejavam maior autonomia em relação à Igreja Católica. Em 1528, as dioceses de Berna e de Basileia aderiram à Reforma. A onda se alastrou pelo Sacro Império Romano Germânico. Em 1529, durante a Dieta de Espira, os católicos conseguiram do imperador que fosse retirado o direito dos Estados à escolha de sua fé, com o fortalecimento das sanções que o Édito de Worms impôs a Lutero. Os príncipes dos Estados luteranos protestaram contra essa decisão – razão pela qual foram denominados protestantes – e formaram, então, a Liga de Esmalcada, que se posicionou contra os católicos do império. 11 12 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html A disputa entre protestantes e católicos terminou apenas em 1555, quando o imperador assinou com os protestantes a Paz de Augsburgo . A nova Igreja surgia para pôr em prática as diretrizes da Reforma que, a princípio, Lutero desejava ver implantada na Igreja Católica Romana. Essas orientações apontavam para o entendimento de que a verdade estava presente somente na Bíblia, e de que a interpretação das Escrituras devia ser realizada diretamente pelo fiel. Isso pressupunha: A tradução do texto bíblico para as línguas locais A adoção do princípio de que a salvação está diretamente condicionada à fé O fim do celibato para sacerdores A abolição do uso de imagens nos locais de culto A manutenção do batismo e da eucaristia como únicos sacramentos Calvinismo As ideias protestantes continuaram sendo expandidas pelo Ocidente e se exprimiram na voz de João Calvino (1509-1564). 13 14 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Calvino | Disponível em: < https://goo.gl/nSH9ig <https://goo.gl/nSH9ig> >. Acesso em: 27 abr. 2018. 1532 Em 1532, esse cristão francês adotou os princípios religiosos defendidos por Lutero e, no ano seguinte, fugiu de Paris após o início da perseguição aos adeptos da Reforma Luterana na França: os huguenotes. 1536 Em 1536, chegou a Genebra – uma cidade que havia se declarado independente do poder papal. Lá, encontrou-se com um simpatizante das ideias de Lutero, Guilherme Farel (1489-1565), que o convenceu a participar da luta pela implantação definitiva da Reforma Protestante na Suíça. Calvino aceitou o desafio de expandir as ideias protestantes e iniciou uma pregação reformista na cidade, mas foi expulso dois anos depois, depois de desavenças com forças políticas locais. 1541 Em 1541, voltou a Genebra e ali permaneceu até o final de sua vida, continuando seus estudos teológicos. Mesmo exilado, seguiu exercendo forte influência sobre os movimentos protestantes na França e em outras regiões da Europa. Na Suíça, encontrou um terreno propício para sua pregação, já que as ideias protestantes eram ali conhecidas graças ao trabalho que Ulrico Zuinglio (1484-1531) havia iniciado, em 1519, em Zurique. https://goo.gl/nSH9ig Calvino herdou, portanto, um ambiente muito favorável a suas ideias, quando se instalou definitivamente em Genebra uma década após a morte de Zuinglio. Mas sua doutrina difere daquela defendida por Lutero em vários pontos. Vejamos por quê. Lutero considerava o sacramento relativo à Santa Ceia elemento fundamental ao fiel. Afinal, para ele, por meio desse sacramento, o fiel participava realmente do corpo de Cristo. Assim, na eucaristia, Cristo estava fisicamente presente. Já Calvino considerava que a presença de Cristo na eucaristia era puramente espiritual, e não corpórea. Quanto ao batismo de crianças, embora ambos aceitassem essa prática, para Lutero, tratava-se de um sacramento por meio do qual a salvação era possível: com o batismo, o Espírito Santo facultava ao fiel a verdadeira fé em Cristo. Enquanto isso, para Calvino, o batismo era apenas um sinal deque o fiel era aceito como membro da comunidade cristã. Zuinglio | Disponível em: < https://goo.gl/RrKiFj <https://goo.gl/RrKiFj> >. Acesso em: 27 abr. 2018. A questão central da divergência entre essas duas tendências protestantes está na adoção por parte de Calvino da doutrina da predestinação . Para ele, como ser dotado de conhecimento pleno do curso de todas as coisas e do destino de todos os seres, Deus sabia de antemão quem obteria salvação e quem jamais a alcançaria. Portanto, a fé não era o instrumento da salvação, e sim o indício de que uma pessoa era, na verdade, um ser predestinado à salvação. Isso levou ao raciocínio, defendido por muitos seguidores de Calvino, de que uma vida próspera e feliz em todos os aspectos era igualmente um prenúncio do destino da alma do indivíduo: a salvação. De acordo com a teologia calvinista, o ser humano foi afastado da glória divina devido ao pecado. Em sua bondade, Deus escolheu alguns seres humanos para restabelecer com sua salvação a comunhão entre criatura e criador. Tais seres foram selecionados de acordo com critérios divinos, e não em razão de seus atos ou de sua fé, até porque, para Calvino, não estava ao alcance da humanidade aceitar ou rejeitar a graça divina. A doutrina da predestinação abriu caminho à aceitação da ideia de que a acumulação da riqueza e o lucro eram provas da graça divina. Conforme analisou Weber (1905), isso facilitou a penetração do calvinismo nas camadas emergentes da sociedade, envolvidas com atividades comerciais. 15 https://goo.gl/RrKiFj file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Anabatistas Diante das disputas entre os reformistas e a Igreja Romana, um grupo se formou em torno de um princípio de fé relacionado a um dos sacramentos: o batismo. Os anabatistas – como ficaram conhecidos – eram contrários ao batismo infantil, pois consideravam esse sacramento um ato consciente de uma pessoa adulta que, por esse meio, adotava uma nova maneira de viver e encarar o mundo. O movimento iniciou-se com a inquietação de alguns adeptos das doutrinas reformistas, cuja crença se pautava na remodelagem da religião cristã de forma mais acentuada do que aquela proposta por Lutero ou mesmo por Calvino. Alguns seguidores da reforma liderada por Zuinglio consideravam que o batismo de crianças violava o princípio defendido por eles de que esse sacramento devia ser um ato de livre consciência relacionado à adesão à religião cristã por parte do indivíduo. 1525 Por isso, em 1525, realizaram o primeiro batismo de adultos, em Zurique, e fundaram a primeira Igreja Anabatista, em Zollikon. O grupo se autodenominou Irmãos Suíços. A partir desse evento, as relações entre os anabatistas e as autoridades se deterioraram, e o grupo passou a ser perseguido. As autoridades católicas da Suíça condenaram, então, os anabatistas à morte. 1526 Em 1526, foi a vez do Conselho da cidade de Zurique decidir pela pena de morte aos que desafiassem a lei, rebatizando ou defendendo publicamente o credo anabatista. 1528 A partir de 1528, os anabatistas começaram a ser perseguidos com base em um decreto de Carlos V, de acordo com o qual tinham de levar punição com a morte em todos os domínios do império. A partir desse momento, o massacre dos seguidores do anabatismo foi generalizado. As execuções eram, em geral, precedidas de tortura. Tal perseguição era empreendida tanto por católicos quanto por protestantes. 16 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html Saiba mais Adepto da Reforma, Zuinglio foi, de fato, um dos primeiros a incentivar a perseguição ao anabatismo. Afinal, além de discordar da questão do batismo, para ele – assim como para a Igreja Católica –, era necessária vinculação entre a religião e o Estado. Mas esse princípio era fortemente contestado pelos anabatistas, que defendiam a extrema autonomia de suas comunidades. A propósito, essa clara distinção entre Igreja e Estado constituiu um dos pontos centrais do credo anabatista. Para esse grupo, a Igreja devia ser uma comunidade livre e voluntariamente formada por pessoas renascidas para a fé cristã. Assim, a instituição eclesiástica não se podia subordinar a qualquer autoridade terrena, nem se vincular diretamente ao Estado ou a qualquer hierarquia religiosa. A luta pela difusão do credo anabatista foi marcada pela atuação de seus diversos líderes. Talvez, o mais proeminente entre eles tenha sido Conrad Grebel (1498-1526): um dos fundadores do grupo de Zurique, que, em 1525, afastou-se de Zuinglio por discordar dele em relação ao batismo infantil. No mesmo ano, Grebel foi incumbido pelo grupo de levar as ideias anabatistas a outras cidades. Em meio a atividades de disseminação do movimento, ele foi preso, mas se tornou um ícone para seus seguidores. Outro nome importante é Felix Manz (1498- 1527): membro do grupo, que também se separou de Zuinglio em 1525. Manz trabalhou intensamente na difusão das ideias anabatistas, até que, em 1527, foi morto devido ao decreto emitido pelo Conselho de Zurique, que condenou à morte por afogamento quem defendia o anabatismo publicamente. Embora o movimento tenha sido constituído por vários grupos com tendências doutrinárias ligeiramente diversas, de modo geral, para os anabatistas, a Igreja era, antes de tudo, uma coletividade livre, identificada pelos valores relacionados à rejeição dos pecados e pela aceitação do exemplo de Cristo. Outra característica central dessa doutrina era o entendimento de que o batismo adulto era o símbolo do reconhecimento e da obediência a Cristo, enquanto a Santa Ceia era o símbolo celebrado em memória da missão de Jesus Cristo. Dessa forma, cabia à Igreja disciplinar seus seguidores, regulando suas vidas no sentido de restituir-lhes a pureza necessária à salvação, que dependia do uso do livre-arbítrio humano no arrependimento do pecado e da adoção de uma conduta de virtude. Comentário Alguns estudiosos consideram o movimento anabatista precursor da Igreja Batista. Contrarreforma Como resposta à Reforma Protestante, a Igreja Católica convocou o Concílio de Trento, que se estendeu entre 1545 e 1563. Essa instância originou muitas ações da Igreja, cujo objetivo era enfrentar o desafio representado pela disputa com a nova versão da fé cristã. O Concílio de Trento foi convocado pelo papa Paulo III (1468-1549), nomeado em 1534, que se empenhou, desde então, para aprimorar os mecanismos de controle da Igreja sobre as nações. Era de sua responsabilidade aprovar a criação da Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus, iniciada no mesmo ano de sua nomeação por um pequeno grupo, sob a liderança de Inácio de Loyola (1491-1556), e formalmente reconhecida pela Igreja em 1540. A bula emitida pelo papa Paulo III indicava, basicamente, ao Concílio a elaboração de medidas contra os desvios da fé e a reconstituição da unidade da Igreja. Algumas decisões do Concílio reformavam certas práticas da Igreja, mas a maioria delas apenas reforçava tradições já estabelecidas, que representavam, na prática, uma refutação formal aos pontos mais marcantes da Reforma Protestante. Esse era o caso dos seguintes decretos: Decretos sobre o estabelecimento do cânon da Sagrada Escritura Aqueles relativos à atribuição de autenticidade da tradução da Bíblia para o latim por São Jerônimo (347 d.C.-420 d.C.), que refutava as ideias dos protestantes sobre o valor do uso de versões do Texto Sagrado: a Vulgata. Decretos sobre a natureza e os limites do pecado original Aqueles que relacionavam o pecado com o batismo, cuja justificativa estabelecia que a vontade humana atuava em conjunto com a graça divina, rejeitando a convicção protestante de justiça puramente imposta. Além disso, foram confirmados os sete sacramentos, contestados, em parte, pela Reforma. Coincidindo com o período em que se realizou o Concílio de Trento, foram publicadas por representantes da Reforma Protestante três importantes confissões de fé: Confissão Escocesa (1560) Catecismo de Heidelberg (1562) SegundaConfissão Helvética (1562) Todas reforçavam posições contrárias às decisões proferidas pela Igreja durante o Concílio. A atuação dos membros da Companhia de Jesus foi muito importante no movimento de Contrarreforma. Os jesuítas propagaram o catolicismo por toda a Europa e, também, fora dela (na Ásia e nas Américas). Sua organização se assemelhava à composição de um exército, pela disciplina e pelo empenho voltado para a expansão da influência da Igreja no mundo. Além disso, os jesuítas assumiram o papel de educadores, criando estabelecimentos de ensino, em que as disciplinas fundamentais eram combinadas com a instrução religiosa e o desenvolvimento da fé, principalmente nas colônias ibéricas. A Contrarreforma teve como mecanismos básicos de ação não só a Companhia de Jesus, mas também o Tribunal do Santo Ofício e o Index Librorum Prohibitorum , constituídos para garantir a manutenção da integridade da Igreja Católica e a detenção do avanço do protestantismo. A Inquisição era a forma pela qual o Tribunal do Santo Ofício investigava e punia desvios da fé, seguindo os princípios jurídicos do direito canônico. Essa instituição eclesiástica foi criada no século XII, na França, com o objetivo de 17 18 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula6.html combater a propagação das heresias cátara e valdense. No entanto, a difusão dos tribunais da Inquisição ocorreu com a intensificação do movimento reformista, quando as ações se estendiam a: Executores de práticas pecaminosas Como bruxaria, magia e adivinhação. Seguidores de outras religiões Como judeus e protestantes. Auto de fé em Madri | Disponível em: < https://goo.gl/38nVFD <https://goo.gl/38nVFD> >. Acesso em: 27 abr. 2018. Após enfrentar o processo inquisitório, que se desmembrava em várias etapas, com apresentação de provas e testemunhos dos acusadores, o acusado poderia ser condenado à morte por execução pública – quando era queimado vivo – ou por outras formas de suplício, caso não abdicasse de sua heresia. Atenção https://goo.gl/38nVFD Mesmo durante o processo de investigação, métodos variados de tortura eram empregados com frequência para a obtenção de confissões e retratações, o que tornava esses tribunais um espetáculo extremamente disciplinário e aterrorizante para os espectadores. Qualquer publicação do Index Librorum Prohibitorum devia passar pela aprovação da Igreja, senão corria o risco de gerar um processo contra seu autor e os responsáveis pela obra. Os livros proibidos eram aqueles que apresentavam conhecimentos contrários aos dogmas católicos ou que fomentavam comportamentos imorais. Dessa forma, cientistas como Giordano Bruno (1548-1600) e Galileu Galilei (1564-1642), e autores como Voltaire (1694-1778) e Victor Hugo (1802- 1885) tiveram suas obras condenadas pela Igreja. Galileu na Inquisição | Disponível em: < https://goo.gl/38nVFD <https://goo.gl/38nVFD> >. Acesso em: 27 abr. 2018. Comentário O Index manteve-se vigente com atualizações até 1966, quando foi abolido pelo papa Paulo VI (1897-1978). https://goo.gl/38nVFD Momento reflexão Nesta aula, observamos que a implantação do protestantismo no Ocidente não ocorreu sem lutas e disputas. Esses conflitos envolveram tanto a Igreja Católica e as Igrejas Protestantes quanto os Estados Modernos, que lutavam para se estabelecer internamente e vencer os combates externos, travados para definir suas fronteiras e seus impérios coloniais. Mais uma vez, foi possível perceber como a história do cristianismo está intimamente relacionada às demandas políticas, econômicas, sociais e culturais da sociedade moderna. Além disso, identificamos que o nascimento do protestantismo e a Contrarreforma foram respostas às necessidades inerentes às mutações desse período. Na próxima aula, daremos continuidade a esse estudo do contexto histórico que contempla a doutrina cristã. Mas, antes disso, vamos fazer algumas atividades. Atividade 1. Leia, a seguir, o trecho de uma das 95 teses escritas por Lutero: “6 - O papa não pode remitir culpa alguma, senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro. [...] 48 - Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma, mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar”. (PORTAL LUTERANOS, 1824) Com base nessas teses, identifique uma das principais críticas feitas por Lutero à Igreja Católica. GEOVANIA MARTINS Realce GEOVANIA MARTINS Nota Gabarito Lutero criticava a venda de indulgências, afirmando que o papa não podia perdoar os pecados mediante nenhum tipo de pagamento além de sua própria palavra. 2. Leia, a seguir, um trecho que apresenta algumas orientações quanto à ação dos inquisidores: “O modelo concebido para o inquisidor se inspira nos do pai e do sacerdote. Cabe a ele, além de punir, consolar e animar os réus, fazendo admoestações ‘com boas palavras’ para que confessem e peçam perdão por suas culpas (SANTO OFÍCIO, 1552, cap. 26). Recomenda-se aos inquisidores que percorram os cárceres ao menos de 15 em 15 dias e sempre que necessário, para ouvirem os presos acerca de suas necessidades e provê-las, procurando saber se sofrem algum mau tratamento (id., cap. 30). Há, também, recomendações explícitas para que não ‘escandalizem com suas palavras aos presos nem a outras pessoas que requeiram sua justiça’ (id., cap. 32). Devem representar não a justiça implacável, que, na prática, caracterizava a ação do tribunal, mas uma justiça misericordiosa, que se condói da sorte do réu e lamenta ter de puni-lo para sua própria salvação”. (LIMA, 1999) De acordo com o fragmento de texto, como devem agir os inquisidores? GEOVANIA MARTINS Realce GEOVANIA MARTINS Nota Gabarito Os inquisidores devem dar atenção aos condenados, buscando ouvi-los em confissão, e prover suas necessidades, agindo de forma misericordiosa, condoendo-se da sorte dos réus e lamentando o fato de ter de puni-los. 3. O movimento reformista que teve por base a doutrina da predestinação foi o: a) Calvinismo b) Anabatista c) Catolicismo d) Luteranismo e) Anglicanismo 4. O sacramento da Igreja, cuja forma de aplicação foi objeto de contestação pelo movimento anabatista, denomina-se: a) Crisma b) Batismo c) Eucaristia d) Matrimônio e) Unção dos enfermos GEOVANIA MARTINS Realce GEOVANIA MARTINS Realce 5. A instituição utilizada como instrumento da Contrarreforma para condenar e penalizar os hereges era chamada de: a) Irmãos Suíços b) Reforma Luterana c) Liga de Esmalcada d) Companhia de Jesus e) Tribunal da Inquisição Notas Ratos Hospedeiros das pulgas portadoras da bactéria yersinia pestis. Peste Negra A Peste Negra chegou ao Ocidente em 1348 e causou a morte de cerca de um terço da população da Europa, graças à facilidade de seu contágio. Havia duas formas de manifestação da doença – ambas altamente letais: inicialmente, a bactéria era contraída pelo consumo de cereais infectados, mas a contaminação também ocorria pelas vias aéreas. Os sintomas da Peste eram febres altas e infecções que geravam bubões (espécie de furúnculos que causavam dores lancinantes). Por isso, a enfermidade também ficou conhecida como Peste Bubônica. No Período Medieval, a anatomia humana não era tão explorada. Afinal, a Igreja Católica não estimulava estudos relativos a essa área, pois entendia que o corpo e a alma formavam uma unicidade. Assim, as doenças eram tão somente expressões dos pecados cometidos pelas pessoas, que manifestavam no corpo a maldade da alma. 1 2 GEOVANIA MARTINS Realce Essa ignorância quanto aos tratamentos médicos dificultou a contenção da Peste, na medida em que as sangrias (procedimentos médicos realizados na época) só enfraqueciam ainda mais o doente, com o corpo já debilitado pela falta de alimentos,e apressavam sua morte. Flagelantes que surgiram durante a Peste | Disponível em: < https://goo.gl/QwF2fb <https://goo.gl/QwF2fb> >. Acesso em: 27 abr. 2018. Milenarismo Conjunto de ideias cujo elemento central era a crença no retorno de Jesus Cristo, antes do juízo final, para a fundação de um reino que duraria 1.000 anos. A origem desse pensamento estava relacionada à certa interpretação do Apocalipse durante os primeiros séculos do cristianismo. Constantinopla Capital do Império Bizantino. Índias Nome dado ao Oriente. Martinho Lutero Monge da Ordem Agostiniana e professor de Teologia na Universidade de Wittenberg. John Wycliff Padre e professor de Teologia em Oxford. 3 4 5 6 7 https://goo.gl/QwF2fb Avignon O chamado Papado de Avinhão (ou Cativeiro de Avignon) durou de 1309 a 1377. Devido ao fortalecimento do poder real na França, nesse período, o rei Filipe IV, o Belo (1285-1314) entrou em conflito com o papa Bonifácio VIII (1235-1303), que não queria ceder à pressão do soberano em exigir o direito de cobrar os tributos da Igreja no país. Com a morte de Bonifácio VIII, Filipe, o Belo conseguiu com sua ampla influência que o francês Clemente V (1264-1314) ascendesse ao papado e transferisse a capital da Igreja para a cidade de Avinhão, localizada no sul da França. Édito de Worms Decreto assinado pelo imperador Carlos V (1500-1558) a pedido das autoridades clericais, que considerava Lutero um inimigo do Estado. Excomunhão Penalidade da Igreja Católica que consiste em excluir alguém da totalidade ou de parte dos bens espirituais comuns aos fiéis. (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa) Thomas Müntzer Padre e teólogo nascido em Stolberg. Protestantes Praticantes de cultos julgados pagãos ou heréticos. Esses adeptos das ideias de Lutero constituíram o protestantismo. Paz de Augsburgo Tratado que validava a separação entre as Igrejas Católica e Luterana. João Calvino 8 9 10 11 12 13 14 Teólogo nascido no norte da França, na cidade de Noyon. Doutrina da predestinação Aceitação da ideia de que não cabe ao indivíduo decidir ou influir sobre o destino de sua alma. Tal decisão pertence exclusivamente a Deus. Anabatistas Palavra de origem grega, que significa novo batismo. Esta designação foi dada ao grupo que seguia a prática de rebatizar todos aqueles que se juntavam a tal comunidade mesmo já batizados. Tribunal do Santo Ofício Órgão constituído pela Igreja Romana. Index Librorum Prohibitorum Lista criada em 1559 de livros considerados heréticos ou, de algum modo, reprováveis pela Santa Inquisição. Referências BASCHET, J. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. CHAUNU, P. O tempo das reformas (1250-1550) – a crise da cristandade. Lisboa: Edições 70, 1985. DAWSON, C. A formação da cristandade – da Reforma Protestante à era do iluminismo. São Paulo: É Realizações, 2014. DELUMEAU, J. Nascimento e afirmação da reforma. São Paulo: Pioneira, 1989. FEBVRE, L. Martinho Lutero: um destino. São Paulo: Três Estrelas, 2012. JHONSON, P. História do cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001. LIMA, L. L. da G. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: o suspeito é o culpado. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 13, nov. 1999. (Dossiê Cidadania e Violência). Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php? 15 16 17 18 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44781999000200002 script=sci_arttext&pid=S0104-44781999000200002 <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 44781999000200002> >. Acesso em: 27 abr. 2018. PORTAL LUTERANOS. (1517). Reforma Protestante: as 95 teses de Martinho Lutero. Porto Alegre: IECLB, 1824. Disponível em: < http://www.luteranos.com.br/lutero/95_teses.html <http://www.luteranos.com.br/lutero/95_teses.html> >. Acesso em: 27 abr. 2018. WEBER, M. (1905). A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967. Próximos Passos Relação entre Igreja e Estado Moderno; Igreja Anglicana; Presença da Igreja na colonização da América. Explore mais Sugestão de filme LUTHER = LUTERO. Direção: Eric Till. Alemanha; Estados Unidos: MGM, 2003. 121 min, son., color. Com base em todas as discussões e nos conhecimentos adquiridos nesta aula, assista a essa produção cinematográfica, e saiba um pouco mais sobre a vida e a obra de Lutero. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44781999000200002 http://www.luteranos.com.br/lutero/95_teses.html