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Gêneros discursivos jurídicos - LIMA - 2020 - Dissertação UFRN

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
DEPARTAMENTO DE LETRAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM 
 
 
 
 
 
DÂNGELA MACÊDO DE LIMA 
 
 
 
 
 
“GRAÇAS A DEUS TE ENCONTREI PARA PROVAR MINHA INOCÊNCIA”: 
RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS ACÓRDÃOS DO PROCESSO-CRIME 
DOS IRMÃOS NAVES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2020
 
DÂNGELA MACÊDO DE LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
“GRAÇAS A DEUS TE ENCONTREI PARA PROVAR MINHA INOCÊNCIA”: 
RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS ACÓRDÃOS DO PROCESSO-CRIME 
DOS IRMÃOS NAVES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em 
Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte, vinculada ao eixo temático Estudos 
Linguísticos do Texto, como requisito para a obtenção do 
título de Mestra em Estudos da Linguagem. 
 
Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2020 
Lima, Dangela Macedo de.
 "Graças a Deus te encontrei para provar minha inocência":
Responsabilidade Enunciativa nos acórdãos do processo-crime dos
irmãos Naves / Dangela Macedo de Lima. - Natal, 2020.
 153f.: il. Color.
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Programa de Pós - Graduação em Estudos da Linguagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.
 Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues.
 1. Análise Textual dos Discursos - Dissertação. 2. Teoria do
Ponto de Vista - Dissertação. 3. Direito Penal - Dissertação. I.
Rodrigues, Maria das Graças Soares. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'42
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710
3 
 
DÂNGELA MACÊDO DE LIMA 
 
 
 
 
 
 
“GRAÇAS A DEUS TE ENCONTREI PARA PROVAR MINHA INOCÊNCIA”: 
RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS ACÓRDÃOS DO PROCESSO-CRIME 
DOS IRMÃOS NAVES 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
_______________________________________________________ 
Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues – UFRN 
Orientadora e Presidente 
 
______________________________________________________ 
Profa. Dra. Célia Maria de Medeiros - UFRN 
Examinadora externa ao Programa 
 
______________________________________________________ 
Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros -UFRN 
Examinador externo ao Programa 
 
___________________________________________________ 
Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz - UERN 
Examinadora externa à instituição 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL-RN 
2020 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico esta dissertação à minha grande amiga Thamara Alice (In memoriam). 
Por que você foi embora tão cedo? 
 
5 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A Deus, por ter me consolado nos muitos dias sombrios. 
 
À minha mãe, que sempre lutou para nunca faltar o pão em nossa casa. Que orgulho dessa mulher incrível! 
Eu te amo. Ao meu pai, ao meu irmão, à minha cunhada e ao pequeno Davi. Eu continuo por vocês. 
 
À minha vó, Eliza Borges de Carvalho (In memoriam), mulher forte que viveu tempos duros e de muita falta, 
mas não desistiu de olhar para o futuro com esperança. 
 
À minha amiga Maria das Vitórias Medeiros, que segurou minha mão em um dos momentos mais 
conturbados de minha vida. Nossa amizade ultrapassou os limites da academia e se fortaleceu. Obrigada por 
sua amizade. Ela é herança boa da vida. 
 
À minha orientadora, Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues, que me mostrou a interface entre a Linguagem 
e o Direito e, com carinho e entusiasmo, me recebeu no grupo de pesquisa ATD ainda como aluna-ouvinte. 
 
À querida e estimada professora Dra. Célia Medeiros, o seu apoio foi fundamental no desenvolvimento desta 
pesquisa. Obrigada pelo carinho, você é iluminada. 
 
À banca de defesa formada pelos professores Dra. Célia Maria de Medeiros, Dra. Maria Eliete de Queiroz e 
Dr. Mário Lourenço de Medeiros. 
 
Aos Professores Dr. João Neto, Dr. Luis Passeggi, Dra Emiliana Souza, Dr. Ananias Agostinho, Dra. Maria 
das Vitórias Nunes, Dra. Sulemi Fabiano, Dr. José Romerito e Dr. Daniel Vanderveken (In memoriam). 
 
Ao meu amigo Mailson pelo excelente trabalho de revisão textual. 
 
Aos meus colegas do grupo de pesquisa ATD, Nouraide, Fernanda, Alana, Niete, Madson, Leonildo, Eunice, 
Cláudia, Hális e Lindemberg. 
 
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da 
Linguagem. 
 
Minha profunda gratidão. 
 
 
 
 
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Traumas 
 
Meu pai um dia me falou 
Pra que eu nunca mentisse 
Mas ele também se esqueceu 
De me dizer a verdade 
Da realidade do mundo 
Que eu ia saber 
Dos traumas que a gente só sente 
Depois de crescer [...] 
(Erasmos Carlos/Roberto Carlos, 1971) 
7 
 
RESUMO 
 
Nesta dissertação de mestrado, investigamos o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa no 
gênero discursivo textual jurídico acórdão do processo-crime dos irmãos Naves, considerado 
como um dos maiores erros do Judiciário brasileiro. Para isso, apoiamo-nos principalmente nos 
constructos teóricos de Jean-Michel Adam (2011), quanto à Responsabilidade Enunciativa, que 
se ancora na teoria do Ponto de Vista e na Responsabilidade Enunciativa proposta por Rabatel 
(2005, 2009, 2016, 2017), na Mediatividade de Guentchéva (1996, 2011, 2014), estabelecendo 
diálogo com os estudos de Passeggi et al. (2010), Rodrigues, Silva Neto e Passeggi (2010) e 
Rodrigues (2016, 2016a, 2017). Nesse sentido, propusemos como objetivo geral investigar 
como se materializa o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa no gênero jurídico acórdão 
do processo-crime dos irmãos Naves (1937), e, objetivos específicos identificar, descrever e 
interpretar a estrutura configuracional do plano de texto dos 5 (cinco) acórdãos proferidos no 
processo-crime dos irmãos Naves, assim como as vozes e os pontos de vistas que os 
desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mobilizaram para dar ou negar 
provimento aos recursos interpostos e, por fim, as marcas linguísticas que assinalam a (não) 
assunção da responsabilidade enunciativa nos acórdãos. Do ponto de vista metodológico, a 
pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo documental, na qual elegemos como corpus cinco 
acórdãos criminais proferidos pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos anos de 1938, 
1939, 1940 e 1953. O processo judicial foi coletado na página eletrônica do Museu do Judiciário 
Mineiro (MEJUD). A análise dos dados da pesquisa demonstra que, nos acórdãos, a estrutura 
composicional apresenta variação, uma vez que dois dos cinco acórdãos revelam um plano de 
texto ocasional e os demais se mostram fixos. Estes, por sua vez, apresentam um plano que 
compõe a tríade: relatório, fundamentação e dispositivo, conforme orienta o ordenamento 
jurídico. No que concerne à responsabilidade enunciativa, observamos que os desembargadores 
(L1/E1), na maioria dos exemplos analisados, assumem uma responsabilidade limitada, 
denominada de “quase-RE” (RABATEL, 2009, 2016), evidenciada pelo uso de diferentes 
marcas linguísticas, destacando-se as modalidades e os diferentes tipos de representação da fala 
(ADAM, 2011). Outrossim, constatamos que os desembargadores evocam múltiplas vozes para 
os acórdãos, demonstrando posicionamentos de acordo, desacordo e “neutralidade” sobre o 
conteúdo proposicional veiculado pelos
enunciadores segundos (e2), a saber: as confissões, os 
testemunhos, a denúncia, o parecer, os artigos de lei, entre outras, em prol da visada 
argumentativa. 
 
Palavras-chave: Análise textual dos discursos. Teoria do ponto de vista. Direito penal. 
Processo penal. Acórdão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
ABSTRACT 
In this Master’s thesis, we investigate the phenomenon of Enunciative Responsibility in the 
discursive textual genre court ruling in the Naves brothers’ criminal trial, considered one of the 
greatest errors of the Brazilian justice system. For this investigation, we rely mainly on the 
theoretical constructs of Jean-Michel Adam (2011), with regard to Enunciative Responsibility, 
which is based on the theory of Point of View, and Enunciative Responsibility, proposed by Rabatel 
(2005, 2009, 2016, 2017), also on Guentchéva’s concept of Mediativity (1996, 2011, 2014), and 
these in dialogue with the studies of Passegi et al. (2010), Rodrigues, Silva Neto and Passeggi 
(2010), and, finally Rodrigues (2016, 2016ª, 2017). Given this framework, our general objective is 
to investigate how the phenomenon of Enunciative Responsibility in the genre, court ruling of the 
Naves brothers’ criminal trial (1937), is materialized. Our specific objectives are to identify, 
describe and interpret the configurational structure of the text plan of the 5 (five) rulings proffered 
in the Naves brothers’ criminal trial, as well as the voices, and the points of view that the Justice 
Tribunal judges of Minas Gerais mobilize to uphold or negate the rectification of the decision 
rendered and, finally, the linguistic marks that assign the (non) assumption of enunciative 
responsibility in the rulings. The methodology of the research is characterized as qualitative and 
documentary of our selected corpus of five criminal rulings presented by the Justice Tribunal of 
Minas Gerais, in the years: 1938, 1939, 1940 and 1953. The court proceedings were collected on 
the web page of the Justice Museum of Minas – MEJUD (acronym in Portuguese). The analysis of 
the research data demonstrates that, in the rulings, the compositional structure presents variation, 
given that two of the five rulings are found to possess occasional text plans, while the others are 
shown to be fixed, and these comprising a triad plan: report, foundation and device, according to 
the court order. With regard to the enunciative responsibility, we observe that the judges (S1/E1) in 
the majority of the examples analyzed, assumes a limited responsibility, denominated “almost-ER” 
(RABATEL, 2009, 2016), evidenced by the use of different linguistic marks, highlighting the 
modalities, and the different types of representation of speech (ADAM, 2011). On the other hand, 
we found that the judges evoked multiple voices for the rulings, demonstrating stances in 
agreement, disagreement and “neutrality” about the propositional content driven by the secondary 
enunciators (e2), which are: the confessions, the testimonies, the complaint, the court report, the 
articles of law, among others that also favor the targeted argumentative thrust. 
Keywords: Textual Discourse Analysis. Theory of point of view. Criminal Law. Criminal 
Prosecution. Rulings. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 – Análise dos discursos........................................................................................20 
Figura 2 – Níveis ou planos de análise de discurso............................................................22 
Figura 3 – Plano de texto do acórdão..................................................................................27 
Figura 4 – Dimensões da proposição-enunciado................................................................29 
Figura 5 – Instâncias enunciativas......................................................................................33 
Figura 6 – Etapas do procedimento penal comum..............................................................46 
Figura 7 – O reencontro de Sebastião com Benedito..........................................................67 
Figura 8 – Capa da 1ª edição do livro.................................................................................69 
Figura 9 – Roteiro do filme.................................................................................................70 
Figura 10 – Raul Cortez em cena de tortura.......................................................................70 
Figura 11 – Programa Linha Direta....................................................................................71 
Figura 12 – Canção Erro Judiciário....................................................................................71 
Figura 13 – Peça de teatro...................................................................................................72 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS 
 
Quadro 1 - Grau de responsabilidade enunciativa: categorias e marcas linguísticas...........30 
Quadro 2 - Responsabilidade Enunciativa e imputação.......................................................35 
Quadro 3 - Produtores e receptores dos gêneros discursivos textuais jurídicos..................52 
Quadro 4 - Descrição dos acórdãos do processo-crime dos irmãos Naves..........................60 
Quadro 5 - Resumo dos principais acontecimentos com os Naves......................................68 
Quadro 6 - 1º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1938)...................................77 
Quadro 7 - Plano de texto do acórdão nº 2525 do processo dos Naves...............................78 
Quadro 8 - 2º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1938)...................................83 
Quadro 9 - Plano de texto do acórdão nº 20623 do processo dos Naves.............................83 
Quadro 10 - 3º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1939).................................87 
Quadro 11 - Plano de texto do acórdão nº 21.063 do processo dos Naves..........................88 
Quadro 12 - 4º acórdão do processo-crime dos irmãos Naves (1940).................................96 
Quadro 13 – Plano de texto do acórdão nº 480 do processo dos Naves..............................97 
Quadro 14 - Plano de texto do acórdão nº 1.632 do processo dos Naves..........................101 
Quadro 15 - Síntese descritiva dos planos de texto dos acórdãos......................................103 
Quadro 16 – Posicionamentos enunciativos de L1/E1.......................................................111 
Quadro 17 – PDV de L1/E1 acerca dos réus, dos atos processuais e do processo............114 
Gráfico 1 – Quantidade de vozes evocadas por L1/E1......................................................118 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
ATD 
AD 
HC 
CPC 
CPP 
CF 
Quase-RE 
L1/E1 
e2 
MED 
MEJUD 
RE 
PdV 
PDV 
 
 
 
 
 
Análise Textual dos Discursos 
Análise de Discurso 
Habeas Corpus 
Código de Processo Civil 
Código de Processo Penal 
Constituição Federal 
Quase responsabilidade enunciativa 
Locutor/enunciador primeiro 
Enunciador segundo 
Mediativo 
Museu do Judiciário Mineiro 
Responsabilidade Enunciativa 
Ponto de vista – sigla usada por Adam (2011 [2008]) 
Ponto de vista – sigla usada por Rabatel (2004, 2008, 2009) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13 
CAPÍTULO I – QUADRO TEÓRICO ............................................................................. 19 
1.1 Análise Textual dos Discursos (ATD) .......................................................................... 19 
1.1.1 Plano de texto ............................................................................................................
25 
1.1.2 Responsabilidade Enunciativa .................................................................................. 28 
1.2 Mediatividade ............................................................................................................... 39 
CAPÍTULO II – GÊNEROS DISCURSIVOS TEXTUAIS NA ESFERA JURÍDICA ... 42 
2.1 Gêneros discursivos textuais: definição e caracterização ........................................... 42 
2.2 Gêneros da esfera do Direito Penal e Processual Penal .............................................. 47 
2.3 Gênero discursivo textual jurídico acórdão ................................................................ 53 
CAPÍTULO III – METODOLOGIA ................................................................................ 57 
3.1 Procedimentos metodológicos ...................................................................................... 58 
3.2 Escolha e descrição do corpus ...................................................................................... 58 
3.3 Procedimentos de análise ............................................................................................. 61 
3.4 Contextualização do corpus da pesquisa ..................................................................... 62 
3.4.1 O desaparecimento de Benedito Pereira Caetano ......................................................... 62 
3.4.2 O inquérito policial...................................................................................................... 63 
3.4.3 Os julgamentos ............................................................................................................ 64 
3.4.4 O reaparecimento do “morto vivo” .............................................................................. 65 
3.4.5 Irmãos Naves: a história contada ................................................................................. 68 
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................... 74 
4.1 Plano de texto e Responsabilidade enunciativa ........................................................... 74 
4.1.1 Acórdão 2525 .............................................................................................................. 74 
4.1.2 Acórdão 20623 ............................................................................................................ 82 
4.1.3 Acórdão 21.063 ........................................................................................................... 86 
4.1.4 Acórdão 480 ................................................................................................................ 96 
4.1.5 Acórdão 1.632 ........................................................................................................... 101 
CONCLUSÕES ................................................................................................................ 117 
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 121 
ANEXOS .......................................................................................................................... 129 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
“A história dos abusos do poder é a história da glorificação de todas as misérias”. A 
máxima de Rui Barbosa é pertinente quando nos deparamos com processos jurídicos que 
relevam o Direito como instrumento de injustiça, como o trágico acontecimento que vitimou 
dois irmãos trabalhadores no interior de Minas Gerais, torturados para confessar um crime que 
não aconteceu. A cidade de Araguari, na década de 1930, é o cenário de um dos maiores erros 
do Judiciário brasileiro: “o caso dos irmãos Naves”. 
Sebastião e Joaquim Naves foram condenados a 25 anos e 6 meses de prisão pelo 
cometimento de um crime que sequer existiu. A acusação os apontou como os principais 
suspeitos de assassinarem o primo, Benedito Pereira Caetano, em razão da cifra de 90 contos, 
quarenta e oito mil e quinhentos réis (90:048$500), obtidos por meio de negócios da venda de 
cereais na região do Triângulo Mineiro. 
Uma sucessão de equívocos judiciais e de abusos da atividade estatal do regime 
autoritário de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, assolou a vida de dois inocentes. O 
Tribunal do Júri tinha absolvido os réus por duas ocasiões. Naquela época, a decisão do júri 
popular não era soberana, assim, o Ministério Público recorreu do veredito e o Tribunal de 
Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) cassou a decisão absolutória. 
Esse ato terminou por condenar os acusados mesmo sem prova de materialidade delitiva. 
Em outras palavras, mesmo sem haver um cadáver para comprovar um homicídio e, pior ainda, 
tomando por fundamento apenas a confissão extrajudicial obtida por meio da tortura, os irmãos 
Naves foram condenados. 
Após os réus cumprirem parte da pena e um deles falecer, Benedito reapareceu na cidade 
de Araguari alegando que não sabia que os irmãos Naves tinham sido presos em razão de seu 
suposto assassinato. Depois do ressurgimento da pretensa vítima, Sebastião José Naves e 
Antônia Rita de Jesus, viúva de Joaquim Naves, ingressaram na justiça com pedido de anulação 
da condenação. 
Considerada essa breve contextualização histórica, pontuamos que a pertinência 
acadêmica do estudo do discurso jurídico à luz das contribuições dos estudos linguísticos e 
enunciativos é limpidamente constatável pelo fato de que o Direito lida permanentemente com 
textos, sejam escritos, como, por exemplo, os despachos e as decisões dos juízes, sejam orais, 
como no interrogatório do réu e na oitiva da testemunha. A multiplicidade de textos jurídicos 
elaborados no desenrolar do processo judicial, tais como, acórdãos, despachos, decisões e 
sentenças, abre um espaço de possibilidades para estudos sobre o discurso jurídico. 
14 
 
A proposta de estudar o processo dos irmãos Naves se coaduna com o interesse atual do 
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), cujas pesquisas interligadas 
entre Linguagem e Direito têm avançado. Citemos, por exemplo, a tese de Lourenço (2013), 
que abordou o fenômeno da responsabilidade enunciativa (RE) em petições iniciais, 
especificamente nas seções “dos fatos” e “da fundamentação”. Para isso, a autora focalizou em 
duas categorias de análises que funcionam como marcadores do grau de RE: os diferentes tipos 
de representação da fala e as indicações de quadros mediadores. O corpus da pesquisa é 
composto por 15 (quinze) petições iniciais de diferentes advogados, destinadas à Vara Cível da 
Comarca de Currais Novos/RN. 
No trabalho intitulado “A responsabilidade enunciativa na sentença penal 
condenatória”, Gomes (2014) elegeu o gênero jurídico sentença para tratar do fenômeno da RE 
e selecionou 13 (treze) sentenças criminais oriundas da Comarca de Currais Novos/RN. O 
estudo destacou uma grande heterogeneidade de pontos de vista (PDV) no gênero sentença 
condenatória, uma vez que além do PDV do juiz, várias instâncias enunciativas foram evocadas 
no texto, tais como o PDV do Ministério Público, da acusação, da defesa, dos acusados, entre 
outros. 
Lopes (2014), por sua vez, em “A representação discursiva da vítima e do réu no gênero 
sentença judicial”, propôs identificar e descrever o fenômeno da representação discursiva da 
vítima e do réu no gênero sentença judicial. Para isso, a autora selecionou uma sentença judicial 
de natureza penal coletada no site do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os resultados 
focalizaram a construção da representação discursiva dos sujeitos a partir de PDV de 
enunciadores distintos, que podem aproximar-se ou distanciar-se de acordo com a orientação 
argumentativa. 
Citemos, ainda, a tese de Medeiros (2016), que estabeleceu como objetivo geral 
investigar o gênero jurídico contestação, no que concerne ao fenômeno da responsabilidade 
enunciativa. Esse estudo investigou 8 (oito) contestações protocoladas no 2º Juizado Especial
Cível da Zona Sul, da Comarca de Natal/RN, no período de 2013 a 2014. Duas categorias de 
análises foram escolhidas para observar o grau de responsabilidade enunciativa: as modalidades 
e a indicação de quadros mediadores. 
A dissertação de Ferreira (2016), sob o título “A (não) assunção da responsabilidade 
enunciativa em narrativas das sentenças condenatórias de crimes contra mulher”, discutiu a RE 
em sentenças de processos criminais que tiveram grande repercussão nacional, cujas vítimas 
foram Eloá Pimentel, Elisa Samúdio e Mércia Nakashima. O trabalho demonstrou que a 
construção do PDV pelos juízes é feita por mecanismos linguísticos, os quais revelam a 
15 
 
responsabilidade enunciativa, havendo recorrência do uso de quadro mediadores através dos 
quais os juízes não assumem a responsabilidade enunciativa pelo conteúdo proposicional. 
Destacamos, também, a tese de Soares (2017), que propôs como objetivo geral 
investigar os dispositivos enunciativos concernentes à orientação argumentativa e a (não) 
assunção da responsabilidade enunciativa, no gênero jurídico sentença penal condenatória de 
crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, no âmbito da família. 
Outro trabalho com enfoque no discurso jurídico é o de Oliveira (2016), intitulado “A 
responsabilidade enunciativa em textos de um inquérito policial relacionado a crimes de 
violência contra a mulher”. A autora abordou a responsabilidade enunciativa sob a perspectiva 
teórica da ATD, com ênfase na teoria da enunciação, e elegeu como objetivo geral analisar os 
índices linguísticos que indicam a responsabilidade enunciativa em textos de inquérito policial. 
Temos, ainda, o trabalho de Lanzillo (2016), que estudou o ponto de vista (PDV) e a 
responsabilidade enunciativa (RE) no gênero jurídico discursivo sentença judicial de pedido de 
falência. O quadro teórico utilizado na pesquisa focalizou quatro eixos: texto, gênero, 
enunciação e discurso. 
Além desses, com o título “O gênero sentença judicial: um estudo exploratório do planto 
de texto”, Silva (2016) explorou a subunidade de análise – planto de texto – em sentenças de 
natureza criminal oriundas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, constatando que as 
sentenças judiciais apresentavam flutuações na composição textual de suas seções. 
Consequentemente, os planos de textos se mostraram fixos e ocasionais. 
A autora Santos (2016) com a tese intitulada “Representação discursiva de vítimas e 
agressor em textos de inquérito policial”, estudou as representações discursivas em inquéritos 
policiais relacionados a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, tratando da 
representação discursiva tanto da vítima como do agressor, cujo objetivo específico foi 
investigar os recursos linguísticos que o enunciador utiliza para construir as representações. 
Em sua tese, Lopes (2019) dedicou atenção aos estudos da representação discursiva no 
gênero jurídico Denúncia, com o título do trabalho “De “governanta máxima” a “denunciada”: 
as representações discursivas de Dilma Rousseff na denúncia do processo de impeachment”. 
Por fim, a tese de Rocha (2019) intitulada “emoções no libelo introdutório de nulidade 
matrimonial”, propôs como objetivo geral investigar a relação entre emoções e orientação 
argumentativa em libelos introdutórios de declaração de nulidade matrimonial. 
Dito isso, podemos afirmar que o grupo de pesquisa em Análise Textual dos Discursos 
(ATD), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tem realizado um trabalho 
16 
 
importante de expansão das pesquisas pautadas nas duas ciências do saber: Linguagem e 
Direito. 
No tocante ao interesse pessoal em estudar o discurso jurídico este relaciona-se 
diretamente ao presente e ao futuro da própria experiência profissional desta pesquisadora. Por 
ter formação em Direito, após inteirar-se da dedicação do Grupo de Pesquisa em Análise 
Textual dos Discursos (ATD) ao desenvolvimento de investigações voltadas ao entendimento 
do discurso jurídico, logo imaginou a possibilidade de integrá-lo, visto que atua 
profissionalmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte desde 2014. 
No caso, a referida atividade profissional está estritamente ligada às questões da 
interface Direito e Linguagem, uma vez que a função que desempenha no TJ/RN consiste em 
assessorar a magistrada na elaboração de minutas, a exemplo de despachos, decisões e 
sentenças. 
Quanto ao aporte teórico, a pesquisa fundamenta-se na Análise Textual dos Discursos 
(ATD), proposta pelo linguista francês Jean-Michel Adam, que define a ATD como “uma teoria 
da produção co(n)textual de sentido que deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de 
textos concretos” (ADAM, 2011, p.13). Além de Adam (2011), serão utilizadas as teorias de 
“ponto de vista”, de Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017), e de “meditativo”, de Guentchéva (1994, 
1996, 2011, 2014), noções pertinentes para o tratamento da responsabilidade enunciativa. 
A intenção de pesquisa tem por foco, dentre os demais gêneros integrantes do conjunto 
do processo, especificamente os acórdãos, “textos concretos” que são documentos jurídicos 
elaborados por um colegiado de juízes integrantes de um Tribunal, com vistas a finalizar um 
processo. A responsabilidade da declaração do acórdão é de grande relevância social, uma vez 
que afeta diretamente a vida de pessoas de modo mais impactante do que as decisões 
inicialmente proferidas por juízes singulares. Os casos de decisões de acusações criminais 
atingem ou garantem diretamente a liberdade, direito fundamental garantido a todos pela 
Constituição Federal. 
Em termos metodológicos, é uma pesquisa documental cuja forma de abordagem é 
qualitativa de natureza interpretativista. O corpus da pesquisa é composto por todos os 5 (cinco) 
acórdãos criminais proferidos nos autos do processo dos Naves. A documentação está 
devidamente preservada em arquivo no Museu do Judiciário Mineiro (MEJUD), em Belo 
Horizonte, e digitalizada em sua página eletrônica. 
Diante dessa questão relevante, da relação Linguagem/Direito, propusemos como objeto 
de pesquisa: As marcas linguísticas que evidenciam a assunção ou não assunção da 
responsabilidade enunciativa no gênero discursivo textual jurídico acórdão constantes no 
17 
 
processo-crime dos irmãos Naves (1937). Com efeito, elegemos as seguintes questões de 
pesquisa: (1) como se constitui a estrutura configuracional do plano de texto dos 5 (cinco) 
acórdãos proferidos no processo-crime dos irmãos Naves?; (2) quais vozes e pontos de vistas 
os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mobilizaram para dar ou negar 
provimento aos recursos interpostos? e (3) que marcas linguísticas assinalam a (não) assunção 
da responsabilidade enunciativa nos acórdãos? 
Para responder a essas questões acima, estabelecemos como objetivo geral: Investigar 
como se materializa o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa no gênero jurídico acórdão 
do processo-crime dos irmãos Naves (1937), considerado como um dos maiores erros do 
Judiciário brasileiro. Como objetivos específicos, propusemos identificar, descrever e 
interpretar a estrutura configuracional do plano de texto dos 5 (cinco) acórdãos proferidos no 
processo-crime dos irmãos Naves; assim como as vozes e os pontos de vistas que os 
desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais mobilizaram para dar ou negar 
provimento aos recursos interpostos; e, por fim, as marcas linguísticas que assinalam a (não) 
assunção da responsabilidade enunciativa nos acórdãos. 
Para desenvolvimento da pesquisa, organizamos o plano textual desta dissertação que 
além da introdução e conclusão, estrutura-se em quatro capítulos organizados conforme se 
expõe a seguir. 
O primeiro capítulo refere-se ao suporte teórico que subsidia nossa pesquisa, a Análise 
Textual dos Discursos proposta pelo linguista francês Jean-Michel
Adam, amparado também 
em outros teóricos, para compreender o fenômeno da responsabilidade enunciativa, tais como 
Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017), com a teoria do ponto de vista e Guentchéva (1994, 1996, 
2011, 2014), com a categoria do mediativo. 
O segundo capítulo traz uma abordagem sobre os gêneros discursivos textuais na 
perspectiva teórica de autores como Bakhtin (2016), Bazerman (2011), entre outros. Além 
disso, ilustramos o capítulo com exemplos de gêneros jurídicos da esfera do Direito Penal e 
Processual Penal. Dentro dessa discussão, abordamos especificamente o gênero discursivo 
textual jurídico acórdão. 
O terceiro capítulo discorre acerca da metodologia adotada para o desenvolvimento da 
pesquisa. Contempla, nesse sentido, os procedimentos metodológicos adotados quanto à forma 
de abordagem, procedimento técnico e técnica de obtenção de dados da pesquisa. Ademais, 
trata da escolha e descrição do corpus, bem como da forma do procedimento das análises. 
Outrossim, contextualiza o corpus da pesquisa. 
18 
 
O quarto capítulo destina-se à análise dos dados. Para cumprir nossos objetivos de 
pesquisa, demonstramos o plano de texto de cada acórdão, seguindo para identificação das 
marcas linguísticas, das vozes e dos pontos de vistas presentes no texto jurídico, as quais 
apontam a ocorrência da (não) assunção da responsabilidade enunciativa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
19 
 
CAPÍTULO I – QUADRO TEÓRICO 
 
O texto é, certamente, um objeto empírico tão complexo que sua 
descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é 
de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio 
mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar 
aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências 
da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. 
(ADAM, 2011, p. 25). 
 
Este capítulo discute sobre a Análise Textual dos Discursos, abordagem teórico-
metodológica articulada pelo linguista francês Jean-Michel Adam (2011), que considera o 
texto/discurso como objeto de análise. Trata-se de “uma teoria da produção co(n)textual de 
sentido, que deve, necessariamente ser fundamentada na análise de textos concretos” (ADAM, 
2011, p.13). Com apoio nesse eixo teórico, organizamos as seções: 1.1) Análise Textual dos 
Discursos (ATD); 1.1.1) Plano de Texto; e 1.1.2) Responsabilidade Enunciativa. Nessa última 
subseção abordamos, ainda, aspectos da teoria do Ponto de Vista, de Rabatel (2005, 2009, 2016, 
2017). Por fim, encerraremos o capítulo discorrendo sobre a 1.2) Mediatividade, destacando 
sobre o distanciamento, o não engajamento do enunciador pelo dito, conforme os postulados de 
Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014). 
 
1.1 Análise Textual dos Discursos (ATD) 
 
Na obra intitulada “A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos”, em 
sua segunda edição, Adam (2011) apresenta uma abordagem teórica, metodológica e descritiva 
de estudo do texto. Para Adam (Ibid., p. 43), a proposta é “articular uma linguística textual 
desvencilhada da gramática de texto e uma análise de discurso emancipada da análise de 
discurso francesa (ADF)”. Assim, a LT é definida como “um subdomínio do campo mais vasto 
da análise das práticas discursivas” (Ibid., p. 43). 
Conforme Adam (2011, p. 25): 
 
A linguística textual tem como ambição fornecer instrumentos de leitura das 
produções discursivas humanas. A linguística não é (ou não é mais) a “ciência-piloto” 
das ciências do homem e da sociedade, mas tem ainda muito a dizer sobre os textos, 
e seu poder hermenêutico permanece inteiro, sobretudo se ela consentir em abrir-se 
às disciplinas que, da Antiguidade até nossos dias, têm o texto como objeto (retórica 
e poética, estilística, filologia e hermenêutica, teria da tradução e genética textual, 
analise de dados textuais ou análise de textos em computador, sem esquecer a história 
do livro e as diversas semióticas). 
 
20 
 
A ATD é um campo da aproximação entre dois domínios teóricos distintos, a 
Linguística Textual e a Análise do Discurso em diálogo com teorias enunciativas. Nessa ótica, 
a teoria articulada por Adam (2011) consiste em uma reflexão epistemológica e uma teoria de 
conjunto que compreende o texto como “um objeto empírico tão complexo que sua descrição 
poderia justificar o recurso a diferentes teorias” (ADAM, 2011, p. 25). Para compreender 
melhor a teoria proposta pelo autor, é preciso pensar a Linguística Textual como uma corrente 
desvencilhada da Gramática de Texto Tradicional, e a Análise do Discurso distanciada da linha 
francesa, aquela desenvolvida por Michel Foucault, dentre outros. 
“A reflexão da ATD inscreve-se na linha de um pensamento linguístico – constante na 
história da Linguística – que não se furta a considerar o texto/discurso como objeto de teoria e 
descrição, situado de pleno direito nos estudos linguísticos” (PASSEGGI et al. 2010, p. 308). 
Os avanços no que diz respeito à relação texto e discurso são apresentados na obra de Adam 
(2011) ao mostrar a forma articulada entre essas duas concepções, especialmente no Esquema 
4, cujo detalhamento veremos mais adiante. 
Adam (2011) demonstra através do esquema 3, a inserção da Linguística Textual dentro 
de um quadro geral da Análise dos Discursos: 
 
Figura 1 - Análise dos Discursos 
Fonte: Esquema 3 (ADAM, 2011, p. 43). 
 
A ATD é uma abordagem teórica concebida a partir da Linguística de Texto e da 
Linguística da Enunciação, aproximando-se da Análise do Discurso por meio de um ponto 
central, os gêneros do discurso. Nesse passo, observamos que Adam (2011) situa a Linguística 
Textual dentro do campo da Análise dos Discursos, compreendendo os estudos do plano de 
texto, dos períodos/sequências, das proposições e das palavras em esquema de operações de 
continuidade, demonstrando que a Linguística Textual não está isolada, pois essas operações 
possuem relações com os gêneros, o interdiscurso e as formações sociodiscursivas. 
Sobre o esquema, Adam (2011, p. 44, grifos do autor) esclarece: 
 
21 
 
Esse esquema evidencia o jogo complexo das determinações textuais “ascendentes” 
(da direita para esquerda) que regem os encadeamentos de proposições no sistema que 
constitui a unidade TEXTO – objeto da linguística textual – e as regulações 
“descendentes” (da esquerda para direita) que as situações de interação nos lugares 
sociais, nas línguas e nos gêneros dados impõem aos enunciados – objeto da análise 
de discurso. 
 
Conforme explicam Catelão e Cavalcante (2017, p. 403), o esquema demarca os 
 
níveis ou planos de análise da ATD, de um lado para análise de discurso e, de outro, 
para análise textual. No campo da LT, as operações de textualização seguem pela 
segmentação (palavras, proposições enunciadas, etc.) e pela ligação (construção de 
unidades semânticas pelas quais se reconhecem segmentos textuais). 
 
Assim, a Análise Textual dos Discursos visa a “teoria e descrever os encadeamentos de 
enunciados elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que constitui um texto 
[...] concerne tanto à descrição e à definição das diferentes unidades como às operações, em 
todos os níveis de complexidade, que são realizadas sobre os enunciados” (ADAM, 2011, p. 
63-64). Para o estudioso, a complexidade que envolve o objeto empírico que é o texto, justifica 
a necessidade de uma teoria que possua relações com o domínio de práticas discursivas em 
geral. 
Ele discorre também sobre o conceito de proposição-enunciado que está situado no 
nível da textura e corresponde à unidade textual de base elementar. “A unidade mínima a que 
chamamos proposição-enunciado é o produto de um ato de enunciação: ela é enunciada por 
um enunciador inseparável de um coenunciador (ADAM, 2011, p. 108, grifos do autor). Nesse 
passo, o teórico trata das noções de frase e de período e registra que “a noção
de frase 
dificilmente pode ser mantida como uma unidade de análise textual. Ela é, certamente, uma 
unidade de segmentação (tipo) gráfica pertinente, mas sua estrutura sintática não apresenta uma 
estabilidade suficiente” (Ibid., p. 104). 
Segundo Catelão e Cavalcante (2017, p. 403), “Adam (2011) se preocupa, ao admitir 
essa denominação, em não utilizar expressões como frases, períodos, cláusulas para não correr 
o risco de entrar em outras áreas e acabar se perdendo em aspectos eminentemente estruturais”. 
Os autores acrescentam que Adam “tem uma longa descrição que visa caracterizar por que a 
utilização de termos como frase ou proposição não seria adequada: para ele, esses termos trazem 
historicamente em si uma definição limitada e imprecisa” (Ibid., p. 403). 
A fim de compreender melhor as bases analíticas de Adam (2011) sobre texto e discurso, 
observemos a figura 2, a seguir. 
 
22 
 
Figura 2 - Níveis ou planos da análise de discurso 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Esquema 4 (ADAM, 2011, p. 61). 
 
Conforme o esquema acima, são observados oito níveis distribuídos em duas categorias: 
o plano discursivo e o plano textual. Na parte superior do quadro, encontramos os níveis (N1) 
ação visada e objetivos, (N2) interação social que reflete a formação sociodiscursiva e (N3) 
interdiscurso, nos quais estão inseridos os socioletos. No nível textual, apresentam-se (N4) 
textura, proposições enunciados/períodos; (N5) estrutura composicional, sequencias/planos de 
textos; (N6) semântica, representação discursiva; (N7) enunciação, responsabilidade 
enunciativa/coesão polifônica e (N8) atos do discurso, valor ilocucionário/orientação 
argumentativa. 
Segundo Passeggi et al. (2010, p. 266): 
 
No nível discursivo, uma determinada intencionalidade ou objetivo (expressão 
linguisticamente pelos atos ilocucionários) realiza-se numa interação social e numa 
formação discursiva dadas (que delimitam “o que pode e deve ser dito”), utilizando o 
socioleto (dialeto social) dessa formação e no seio de um interdiscurso, com a 
mediação de um gênero. 
23 
 
Explicaremos o nível discursivo com exemplos de textos concretos, os acórdãos, os 
quais elegemos como corpus da pesquisa. 
 
Nível 1: ações visadas: os cinco acórdãos analisados possuem diferentes ações visadas. 
O primeiro, visa a confirmação da sentença de pronúncia dos irmãos Naves e de impronúncia 
da mãe dos réus, Ana Rosa. O segundo, objetiva a anulação do julgamento pelo júri popular; o 
terceiro, a condenação dos réus; o quarto, a redução da pena condenatória; e o quinto, objetiva 
a declaração de absolvição dos réus. Vejamos, então, os exemplos retirados desses cinco 
acórdãos: 
 
Negar provimento a sentença recorrida [...] (1º acórdão) 
 
Anular o julgamento [...] (2º acórdão) 
 
Dar provimento ao recurso para cassar a decisão do júri [...] (3º acórdão) 
 
Reduzir as penas do grau-sub-máximo [...] (4º acórdão) 
 
Julgando válido o processo, deferir o pedido – e absolvendo os réus [...] (5º acórdão) 
 
Nível 2: interação social: podemos pensar nas relações que envolvem as partes no 
processo, tais como os réus, o advogado, o procurador, os desembargadores, etc. 
 
Autos da Comarca de Araguari, n. 2525, em que são recorrentes o Dr. Promotor de J., 
Joaquim Naves Rosa e Sebastião José Naves e recorridos os mesmos e Ana Rosa Naves [...] (1º 
acórdão). 
 
Autos de revisão criminal nº. 480 da Comarca de Araguari, em que são impetrantes 
Sebastião José Naves e Joaquim Naves Rosa [...] (4º acórdão) 
 
Nível 3: formação sociodiscursiva: a dos pronunciamentos dos desembargadores que, 
no caso concreto, ocorreram em sessões de julgamento das Câmaras Criminais do Tribunal de 
Justiça de Minas Gerais. 
 
24 
 
Acórdão em Câmara Criminal, por uma de suas Turmas [...] (1º acórdão) 
 
Acórdão em Câmara Criminal [...] (2º acórdão) 
 
 Interdiscurso: “outros discursos e gêneros aos quais esse pronunciamento pode ser 
relacionado” (PASSEGGI et al., 2010, p. 267). Um exemplo de interdiscurso é a 
citação que os desembargadores fizeram no acórdão de nº 20623 mencionando o 
Parecer emitido pelo Procurador. A decisão de anular o júri que tinha absolvido os 
irmãos Naves foi baseada nesse gênero, que é produzido pelo representante do 
Ministério Público. 
 
Acórdão em Câmara Criminal anular o julgamento, consoante o parecer [...] (2º 
acórdão) 
 
 Socioleto: diz respeito à “variante da comunidade de fala [...], com características 
linguísticas (lexicais, fraseológicas, retóricas) identificáveis” (Ibid., 2010, p. 267). 
Na esfera jurídica, existem lexemas que são típicos desse campo de atuação, 
havendo, por exemplo, recorrência no uso de expressões em latim. 
 
A parte da denúncia que considera punível a cumplicidade post factum [...] (1º 
acórdão) 
 
Pouco importando que de jure constituendo [...] (1º acórdão) 
 
Com declaração do quantum e data do pagamento [...] (1º acórdão) 
 
Será liquidada no juízo cível, ex lege [...] (5º acórdão) 
 
 Gênero: Segundo Passeggi et al. (2010, p. 266), “o gênero é o eixo da articulação 
discurso/texto”. O gênero objeto de nossa investigação diz respeito ao acórdão, 
decisão proferida por um conjunto de juízes quando provocados pelos 
jurisdicionados insatisfeitos com a decisão elaborada por um juiz singular. 
 
25 
 
Expostos os exemplos para explicar o nível discursivo, passemos para a dimensão 
textual, em que observamos os níveis 4, 5, 6, 7 e 8. Os níveis (N4) e (N5) correspondem às 
proposições, períodos, sequências e planos de texto que “remetem diretamente à 
textura/composicionalidade do texto, isto é, de forma ampla, à sua sequencialidade ou 
linearidade” (PASSEGGI et al. 2010, p. 267). Os níveis (N6), (N7) e (N8) referem-se às 
representações discursivas, responsabilidade enunciativa e valor ilocucionário, “são dimensões 
constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada enunciado elementar 
do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo semântico, um ponto de vista e um valor 
ilocucionário” (Ibid., 2010, p. 268). 
Como visto, texto e discurso para ATD são dimensões complementares de um mesmo 
plano de análise, do qual infere-se o texto como construção advinda de dimensão discursiva 
marcada por um intento a ser realizado segundo filtros de práticas sociais, o meio interfere na 
forma; com auxílio da formação social do agente a influenciar em sua linguagem (a ponto de 
implicar socioletos) quando da interação com seu leitor-ouvinte. 
Concordamos com Bernardino (2015, p. 30) quando afirma: “[...] o que a ATD vem 
propor é um avanço em direção ao tratamento do texto em seu funcionamento discursivo”. 
Assim, o procedimento analítico de Adam (2011) pode ser entendido como um avanço da LT 
em direção à compreensão de efeitos de sentido visados no/pelo discurso e, ao mesmo tempo, 
como a formulação de um novo paradigma teórico. 
Por fim, entendemos que o esquema reforça a necessidade de ampliação da forma como 
o texto é descrito e analisado, além de ressaltar a ideia de um planejamento prévio que reflita 
sua organização ao ser produzido. 
Ressaltamos, nesse ínterim, que merecem destaque para o nosso trabalho os níveis (N5) 
e (N7) que tratam da estrutura composicional (planos de texto) e enunciação (responsabilidade 
enunciativa). É sobre essas dimensões que direcionamos nossa investigação linguística do 
discurso jurídico no processo dos irmãos Naves. 
Ainda neste capítulo, abordamos a discussão sobre o plano de texto e a responsabilidade 
enunciativa. 
 
1.1.1 Plano de texto 
 
Segundo Adam (2011, p. 257), “os planos de texto desempenham um papel fundamental 
na composição macrotextual do sentido”. Ainda para o autor (2011, p. 258), “os planos de texto 
estão, juntamente com os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimentos dos grupos sociais. 
26 
 
Eles permitem construir
(na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização 
global de um texto prescrita por um gênero”. 
Revisitando o autor, Cabral (2013, p. 244) assim explica: 
 
O plano de texto, ao explicitar a estrutura global do texto, a forma como os parágrafos 
se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto, pode fornecer os 
elementos necessários à compreensão e à produção, uma vez que, para a 
percepção/elaboração da estrutura global do texto, o leitor lança mão de seus 
conhecimentos linguístico e textual. 
 
Para Marquesi, Elias e Cabral (2017, p. 14): 
 
O planejamento de um texto, que precede a sua produção propriamente dita, é uma 
tarefa complexa que inclui duas etapas, uma delas intimamente ligada com o conceito 
de plano de texto: em primeiro lugar é necessário recuperar ideias na memória ou em 
fontes impressas ou digitais; depois é preciso organizar essas ideias. O fato é que as 
ideias que comporão o conteúdo de um texto não se encontram organizadas, 
exatamente como o produtor deseja. Por isso é importante organizá-las para a escrita 
pensando num plano textual que reflita aquilo que ele deseja dizer. 
 
É a partir dos gêneros disponíveis no sistema de conhecimento humano que 
reconhecemos a organização dos textos e identificamos estruturação do plano de texto que 
desempenha um papel fundamental na composição macrotextual dos sentidos. O plano de texto 
corresponde “à organização e disposição por ordem de blocos textuais – que podem ser 
parágrafos ou conjuntos de parágrafos, seções e subsecções, capítulos, etc., conforme o género 
de texto em causa” (COUTINHO, 2019, p. 46). 
Adam (2011, p. 258) destaca que existem dois tipos de plano de texto: o convencional 
e o ocasional. O convencional é “fixado pelo estado histórico de um gênero ou subgênero de 
discurso”, enquanto que o ocasional é “inesperado, deslocado em relação a um gênero ou 
subgênero de discurso”. Como exemplo de planos convencionais, que são estruturas mais fixas, 
o autor cita o plano oratório e o plano canônico da dissertação; enquanto plano ocasional, o 
autor lembra o corpo da carta. 
Nesse sentido, entendemos que o plano de texto é um conjunto organizado de 
enunciados, responsável pela estrutura composicional do texto que permite ao leitor/ouvinte a 
compreensão e interpretação da estrutura global do texto prescrita por um gênero. “A estrutura 
composicional global dos textos é inicialmente ordenada por um plano de texto, base de 
composição, e, geralmente, categorizável em termos de dominante sequencial” (ADAM, 2011, 
p. 278). 
27 
 
No que diz respeito ao plano de texto dos acórdãos objeto de nossa investigação, 
mostraremos em capítulo específico que eles apresentam certa variação. Como exemplo, 
podemos citar a ausência de relatório em dois dos cinco acórdãos analisados, elemento essencial 
que deve estar presente na decisão, segundo a norma jurídica brasileira. 
Por fim, mostraremos a seguir um esquema prototípico do plano de texto do acórdão, 
segundo o Código de Processo Civil (CPC):1 
 
Figura 3 – Plano de texto do acórdão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: A autora desta pesquisa. 
 
Registramos que o acórdão que mais se aproxima do esquema prototípico acima, dos 
cinco selecionados para análise, é o 5º acórdão, localizado no 3º volume dos autos, cuja matéria 
discorrida tratou da absolvição dos Naves, conforme se observará com detalhes no capítulo IV 
desta pesquisa. 
 
 
 
 
1 Art. 943, § 1º, do CPC: “Todo acórdão conterá ementa”. 
Art. 489, I, do CPC: “O relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido 
e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo”. 
Art. 931 do CPC: “Distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias, depois 
de elaborar o voto, restitui-los-á, com relatório, à secretaria”. 
Art. 205 do CPC: “Os despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos serão redigidos, datados e assinados 
pelos juízes”. 
Cabeçalho
Ementa (art. 943, § 1º, do 
CPC)
Relatório (art. 489, I, do 
CPC)
Acórdão
Voto (art. 931 do CPC)
Data/Assinatura (art. 205, do CPC)
28 
 
1.1.2 Responsabilidade Enunciativa 
 
Os estudos dedicados ao fenômeno da responsabilidade enunciativa (RE) centram-se no 
questionamento sobre quem é o responsável por determinado enunciado, estando relacionados 
com as noções de polifonia, pois “quando um locutor fala, ele não se contenta em expressar 
suas próprias opiniões; ao contrário, ele faz ouvir diversas vozes, mais ou menos claramente 
identificadas, em relação às quais ele situa” (MAINGUENEAU, 2013, p. 163). Nesse cenário, 
é importante pontuar que a noção de RE não é consensual entre os estudiosos que se dedicam 
ao tema. 
Sobre isso, esclarecem Rodrigues et al. (2010, p. 153) que 
 
a noção de responsabilidade enunciativa não é consensual para os autores que se 
dedicam ao estudo. Para Culioli (1971, p. 4031) “toda enunciação supõe 
responsabilidade enunciativa do enunciado por um enunciador”, ou seja, assenta-se 
no critério de asserção. No entanto, para Nølke, Fløttum, Norén (2004) os proponentes 
da Teoria Escandinava da Polifonia Linguística – ScaPoline – assumir a 
responsabilidade enunciativa é ser fonte do enunciado, é estar na origem, é assumir a 
paternidade. Para Rabatel (2008a, p.21) (...) “o sujeito responsável pela referenciação 
do objeto exprime seu PDV tanto diretamente, por comentários explícitos, como 
indiretamente, pela referenciação, ou seja, através de seleção, combinação, 
atualização do material linguístico. 
 
De acordo Coltier, Dendale e De Branter (2009) “Antoine Culioli (1971) foi um dos 
primeiros linguistas a utilizar o termo “responsabilidade enunciativa”, que em francês significa 
prise en charge. Para os autores, a RE configura-se no discurso linguístico por meio das 
seguintes expressões: responsabilizar-se, responsabilização e suas extensões negativas: (não) 
responsabilizar-se, (não) responsabilização. “Os sentidos comuns do termo foram estendidos 
no âmbito da linguística enunciativa e ele passou a ser usado em diferentes quadros teóricos, a 
exemplo da teoria da polifonia, da teoria dos atos de fala, da teoria das operações enunciativas”. 
(GOMES, 2014, p. 66). 
Nølke, Fløttum, Norén (2004), afirmam que os pontos de vista são entidades semânticas 
compostas por uma fonte, um julgamento e um conteúdo. Destarte, assumir a responsabilidade 
enunciativa é ser a fonte da enunciação, é estar na origem, é assumir a paternidade. Os teóricos 
assentam que se deve fazer a pergunta: quem é o responsável por cada pdv e o “ser responsável”. 
Esta última significa “ser fonte de”. Passeggi el al (2010, p. 306) esclarecem bem essa noção 
quando afirmam que ‘ser responsável’ implica ter um pdv, porque todo pdv tem, entre seus 
componentes, uma fonte e ‘ser responsável’ é ser fonte”. 
29 
 
A responsabilidade enunciativa constitui-se como uma das principais noções e 
categorias da Análise Textual dos Discursos (ATD). Adam (2011) apresenta a noção de forma 
aberta, sinalizando a possibilidade de os estudos da RE estabelecerem diálogos com outros 
teóricos, a saber, Rabatel (2008, 2009) e Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014). 
Adam (2011) considera que a responsabilidade enunciativa é uma das dimensões da 
proposição-enunciado. Essa unidade mínima é conceituada como sendo “produto de um ato 
de enunciação: ela é enunciada por um enunciador inseparável de um coenunciador” (ADAM, 
2011, p. 108, grifos do autor). Nesse sentido, o autor situa a responsabilidade enunciativa em 
um formato triangular que não simboliza hierarquização, conforme o esquema a seguir: 
 
Figura 4 – Dimensões da proposição-enunciado 
 
Fonte: Esquema 10 (ADAM, 2011, p. 111). 
 
Adam (2011, p. 109, grifos do autor) comenta as três
dimensões descritas acima: 
 
Mesmo aparecendo isolado, um enunciado elementar, liga-se a um ou a vários outros 
e/ou convoca um ou vários outros em resposta ou como simples continuação. Essa 
condição de ligação é, em grande parte, determinada pelo que chamaremos 
orientação argumentativa (ORarg) do enunciado. As três dimensões complementares 
de toda proposição enunciada são: uma dimensão enunciativa [B] que se encarrega 
de representação construída verbalmente de um conteúdo referencial [A] e dá-lhe 
uma certa potencialidade argumentativa [ORarg] que lhe confere uma força ou 
valor ilocucionário [F] mais ou menos identificável. 
 
Entendemos que os enunciados não são isolados, pois há uma ligação entre a 
responsabilidade enunciativa, a representação discursiva e o valor ilocucionário. “Isso quer 
30 
 
dizer que a responsabilidade enunciativa possui uma conexão com o que foi dito anteriormente 
e com o que vai ser dito mais na frente. É, portanto, um vértice que se refere ao passado e ao 
futuro” (GOMES, 2014, p. 70). 
Adam (2011) apresenta oito categorias com escopo de caracterizar a responsabilidade 
enunciativa ou PDV. Nesse sentido, resgatamos o quadro de Passeggi et al. (2010, p. 300-301) 
para apresentar tais categorias: 
 
Quadro 1 - Grau de responsabilidade enunciativa: categorias e marcas linguísticas 
 
Ordem Categorias Marcas linguísticas 
1 
Índices de 
pessoas 
meu, teu/vosso, seu 
2 
Dêiticos espaciais 
e temporais 
Advérbios (ontem, amanhã, aqui, hoje) Grupos 
nominais (esta manhã abra esta porta) Grupos 
preposicionais (em dez minutos) 
Alguns determinantes (minha chegada) 
3 Tempos verbais 
Oposição entre presente e o futuro do pretérito 
Oposição entre o presente e o par pretérito imperfeito e pretérito 
perfeito 
4 Modalidades 
Modalidades sintático-semânticas maiores: 
Téticas (asserção e negação) 
Hipotéticas (real) Ficcional 
e 
Hipertéticas (exclamação) 
Modalidades objetivas 
Modalidades intersubjetivas 
Modalidades subjetivas Verbos 
e advérbios de opinião 
Lexemas afetivos, avaliativos e axiológicos 
5 
Diferentes tipos 
de representação 
da fala 
Discurso direto (DD) 
Discurso direto livre (DDL) 
Discurso indireto (DI) 
Discurso narrativizado (DN) 
Discurso indireto livre (DIL) 
6 
Indicações de 
quadros 
mediadores 
Marcadores como segundo, de acordo com e para 
Modalização por tempo verbal como o futuro do pretérito Escolha 
de um verbo de atribuição de fala como afirmam, parece 
Reformulações do tipo é, de fato, na verdade, e mesmo em todo 
caso 
Oposição de tipo alguns pensam (ou dizem) que X, nós pensamos 
(dizemos) que Y etc. 
7 
Fenômenos de 
modalização 
autonímica 
Não coincidência do discurso consigo mesmo (como se diz, para 
empregar um termo filosófico) 
Não coincidência entre as palavras e as coisas (por assim dizer, 
melhor dizendo, não encontro a palavra) 
Não coincidência das palavras com elas mesmas (no sentido 
etimológico, os dois sentidos do termo) 
Não coincidência interlocutiva (Como é a expressão? Como você 
costuma dizer) 
31 
 
8 
Indicações de um 
suporte de 
percepções e de 
pensamentos 
Relatados 
Focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocar, experimentar) 
Focalização cognitiva (saber ou pensamento representado) 
Fonte: (PASSEGGI et al., 2010, p. 300-301). 
 
Ao versarem sobre o quadro acima, Passeggi et al. (2010, p. 301, grifos dos autores) 
assim explicam: 
 
As oito categorias sintetizadas no quadro acima permitem o estudo da 
responsabilidade enunciativa ou do PdV em suas várias formas de materialização. 
Entre essas diversas possibilidades, como, por exemplo, a descrição da 
responsabilidade enunciativa assumida pelo locutor narrador, Adam (2008a) 
exemplifica dois tipos de PDVs: (1) PdV anônimo da opinião comum introduzido 
por verbos discendi (verbos na terceira pessa do singular ou plural) e (2) quadro 
mediador (mediação epistêmica e mediação perceptiva – percepção). O PdV anônimo 
da opinião comum, que mostra o distanciamento do locutor narrador, circunscreve-se 
nas categorias 5 e 6 do quadro. 
 
Adam (2011, p.110) afirma que “a responsabilidade enunciativa ou ponto de vista 
(PdV)2 permite dar conta do desdobramento polifônico”. Nesse sentido, entendemos que Adam 
não separa a RE do PdV, reconhecendo que esses mecanismos são parte da polifonia. Significa 
dizer que em um enunciado por existir diversidade de vozes, permitindo que o locutor-narrador 
assuma a responsabilidade enunciativa ou escolha manter distanciamento das vozes presentes 
no quadro enunciativo, não se responsabilizando. 
A dimensão enunciativa, também denominada de ponto de vista, é de grande relevância 
para se compreender a responsabilidade enunciativa, considerando que em um enunciado 
podem existir diferentes pontos de vistas, múltiplas vozes e etc. Na concepção de Rabatel (2017, 
p. 111) “a responsabilidade enunciativa remete à esfera do locutor enunciador primeiro, que 
manifesta no e pelo discurso que o PDV expresso é o dele”. Resumindo, "a responsabilidade 
enunciativa concerne aos PDV de L1/E1" (Rabatel 2009, p.85). 
Para o autor: 
 
a responsabilidade é, também, de pleno direito, uma noção linguística, e não somente 
filosófica, moral, ética, jurídica ou política. Certamente, a responsabilidade pode ser 
questionada a partir das escolhas lexicais, mas seu verdadeiro domínio é o texto. A 
responsabilidade linguística, que se pode ainda chamar de responsabilidade 
enunciativa, porque é pelos enunciadores que as coisas se passam, ainda que a língua 
seja em parte social, encontra plenamente sua pertinência no nível do texto, através 
de todos os aspectos que concernem à sua gestão, à construção do mundo, à escolha 
dos quadros de análise, à seleção dos elementos (entre os quais, as fontes), à 
apresentação dessas últimas, etc (RABATEL, 2017, p. 134). 
 
2 Adam (2011) utiliza a sigla PdV e Rabatel (2016) PDV. 
32 
 
 
Ponto de vista (PDV) 3 e responsabilidade enunciativa estão intimamente ligados, pois 
não existe responsabilidade enunciativa sem ponto de vista. Nessa temática, focalizamos nos 
estudos de Rabatel (2016, p. 71), pois “analisar um ponto de vista é recuperar de uma parte os 
contornos de seu conteúdo proposicional e, de outra, sua fonte enunciativa, inclusive quando 
esta é implícita, a partir do modo de atribuição dos referentes e dos agenciamentos das frases 
em um texto”. 
Nesse sentido, uma abordagem acerca do PDV implica esclarecimentos sobre quem é a 
fonte enunciativa do conteúdo proposicional. Para esse entendimento, é preciso distinguir dois 
termos importantes para o tratamento do PDV, que são os de “locutor” e de “enunciador”. A 
propósito, convém esclarecer que há divergências sobre as definições dos referidos termos para 
Guentchéva (1994, 1996), Adam (2011) e Rabatel (2016). 
De acordo com Guentchéva (1994, 1996), enunciou é enunciador, independentemente 
de estar na fonte, de ser responsável pelo conteúdo proposicional veiculado. A autora parte do 
quadro mediativo da língua búlgara e, assim, explica: “o termo mediativo designa uma categoria 
gramatical que, em línguas tipologicamente distantes, tem por função marcar a atitude de 
distanciamento ou de não engajamento que o enunciador manifesta em relação aos fatos que 
ele apresenta” (GUENTCHÉVA, 1994, p. 139). 
Continuando, Rodrigues (2017, p. 302) aduz que “a autora considera que ser enunciador 
não implica estar na fonte, tendo em vista que o enunciador pode manifestar diversos graus de 
distância em relação ao que ele enuncia, ou seja, significa que, não necessariamente, haverá 
engajamento do enunciador”. Em linhas gerais, o quadro mediativo permite ao interlocutor 
saber se o enunciador é ou não responsável pelo seu dizer. Além disso, permite ao enunciador 
revelar os diferentes graus de distâncias que ele toma em determinada situação. 
Diferentemente
de Guentchéva (1994, 1996), Rabatel (2016, p. 82), considera que: 
 
Locutor é a instância que profere um enunciado (nas dimensões fonéticas e fáticas ou 
escriturais), conforme um posicionamento dêitico ou um posicionamento 
independente de ego, hic et nunc. Se todo locutor é um enunciador, todo enunciador 
não é, necessariamente, locutor, o que leva a dizer que um locutor pode, em seu 
discurso, ecoar em vários centros de perspectivas modais, mais ou menos saturados 
semanticamente. 
 
Para nosso estudo, seguimos a distinção feita por Ducrot (1984) apud Rabatel (2009, 
p.71), quando afirma que “o locutor é o produtor físico do enunciado e o enunciador é a 
 
3 Optamos pela grafia PDV, com letras maiúsculas, na forma usada por Rabatel (2005, 2009, 2016, 2017). 
33 
 
instância que se encontra na origem do PDV (ponto de vista), que não se exprime, 
necessariamente, por palavras”. Nessa perspectiva, Rabatel defende que o PDV “antes de ser 
um conceito linguístico, é primeiramente, uma postura cognitiva e psicossocial, que leva o 
indivíduo a se colocar no lugar do outro, para poder melhor retornar ao seu, e até poder melhor 
construir um ponto de vista comum” (RABATEL, 2016, p. 29). 
Adam (2011) aborda a noção de locutor e enunciador semelhante à de Rabatel (2009, 
2016), para quem locutor é a pessoa física que fala, e o enunciador possui o papel de ser 
responsável pelo enunciado, divergindo da posição de Guentchéva (1994, 1996), pois para ela, 
conforme dito, o enunciador indica de forma explícita que não é a fonte primeira da informação. 
A seguir, apresentamos a síntese feita por Soares (2017) acerca das definições 
rabatelianas sobre o par locutor/enunciador: 
 
Figura 5 – Instâncias enunciativas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Soares (2017, p. 135). 
 
Rabatel (2009) se afasta das teses de Ducrot, na medida em que afirma que um 
enunciador pode ser responsável por um ponto de vista sem ser autor da fala, uma vez que, para 
Ducrot (1984 apud Rodrigues et al. 2010, p. 307), “assumir a responsabilidade enunciativa é 
falar, é dizer”. 
Consoante Rabatel: 
 
34 
 
Todo enunciado pressupõe uma instância que assume a responsabilidade enunciativa 
do que, seguindo-se os quadros de referência, é chamado o dictum, a lexia, o conteúdo 
proposicional, a predicação, segundo o esquema mínimo de enunciação “EU DIGO 
(‘o que é dito’)”. Para além das diferenças de denominação, a instância que assume a 
responsabilidade enunciativa um enunciado monológico é a que está na fonte do 
processo de produção do enunciado. Em um enunciado como “eu não gosto dessas 
questões de responsabilidade enunciativa”, eu é a fonte e o validador, isto é, aquele 
que confirma a veracidade do conteúdo proposicional (RABATEL, 2016, p. 88, grifos 
do autor). 
 
Importa ressaltar, ainda, que pode haver coincidência entre as instâncias do locutor e do 
enunciador. Nesse caso, estamos diante de um sincretismo, e, portanto, engajamento do locutor. 
Além do mais, “são inúmeras as possibilidades de construção dos textos, tendo em vista um 
locutor poder convocar para seus enunciados a voz de enunciadores outros e até mesmo de 
outros locutores. Nessa direção, lembramos que há locutores enunciadores segundos (l2/e2), 
que há locutores segundos (l2) e que há enunciadores segundos (e2)” (RODRIGUES, 2017, p. 
301). 
A distinção entre locutor e enunciador é importante para se ter clareza sobre quem é o 
responsável pelo que está sendo enunciado. Desse modo, seguimos Rabatel (2009, 2016) 
quando explica que a ocorrência da responsabilidade enunciativa (prise en charge – PEC4) é 
identificável quando o locutor enunciador primeiro (L1/E1)5 assume os conteúdos 
proposicionais porque ele os julga verdadeiros. Para os casos em que L1/E1 atribui os conteúdos 
proposicionais a um enunciador segundo, mesmo que ele não tenha dito nada, Rabatel 
denomina de imputação. 
Uma outra questão relevante que merece destaque na teoria de Rabatel (2009, 2016) é 
noção de “quase-RE”, para os casos de imputação do PDV a um enunciador segundo, com 
posicionamento de L1/E1. Rabatel (2016, p. 88) expõe que as aspas indicam que essa RE não 
é propriamente uma responsabilidade enunciativa, “mas que ela é, no entanto, necessária para 
que L1/E1 possa, em seguida, ser determinado, relativamente a esse PDV”. 
Trata-se de uma responsabilidade enunciativa limitada. Com efeito, embora seja 
limitada, essa “quase-RE” é essencial nos “casos em que L1/E1 está de acordo com e2, assim 
como nos casos de desacordo, uma vez que esse último só é posto em relação a outro PDV”. 
 
4 Rabatel utiliza o termo PEC, para responsabilidade enunciativa, e Quasi PEC, para quase-responsabilização. 
Assim, no português teríamos o equivalente a RE (responsabilidade enunciativa) e quase-RE (quase 
responsabilização). 
5 “Notaremos pela maiúscula L, seguida do algarismo 1, o locutor/enunciador primário, que corresponde ao 
principal. A barra obliqua simboliza o sincretismo de L1 e E1. Em situação dialogal, o alter ego de L1 é notado 
por uma maiúscula, seguida o algarismo 2, ou 3, em caso de triálogo (e assim por diante, em caso de plurilogos), 
e cada sincretismo é notado L2/E2 etc” (RABATEL, 2016, p. 86, grifos do autor). 
 
35 
 
Dessa maneira, entendemos que as noções de acordo, desacordo e neutralidade só fazem sentido 
diante da noção de imputação. 
Rodrigues (2010, p.12) preleciona que “a observação da assunção da responsabilidade 
enunciativa nem sempre é observável apenas pelo conteúdo proposicional, mas também a partir 
das relações dialógicas entre os enunciados, ou seja, quando L1/E1 se subsidia ou, às vezes, se 
apropria de enunciados de e2”. Como se pode ver, quando L1/E1 assume por conta própria os 
conteúdos proposicionais do PDV que ele julga verdadeiro, ocorre o fenômeno da 
responsabilidade enunciativa. Por sua vez, quando L1/E1 atribui os conteúdos proposicionais a 
um enunciador segundo (e2), ocorre uma “quase-RE”. “É esta “quase-RE”, imputada a e2, que 
permite em seguida que L1/E1 se posicione em relação à posição enunciativa de e2”. 
(RABATEL, 2009, p. 73). 
É nessa compreensão que Rodrigues e Passeggi (2016, p. 261) apresentam a tríade que 
ancora os estudos da responsabilidade enunciativa em forma de escala. Nessa abordagem, 
consta primeiramente a assunção da responsabilidade enunciativa; depois, a quase-
responsabilidade enunciativa; e, também, a não assunção da responsabilidade enunciativa. 
Por fim, convém apresentar o quadro elaborado por Lourenço (2015), com base em 
Rabatel, no qual destaca a diferença entre responsabilidade enunciativa e imputação. 
 
Quadro 2 - Responsabilidade Enunciativa e imputação 
 
 
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A RE compreende a responsabilidade de L1/E1 na expressão de seu PDV. 
A responsabilidade apoia-se nos PDV que são imputados por L1/E1 a e2 (L1/E1 especifica se 
ele não concorda com o PDV imputado, se ele o considera sem tomar partido explicitamente 
ou se ele está de acordo com o PDV). 
2.1 Quando o L1/E1 opera uma não RE, ele se distancia de um PDV imputado a outrem. 
2.2 Quando L1/E1 reproduz o PDV de um enunciador intradiscursivo sem se distanciar, 
convém distinguir as imputações com intenção informativa e as que têm intenção 
argumentativa. 
2.2.1 Intenção informativa – a “neutralidade” pode ser analisada primeiramente como 
reconhecimento: esse contém a verdade da relação da informação sem que seja necessário que 
L1/E1 se engaje sobre a verdade do conteúdo proposicional relatado. (casos: o policial que 
redige uma simples declaração ou um processo verbal e o jornalista que comunica declarações 
fazem apenas redigir um PDV, o que não significa que eles acreditem nessas declarações). 
a) Pedro disse que X é um Y b) A astrologia é uma ciência 
36
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2.2.2 Intenção argumentativa – L1/E1 se utiliza da informação por conta própria, com uma 
RE indireta, implícita. Nesse caso, é o contexto que indica se é preciso escolher o acordo ou 
o desacordo. 
Ex.: No que diz respeito ao ensino, todo mundo se combina para dizer que existe um desacordo 
entre as minhas proposições e as de Ségolène Royal. 
2.3 Um grau suplementar na expressão da RE por L1/E1 corresponde ao acordo explícito com 
o PDV de e2. Duas hipóteses se apresentam: 1) L1/E1 dizendo seu acordo com a esfera de outro 
(2e); 2) o acordo emergido como uma coconstrução. Essa RE corresponde a uma 
coenunciação, enquanto coprodução de um PDV único e dividido, os dois locutores formando 
apenas um único enunciador. 
(se não contestamos o fato de que a RE refere-se a L1/E1, questionamos que podemos pensar 
que isso seja toda a problemática. É por isso que propomos levar em consideração o conceito 
de “quase-RE” para os segundos enunciadores, nos quais podemos imputar os PDV, já que 
eles não disseram nada). 
E.: Pedro disse que X é um Y, e estou totalmente de acordo como ele, X é realmente um Y. 
Fonte: Lourenço (2015, p. 56). 
 
Como vemos, na acepção de Rabatel (2009), o locutor pode ou não assumir a 
responsabilidade enunciativa ou imputar o dito a enunciadores segundos. Esse locutor também 
pode reproduzir um PDV sem se distanciar da enunciação, optando por uma imputação com 
intenção informativa ou argumentativa. No entendimento de Rabatel, o caráter polifônico da 
linguagem exige do leitor a identificação de quem fala, ou melhor dizendo, de quem se 
responsabiliza pelo conteúdo proposicional veiculado no enunciado. 
Para explicar o dialogismo que se apresenta em cenas enunciativas, Rabatel (2016, p. 
89) demonstra os seguintes exemplos: 
 
(7) Pedro disse que não gosta dessas questões de responsabilidade enunciativa. 
 
Rabatel esclarece que Pedro é locutor segundo e validador da fala, sem que se saiba o 
que pensa L1/E1 a respeito do que foi enunciado. Já no exemplo seguinte, Rabatel explica que 
o L1/E1 valida, por sua conta, a relação predicativa subordinada. Vejamos: 
 
(8) Pedro disse que não gosta dessas questões de responsabilidade enunciativa. Sou de 
acordo! 
 
37 
 
No caso acima, L1/E1 assume explicitamente a responsabilidade enunciativa da fala 
relatada por meio de sua manifestação de acordo com o que foi enunciado. O PDV de L1/E1 é 
expresso pela assimilação do conteúdo, conforme discorre Rabatel (2005, p. 59): “um PDV 
corresponde a um conteúdo proposicional remetendo a um enunciador ao qual o locutor ‘se 
assimila’ ou ao contrário, se distancia”. 
Dos estudos sobre PDV, podemos afirmar que as escolhas lexicais feitas pelo locutor 
nos permitem identificar o ponto de vista do enunciador. Dessa forma, o PDV “resulta do 
agenciamento de perspectivas que se manifestam no texto por procedimentos variados a 
depender do gênero, do estilo do autor, da visibilidade que se quer dar a um ou outro enunciador, 
a um ou outro ponto de vista, ou simplesmente: da orientação argumentativa do texto” 
(CORTEZ, 2011, p. 39). 
Propondo uma visão geral sobre o ponto de vista, no plano de suas dimensões 
antropológicas e no plano de mecanismos linguísticos, Rabatel (2016, p. 30) sustenta que “o 
PDV se define pelos meios linguísticos pelos quais um sujeito considera um objeto, em todos 
os sentidos do termo considerar, quer o sujeito singular ou coletivo”. Referindo-se a esse objeto, 
o autor explica que pode ser um personagem, uma situação, uma noção ou um acontecimento. 
Assim, o sujeito responsável pela referenciação do objeto exprime seu PDV, que pode 
ser por comentários explícitos ou pela referenciação, ou seja, pelas escolhas de seleção, de 
combinação, de atualização do material linguístico. 
Nessa compreensão, Rabatel (2016, p.165), classifica os PDV em: (1) Ponto de vista 
representado, (2) Ponto de vista narrado e (3) Ponto de vista assertado: 
 
1) Ponto de vista representado, dando às percepções pessoais (e aos pensamentos 
associados) o modo objetivante das descrições aparentemente objetivas, uma vez 
que o leitor encontra-se diante das “frases sem fala” [...] 
 
2) Ponto de vista narrado, ocultando igualmente, as falas pessoais, mascarando estas 
últimas por trás de uma narração tão objetiva quanto possível [...] 
 
3) À primeira vista, o primeiro ponto assertado escapa a essa problemática, visto que 
se apoia, explicitamente, em ato de fala, em julgamentos mais ou menos construí 
dos que remetem, explicitamente, a uma origem enunciativa identificável. 
 
Relativamente ao ponto de vista representado, Rabatel (2016, p. 122) explica que o 
fenômeno linguístico ocorre porque a percepção de determinado objeto apresenta-se 
representada no enunciado. Esse ponto de vista é apreendido das relações sintáticas e 
semânticas entre um sujeito perceptivo (o focalizar ou enunciador), um processo de percepção 
e um objeto percebido (o focalizado). 
38 
 
Rabatel (2003, p. 4) expõe que um PDV, ou percepção representada, resulta da 
copresença de diversas marcas textuais. Observemos: 
 
 um processo de aspectualização, em que o focalizador é detalhado em diferentes 
aspectos de sua percepção inicial predicada ao comentar certas características; 
 na oposição entre os primeiros e os segundos planos do texto, a qual é suscetível de 
permitir um tipo de abandono enunciativo inerente ao focalizador, já que os segundos 
planos constroem a posição do PDV; 
 na presença das formas de visão deturpada em que vários valores textuais servem de 
expressão subjetiva das percepções; 
 em uma relação semântica retomando a anáfora associativa (quase sempre de natureza 
anafórica) entre as percepções representadas nos últimos planos e a percepção 
predicada nos primeiros planos. 
 
Rabatel (2016, p. 123, grifos do autor) apresenta o exemplo a seguir para ilustrar o ponto 
de vista representado: 
 
(1) P1 Rovère detalhou longamente as pernas. P2 As de uma mulher, provavelmente 
bastante jovem, a julgar pelo molde da coxa, da panturrilha, que a putrefação não 
havia ainda apagado. P3 Tatuzinhos, percevejos e baratas haviam-se infiltrado sob a 
seda das meias e fervilhavam em placas ondulantes. 
 
O autor elucida que o exemplo acima corresponde a percepções e pensamentos 
representados que constroem um sujeito de consciência. Rovère é o sujeito que inspeciona o 
cadáver e faz uso da expressão “fervilhavam” no momento em que tem contato com o cadáver. 
Embora os insetos fervilhassem antes de Rovère inspecionar o corpo, o leitor só toma 
conhecimento da existência desse processo no instante em que ele passa pelo “filtro perceptivo” 
do focalizador, o que demonstra um valor subjetivo. 
Além disso, o comentário sobre a silhueta da coxa é a inferência do observador sobre a 
juventude da vítima através das expressões “provavelmente” e “a julgar por”. 
Sobre o ponto de vista narrado, Rabatel (2004, p.34) assevera que ele “relata 
acontecimentos após a perspectiva do ator do enunciado, sem ir até a paralização enunciativa 
com as percepções representadas, uma vez que não há nele, segundo plano”. Nessa ótica, 
Lourenço (2015, p. 52) esclarece que “no PDV narrado, a ênfase recai sobre determinado 
personagem, passando os fatos a serem narrados sob sua perspectiva. Ocorre que, como é o 
narrador que expõe a perspectiva do personagem, a subjetividade do focalizador vê-se reduzida, 
uma vez que a debreagem enunciativa se dá em nível intermediário”. 
Deste modo, o ponto de vista narrado não pode ser confundido com as falas proferidas 
pelo narrador, “pois, a partir do momento em que o centro de perspectiva sai da atividade de 
narração strito sensu e ele se põe a falar, que se trate de comentários explícitos do narrador ou 
39 
 
de enunciados em discurso direto dos personagens, o PDV muda de natureza” (RABATEL, 
2016, p. 153). Nesse caso, autor

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