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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DÂNGELA MACÊDO DE LIMA “GRAÇAS A DEUS TE ENCONTREI PARA PROVAR MINHA INOCÊNCIA”: RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS ACÓRDÃOS DO PROCESSO-CRIME DOS IRMÃOS NAVES NATAL-RN 2020 DÂNGELA MACÊDO DE LIMA “GRAÇAS A DEUS TE ENCONTREI PARA PROVAR MINHA INOCÊNCIA”: RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS ACÓRDÃOS DO PROCESSO-CRIME DOS IRMÃOS NAVES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vinculada ao eixo temático Estudos Linguísticos do Texto, como requisito para a obtenção do título de Mestra em Estudos da Linguagem. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues NATAL-RN 2020 Lima, Dangela Macedo de. "Graças a Deus te encontrei para provar minha inocência": Responsabilidade Enunciativa nos acórdãos do processo-crime dos irmãos Naves / Dangela Macedo de Lima. - Natal, 2020. 153f.: il. Color. Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós - Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues. 1. Análise Textual dos Discursos - Dissertação. 2. Teoria do Ponto de Vista - Dissertação. 3. Direito Penal - Dissertação. I. Rodrigues, Maria das Graças Soares. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'42 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 3 DÂNGELA MACÊDO DE LIMA “GRAÇAS A DEUS TE ENCONTREI PARA PROVAR MINHA INOCÊNCIA”: RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS ACÓRDÃOS DO PROCESSO-CRIME DOS IRMÃOS NAVES BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues – UFRN Orientadora e Presidente ______________________________________________________ Profa. Dra. Célia Maria de Medeiros - UFRN Examinadora externa ao Programa ______________________________________________________ Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros -UFRN Examinador externo ao Programa ___________________________________________________ Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz - UERN Examinadora externa à instituição NATAL-RN 2020 4 Dedico esta dissertação à minha grande amiga Thamara Alice (In memoriam). Por que você foi embora tão cedo? 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me consolado nos muitos dias sombrios. À minha mãe, que sempre lutou para nunca faltar o pão em nossa casa. Que orgulho dessa mulher incrível! Eu te amo. Ao meu pai, ao meu irmão, à minha cunhada e ao pequeno Davi. Eu continuo por vocês. À minha vó, Eliza Borges de Carvalho (In memoriam), mulher forte que viveu tempos duros e de muita falta, mas não desistiu de olhar para o futuro com esperança. À minha amiga Maria das Vitórias Medeiros, que segurou minha mão em um dos momentos mais conturbados de minha vida. Nossa amizade ultrapassou os limites da academia e se fortaleceu. Obrigada por sua amizade. Ela é herança boa da vida. À minha orientadora, Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues, que me mostrou a interface entre a Linguagem e o Direito e, com carinho e entusiasmo, me recebeu no grupo de pesquisa ATD ainda como aluna-ouvinte. À querida e estimada professora Dra. Célia Medeiros, o seu apoio foi fundamental no desenvolvimento desta pesquisa. Obrigada pelo carinho, você é iluminada. À banca de defesa formada pelos professores Dra. Célia Maria de Medeiros, Dra. Maria Eliete de Queiroz e Dr. Mário Lourenço de Medeiros. Aos Professores Dr. João Neto, Dr. Luis Passeggi, Dra Emiliana Souza, Dr. Ananias Agostinho, Dra. Maria das Vitórias Nunes, Dra. Sulemi Fabiano, Dr. José Romerito e Dr. Daniel Vanderveken (In memoriam). Ao meu amigo Mailson pelo excelente trabalho de revisão textual. Aos meus colegas do grupo de pesquisa ATD, Nouraide, Fernanda, Alana, Niete, Madson, Leonildo, Eunice, Cláudia, Hális e Lindemberg. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Minha profunda gratidão. 6 Traumas Meu pai um dia me falou Pra que eu nunca mentisse Mas ele também se esqueceu De me dizer a verdade Da realidade do mundo Que eu ia saber Dos traumas que a gente só sente Depois de crescer [...] (Erasmos Carlos/Roberto Carlos, 1971) 7 RESUMO Nesta dissertação de mestrado, investigamos o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa no gênero discursivo textual jurídico acórdão do processo-crime dos irmãos Naves, considerado como um dos maiores erros do Judiciário brasileiro. Para isso, apoiamo-nos principalmente nos constructos teóricos de Jean-Michel Adam (2011), quanto à Responsabilidade Enunciativa, que se ancora na teoria do Ponto de Vista e na Responsabilidade Enunciativa proposta por Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017), na Mediatividade de Guentchéva (1996, 2011, 2014), estabelecendo diálogo com os estudos de Passeggi et al. (2010), Rodrigues, Silva Neto e Passeggi (2010) e Rodrigues (2016, 2016a, 2017). Nesse sentido, propusemos como objetivo geral investigar como se materializa o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa no gênero jurídico acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1937), e, objetivos específicos identificar, descrever e interpretar a estrutura configuracional do plano de texto dos 5 (cinco) acórdãos proferidos no processo-crime dos irmãos Naves, assim como as vozes e os pontos de vistas que os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mobilizaram para dar ou negar provimento aos recursos interpostos e, por fim, as marcas linguísticas que assinalam a (não) assunção da responsabilidade enunciativa nos acórdãos. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo documental, na qual elegemos como corpus cinco acórdãos criminais proferidos pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos anos de 1938, 1939, 1940 e 1953. O processo judicial foi coletado na página eletrônica do Museu do Judiciário Mineiro (MEJUD). A análise dos dados da pesquisa demonstra que, nos acórdãos, a estrutura composicional apresenta variação, uma vez que dois dos cinco acórdãos revelam um plano de texto ocasional e os demais se mostram fixos. Estes, por sua vez, apresentam um plano que compõe a tríade: relatório, fundamentação e dispositivo, conforme orienta o ordenamento jurídico. No que concerne à responsabilidade enunciativa, observamos que os desembargadores (L1/E1), na maioria dos exemplos analisados, assumem uma responsabilidade limitada, denominada de “quase-RE” (RABATEL, 2009, 2016), evidenciada pelo uso de diferentes marcas linguísticas, destacando-se as modalidades e os diferentes tipos de representação da fala (ADAM, 2011). Outrossim, constatamos que os desembargadores evocam múltiplas vozes para os acórdãos, demonstrando posicionamentos de acordo, desacordo e “neutralidade” sobre o conteúdo proposicional veiculado pelos enunciadores segundos (e2), a saber: as confissões, os testemunhos, a denúncia, o parecer, os artigos de lei, entre outras, em prol da visada argumentativa. Palavras-chave: Análise textual dos discursos. Teoria do ponto de vista. Direito penal. Processo penal. Acórdão. 8 ABSTRACT In this Master’s thesis, we investigate the phenomenon of Enunciative Responsibility in the discursive textual genre court ruling in the Naves brothers’ criminal trial, considered one of the greatest errors of the Brazilian justice system. For this investigation, we rely mainly on the theoretical constructs of Jean-Michel Adam (2011), with regard to Enunciative Responsibility, which is based on the theory of Point of View, and Enunciative Responsibility, proposed by Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017), also on Guentchéva’s concept of Mediativity (1996, 2011, 2014), and these in dialogue with the studies of Passegi et al. (2010), Rodrigues, Silva Neto and Passeggi (2010), and, finally Rodrigues (2016, 2016ª, 2017). Given this framework, our general objective is to investigate how the phenomenon of Enunciative Responsibility in the genre, court ruling of the Naves brothers’ criminal trial (1937), is materialized. Our specific objectives are to identify, describe and interpret the configurational structure of the text plan of the 5 (five) rulings proffered in the Naves brothers’ criminal trial, as well as the voices, and the points of view that the Justice Tribunal judges of Minas Gerais mobilize to uphold or negate the rectification of the decision rendered and, finally, the linguistic marks that assign the (non) assumption of enunciative responsibility in the rulings. The methodology of the research is characterized as qualitative and documentary of our selected corpus of five criminal rulings presented by the Justice Tribunal of Minas Gerais, in the years: 1938, 1939, 1940 and 1953. The court proceedings were collected on the web page of the Justice Museum of Minas – MEJUD (acronym in Portuguese). The analysis of the research data demonstrates that, in the rulings, the compositional structure presents variation, given that two of the five rulings are found to possess occasional text plans, while the others are shown to be fixed, and these comprising a triad plan: report, foundation and device, according to the court order. With regard to the enunciative responsibility, we observe that the judges (S1/E1) in the majority of the examples analyzed, assumes a limited responsibility, denominated “almost-ER” (RABATEL, 2009, 2016), evidenced by the use of different linguistic marks, highlighting the modalities, and the different types of representation of speech (ADAM, 2011). On the other hand, we found that the judges evoked multiple voices for the rulings, demonstrating stances in agreement, disagreement and “neutrality” about the propositional content driven by the secondary enunciators (e2), which are: the confessions, the testimonies, the complaint, the court report, the articles of law, among others that also favor the targeted argumentative thrust. Keywords: Textual Discourse Analysis. Theory of point of view. Criminal Law. Criminal Prosecution. Rulings. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Análise dos discursos........................................................................................20 Figura 2 – Níveis ou planos de análise de discurso............................................................22 Figura 3 – Plano de texto do acórdão..................................................................................27 Figura 4 – Dimensões da proposição-enunciado................................................................29 Figura 5 – Instâncias enunciativas......................................................................................33 Figura 6 – Etapas do procedimento penal comum..............................................................46 Figura 7 – O reencontro de Sebastião com Benedito..........................................................67 Figura 8 – Capa da 1ª edição do livro.................................................................................69 Figura 9 – Roteiro do filme.................................................................................................70 Figura 10 – Raul Cortez em cena de tortura.......................................................................70 Figura 11 – Programa Linha Direta....................................................................................71 Figura 12 – Canção Erro Judiciário....................................................................................71 Figura 13 – Peça de teatro...................................................................................................72 10 LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS Quadro 1 - Grau de responsabilidade enunciativa: categorias e marcas linguísticas...........30 Quadro 2 - Responsabilidade Enunciativa e imputação.......................................................35 Quadro 3 - Produtores e receptores dos gêneros discursivos textuais jurídicos..................52 Quadro 4 - Descrição dos acórdãos do processo-crime dos irmãos Naves..........................60 Quadro 5 - Resumo dos principais acontecimentos com os Naves......................................68 Quadro 6 - 1º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1938)...................................77 Quadro 7 - Plano de texto do acórdão nº 2525 do processo dos Naves...............................78 Quadro 8 - 2º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1938)...................................83 Quadro 9 - Plano de texto do acórdão nº 20623 do processo dos Naves.............................83 Quadro 10 - 3º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1939).................................87 Quadro 11 - Plano de texto do acórdão nº 21.063 do processo dos Naves..........................88 Quadro 12 - 4º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1940).................................96 Quadro 13 – Plano de texto do acórdão nº 480 do processo dos Naves..............................97 Quadro 14 - Plano de texto do acórdão nº 1.632 do processo dos Naves..........................101 Quadro 15 - Síntese descritiva dos planos de texto dos acórdãos......................................103 Quadro 16 – Posicionamentos enunciativos de L1/E1.......................................................111 Quadro 17 – PDV de L1/E1 acerca dos réus, dos atos processuais e do processo............114 Gráfico 1 – Quantidade de vozes evocadas por L1/E1......................................................118 11 LISTA DE SIGLAS ATD AD HC CPC CPP CF Quase-RE L1/E1 e2 MED MEJUD RE PdV PDV Análise Textual dos Discursos Análise de Discurso Habeas Corpus Código de Processo Civil Código de Processo Penal Constituição Federal Quase responsabilidade enunciativa Locutor/enunciador primeiro Enunciador segundo Mediativo Museu do Judiciário Mineiro Responsabilidade Enunciativa Ponto de vista – sigla usada por Adam (2011 [2008]) Ponto de vista – sigla usada por Rabatel (2004, 2008, 2009) 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13 CAPÍTULO I – QUADRO TEÓRICO ............................................................................. 19 1.1 Análise Textual dos Discursos (ATD) .......................................................................... 19 1.1.1 Plano de texto ............................................................................................................ 25 1.1.2 Responsabilidade Enunciativa .................................................................................. 28 1.2 Mediatividade ............................................................................................................... 39 CAPÍTULO II – GÊNEROS DISCURSIVOS TEXTUAIS NA ESFERA JURÍDICA ... 42 2.1 Gêneros discursivos textuais: definição e caracterização ........................................... 42 2.2 Gêneros da esfera do Direito Penal e Processual Penal .............................................. 47 2.3 Gênero discursivo textual jurídico acórdão ................................................................ 53 CAPÍTULO III – METODOLOGIA ................................................................................ 57 3.1 Procedimentos metodológicos ...................................................................................... 58 3.2 Escolha e descrição do corpus ...................................................................................... 58 3.3 Procedimentos de análise ............................................................................................. 61 3.4 Contextualização do corpus da pesquisa ..................................................................... 62 3.4.1 O desaparecimento de Benedito Pereira Caetano ......................................................... 62 3.4.2 O inquérito policial...................................................................................................... 63 3.4.3 Os julgamentos ............................................................................................................ 64 3.4.4 O reaparecimento do “morto vivo” .............................................................................. 65 3.4.5 Irmãos Naves: a história contada ................................................................................. 68 CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................... 74 4.1 Plano de texto e Responsabilidade enunciativa ........................................................... 74 4.1.1 Acórdão 2525 .............................................................................................................. 74 4.1.2 Acórdão 20623 ............................................................................................................ 82 4.1.3 Acórdão 21.063 ........................................................................................................... 86 4.1.4 Acórdão 480 ................................................................................................................ 96 4.1.5 Acórdão 1.632 ........................................................................................................... 101 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 117 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 121 ANEXOS .......................................................................................................................... 129 13 INTRODUÇÃO “A história dos abusos do poder é a história da glorificação de todas as misérias”. A máxima de Rui Barbosa é pertinente quando nos deparamos com processos jurídicos que relevam o Direito como instrumento de injustiça, como o trágico acontecimento que vitimou dois irmãos trabalhadores no interior de Minas Gerais, torturados para confessar um crime que não aconteceu. A cidade de Araguari, na década de 1930, é o cenário de um dos maiores erros do Judiciário brasileiro: “o caso dos irmãos Naves”. Sebastião e Joaquim Naves foram condenados a 25 anos e 6 meses de prisão pelo cometimento de um crime que sequer existiu. A acusação os apontou como os principais suspeitos de assassinarem o primo, Benedito Pereira Caetano, em razão da cifra de 90 contos, quarenta e oito mil e quinhentos réis (90:048$500), obtidos por meio de negócios da venda de cereais na região do Triângulo Mineiro. Uma sucessão de equívocos judiciais e de abusos da atividade estatal do regime autoritário de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, assolou a vida de dois inocentes. O Tribunal do Júri tinha absolvido os réus por duas ocasiões. Naquela época, a decisão do júri popular não era soberana, assim, o Ministério Público recorreu do veredito e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) cassou a decisão absolutória. Esse ato terminou por condenar os acusados mesmo sem prova de materialidade delitiva. Em outras palavras, mesmo sem haver um cadáver para comprovar um homicídio e, pior ainda, tomando por fundamento apenas a confissão extrajudicial obtida por meio da tortura, os irmãos Naves foram condenados. Após os réus cumprirem parte da pena e um deles falecer, Benedito reapareceu na cidade de Araguari alegando que não sabia que os irmãos Naves tinham sido presos em razão de seu suposto assassinato. Depois do ressurgimento da pretensa vítima, Sebastião José Naves e Antônia Rita de Jesus, viúva de Joaquim Naves, ingressaram na justiça com pedido de anulação da condenação. Considerada essa breve contextualização histórica, pontuamos que a pertinência acadêmica do estudo do discurso jurídico à luz das contribuições dos estudos linguísticos e enunciativos é limpidamente constatável pelo fato de que o Direito lida permanentemente com textos, sejam escritos, como, por exemplo, os despachos e as decisões dos juízes, sejam orais, como no interrogatório do réu e na oitiva da testemunha. A multiplicidade de textos jurídicos elaborados no desenrolar do processo judicial, tais como, acórdãos, despachos, decisões e sentenças, abre um espaço de possibilidades para estudos sobre o discurso jurídico. 14 A proposta de estudar o processo dos irmãos Naves se coaduna com o interesse atual do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), cujas pesquisas interligadas entre Linguagem e Direito têm avançado. Citemos, por exemplo, a tese de Lourenço (2013), que abordou o fenômeno da responsabilidade enunciativa (RE) em petições iniciais, especificamente nas seções “dos fatos” e “da fundamentação”. Para isso, a autora focalizou em duas categorias de análises que funcionam como marcadores do grau de RE: os diferentes tipos de representação da fala e as indicações de quadros mediadores. O corpus da pesquisa é composto por 15 (quinze) petições iniciais de diferentes advogados, destinadas à Vara Cível da Comarca de Currais Novos/RN. No trabalho intitulado “A responsabilidade enunciativa na sentença penal condenatória”, Gomes (2014) elegeu o gênero jurídico sentença para tratar do fenômeno da RE e selecionou 13 (treze) sentenças criminais oriundas da Comarca de Currais Novos/RN. O estudo destacou uma grande heterogeneidade de pontos de vista (PDV) no gênero sentença condenatória, uma vez que além do PDV do juiz, várias instâncias enunciativas foram evocadas no texto, tais como o PDV do Ministério Público, da acusação, da defesa, dos acusados, entre outros. Lopes (2014), por sua vez, em “A representação discursiva da vítima e do réu no gênero sentença judicial”, propôs identificar e descrever o fenômeno da representação discursiva da vítima e do réu no gênero sentença judicial. Para isso, a autora selecionou uma sentença judicial de natureza penal coletada no site do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os resultados focalizaram a construção da representação discursiva dos sujeitos a partir de PDV de enunciadores distintos, que podem aproximar-se ou distanciar-se de acordo com a orientação argumentativa. Citemos, ainda, a tese de Medeiros (2016), que estabeleceu como objetivo geral investigar o gênero jurídico contestação, no que concerne ao fenômeno da responsabilidade enunciativa. Esse estudo investigou 8 (oito) contestações protocoladas no 2º Juizado Especial Cível da Zona Sul, da Comarca de Natal/RN, no período de 2013 a 2014. Duas categorias de análises foram escolhidas para observar o grau de responsabilidade enunciativa: as modalidades e a indicação de quadros mediadores. A dissertação de Ferreira (2016), sob o título “A (não) assunção da responsabilidade enunciativa em narrativas das sentenças condenatórias de crimes contra mulher”, discutiu a RE em sentenças de processos criminais que tiveram grande repercussão nacional, cujas vítimas foram Eloá Pimentel, Elisa Samúdio e Mércia Nakashima. O trabalho demonstrou que a construção do PDV pelos juízes é feita por mecanismos linguísticos, os quais revelam a 15 responsabilidade enunciativa, havendo recorrência do uso de quadro mediadores através dos quais os juízes não assumem a responsabilidade enunciativa pelo conteúdo proposicional. Destacamos, também, a tese de Soares (2017), que propôs como objetivo geral investigar os dispositivos enunciativos concernentes à orientação argumentativa e a (não) assunção da responsabilidade enunciativa, no gênero jurídico sentença penal condenatória de crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, no âmbito da família. Outro trabalho com enfoque no discurso jurídico é o de Oliveira (2016), intitulado “A responsabilidade enunciativa em textos de um inquérito policial relacionado a crimes de violência contra a mulher”. A autora abordou a responsabilidade enunciativa sob a perspectiva teórica da ATD, com ênfase na teoria da enunciação, e elegeu como objetivo geral analisar os índices linguísticos que indicam a responsabilidade enunciativa em textos de inquérito policial. Temos, ainda, o trabalho de Lanzillo (2016), que estudou o ponto de vista (PDV) e a responsabilidade enunciativa (RE) no gênero jurídico discursivo sentença judicial de pedido de falência. O quadro teórico utilizado na pesquisa focalizou quatro eixos: texto, gênero, enunciação e discurso. Além desses, com o título “O gênero sentença judicial: um estudo exploratório do planto de texto”, Silva (2016) explorou a subunidade de análise – planto de texto – em sentenças de natureza criminal oriundas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, constatando que as sentenças judiciais apresentavam flutuações na composição textual de suas seções. Consequentemente, os planos de textos se mostraram fixos e ocasionais. A autora Santos (2016) com a tese intitulada “Representação discursiva de vítimas e agressor em textos de inquérito policial”, estudou as representações discursivas em inquéritos policiais relacionados a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, tratando da representação discursiva tanto da vítima como do agressor, cujo objetivo específico foi investigar os recursos linguísticos que o enunciador utiliza para construir as representações. Em sua tese, Lopes (2019) dedicou atenção aos estudos da representação discursiva no gênero jurídico Denúncia, com o título do trabalho “De “governanta máxima” a “denunciada”: as representações discursivas de Dilma Rousseff na denúncia do processo de impeachment”. Por fim, a tese de Rocha (2019) intitulada “emoções no libelo introdutório de nulidade matrimonial”, propôs como objetivo geral investigar a relação entre emoções e orientação argumentativa em libelos introdutórios de declaração de nulidade matrimonial. Dito isso, podemos afirmar que o grupo de pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tem realizado um trabalho 16 importante de expansão das pesquisas pautadas nas duas ciências do saber: Linguagem e Direito. No tocante ao interesse pessoal em estudar o discurso jurídico este relaciona-se diretamente ao presente e ao futuro da própria experiência profissional desta pesquisadora. Por ter formação em Direito, após inteirar-se da dedicação do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) ao desenvolvimento de investigações voltadas ao entendimento do discurso jurídico, logo imaginou a possibilidade de integrá-lo, visto que atua profissionalmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte desde 2014. No caso, a referida atividade profissional está estritamente ligada às questões da interface Direito e Linguagem, uma vez que a função que desempenha no TJ/RN consiste em assessorar a magistrada na elaboração de minutas, a exemplo de despachos, decisões e sentenças. Quanto ao aporte teórico, a pesquisa fundamenta-se na Análise Textual dos Discursos (ATD), proposta pelo linguista francês Jean-Michel Adam, que define a ATD como “uma teoria da produção co(n)textual de sentido que deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de textos concretos” (ADAM, 2011, p.13). Além de Adam (2011), serão utilizadas as teorias de “ponto de vista”, de Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017), e de “meditativo”, de Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014), noções pertinentes para o tratamento da responsabilidade enunciativa. A intenção de pesquisa tem por foco, dentre os demais gêneros integrantes do conjunto do processo, especificamente os acórdãos, “textos concretos” que são documentos jurídicos elaborados por um colegiado de juízes integrantes de um Tribunal, com vistas a finalizar um processo. A responsabilidade da declaração do acórdão é de grande relevância social, uma vez que afeta diretamente a vida de pessoas de modo mais impactante do que as decisões inicialmente proferidas por juízes singulares. Os casos de decisões de acusações criminais atingem ou garantem diretamente a liberdade, direito fundamental garantido a todos pela Constituição Federal. Em termos metodológicos, é uma pesquisa documental cuja forma de abordagem é qualitativa de natureza interpretativista. O corpus da pesquisa é composto por todos os 5 (cinco) acórdãos criminais proferidos nos autos do processo dos Naves. A documentação está devidamente preservada em arquivo no Museu do Judiciário Mineiro (MEJUD), em Belo Horizonte, e digitalizada em sua página eletrônica. Diante dessa questão relevante, da relação Linguagem/Direito, propusemos como objeto de pesquisa: As marcas linguísticas que evidenciam a assunção ou não assunção da responsabilidade enunciativa no gênero discursivo textual jurídico acórdão constantes no 17 processo-crime dos irmãos Naves (1937). Com efeito, elegemos as seguintes questões de pesquisa: (1) como se constitui a estrutura configuracional do plano de texto dos 5 (cinco) acórdãos proferidos no processo-crime dos irmãos Naves?; (2) quais vozes e pontos de vistas os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mobilizaram para dar ou negar provimento aos recursos interpostos? e (3) que marcas linguísticas assinalam a (não) assunção da responsabilidade enunciativa nos acórdãos? Para responder a essas questões acima, estabelecemos como objetivo geral: Investigar como se materializa o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa no gênero jurídico acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1937), considerado como um dos maiores erros do Judiciário brasileiro. Como objetivos específicos, propusemos identificar, descrever e interpretar a estrutura configuracional do plano de texto dos 5 (cinco) acórdãos proferidos no processo-crime dos irmãos Naves; assim como as vozes e os pontos de vistas que os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mobilizaram para dar ou negar provimento aos recursos interpostos; e, por fim, as marcas linguísticas que assinalam a (não) assunção da responsabilidade enunciativa nos acórdãos. Para desenvolvimento da pesquisa, organizamos o plano textual desta dissertação que além da introdução e conclusão, estrutura-se em quatro capítulos organizados conforme se expõe a seguir. O primeiro capítulo refere-se ao suporte teórico que subsidia nossa pesquisa, a Análise Textual dos Discursos proposta pelo linguista francês Jean-Michel Adam, amparado também em outros teóricos, para compreender o fenômeno da responsabilidade enunciativa, tais como Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017), com a teoria do ponto de vista e Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014), com a categoria do mediativo. O segundo capítulo traz uma abordagem sobre os gêneros discursivos textuais na perspectiva teórica de autores como Bakhtin (2016), Bazerman (2011), entre outros. Além disso, ilustramos o capítulo com exemplos de gêneros jurídicos da esfera do Direito Penal e Processual Penal. Dentro dessa discussão, abordamos especificamente o gênero discursivo textual jurídico acórdão. O terceiro capítulo discorre acerca da metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa. Contempla, nesse sentido, os procedimentos metodológicos adotados quanto à forma de abordagem, procedimento técnico e técnica de obtenção de dados da pesquisa. Ademais, trata da escolha e descrição do corpus, bem como da forma do procedimento das análises. Outrossim, contextualiza o corpus da pesquisa. 18 O quarto capítulo destina-se à análise dos dados. Para cumprir nossos objetivos de pesquisa, demonstramos o plano de texto de cada acórdão, seguindo para identificação das marcas linguísticas, das vozes e dos pontos de vistas presentes no texto jurídico, as quais apontam a ocorrência da (não) assunção da responsabilidade enunciativa. 19 CAPÍTULO I – QUADRO TEÓRICO O texto é, certamente, um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM, 2011, p. 25). Este capítulo discute sobre a Análise Textual dos Discursos, abordagem teórico- metodológica articulada pelo linguista francês Jean-Michel Adam (2011), que considera o texto/discurso como objeto de análise. Trata-se de “uma teoria da produção co(n)textual de sentido, que deve, necessariamente ser fundamentada na análise de textos concretos” (ADAM, 2011, p.13). Com apoio nesse eixo teórico, organizamos as seções: 1.1) Análise Textual dos Discursos (ATD); 1.1.1) Plano de Texto; e 1.1.2) Responsabilidade Enunciativa. Nessa última subseção abordamos, ainda, aspectos da teoria do Ponto de Vista, de Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017). Por fim, encerraremos o capítulo discorrendo sobre a 1.2) Mediatividade, destacando sobre o distanciamento, o não engajamento do enunciador pelo dito, conforme os postulados de Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014). 1.1 Análise Textual dos Discursos (ATD) Na obra intitulada “A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos”, em sua segunda edição, Adam (2011) apresenta uma abordagem teórica, metodológica e descritiva de estudo do texto. Para Adam (Ibid., p. 43), a proposta é “articular uma linguística textual desvencilhada da gramática de texto e uma análise de discurso emancipada da análise de discurso francesa (ADF)”. Assim, a LT é definida como “um subdomínio do campo mais vasto da análise das práticas discursivas” (Ibid., p. 43). Conforme Adam (2011, p. 25): A linguística textual tem como ambição fornecer instrumentos de leitura das produções discursivas humanas. A linguística não é (ou não é mais) a “ciência-piloto” das ciências do homem e da sociedade, mas tem ainda muito a dizer sobre os textos, e seu poder hermenêutico permanece inteiro, sobretudo se ela consentir em abrir-se às disciplinas que, da Antiguidade até nossos dias, têm o texto como objeto (retórica e poética, estilística, filologia e hermenêutica, teria da tradução e genética textual, analise de dados textuais ou análise de textos em computador, sem esquecer a história do livro e as diversas semióticas). 20 A ATD é um campo da aproximação entre dois domínios teóricos distintos, a Linguística Textual e a Análise do Discurso em diálogo com teorias enunciativas. Nessa ótica, a teoria articulada por Adam (2011) consiste em uma reflexão epistemológica e uma teoria de conjunto que compreende o texto como “um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias” (ADAM, 2011, p. 25). Para compreender melhor a teoria proposta pelo autor, é preciso pensar a Linguística Textual como uma corrente desvencilhada da Gramática de Texto Tradicional, e a Análise do Discurso distanciada da linha francesa, aquela desenvolvida por Michel Foucault, dentre outros. “A reflexão da ATD inscreve-se na linha de um pensamento linguístico – constante na história da Linguística – que não se furta a considerar o texto/discurso como objeto de teoria e descrição, situado de pleno direito nos estudos linguísticos” (PASSEGGI et al. 2010, p. 308). Os avanços no que diz respeito à relação texto e discurso são apresentados na obra de Adam (2011) ao mostrar a forma articulada entre essas duas concepções, especialmente no Esquema 4, cujo detalhamento veremos mais adiante. Adam (2011) demonstra através do esquema 3, a inserção da Linguística Textual dentro de um quadro geral da Análise dos Discursos: Figura 1 - Análise dos Discursos Fonte: Esquema 3 (ADAM, 2011, p. 43). A ATD é uma abordagem teórica concebida a partir da Linguística de Texto e da Linguística da Enunciação, aproximando-se da Análise do Discurso por meio de um ponto central, os gêneros do discurso. Nesse passo, observamos que Adam (2011) situa a Linguística Textual dentro do campo da Análise dos Discursos, compreendendo os estudos do plano de texto, dos períodos/sequências, das proposições e das palavras em esquema de operações de continuidade, demonstrando que a Linguística Textual não está isolada, pois essas operações possuem relações com os gêneros, o interdiscurso e as formações sociodiscursivas. Sobre o esquema, Adam (2011, p. 44, grifos do autor) esclarece: 21 Esse esquema evidencia o jogo complexo das determinações textuais “ascendentes” (da direita para esquerda) que regem os encadeamentos de proposições no sistema que constitui a unidade TEXTO – objeto da linguística textual – e as regulações “descendentes” (da esquerda para direita) que as situações de interação nos lugares sociais, nas línguas e nos gêneros dados impõem aos enunciados – objeto da análise de discurso. Conforme explicam Catelão e Cavalcante (2017, p. 403), o esquema demarca os níveis ou planos de análise da ATD, de um lado para análise de discurso e, de outro, para análise textual. No campo da LT, as operações de textualização seguem pela segmentação (palavras, proposições enunciadas, etc.) e pela ligação (construção de unidades semânticas pelas quais se reconhecem segmentos textuais). Assim, a Análise Textual dos Discursos visa a “teoria e descrever os encadeamentos de enunciados elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um texto [...] concerne tanto à descrição e à definição das diferentes unidades como às operações, em todos os níveis de complexidade, que são realizadas sobre os enunciados” (ADAM, 2011, p. 63-64). Para o estudioso, a complexidade que envolve o objeto empírico que é o texto, justifica a necessidade de uma teoria que possua relações com o domínio de práticas discursivas em geral. Ele discorre também sobre o conceito de proposição-enunciado que está situado no nível da textura e corresponde à unidade textual de base elementar. “A unidade mínima a que chamamos proposição-enunciado é o produto de um ato de enunciação: ela é enunciada por um enunciador inseparável de um coenunciador (ADAM, 2011, p. 108, grifos do autor). Nesse passo, o teórico trata das noções de frase e de período e registra que “a noção de frase dificilmente pode ser mantida como uma unidade de análise textual. Ela é, certamente, uma unidade de segmentação (tipo) gráfica pertinente, mas sua estrutura sintática não apresenta uma estabilidade suficiente” (Ibid., p. 104). Segundo Catelão e Cavalcante (2017, p. 403), “Adam (2011) se preocupa, ao admitir essa denominação, em não utilizar expressões como frases, períodos, cláusulas para não correr o risco de entrar em outras áreas e acabar se perdendo em aspectos eminentemente estruturais”. Os autores acrescentam que Adam “tem uma longa descrição que visa caracterizar por que a utilização de termos como frase ou proposição não seria adequada: para ele, esses termos trazem historicamente em si uma definição limitada e imprecisa” (Ibid., p. 403). A fim de compreender melhor as bases analíticas de Adam (2011) sobre texto e discurso, observemos a figura 2, a seguir. 22 Figura 2 - Níveis ou planos da análise de discurso Fonte: Esquema 4 (ADAM, 2011, p. 61). Conforme o esquema acima, são observados oito níveis distribuídos em duas categorias: o plano discursivo e o plano textual. Na parte superior do quadro, encontramos os níveis (N1) ação visada e objetivos, (N2) interação social que reflete a formação sociodiscursiva e (N3) interdiscurso, nos quais estão inseridos os socioletos. No nível textual, apresentam-se (N4) textura, proposições enunciados/períodos; (N5) estrutura composicional, sequencias/planos de textos; (N6) semântica, representação discursiva; (N7) enunciação, responsabilidade enunciativa/coesão polifônica e (N8) atos do discurso, valor ilocucionário/orientação argumentativa. Segundo Passeggi et al. (2010, p. 266): No nível discursivo, uma determinada intencionalidade ou objetivo (expressão linguisticamente pelos atos ilocucionários) realiza-se numa interação social e numa formação discursiva dadas (que delimitam “o que pode e deve ser dito”), utilizando o socioleto (dialeto social) dessa formação e no seio de um interdiscurso, com a mediação de um gênero. 23 Explicaremos o nível discursivo com exemplos de textos concretos, os acórdãos, os quais elegemos como corpus da pesquisa. Nível 1: ações visadas: os cinco acórdãos analisados possuem diferentes ações visadas. O primeiro, visa a confirmação da sentença de pronúncia dos irmãos Naves e de impronúncia da mãe dos réus, Ana Rosa. O segundo, objetiva a anulação do julgamento pelo júri popular; o terceiro, a condenação dos réus; o quarto, a redução da pena condenatória; e o quinto, objetiva a declaração de absolvição dos réus. Vejamos, então, os exemplos retirados desses cinco acórdãos: Negar provimento a sentença recorrida [...] (1º acórdão) Anular o julgamento [...] (2º acórdão) Dar provimento ao recurso para cassar a decisão do júri [...] (3º acórdão) Reduzir as penas do grau-sub-máximo [...] (4º acórdão) Julgando válido o processo, deferir o pedido – e absolvendo os réus [...] (5º acórdão) Nível 2: interação social: podemos pensar nas relações que envolvem as partes no processo, tais como os réus, o advogado, o procurador, os desembargadores, etc. Autos da Comarca de Araguari, n. 2525, em que são recorrentes o Dr. Promotor de J., Joaquim Naves Rosa e Sebastião José Naves e recorridos os mesmos e Ana Rosa Naves [...] (1º acórdão). Autos de revisão criminal nº. 480 da Comarca de Araguari, em que são impetrantes Sebastião José Naves e Joaquim Naves Rosa [...] (4º acórdão) Nível 3: formação sociodiscursiva: a dos pronunciamentos dos desembargadores que, no caso concreto, ocorreram em sessões de julgamento das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 24 Acórdão em Câmara Criminal, por uma de suas Turmas [...] (1º acórdão) Acórdão em Câmara Criminal [...] (2º acórdão) Interdiscurso: “outros discursos e gêneros aos quais esse pronunciamento pode ser relacionado” (PASSEGGI et al., 2010, p. 267). Um exemplo de interdiscurso é a citação que os desembargadores fizeram no acórdão de nº 20623 mencionando o Parecer emitido pelo Procurador. A decisão de anular o júri que tinha absolvido os irmãos Naves foi baseada nesse gênero, que é produzido pelo representante do Ministério Público. Acórdão em Câmara Criminal anular o julgamento, consoante o parecer [...] (2º acórdão) Socioleto: diz respeito à “variante da comunidade de fala [...], com características linguísticas (lexicais, fraseológicas, retóricas) identificáveis” (Ibid., 2010, p. 267). Na esfera jurídica, existem lexemas que são típicos desse campo de atuação, havendo, por exemplo, recorrência no uso de expressões em latim. A parte da denúncia que considera punível a cumplicidade post factum [...] (1º acórdão) Pouco importando que de jure constituendo [...] (1º acórdão) Com declaração do quantum e data do pagamento [...] (1º acórdão) Será liquidada no juízo cível, ex lege [...] (5º acórdão) Gênero: Segundo Passeggi et al. (2010, p. 266), “o gênero é o eixo da articulação discurso/texto”. O gênero objeto de nossa investigação diz respeito ao acórdão, decisão proferida por um conjunto de juízes quando provocados pelos jurisdicionados insatisfeitos com a decisão elaborada por um juiz singular. 25 Expostos os exemplos para explicar o nível discursivo, passemos para a dimensão textual, em que observamos os níveis 4, 5, 6, 7 e 8. Os níveis (N4) e (N5) correspondem às proposições, períodos, sequências e planos de texto que “remetem diretamente à textura/composicionalidade do texto, isto é, de forma ampla, à sua sequencialidade ou linearidade” (PASSEGGI et al. 2010, p. 267). Os níveis (N6), (N7) e (N8) referem-se às representações discursivas, responsabilidade enunciativa e valor ilocucionário, “são dimensões constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada enunciado elementar do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo semântico, um ponto de vista e um valor ilocucionário” (Ibid., 2010, p. 268). Como visto, texto e discurso para ATD são dimensões complementares de um mesmo plano de análise, do qual infere-se o texto como construção advinda de dimensão discursiva marcada por um intento a ser realizado segundo filtros de práticas sociais, o meio interfere na forma; com auxílio da formação social do agente a influenciar em sua linguagem (a ponto de implicar socioletos) quando da interação com seu leitor-ouvinte. Concordamos com Bernardino (2015, p. 30) quando afirma: “[...] o que a ATD vem propor é um avanço em direção ao tratamento do texto em seu funcionamento discursivo”. Assim, o procedimento analítico de Adam (2011) pode ser entendido como um avanço da LT em direção à compreensão de efeitos de sentido visados no/pelo discurso e, ao mesmo tempo, como a formulação de um novo paradigma teórico. Por fim, entendemos que o esquema reforça a necessidade de ampliação da forma como o texto é descrito e analisado, além de ressaltar a ideia de um planejamento prévio que reflita sua organização ao ser produzido. Ressaltamos, nesse ínterim, que merecem destaque para o nosso trabalho os níveis (N5) e (N7) que tratam da estrutura composicional (planos de texto) e enunciação (responsabilidade enunciativa). É sobre essas dimensões que direcionamos nossa investigação linguística do discurso jurídico no processo dos irmãos Naves. Ainda neste capítulo, abordamos a discussão sobre o plano de texto e a responsabilidade enunciativa. 1.1.1 Plano de texto Segundo Adam (2011, p. 257), “os planos de texto desempenham um papel fundamental na composição macrotextual do sentido”. Ainda para o autor (2011, p. 258), “os planos de texto estão, juntamente com os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimentos dos grupos sociais. 26 Eles permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global de um texto prescrita por um gênero”. Revisitando o autor, Cabral (2013, p. 244) assim explica: O plano de texto, ao explicitar a estrutura global do texto, a forma como os parágrafos se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto, pode fornecer os elementos necessários à compreensão e à produção, uma vez que, para a percepção/elaboração da estrutura global do texto, o leitor lança mão de seus conhecimentos linguístico e textual. Para Marquesi, Elias e Cabral (2017, p. 14): O planejamento de um texto, que precede a sua produção propriamente dita, é uma tarefa complexa que inclui duas etapas, uma delas intimamente ligada com o conceito de plano de texto: em primeiro lugar é necessário recuperar ideias na memória ou em fontes impressas ou digitais; depois é preciso organizar essas ideias. O fato é que as ideias que comporão o conteúdo de um texto não se encontram organizadas, exatamente como o produtor deseja. Por isso é importante organizá-las para a escrita pensando num plano textual que reflita aquilo que ele deseja dizer. É a partir dos gêneros disponíveis no sistema de conhecimento humano que reconhecemos a organização dos textos e identificamos estruturação do plano de texto que desempenha um papel fundamental na composição macrotextual dos sentidos. O plano de texto corresponde “à organização e disposição por ordem de blocos textuais – que podem ser parágrafos ou conjuntos de parágrafos, seções e subsecções, capítulos, etc., conforme o género de texto em causa” (COUTINHO, 2019, p. 46). Adam (2011, p. 258) destaca que existem dois tipos de plano de texto: o convencional e o ocasional. O convencional é “fixado pelo estado histórico de um gênero ou subgênero de discurso”, enquanto que o ocasional é “inesperado, deslocado em relação a um gênero ou subgênero de discurso”. Como exemplo de planos convencionais, que são estruturas mais fixas, o autor cita o plano oratório e o plano canônico da dissertação; enquanto plano ocasional, o autor lembra o corpo da carta. Nesse sentido, entendemos que o plano de texto é um conjunto organizado de enunciados, responsável pela estrutura composicional do texto que permite ao leitor/ouvinte a compreensão e interpretação da estrutura global do texto prescrita por um gênero. “A estrutura composicional global dos textos é inicialmente ordenada por um plano de texto, base de composição, e, geralmente, categorizável em termos de dominante sequencial” (ADAM, 2011, p. 278). 27 No que diz respeito ao plano de texto dos acórdãos objeto de nossa investigação, mostraremos em capítulo específico que eles apresentam certa variação. Como exemplo, podemos citar a ausência de relatório em dois dos cinco acórdãos analisados, elemento essencial que deve estar presente na decisão, segundo a norma jurídica brasileira. Por fim, mostraremos a seguir um esquema prototípico do plano de texto do acórdão, segundo o Código de Processo Civil (CPC):1 Figura 3 – Plano de texto do acórdão Fonte: A autora desta pesquisa. Registramos que o acórdão que mais se aproxima do esquema prototípico acima, dos cinco selecionados para análise, é o 5º acórdão, localizado no 3º volume dos autos, cuja matéria discorrida tratou da absolvição dos Naves, conforme se observará com detalhes no capítulo IV desta pesquisa. 1 Art. 943, § 1º, do CPC: “Todo acórdão conterá ementa”. Art. 489, I, do CPC: “O relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo”. Art. 931 do CPC: “Distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias, depois de elaborar o voto, restitui-los-á, com relatório, à secretaria”. Art. 205 do CPC: “Os despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes”. Cabeçalho Ementa (art. 943, § 1º, do CPC) Relatório (art. 489, I, do CPC) Acórdão Voto (art. 931 do CPC) Data/Assinatura (art. 205, do CPC) 28 1.1.2 Responsabilidade Enunciativa Os estudos dedicados ao fenômeno da responsabilidade enunciativa (RE) centram-se no questionamento sobre quem é o responsável por determinado enunciado, estando relacionados com as noções de polifonia, pois “quando um locutor fala, ele não se contenta em expressar suas próprias opiniões; ao contrário, ele faz ouvir diversas vozes, mais ou menos claramente identificadas, em relação às quais ele situa” (MAINGUENEAU, 2013, p. 163). Nesse cenário, é importante pontuar que a noção de RE não é consensual entre os estudiosos que se dedicam ao tema. Sobre isso, esclarecem Rodrigues et al. (2010, p. 153) que a noção de responsabilidade enunciativa não é consensual para os autores que se dedicam ao estudo. Para Culioli (1971, p. 4031) “toda enunciação supõe responsabilidade enunciativa do enunciado por um enunciador”, ou seja, assenta-se no critério de asserção. No entanto, para Nølke, Fløttum, Norén (2004) os proponentes da Teoria Escandinava da Polifonia Linguística – ScaPoline – assumir a responsabilidade enunciativa é ser fonte do enunciado, é estar na origem, é assumir a paternidade. Para Rabatel (2008a, p.21) (...) “o sujeito responsável pela referenciação do objeto exprime seu PDV tanto diretamente, por comentários explícitos, como indiretamente, pela referenciação, ou seja, através de seleção, combinação, atualização do material linguístico. De acordo Coltier, Dendale e De Branter (2009) “Antoine Culioli (1971) foi um dos primeiros linguistas a utilizar o termo “responsabilidade enunciativa”, que em francês significa prise en charge. Para os autores, a RE configura-se no discurso linguístico por meio das seguintes expressões: responsabilizar-se, responsabilização e suas extensões negativas: (não) responsabilizar-se, (não) responsabilização. “Os sentidos comuns do termo foram estendidos no âmbito da linguística enunciativa e ele passou a ser usado em diferentes quadros teóricos, a exemplo da teoria da polifonia, da teoria dos atos de fala, da teoria das operações enunciativas”. (GOMES, 2014, p. 66). Nølke, Fløttum, Norén (2004), afirmam que os pontos de vista são entidades semânticas compostas por uma fonte, um julgamento e um conteúdo. Destarte, assumir a responsabilidade enunciativa é ser a fonte da enunciação, é estar na origem, é assumir a paternidade. Os teóricos assentam que se deve fazer a pergunta: quem é o responsável por cada pdv e o “ser responsável”. Esta última significa “ser fonte de”. Passeggi el al (2010, p. 306) esclarecem bem essa noção quando afirmam que ‘ser responsável’ implica ter um pdv, porque todo pdv tem, entre seus componentes, uma fonte e ‘ser responsável’ é ser fonte”. 29 A responsabilidade enunciativa constitui-se como uma das principais noções e categorias da Análise Textual dos Discursos (ATD). Adam (2011) apresenta a noção de forma aberta, sinalizando a possibilidade de os estudos da RE estabelecerem diálogos com outros teóricos, a saber, Rabatel (2008, 2009) e Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014). Adam (2011) considera que a responsabilidade enunciativa é uma das dimensões da proposição-enunciado. Essa unidade mínima é conceituada como sendo “produto de um ato de enunciação: ela é enunciada por um enunciador inseparável de um coenunciador” (ADAM, 2011, p. 108, grifos do autor). Nesse sentido, o autor situa a responsabilidade enunciativa em um formato triangular que não simboliza hierarquização, conforme o esquema a seguir: Figura 4 – Dimensões da proposição-enunciado Fonte: Esquema 10 (ADAM, 2011, p. 111). Adam (2011, p. 109, grifos do autor) comenta as três dimensões descritas acima: Mesmo aparecendo isolado, um enunciado elementar, liga-se a um ou a vários outros e/ou convoca um ou vários outros em resposta ou como simples continuação. Essa condição de ligação é, em grande parte, determinada pelo que chamaremos orientação argumentativa (ORarg) do enunciado. As três dimensões complementares de toda proposição enunciada são: uma dimensão enunciativa [B] que se encarrega de representação construída verbalmente de um conteúdo referencial [A] e dá-lhe uma certa potencialidade argumentativa [ORarg] que lhe confere uma força ou valor ilocucionário [F] mais ou menos identificável. Entendemos que os enunciados não são isolados, pois há uma ligação entre a responsabilidade enunciativa, a representação discursiva e o valor ilocucionário. “Isso quer 30 dizer que a responsabilidade enunciativa possui uma conexão com o que foi dito anteriormente e com o que vai ser dito mais na frente. É, portanto, um vértice que se refere ao passado e ao futuro” (GOMES, 2014, p. 70). Adam (2011) apresenta oito categorias com escopo de caracterizar a responsabilidade enunciativa ou PDV. Nesse sentido, resgatamos o quadro de Passeggi et al. (2010, p. 300-301) para apresentar tais categorias: Quadro 1 - Grau de responsabilidade enunciativa: categorias e marcas linguísticas Ordem Categorias Marcas linguísticas 1 Índices de pessoas meu, teu/vosso, seu 2 Dêiticos espaciais e temporais Advérbios (ontem, amanhã, aqui, hoje) Grupos nominais (esta manhã abra esta porta) Grupos preposicionais (em dez minutos) Alguns determinantes (minha chegada) 3 Tempos verbais Oposição entre presente e o futuro do pretérito Oposição entre o presente e o par pretérito imperfeito e pretérito perfeito 4 Modalidades Modalidades sintático-semânticas maiores: Téticas (asserção e negação) Hipotéticas (real) Ficcional e Hipertéticas (exclamação) Modalidades objetivas Modalidades intersubjetivas Modalidades subjetivas Verbos e advérbios de opinião Lexemas afetivos, avaliativos e axiológicos 5 Diferentes tipos de representação da fala Discurso direto (DD) Discurso direto livre (DDL) Discurso indireto (DI) Discurso narrativizado (DN) Discurso indireto livre (DIL) 6 Indicações de quadros mediadores Marcadores como segundo, de acordo com e para Modalização por tempo verbal como o futuro do pretérito Escolha de um verbo de atribuição de fala como afirmam, parece Reformulações do tipo é, de fato, na verdade, e mesmo em todo caso Oposição de tipo alguns pensam (ou dizem) que X, nós pensamos (dizemos) que Y etc. 7 Fenômenos de modalização autonímica Não coincidência do discurso consigo mesmo (como se diz, para empregar um termo filosófico) Não coincidência entre as palavras e as coisas (por assim dizer, melhor dizendo, não encontro a palavra) Não coincidência das palavras com elas mesmas (no sentido etimológico, os dois sentidos do termo) Não coincidência interlocutiva (Como é a expressão? Como você costuma dizer) 31 8 Indicações de um suporte de percepções e de pensamentos Relatados Focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocar, experimentar) Focalização cognitiva (saber ou pensamento representado) Fonte: (PASSEGGI et al., 2010, p. 300-301). Ao versarem sobre o quadro acima, Passeggi et al. (2010, p. 301, grifos dos autores) assim explicam: As oito categorias sintetizadas no quadro acima permitem o estudo da responsabilidade enunciativa ou do PdV em suas várias formas de materialização. Entre essas diversas possibilidades, como, por exemplo, a descrição da responsabilidade enunciativa assumida pelo locutor narrador, Adam (2008a) exemplifica dois tipos de PDVs: (1) PdV anônimo da opinião comum introduzido por verbos discendi (verbos na terceira pessa do singular ou plural) e (2) quadro mediador (mediação epistêmica e mediação perceptiva – percepção). O PdV anônimo da opinião comum, que mostra o distanciamento do locutor narrador, circunscreve-se nas categorias 5 e 6 do quadro. Adam (2011, p.110) afirma que “a responsabilidade enunciativa ou ponto de vista (PdV)2 permite dar conta do desdobramento polifônico”. Nesse sentido, entendemos que Adam não separa a RE do PdV, reconhecendo que esses mecanismos são parte da polifonia. Significa dizer que em um enunciado por existir diversidade de vozes, permitindo que o locutor-narrador assuma a responsabilidade enunciativa ou escolha manter distanciamento das vozes presentes no quadro enunciativo, não se responsabilizando. A dimensão enunciativa, também denominada de ponto de vista, é de grande relevância para se compreender a responsabilidade enunciativa, considerando que em um enunciado podem existir diferentes pontos de vistas, múltiplas vozes e etc. Na concepção de Rabatel (2017, p. 111) “a responsabilidade enunciativa remete à esfera do locutor enunciador primeiro, que manifesta no e pelo discurso que o PDV expresso é o dele”. Resumindo, "a responsabilidade enunciativa concerne aos PDV de L1/E1" (Rabatel 2009, p.85). Para o autor: a responsabilidade é, também, de pleno direito, uma noção linguística, e não somente filosófica, moral, ética, jurídica ou política. Certamente, a responsabilidade pode ser questionada a partir das escolhas lexicais, mas seu verdadeiro domínio é o texto. A responsabilidade linguística, que se pode ainda chamar de responsabilidade enunciativa, porque é pelos enunciadores que as coisas se passam, ainda que a língua seja em parte social, encontra plenamente sua pertinência no nível do texto, através de todos os aspectos que concernem à sua gestão, à construção do mundo, à escolha dos quadros de análise, à seleção dos elementos (entre os quais, as fontes), à apresentação dessas últimas, etc (RABATEL, 2017, p. 134). 2 Adam (2011) utiliza a sigla PdV e Rabatel (2016) PDV. 32 Ponto de vista (PDV) 3 e responsabilidade enunciativa estão intimamente ligados, pois não existe responsabilidade enunciativa sem ponto de vista. Nessa temática, focalizamos nos estudos de Rabatel (2016, p. 71), pois “analisar um ponto de vista é recuperar de uma parte os contornos de seu conteúdo proposicional e, de outra, sua fonte enunciativa, inclusive quando esta é implícita, a partir do modo de atribuição dos referentes e dos agenciamentos das frases em um texto”. Nesse sentido, uma abordagem acerca do PDV implica esclarecimentos sobre quem é a fonte enunciativa do conteúdo proposicional. Para esse entendimento, é preciso distinguir dois termos importantes para o tratamento do PDV, que são os de “locutor” e de “enunciador”. A propósito, convém esclarecer que há divergências sobre as definições dos referidos termos para Guentchéva (1994, 1996), Adam (2011) e Rabatel (2016). De acordo com Guentchéva (1994, 1996), enunciou é enunciador, independentemente de estar na fonte, de ser responsável pelo conteúdo proposicional veiculado. A autora parte do quadro mediativo da língua búlgara e, assim, explica: “o termo mediativo designa uma categoria gramatical que, em línguas tipologicamente distantes, tem por função marcar a atitude de distanciamento ou de não engajamento que o enunciador manifesta em relação aos fatos que ele apresenta” (GUENTCHÉVA, 1994, p. 139). Continuando, Rodrigues (2017, p. 302) aduz que “a autora considera que ser enunciador não implica estar na fonte, tendo em vista que o enunciador pode manifestar diversos graus de distância em relação ao que ele enuncia, ou seja, significa que, não necessariamente, haverá engajamento do enunciador”. Em linhas gerais, o quadro mediativo permite ao interlocutor saber se o enunciador é ou não responsável pelo seu dizer. Além disso, permite ao enunciador revelar os diferentes graus de distâncias que ele toma em determinada situação. Diferentemente de Guentchéva (1994, 1996), Rabatel (2016, p. 82), considera que: Locutor é a instância que profere um enunciado (nas dimensões fonéticas e fáticas ou escriturais), conforme um posicionamento dêitico ou um posicionamento independente de ego, hic et nunc. Se todo locutor é um enunciador, todo enunciador não é, necessariamente, locutor, o que leva a dizer que um locutor pode, em seu discurso, ecoar em vários centros de perspectivas modais, mais ou menos saturados semanticamente. Para nosso estudo, seguimos a distinção feita por Ducrot (1984) apud Rabatel (2009, p.71), quando afirma que “o locutor é o produtor físico do enunciado e o enunciador é a 3 Optamos pela grafia PDV, com letras maiúsculas, na forma usada por Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017). 33 instância que se encontra na origem do PDV (ponto de vista), que não se exprime, necessariamente, por palavras”. Nessa perspectiva, Rabatel defende que o PDV “antes de ser um conceito linguístico, é primeiramente, uma postura cognitiva e psicossocial, que leva o indivíduo a se colocar no lugar do outro, para poder melhor retornar ao seu, e até poder melhor construir um ponto de vista comum” (RABATEL, 2016, p. 29). Adam (2011) aborda a noção de locutor e enunciador semelhante à de Rabatel (2009, 2016), para quem locutor é a pessoa física que fala, e o enunciador possui o papel de ser responsável pelo enunciado, divergindo da posição de Guentchéva (1994, 1996), pois para ela, conforme dito, o enunciador indica de forma explícita que não é a fonte primeira da informação. A seguir, apresentamos a síntese feita por Soares (2017) acerca das definições rabatelianas sobre o par locutor/enunciador: Figura 5 – Instâncias enunciativas Fonte: Soares (2017, p. 135). Rabatel (2009) se afasta das teses de Ducrot, na medida em que afirma que um enunciador pode ser responsável por um ponto de vista sem ser autor da fala, uma vez que, para Ducrot (1984 apud Rodrigues et al. 2010, p. 307), “assumir a responsabilidade enunciativa é falar, é dizer”. Consoante Rabatel: 34 Todo enunciado pressupõe uma instância que assume a responsabilidade enunciativa do que, seguindo-se os quadros de referência, é chamado o dictum, a lexia, o conteúdo proposicional, a predicação, segundo o esquema mínimo de enunciação “EU DIGO (‘o que é dito’)”. Para além das diferenças de denominação, a instância que assume a responsabilidade enunciativa um enunciado monológico é a que está na fonte do processo de produção do enunciado. Em um enunciado como “eu não gosto dessas questões de responsabilidade enunciativa”, eu é a fonte e o validador, isto é, aquele que confirma a veracidade do conteúdo proposicional (RABATEL, 2016, p. 88, grifos do autor). Importa ressaltar, ainda, que pode haver coincidência entre as instâncias do locutor e do enunciador. Nesse caso, estamos diante de um sincretismo, e, portanto, engajamento do locutor. Além do mais, “são inúmeras as possibilidades de construção dos textos, tendo em vista um locutor poder convocar para seus enunciados a voz de enunciadores outros e até mesmo de outros locutores. Nessa direção, lembramos que há locutores enunciadores segundos (l2/e2), que há locutores segundos (l2) e que há enunciadores segundos (e2)” (RODRIGUES, 2017, p. 301). A distinção entre locutor e enunciador é importante para se ter clareza sobre quem é o responsável pelo que está sendo enunciado. Desse modo, seguimos Rabatel (2009, 2016) quando explica que a ocorrência da responsabilidade enunciativa (prise en charge – PEC4) é identificável quando o locutor enunciador primeiro (L1/E1)5 assume os conteúdos proposicionais porque ele os julga verdadeiros. Para os casos em que L1/E1 atribui os conteúdos proposicionais a um enunciador segundo, mesmo que ele não tenha dito nada, Rabatel denomina de imputação. Uma outra questão relevante que merece destaque na teoria de Rabatel (2009, 2016) é noção de “quase-RE”, para os casos de imputação do PDV a um enunciador segundo, com posicionamento de L1/E1. Rabatel (2016, p. 88) expõe que as aspas indicam que essa RE não é propriamente uma responsabilidade enunciativa, “mas que ela é, no entanto, necessária para que L1/E1 possa, em seguida, ser determinado, relativamente a esse PDV”. Trata-se de uma responsabilidade enunciativa limitada. Com efeito, embora seja limitada, essa “quase-RE” é essencial nos “casos em que L1/E1 está de acordo com e2, assim como nos casos de desacordo, uma vez que esse último só é posto em relação a outro PDV”. 4 Rabatel utiliza o termo PEC, para responsabilidade enunciativa, e Quasi PEC, para quase-responsabilização. Assim, no português teríamos o equivalente a RE (responsabilidade enunciativa) e quase-RE (quase responsabilização). 5 “Notaremos pela maiúscula L, seguida do algarismo 1, o locutor/enunciador primário, que corresponde ao principal. A barra obliqua simboliza o sincretismo de L1 e E1. Em situação dialogal, o alter ego de L1 é notado por uma maiúscula, seguida o algarismo 2, ou 3, em caso de triálogo (e assim por diante, em caso de plurilogos), e cada sincretismo é notado L2/E2 etc” (RABATEL, 2016, p. 86, grifos do autor). 35 Dessa maneira, entendemos que as noções de acordo, desacordo e neutralidade só fazem sentido diante da noção de imputação. Rodrigues (2010, p.12) preleciona que “a observação da assunção da responsabilidade enunciativa nem sempre é observável apenas pelo conteúdo proposicional, mas também a partir das relações dialógicas entre os enunciados, ou seja, quando L1/E1 se subsidia ou, às vezes, se apropria de enunciados de e2”. Como se pode ver, quando L1/E1 assume por conta própria os conteúdos proposicionais do PDV que ele julga verdadeiro, ocorre o fenômeno da responsabilidade enunciativa. Por sua vez, quando L1/E1 atribui os conteúdos proposicionais a um enunciador segundo (e2), ocorre uma “quase-RE”. “É esta “quase-RE”, imputada a e2, que permite em seguida que L1/E1 se posicione em relação à posição enunciativa de e2”. (RABATEL, 2009, p. 73). É nessa compreensão que Rodrigues e Passeggi (2016, p. 261) apresentam a tríade que ancora os estudos da responsabilidade enunciativa em forma de escala. Nessa abordagem, consta primeiramente a assunção da responsabilidade enunciativa; depois, a quase- responsabilidade enunciativa; e, também, a não assunção da responsabilidade enunciativa. Por fim, convém apresentar o quadro elaborado por Lourenço (2015), com base em Rabatel, no qual destaca a diferença entre responsabilidade enunciativa e imputação. Quadro 2 - Responsabilidade Enunciativa e imputação R E S P O N S A B I L I D A D E E A RE compreende a responsabilidade de L1/E1 na expressão de seu PDV. A responsabilidade apoia-se nos PDV que são imputados por L1/E1 a e2 (L1/E1 especifica se ele não concorda com o PDV imputado, se ele o considera sem tomar partido explicitamente ou se ele está de acordo com o PDV). 2.1 Quando o L1/E1 opera uma não RE, ele se distancia de um PDV imputado a outrem. 2.2 Quando L1/E1 reproduz o PDV de um enunciador intradiscursivo sem se distanciar, convém distinguir as imputações com intenção informativa e as que têm intenção argumentativa. 2.2.1 Intenção informativa – a “neutralidade” pode ser analisada primeiramente como reconhecimento: esse contém a verdade da relação da informação sem que seja necessário que L1/E1 se engaje sobre a verdade do conteúdo proposicional relatado. (casos: o policial que redige uma simples declaração ou um processo verbal e o jornalista que comunica declarações fazem apenas redigir um PDV, o que não significa que eles acreditem nessas declarações). a) Pedro disse que X é um Y b) A astrologia é uma ciência 36 N U N C I A T I V A E I M P U T A Ç Ã O 2.2.2 Intenção argumentativa – L1/E1 se utiliza da informação por conta própria, com uma RE indireta, implícita. Nesse caso, é o contexto que indica se é preciso escolher o acordo ou o desacordo. Ex.: No que diz respeito ao ensino, todo mundo se combina para dizer que existe um desacordo entre as minhas proposições e as de Ségolène Royal. 2.3 Um grau suplementar na expressão da RE por L1/E1 corresponde ao acordo explícito com o PDV de e2. Duas hipóteses se apresentam: 1) L1/E1 dizendo seu acordo com a esfera de outro (2e); 2) o acordo emergido como uma coconstrução. Essa RE corresponde a uma coenunciação, enquanto coprodução de um PDV único e dividido, os dois locutores formando apenas um único enunciador. (se não contestamos o fato de que a RE refere-se a L1/E1, questionamos que podemos pensar que isso seja toda a problemática. É por isso que propomos levar em consideração o conceito de “quase-RE” para os segundos enunciadores, nos quais podemos imputar os PDV, já que eles não disseram nada). E.: Pedro disse que X é um Y, e estou totalmente de acordo como ele, X é realmente um Y. Fonte: Lourenço (2015, p. 56). Como vemos, na acepção de Rabatel (2009), o locutor pode ou não assumir a responsabilidade enunciativa ou imputar o dito a enunciadores segundos. Esse locutor também pode reproduzir um PDV sem se distanciar da enunciação, optando por uma imputação com intenção informativa ou argumentativa. No entendimento de Rabatel, o caráter polifônico da linguagem exige do leitor a identificação de quem fala, ou melhor dizendo, de quem se responsabiliza pelo conteúdo proposicional veiculado no enunciado. Para explicar o dialogismo que se apresenta em cenas enunciativas, Rabatel (2016, p. 89) demonstra os seguintes exemplos: (7) Pedro disse que não gosta dessas questões de responsabilidade enunciativa. Rabatel esclarece que Pedro é locutor segundo e validador da fala, sem que se saiba o que pensa L1/E1 a respeito do que foi enunciado. Já no exemplo seguinte, Rabatel explica que o L1/E1 valida, por sua conta, a relação predicativa subordinada. Vejamos: (8) Pedro disse que não gosta dessas questões de responsabilidade enunciativa. Sou de acordo! 37 No caso acima, L1/E1 assume explicitamente a responsabilidade enunciativa da fala relatada por meio de sua manifestação de acordo com o que foi enunciado. O PDV de L1/E1 é expresso pela assimilação do conteúdo, conforme discorre Rabatel (2005, p. 59): “um PDV corresponde a um conteúdo proposicional remetendo a um enunciador ao qual o locutor ‘se assimila’ ou ao contrário, se distancia”. Dos estudos sobre PDV, podemos afirmar que as escolhas lexicais feitas pelo locutor nos permitem identificar o ponto de vista do enunciador. Dessa forma, o PDV “resulta do agenciamento de perspectivas que se manifestam no texto por procedimentos variados a depender do gênero, do estilo do autor, da visibilidade que se quer dar a um ou outro enunciador, a um ou outro ponto de vista, ou simplesmente: da orientação argumentativa do texto” (CORTEZ, 2011, p. 39). Propondo uma visão geral sobre o ponto de vista, no plano de suas dimensões antropológicas e no plano de mecanismos linguísticos, Rabatel (2016, p. 30) sustenta que “o PDV se define pelos meios linguísticos pelos quais um sujeito considera um objeto, em todos os sentidos do termo considerar, quer o sujeito singular ou coletivo”. Referindo-se a esse objeto, o autor explica que pode ser um personagem, uma situação, uma noção ou um acontecimento. Assim, o sujeito responsável pela referenciação do objeto exprime seu PDV, que pode ser por comentários explícitos ou pela referenciação, ou seja, pelas escolhas de seleção, de combinação, de atualização do material linguístico. Nessa compreensão, Rabatel (2016, p.165), classifica os PDV em: (1) Ponto de vista representado, (2) Ponto de vista narrado e (3) Ponto de vista assertado: 1) Ponto de vista representado, dando às percepções pessoais (e aos pensamentos associados) o modo objetivante das descrições aparentemente objetivas, uma vez que o leitor encontra-se diante das “frases sem fala” [...] 2) Ponto de vista narrado, ocultando igualmente, as falas pessoais, mascarando estas últimas por trás de uma narração tão objetiva quanto possível [...] 3) À primeira vista, o primeiro ponto assertado escapa a essa problemática, visto que se apoia, explicitamente, em ato de fala, em julgamentos mais ou menos construí dos que remetem, explicitamente, a uma origem enunciativa identificável. Relativamente ao ponto de vista representado, Rabatel (2016, p. 122) explica que o fenômeno linguístico ocorre porque a percepção de determinado objeto apresenta-se representada no enunciado. Esse ponto de vista é apreendido das relações sintáticas e semânticas entre um sujeito perceptivo (o focalizar ou enunciador), um processo de percepção e um objeto percebido (o focalizado). 38 Rabatel (2003, p. 4) expõe que um PDV, ou percepção representada, resulta da copresença de diversas marcas textuais. Observemos: um processo de aspectualização, em que o focalizador é detalhado em diferentes aspectos de sua percepção inicial predicada ao comentar certas características; na oposição entre os primeiros e os segundos planos do texto, a qual é suscetível de permitir um tipo de abandono enunciativo inerente ao focalizador, já que os segundos planos constroem a posição do PDV; na presença das formas de visão deturpada em que vários valores textuais servem de expressão subjetiva das percepções; em uma relação semântica retomando a anáfora associativa (quase sempre de natureza anafórica) entre as percepções representadas nos últimos planos e a percepção predicada nos primeiros planos. Rabatel (2016, p. 123, grifos do autor) apresenta o exemplo a seguir para ilustrar o ponto de vista representado: (1) P1 Rovère detalhou longamente as pernas. P2 As de uma mulher, provavelmente bastante jovem, a julgar pelo molde da coxa, da panturrilha, que a putrefação não havia ainda apagado. P3 Tatuzinhos, percevejos e baratas haviam-se infiltrado sob a seda das meias e fervilhavam em placas ondulantes. O autor elucida que o exemplo acima corresponde a percepções e pensamentos representados que constroem um sujeito de consciência. Rovère é o sujeito que inspeciona o cadáver e faz uso da expressão “fervilhavam” no momento em que tem contato com o cadáver. Embora os insetos fervilhassem antes de Rovère inspecionar o corpo, o leitor só toma conhecimento da existência desse processo no instante em que ele passa pelo “filtro perceptivo” do focalizador, o que demonstra um valor subjetivo. Além disso, o comentário sobre a silhueta da coxa é a inferência do observador sobre a juventude da vítima através das expressões “provavelmente” e “a julgar por”. Sobre o ponto de vista narrado, Rabatel (2004, p.34) assevera que ele “relata acontecimentos após a perspectiva do ator do enunciado, sem ir até a paralização enunciativa com as percepções representadas, uma vez que não há nele, segundo plano”. Nessa ótica, Lourenço (2015, p. 52) esclarece que “no PDV narrado, a ênfase recai sobre determinado personagem, passando os fatos a serem narrados sob sua perspectiva. Ocorre que, como é o narrador que expõe a perspectiva do personagem, a subjetividade do focalizador vê-se reduzida, uma vez que a debreagem enunciativa se dá em nível intermediário”. Deste modo, o ponto de vista narrado não pode ser confundido com as falas proferidas pelo narrador, “pois, a partir do momento em que o centro de perspectiva sai da atividade de narração strito sensu e ele se põe a falar, que se trate de comentários explícitos do narrador ou 39 de enunciados em discurso direto dos personagens, o PDV muda de natureza” (RABATEL, 2016, p. 153). Nesse caso, autor
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