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EXPRESSÕES ARTÍSTICAS Professora Bebé Castanheira 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO À EXPRESSÃO ARTÍSTICA ..................................................................................... 3 2 ESTRUTURA .............................................................................................................................. 21 3 O PROCESSO DE OBSERVAÇÃO ................................................................................................ 40 4 ALFABETISMO VISUAL I ............................................................................................................ 60 5 ALFABETISMO VISUAL II ........................................................................................................... 84 6 TÉCNICAS VISUAIS .................................................................................................................. 115 3 1 INTRODUÇÃO À EXPRESSÃO ARTÍSTICA A primeira unidade do bloco 1 da disciplina Expressões Artísticas procura refletir acerca da forma como podemos expressar ideias. O assunto arte é extremamente complexo e abrangente. É um projeto de conhecimento a longo prazo. É fundamental que, ao longo do curso e, posteriormente, possamos cada vez mais estudar e procurar entender as várias formas de expressão artística pois, um importante repertório. Na segunda unidade deste bloco vamos dar continuidade à reflexão sobre as formas de expressão. Existe diferença entre os registros feitos por uma câmera fotográfica, um desenho e uma pintura? Claro! Temos uma diferença de linguagem, de objetivos, entre tantas outras. Existem muitas formas de expressar registros visuais. Tudo depende dos objetivos e da identidade que pretendemos imprimir aos projetos. Vamos falar de expressão artística? Vamos saber um pouco mais sobre distintas formas de representação? 1.1 Expressão Artística: Talento ou Competência? Uma das coisas mais comuns de se ouvir, quando o assunto é arte, é: Não entendo nada desse assunto! Não tenho criatividade! Bastante recorrente também é: Não sei desenhar! Esta é, em especial, uma preocupação para quem quer ingressar no curso de Arquitetura e Urbanismo. Usuario Realce Usuario Realce 4 Não sei desenhar, portanto, não posso fazer o curso! Grande engano! Assim como tudo, a Criatividade também pode (e deve ser) estimulada e desenvolvida, por meio de habilidades específicas: desenho, pintura, entre muitas outras possibilidades. Da mesma forma que adquirimos a competência para a escrita e para a leitura, também podemos adquirir a competência para a expressão artística. Igualmente comum é pensarmos que ser criativo é um talento, para poucas pessoas! Ou que, ser criativo depende de algo que não está em nós! Antigamente, na Grécia antiga, se acreditava que as Musas traziam a Inspiração. Vem daí a expressão “Hoje não estou inspirado! ”. Você já deve ter ouvido... Roberto Menna Barreto, grande publicitário, que escreveu o livro Criatividade em Propaganda, diz que: Se você está esperando a Inspiração, “fique certo de que as Musas vão lhe dar o bolo...” E por quê? Porque todos somos seres criativos. A criatividade é inata, ou seja, faz parte da nossa constituição, está em todos nós. E é uma qualidade, da qual se tem falado muito ultimamente. A expressão “Pensar Fora da Caixa” (do inglês, Think Out Side the Box), entre outras, tem aparecido cada vez mais, até em anúncios de empregos para vagas onde não imaginaríamos que fosse necessária a Criatividade! ☺ E agora, você pode perguntar: mas, e aquelas pessoas geniais, supertalentosas que tocam uma sinfonia com 5 anos de idade sem nunca ter tido uma aula de música? São pessoas que apresentam competências altamente desenvolvidas. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 5 De acordo com a pesquisa de Howard Gardner (1995), a Teoria das Múltiplas Inteligências, aquilo a que denominamos talento ou habilidade, nada mais é, do que uma das múltiplas Inteligências do ser humano. O pesquisador afirma que a inteligência visual integra o conjunto de oito inteligências que o indivíduo possui. Figura 1.1: Teoria das Múltiplas Inteligências A partir dessa teoria podemos entender que, naturalmente, estamos mais vocacionados para algumas áreas do que para outras. O que não significa que não possamos trabalhar e treinar habilidades. Já ouviu falar de 1% de Inspiração + 99% de Transpiração? Então, esta frase (também bastante utilizada atualmente) é de Thomas Edison, inventor da lâmpada incandescente. E sabem por quê? Por que, segundo consta, Edison tentou inúmeros materiais antes de encontrar o correto para que o projeto da lâmpada incandescente desse certo. Gênio? Talvez, mas, com muito trabalho também. Este é o caso da Expressão Artística. Muito bem, agora convém falarmos um pouco sobre o que é para nós uma obra de arte. Usuario Realce Usuario Realce 6 Muitos são os estudiosos que tentam definir Arte. Se você fizer uma pesquisa encontrará muitas definições, ou melhor, tentativas de definição. Para Read (1968, p. 12) qualquer abordagem que seja faça sobre Arte esbarra no fato que o indivíduo “reage perante a forma” e que, o estabelecimento de uma relação agradável ou desagradável, “é o sentido do belo” ou o “sentido do feio”, respectivamente. Aí, entraríamos em outra reflexão acerca do que é belo e o que é feio. O autor acaba por concluir que “a maioria das nossas concepções errôneas acerca da arte resulta da falta de consistência no uso das palavras arte e beleza” (READ, 1968, p. 13). Read (1968) refere ainda que a arte “não é a expressão plástica de qualquer ideal particular. É a expressão, de qualquer ideal que o artista possa realizar em forma plástica” ou seja, materializar. E, para a nossa abordagem, no âmbito do curso de Arquitetura e Urbanismo, convém ainda referenciar que, para Read (1968), o processo da atividade do fazer (ou expressar) artístico passa por três fases: Em primeiro lugar, a simples percepção de qualidades materiais – cores, sons, movimentos e muitas outras reações físicas mais complexas e indefinidas; em segundo, o arranjo de tais percepções em formas e padrões agradáveis. Pode-se dizer que o sentido estético termina aqui, mas, pode haver uma terceira fase. (READ, 1968, p. 16) A terceira fase, à qual o autor se refere, está vinculado ao “estado emotivo ou sentimental preexistente” e que, neste caso, constituiria uma expressão de sentimento. Neste caso, estamos falando de arte como expressão. Ainda segundo Read (1968), a percepção (que é o foco da nossa disciplina) poderia abordar apenas os dois primeiros processos: a questão dos elementos básicos e o arranjo de tais elementos. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 7 E é, disso que trataremos. Antes, no entanto, vamos propor algumas reflexões acerca da arte e da expressão artística. Veja esta imagem. Figura 1.2: Obra de Jackson Pollock Esta é uma obra de Jackson Pollock, pintor americano, e um dos expoentes máximos do expressionismo abstrato. A técnica utilizada nos seus trabalhos mais conhecidos é o “Dripping” (Gotejamento, em tradução literal) e que consiste em deixar pingar a tinta sobre o suporte (e, segundo consta, foi descoberto por acaso). É arte? Talvez algumas pessoas pudessem fazer comentários do tipo: Fazer isso é fácil. Até “fulano”, que não desenha nada, consegue fazer! E por que será que o “fulano” não fez? Usuario Realce Usuario Realce 8 A questão muitas vezes não se resume à concretização, mas sim, à ideia, ao conceito. Aquilo que está por trás daquiloque expressamos. Figura 1.3: Obra de Basquiat Talvez o mesmo pudesse ser dito acerca de Basquiat! Desenha como uma criança! Reza a lenda que Picasso teria dito que quando era pequeno desenhava como Raphael e, naquele momento (já com idade e consagrado), desenhava como uma criança e que, na perspectiva do pintor, era o estado da mais genuína expressão. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 9 Figura 1.4: Detalhe do Afresco de Atenas – Raphael Sanzio Veja a obra Ciência e Caridade. Foi pintada por Picasso, em 1897, quando tinha apenas 16 anos. Agora veja a obra Guernica. Foi pintado pelo mesmo artista em 1937, quando Picasso tinha 56 anos de idade. Compare as duas obras e a expressão de cada uma delas. Compare as duas obras e a expressão de cada uma delas. O que você? Uma há utilização de cor e a outra não. Além disso há uma transformação na maneira de elaborar a forma. Síntese? Deformação? Mudança. Usuario Realce 10 Figura 1.5: Ciência e Caridade – Pablo Picasso Figura 1.6: Guernica – Pablo Picasso E agora, vamos voltar ao início deste conteúdo: Usuario Realce Usuario Realce Usuario Nota PINTADA POR PICASSO EM 1897 AOS 16 ANOS Usuario Nota PINTADA POR PICASSO EM 1937 AOS 56 ANOS 11 E como fica a questão do desenho e do curso (ou ofício) da Arquitetura e Urbanismo? E aí, temos outra pergunta: o que é um bom desenho? É aquele que retrata, de forma fiel, o modelo observado? Os hiper-realistas, por exemplo? Há um enorme mérito na técnica dos pintores e desenhistas hiper-realistas, mas somente estes são bons desenhos? E aqueles que procuram, por meio da síntese, expressar uma ideia, ou um conceito? Não são bons? Agora veja o desenho abaixo. Parece interessante? Figura 1.7: Desenho de Oscar Niemeyer É um desenho de Oscar Niemeyer, arquiteto brasileiro e um dos mais importantes do mundo. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 12 Veja a economia de detalhes e a enorme expressividade da forma, da linha. Conseguiu transmitir a ideia que queria? Que pretendia? É isso que precisamos. Expressar ideias. E com este mote, Expressar Ideias, chegamos ao fim desta unidade. É imprescindível, para possa entender um pouco mais sobre o que estamos falando aqui, que assista ao documentário A Vida é um Sopro e que veja a expressão de outras ideias de Niemeyer. 2.1 Registro e Representação Os olhos se assemelham a uma câmera fotográfica. Talvez você já tenha ouvido esta expressão. E assim é, na medida em que os nossos olhos captam, com bastante fidelidade, a realidade observada (se os olhos do observador não apresentarem problemas, claro). Hoje, quando acontece algum evento que nos toca de forma intensa ou queremos apenas registrar um momento, utilizamos o nosso celular e eternizamos essa ocasião. Figura 1.8: Selfie Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 13 Com o advento das redes sociais e com o desenvolvimento tecnológico, essa possibilidade de guardar memórias, de certa forma, ficou banalizada em função da facilidade de se obter imagens com qualidade. Mas, nem sempre foi assim, claro! A primeira fotografia de que se tem notícia, data de 1825, e é da autoria de Joseph Nicéphore Niépce, um inventor e pioneiro da fotografia francês. No entanto, é somente no final do século XIX que ocorre o surgimento da fotografia como produto de consumo e, é o momento a partir do qual, a percepção do mundo está alterada em definitivo. Figura 1.9: Primeira Fotografia Disponível em: <https://www.savarisphotostudio.com.br/sem-categoria/a-primeira-fotografia- do-mundo.html>. Acesso: 22 dez. 2018. A possibilidade de um novo registro imagético, que não fosse a clássica pintura, democratiza de algum modo o acesso de classes menos abastadas ao registro da imagem como valor cultural (e emocional) a ser preservado. O primeiro autorretrato fotográfico de que se tem notícia é de autoria do pioneiro da fotografia Robert Cornelius, americano, e foi tirada em 1839 (Figura 1.10). Usuario Realce Usuario Realce 14 Figura 1.10: Primeiro Autorretrato (Selfie) Disponível em: < http://www.history101.com/robert-cornelius-first-man-selfie/>. Acesso: 22 dez. 2018. A busca do homem pelo registro de imagens é anterior ao domínio da linguagem. Essa necessidade de materializar, tanto quanto possível, fatos, lugares e pessoas fez com construíssemos uma enorme trajetória na busca por diferentes formas de captação e tratamento de tais registros. Quando um fotógrafo capta uma imagem pode optar por algumas formas de alterar a realidade observada. Pode, por exemplo, escolher entre fazer esse registro em cores ou preto e branco. Figura 1.11: Fotografia Colorida Figura 1.12: Fotografia Preto e Branco (P&B) Usuario Realce 15 Pode também alterar a percepção por meio de intensidade distintas de luz, o que pode acarretar uma maior ou menor dramaticidade à imagem (Figura 1.13); por um enquadramento distinto do que seria de esperar (Figura 1.14); ou ainda utilizar técnicas de sobreposição de imagens (Figura 1.15); até a intervenção gráfica, posterior ao registro, que os programas de edição de imagem permitem (Figura 1.16), entre tantas outras. Figura 1.13: Fotografia Preto e Branco (P&B) Figura 1.14: Fotografia Preto e Branco (P&B) Figura 1.15: Fotografia Preto e Branco (P&B) Figura 1.16: Fotografia Preto e Branco (P&B) O que o fotógrafo está fazendo? Realizando uma intervenção na forma como registra essa informação visual. Estamos falando de objetividade e subjetividade na forma de registrar a imagem observada. A primeira reflete um objetivo técnico e a segunda um objetivo artístico. O que isso quer dizer? Veja as duas imagens a seguir. Na primeira é muito óbvio a intenção em mostrar o objeto. É um registro objetivo da realidade. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 16 Já na segunda, uma aquarela de Giorgio Morandi (artista italiano famoso por suas naturezas mortas com garrafas, entre outros elementos) há uma subjetividade na transposição da realidade. É um registro poético, um descompromisso com os detalhes, com a proporção. Figura 1.17: Garrafa Figura 1.18: Aquarela de Giorgio Morandi Quando falamos de objetividade estamos falando de um registro cujo objetivo é mostrar algo da forma mais próximo que for possível da sua realidade. Uma foto para um veículo de informação (Figura 1.20), por exemplo, ou uma foto com o objetivo de vender um objeto (Figura 1.19). Figura 1.19: Fotografia para catálogo de vendas Figura 1.20: Jornal Por outro lado, quando falamos de subjetividade estamos falando da expressão artística, de uma linguagem própria que procura expressar um conceito, uma ideia. A objetividade está presente no nosso cotidiano. Já a subjetividade, nem sempre. E muitas vezes nos causam estranheza a forma subjetiva de expressar ideias. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 17 As formas de intervenção que referimos anteriormente, na fotografia, também se fazem presentes em outras formas de registros imagéticos, como a pintura, o desenho, entre outros. Segundo Read (1968), este é um processo que contempla três fases: Em primeiro lugar, a simples percepção de qualidades materiais – cores, sons, movimentos e muitas outras reações físicas mais complexas e indefinidas; em segundo, o arranjo de tais percepções emforma e padrões agradáveis. Pode-se dizer que o sentido estético termina aqui, mas, pode haver uma terceira fase, que começa quando se força certo arranjo de percepções a corresponder a um determinado estado emotivo ou sentimental preexistente. (READ, 1968, p.16) Agora, compare as imagens a seguir. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 18 A Figura 1.21 apresenta o registro de um vaso de um material transparente (vidro, talvez cristal). Uma imagem sóbria, sem nenhum adereço, com uma iluminação adequada que não deixa dúvida em relação ao objeto (a não ser claro, a sua escala, pois, como não temos nenhum objeto conhecido próximo, não temos ideia do seu tamanho. Pode ter 20 cm de altura? Não sei. Pode ter 40? Também não sei. Mas, isto não é o nosso foco aqui.) Já a Figura 1.22 apresenta o mesmo contorno, mas com uma técnica representativa que parece diluir o objeto, do ponto de vista gráfico, o que imprime outra linguagem ao registro. Repare que ainda é possível perceber uma certa profundidade, mas, o resultado levanta algumas dúvidas. A Figura 1.23, por sua vez, fez uma síntese ainda maior da forma e, neste caso, não há a presença de recursos que permitam visualizar o volume ou a profundidade do objeto. Está plano, mas, por outro lado, mantém a maior parte do contorno principal. E a Figura 1.24? Provavelmente, se não tivéssemos a imagem original, a Figura 1.21, não identificaríamos o objeto, mas, isto não altera o valor que o registro gráfico tenha por si só. Qual delas está correta? Como referimos na apresentação da unidade, tudo depende do objetivo. Daquilo que queremos expressar. O importante é perceber que não há um único caminho. Há muitas possibilidades. A história da arte está repleta de autorretratos que reforçam as várias maneiras de traduzir um rosto. Claro que os movimentos artísticos por si só, já imprimem linguagens distintas, mas, estamos falando de possibilidades formais, por meio das quais, os retratos transmitem e comunicam por caminhos gráficos diferentes. Repare na imagem a seguir que apresenta Pablo Picasso em 3 distintas fases de sua longa carreira artística. Veja a mudança de linguagem gráfica entre a primeira representação, aos 15 anos e a última, aos 89 anos. Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce 19 Consegue perceber alguma coisa em comum nos 3 autorretratos? Claro! Tanto na forma mais clássica quanto nas formas menos clássicas há sempre a mesma pessoa: o próprio Picasso. Retratado em momentos e formas distintas, mas, sempre o Picasso. Figura 1.25: Autorretratos de Picasso Disponível em: <https://twistedsifter.com/2016/12/picasso-self-portraits-at-different-ages/>. Acesso em: 8 jan. 2019. Tanto na forma mais realista, quanto nas formas mais estilizadas, há sempre um referencial físico que constitui o objetivo da mensagem a ser comunicada. Uma pessoa, um objeto, uma paisagem, uma marina, uma natureza morta. E a arte abstrata? Também possui esse referencial físico? Em termos da intenção do artista, pode até haver esse referencial, mas, enquanto composição, a articulação da forma e da cor, abre possibilidades de interpretação, pois, não está compromissada, como a arte figurativa, a representar algo que seja reconhecível pelo observador. E assim chegamos ao fim de mais uma unidade da disciplina de Expressão Artística. Até a próxima! 20 Conclusão Esta unidade não tem por objetivo fazer um tratado sobre a arte, a estética ou o belo, mas, antes, levantar algumas questões para que possamos refletir acerca dos meios, dos conceitos e das formas. Abordar a questão da arte, no âmbito do curso de Arquitetura e Urbanismo, está relacionado não só com a questão do repertório (ou seja, do lote de informações que constituímos ao longo da vida) mas, também, com a forma como somos capazes de tentar treinar e expressar de ideias. A realidade que nos cerca pode ser retratada de várias formas, por meio de várias linguagens. A fotografia, o desenho, a pintura, uma aquarela, entre tantas outras. A maior ou menor fidelidade da captação dessa cena, objeto ou pessoa, não traduz, necessariamente, a sua maior ou menor qualidade, mas, antes uma distinta linguagem, uma forma distinta de captar aquilo que nos cerca. Referências BARRETO, Roberto Menna. Criatividade em Publicidade. Rio de Janeiro: Dummus Editorial, 1978. READ, Herbert. O Significado da Arte. Lisboa: Editora Ulisseia, 1968. Material de Apoio OSCAR Niemeyer: A Vida é um Sopro. Direção de Fabiano Maciel. Brasil, 2007. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=AYhpFEHJkkI>. Acesso em: 26 mar. 2019. https://www.youtube.com/watch?v=AYhpFEHJkkI 21 2 ESTRUTURA A primeira parte do segundo bloco da disciplina de Expressão Artística mergulha no conteúdo de uma mensagem visual. Mas, como assim? Mensagem visual não é só a imagem e pronto? Não! Uma mensagem visual pressupõe 3 níveis distintos de construção do seu significado. A segunda parte fala da estruturação dos dados visuais. O suporte que abrigará os elementos da composição deve ser pensado em termos da articulação do todo. A este pensamento preliminar damos o nome de estrutura visual. Vamos lá entender um pouco mais sobre a mensagem visual e a estrutura do campo visual? 2.1. Anatomia da Mensagem Visual Para Dondis (2007), o indivíduo se assemelha à uma câmera fotográfica na medida em que observa, capta, armazena e recorda imagens. Embora bastante eficiente em termos visuais, a câmera “humana” se distancia da câmera fotográfica na medida em que a captação analógica ou digital (câmera analógica ou digital) tem uma capacidade de observação e de reprodução imensamente superior. Toda e qualquer mensagem visual é elaborada e percebida em 3 níveis: representacional, abstrato e simbólico. Quando falamos em termos representacionais, estamos nos referindo aquilo que vemos e identificamos como real, ou seja, faz parte do nosso repertório e, sobretudo, do nosso cotidiano. O nível abstrato está relacionado aos componentes visuais básicos e elementares que constituem a imagem ou objeto. 22 O âmbito simbólico está relacionado com um sistema de símbolos, ou seja, com a informação que somos capazes de reconhecer. 2.1.1. Nível Representacional Observe a imagem abaixo. Qual é a primeira ideia que vem a sua cabeça? Figura 2.1: Par de Botas Alguns poderão relacionar a imagem, de imediato, ao trabalho; e outros, ainda, ao lixo. Mas pode ser que alguns relacionem com uma obra de Van Gogh (Figura 2.4). Dependerá do meu repertório, como referimos há pouco. Figura 2.2: Placa Figura 2.3: Aterro 23 Figura 2.4: Par de Botas – Van Gogh* Fonte: <https://filosofianamadeiratorres.blogspot.com/2011/06/as-botas-de-van-gogh-texto-de- m.html>. Acesso em: 26 mar. 2019. Como percebemos os diferentes significados? Quando somos pequenos somos ensinados a identificar o mundo que nos rodeia. Isto é um cão, isto é uma bola, entre outros. Figura 2.5: Cachorro Figura 2.6: Bola Além disto, somos alfabetizados por meio da imagem onde construímos relações entre a representação e o significado do mundo que nos cerca, do nosso quotidiano. 24 Figura 2.7: Quadro de alfabetização A medida em que aperfeiçoamos a nossa capacidade de observação também conseguimos distinguir técnicas de representação. Veja as imagens a seguir. É possível entender que todas representam o mesmo objeto, uma maçã, mas que a primeira delas apresenta maior fidelidade ao objeto representado, dado ser uma fotografia; que a segunda, embora seja possível visualizar uma maçã, não apresentao mesmo realismo; e a terceira, onde também se vê claramente uma maçã, apresenta uma síntese da forma. 25 2.1.2. Nível Abstrato Quando falamos em abstração, é comum pensarmos em uma pintura não figurativa. Na pintura figurativa (Figura 2.11 - Duas Jovens Meninas ao Piano – Auguste Renoir) é possível visualizar o que o artista pretendeu representar (pessoas, objetos, paisagens, entre outros). Já na pintura abstrata não é possível reconhecer a nossa realidade, mas, antes, uma composição onde a forma e a cor permitem interpretações distintas. Figura 2.11: Duas Jovens Meninas ao Piano – Auguste Renoir (1892) 26 Figura 2.12: Composição 8 – Wassily Kandinsky (1923) Fonte: <https://www.infoescola.com/artes/kandinsky/>. Acesso em: 26 mar. 2019. O termo abstração, no âmbito da filosofia, remete ao que, depois de separado de um todo, fica isolado. Abstrato é o que resulta do processo de abstração, ou seja, a análise de uma parte, ainda que faça parte do todo. Em termos visuais o nível abstrato da mensagem visual fala exatamente disso: das muitas partes que compõem o todo. Em se tratando da forma estamos falando dos elementos básicos visuais. É o que Dondis (2007) denomina de subestrutura formal onde, segundo a autora, se encontra o significado da mensagem visual e que, por pertencer ao domínio da anatomia de uma mensagem visual, é de grande intensidade em termos de comunicação (DONDIS, 2007, p. 100). E o que isto quer dizer? Repare na imagem a seguir. É uma sequência que mostra uma síntese gráfica elaborada por Pablo Picasso, pintor espanhol e um dos mais representativos do panorama artístico do século XX. https://www.infoescola.com/artes/kandinsky/ 27 Veja que as imagens 1, 2, 3 e 4 apresentam muitos elementos. A partir da quinta imagem começa a haver um processo de síntese da forma que finaliza na imagem 11, onde há apenas o contorno. Está certo? Está errado? As formas como representamos alguma coisa dependem da intenção projetual. Figura 2.13: Touro – Pablo Picasso (1945) Fonte: <https://arteref.com/arte/as-etapas-do-touro-de-picasso-do-academico-ao-abstrato/>. Acesso em: 26 mar. 2019. Compare as figuras 2.14 e 2.15. Na primeira temos um registro fotográfico de uma paisagem. Nele é possível perceber as montanhas, o lago, as árvores. Somos capazes de distinguir a forma e a cor, além do contraste da luz e sombra que (as zonas de claro e escuro) que integram a paisagem. Na Figura 2.15 temos um registro simplificado da forma. Uma síntese gráfica onde se busca a forma pela forma. 28 É disto que trata o nível abstrato da mensagem visual. Figura 2.14: Paisagem Figura 2.15: Paisagem (Síntese) 2.1.3. Nível Simbólico O nível simbólico da mensagem visual contempla a habilidade que o indivíduo tem de identificar e recordar o objeto visualizado. 29 Está relacionado ainda com a capacidade de reconhecimento universal, ou seja, algo que todos os indivíduos entendem sob o mesmo significado, ou seja, constitui o vasto universo de sistemas de símbolos codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual atribuiu significados (DONDIS, 1997, p. 85). Veja as imagens abaixo. A Figura 2.16 mostra um símbolo1, criado pelo designer Gerald Herbert Holtom na década de 1960 e que ficou associada à ideia de paz. A Figura 2.17 representa uma pomba cuja leitura simbólica tem como significado a paz, seja em uma síntese gráfica como essa ou até uma imagem real. 2.1.4. A interação dos 3 níveis Para Dondis (2007), só é possível captar e elaborar mensagens visuais de forma eficaz, se houver o domínio, entre outros, dos seus 3 níveis: o representacional, o abstrato e o simbólico. Para a mesma autora as especificidades de cada um dos níveis, ao se sobreporem, interagem e reforçam mutuamente suas respectivas qualidades (DONDIS, 2007, p. 103). A veracidade do nível representacional, daquilo que captamos cotidianamente, nada seria se não houvesse o entendimento do nível da abstração e, sobretudo, do nível simbólico. O processo dinâmico do nível da abstrato enriquece o resultado. 1 A marca relacionada com a Paz, na verdade, foi criada como representação visual de uma campanha pelo Desarmamento Nuclear (Nuclear Disarmament, em inglês). A premissa conceitual vem da união das duas letras, N e D. 30 A natureza da abstração libera o visualizador das exigências de representar a solução final e consumada, permitindo assim que aflorem à superfície as forças estruturais e subjacentes dos problemas compositivos, que apareçam os elementos visuais puros e que as técnicas sejam aplicadas através da experimentação direta. (DONDIS, 2007, p. 104) As associações que somos capazes de empreender, no nível simbólico da mensagem visual, carregam a responsabilidade de enfatizar e comunicar de forma eficaz o conteúdo que se deseja. Na interação dos 3 níveis, segundo Dondis (2007), há, no primeiro momento, a percepção dos fatos visuais e, posteriormente, a apropriação do conteúdo compositivo. Construção e significado. E assim encerramos mais um conteúdo da disciplina de Expressão Artística. Para a fixação do conteúdo recomendamos a leitura indicada e a elaboração do Quiz. 2.2. Estrutura e Composição Toda e qualquer elaboração visual, seja bidimensional ou tridimensional, demanda uma estrutura onde estarão inseridos os elementos que resultarão em uma composição formal. O que isso quer dizer? Vamos imaginar que temos 4 elementos com os quais devemos elaborar uma composição. 31 Figura 2.18: Elementos + Suporte Entre as muitas possibilidades que temos para elaborar esta composição, optamos por inserir cada um dos elementos nas proximidades das quatro extremidades do suporte disponível, ou seja, do fundo. Figura 2.19: Elementos Organizados Mesmo que seja uma composição tão simples como essa, há aspectos a serem levados em consideração. Qual será a distância entre a extremidade do suporte e as figuras? Os elementos estarão alinhados ou não? A esta definição chamamos estrutura visual. 32 Figura 2.20: Elementos Organizados + Estrutura E por que é importante haver uma estrutura? Porque a intencionalidade compositiva está na forma como arranjamos os elementos em uma determinada área. O suporte, ou o fundo, é sempre considerado na inserção dos elementos. Essa estruturação do conteúdo, que também atende pelo nome de grid, ou grade em português, no modelo clássico, constitui uma série de linhas “invisíveis”, mas, em termos contemporâneos pode se firmar como um elemento ativo, do ponto de vista gráfico. O interessante é que mesmo não desenhado esse traçado é capaz de organizar o espaço por meio da composição dos elementos. 2.2.1 Grid Lupton (2008) refere que grid nada mais é do que uma rede de linhas, horizontais e verticais que contribuem para a organização espacial. A autora refere ainda que esta mesma malha construtiva também pode se materializar com uma forma mais complexa (anguloso, irregular, entre outros). A elaboração de um trabalho visual processa-se num campo, como uma folha de papel ou uma tela de computador. O tamanho e as proporções desses campos influenciam diretamente o resultado da composição. O grid é a malha estrutural desse projeto de design. É o mapa indicativo. 33 Um grid é usado para organizar o espaço e a informação para o leitor; ele mapeia um plano para todo o projeto. Além disso, um grid é um território para a informação e uma maneira de ordenar e manter a ordem. Apesar do grid ter sido usado por séculos, muitos designers gráficos associam o grid aos suiços. A fúria pela ordem nos anos 1940 levou a uma forma sistematizada de visualizaçãoda informação. Décadas mais tarde, os grids eram considerados monótonos e enfadonhos - o símbolo de um "designossauro". Hoje, os grids são vistos novamente como ferramenta essencial. (TONDREAU, 2009, p. 9) Ainda que não nos apercebamos o grid está presente em nosso cotidiano e no mundo que nos cerca. Sabe aquele caderno pautado? Tem grid. Sabe aquele prédio enorme, com janelas e varandas? Tem grid. Figura 2.21: Caderno Figura 2.22: Prédio 2.2.1.1 Grid: Variações Formais O grid de nove quadrados é um clássico na elaboração da forma. Repare que mesmo dividido em nove áreas, de forma subliminar (ou seja, com a união de alguns quadrados), como refere Lupton (2008), há variadíssimas possibilidades de arranjos formais que imprimem dinamismo ao conteúdo. 34 Figura 2.23: Grid com 9 Quadrados Fonte: Ellen Lupton/Novos Fundamentos do Design Repare que o fundo, a parte branca (que aqui simula o nosso suporte) está dividido em nove partes iguais separadas por espaços, também iguais, além de apresentar também uma margem em todo o perímetro do suporte. Este é um elemento de extrema importância na composição, pois, constitui uma área de “respiro visual” entre os elementos e o término do espaço disponível para a inserção dos dados visuais. Figura 2.24: Variações de Grids com 9 Quadrados Fonte: Ellen Lupton/Novos Fundamentos do Design Agora veja as inúmeras possibilidades estruturais que Lupton (2008) apresenta partindo do grid básico de 9 quadrados (Figura 2.23). 35 É interessante notar que mesmo dividido em nove áreas, de forma subliminar (ou seja, em alguns exemplos não fica tão explícito as nove áreas), como refere Lupton (2008), há variadíssimas possibilidades de arranjos formais que imprimem dinamismo ao conteúdo. O primeiro grid (esquerda) da segunda linha, por exemplo, há uma área de hierarquia visual, na parte superior, e 3 áreas que acabam por ficar com a mesma importância em termos do todo. Ou, a grid imediatamente abaixo, onde além de um destaque na parte vertical superior, temos também a distinção vertical inferior, justamente pelas distintas larguras das colunas. Agora veja como a mesma estrutura formal com porções cromáticas distintas transforma uma simples composição em algo complexo em termos do resultado visual, além, claro, de organizar o espaço. Figura 2.25: Variação Cromática de Grids com 9 Quadrados Fonte: Ellen Lupton/Novos Fundamentos do Design 36 Lupton (2008) refere ainda a distinção entre um grid rígido e um flexível, que nas palavras da autora recebe a denominação de grid quebrado. Compare a presença inequívoca do grid na Figura 2.26. Embora não esteja “desenhado” acaba por se materializar na junção das imagens, milimetricamente unidas. Qual é a percepção que você tem ao observar a Figura 2.26? Primeiramente, claro, o sentido de organização, que é muito óbvio no resultado. Ainda que algumas imagens apresentem muita informação visual, a rigidez do grid organiza o todo compositivo. Figura 2.26: Grid Rígido Fonte: Ellen Lupton/Novos Fundamentos do Design Agora observe a Figura 2.27. O que é possível captar como informação visual? Ao contrário da anterior, a primeira impressão que se tem é de algo não organizado, certo? Aleatório, talvez? Repare também que as imagens não apresentam similaridade em termos de tamanho, embora todas sejam muito simples em termos dos objetos visuais que nos oferecem. Cada imagem só apresenta um produto e com grande parte do fundo como elemento visual. 37 Veja ainda que o fato das imagens estarem sobrepostas imprime uma certa leveza na composição dando até, em alguns casos, a sensação de profundidade já que conseguimos perceber a imagem que está na parte superior e a imagem que se encontra na parte inferior do plano. Qual das composições estaria correta? Como referido anteriormente, só a intenção projetual dirá o caminho visual mais indicado. Figura 2.27: Grid “Quebrado” Fonte: Ellen Lupton/Novos Fundamentos do Design 38 2.2.2 Regra dos Terços Uma dinâmica bastante conhecida em termos da composição visual, principalmente no âmbito da fotografia, é a regra dos terços que, diz ser necessário dividir o campo visual em três partes horizontalmente e verticalmente. E por que? Porque, segundo a regra, nos pontos de intersecção das linhas verticais e horizontais está localizada a área de maior interesse visual de uma composição. Figura 2.28: Regra dos Terços E com a regra dos terços finalizamos mais um conteúdo da disciplina de Expressão Artística. Até a próxima! 39 Conclusão Para que haja a compreensão de uma mensagem visual é fundamental o entendimento de seu nível representacional, abstrato e simbólico e, sobretudo de sua interação. O nível representacional está relacionado com a ligação que estabelecemos com o cotidiano e a forma como reconhecemos esse mundo exterior nas imagens. O nível abstrato contempla a forma em seus elementos básicos visuais. O terceiro, e último nível, o simbólico, está relacionado com os significados que atribuímos a tudo que nos rodeia. A elaboração de uma composição visual demanda uma articulação entre o suporte e os dados visuais. O pensamento desse todo compositivo deve se fazer presente por meio da estruturação preliminar do espaço, o “esqueleto estrutural”. Para que a intenção da mensagem visual que pretendemos emitir fique clara é necessário que essa interação entre dados visuais e elementos seja eficaz e, somente por meio do seu planejamento, isto é possível. Referências DONDIS, Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007. LUPTON, Ellen. Novos Fundamentos do Design. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2008. 40 3 O PROCESSO DE OBSERVAÇÃO O Bloco 3 da disciplina de Expressão Artística tem por objetivo constituir um panorama do processo de observação. Desta forma, o conteúdo aborda a distinção entre os processos de olhar e ver, a questão da percepção da forma e, em síntese, como se processa parte da aquisição do alfabetismo visual. Dando continuidade ao desenvolvimento do Bloco 3, vamos falar sobre uma teoria que aborda a questão da percepção da forma, enquanto processo involuntário. Vamos falar da Teoria da Gestalt. 3.1. Introdução ao Processo de Observação A imagem tem sido meio de expressão da cultura humana desde sempre. Ao que tudo indica, no início de tudo, era utilizada como sistema de anotações e registros cotidianos, como é possível observar nas Cavernas de Lascaux, na França, onde existem desenhos com mais de 15 mil anos. 41 Figura 3.1: Cavernas de Lascaux Posteriormente a imagem passou a ser utilizada pelo ser humano para expressar sentimentos, emoções e, sobretudo, uma visão pessoal do mundo e da vida. Figura 3.2: Capela Sistina Esta forma de expressar, a expressão artística, a arte, tem tido um desenvolvimento enorme ao longo da história da humanidade. São muitos os movimentos e as formas utilizadas para transmitir ideias. Há outras formas de expressão artística, além do desenho e da pintura, como a escultura, a música, a dança, o teatro, entre tantas outras. 42 O que nos interessa, particularmente, para esta disciplina, é a imagem e a forma como a percebemos. Figura 3.3: Guernica Então, vamos começar com uma pergunta: Existediferença entre olhar e ver? Embora cotidianamente os verbos olhar e ver sejam considerados sinônimos, na prática se distinguem pela profundidade de suas abrangências. Ou seja, olhar e ver não constituem a mesma ação: é possível olhar e não ver! Como assim? Olhar um objeto não implica, necessariamente, a imediata compreensão do seu significado. Ou seja, a luz incide sobre um objeto e os meus órgãos sensoriais, os olhos, captam esse estímulo. Para haver a compreensão deste estímulo captado, ou seja, daquilo que os meus olhos conseguiram enxergar, há um processo neural complexo. Quando eu consigo entender aquilo que foi enxergado, o processo de ver acontece. Para Dondis (2007), pode ser entendido como um processo de observação sensorial, que todos vivenciam desde pequenos e que resulta na capacidade de reconhecer e compreender, em termos visuais, as forças ambientais e emocionais a que estamos submetidos no nosso cotidiano. Ver, segundo Dondis (2007), é uma experiência direta, veloz, de grande alcance, analítica e sintética. 43 Embora olhar seja inerente à condição (ideal) humana, se distingue de ver, na medida em que atribuímos significados (e os relacionamos) ao objeto observado. Como assim? Bom, vamos imaginar o seguinte. O que temos aqui? Figura 3.4: Ferrari Para um bebê pode ser apenas forma e cor. Figura 3.5: Bebê Figura 3.6: Síntese formal de um Carro 44 Para uma executiva, extremamente ocupada, pode ser apenas um meio de transporte. Figura 3.7: Executiva Figura 3.8: SUV Mas, para um piloto de Fórmula 1, por exemplo, não é apenas um carro, mas, sim, uma marca, uma Ferrari. Figura 3.9: Piloto Figura 3.10: Marca Ferrari Na prática é como dizer que, para que um adulto saiba o que é um carro, inicialmente, em sua infância, alguém forneceu essa informação e a sua vivência aperfeiçoou o conhecimento sobre o assunto. Dependendo do interesse, a criança pode vir a ser um adulto que embora reconheça um automóvel não distingue a sua marca ou ainda, um especialista no assunto com sofisticado grau de conhecimento sobre todas as especificidades do assunto. Munari (1968, p. 19) refere que “Cada um vê aquilo que sabe” ou, em outras palavras “conhecer as imagens que nos rodeiam significa também alargar as possibilidades de contato com a realidade; significa ver mais e perceber mais”. 45 Assim como existe a alfabetização para a leitura e a escrita de palavras com o objetivo tornar o indivíduo capaz de expressar ideias verbalmente, existe também a alfabetização visual para que o mesmo indivíduo possa aperfeiçoar a sua competência para expressar e entender mensagens visuais de forma elaborada e eficaz. É disto que trata esta disciplina: a compreensão dos fundamentos da sintaxe da linguagem visual, por meio do estudo da forma e dos elementos conceituais, visuais e relacionais do design. Segundo a Teoria de Gardner há muitas inteligências que compõem uma inteligência maior, um grande conjunto de competências. Está relacionado com o desenvolvimento das competências que, para Dondis (2007), convergem para as ideias de percepção, compreensão, observação e, em termos objetivos, com a distinção entre olhar e ver. O pesquisador afirma que a inteligência visual integra o conjunto de oito inteligências que o indivíduo possui. Está relacionado com o desenvolvimento das competências que, para Dondis (2007), convergem para as ideias de percepção, compreensão, observação e, em termos objetivos, com a distinção entre olhar e ver. Para que haja a efetiva alfabetização visual, ou seja, a interpretação da mensagem visual, é fundamental que haja a compreensão do conteúdo e da forma à luz do contexto de sua produção, pois como refere Dondis (2007), “a forma é afetada pelo conteúdo e o conteúdo é afetado pela forma. A mensagem é emitida pelo criador e modificada pelo observador. ” A alfabetização visual só acontece quando somos capazes de interpretar a mensagem visual. E como é possível compreender a mensagem visual? Como refere Dondis (2007), “a visão é natural: criar e compreender mensagens visuais é natural até certo ponto, mas a eficácia, em ambos os níveis, só pode ser alcançada através do estudo”. 46 Há técnicas que podem ser aprendidas e exercitadas. Além disso, é fator importante, seja na concepção ou na interpretação das mensagens, o conteúdo do nosso repertório. E o que é repertório? É o conjunto de referências que “colecionamos” ao longo da vida. Aquilo que assistimos, aquilo que ouvimos, aquilo que lemos, entre outras coisas, consolidam o repertório individual. Além disto, temos ainda fatores inerentes ao nosso organismo. Respostas fisiológicas que, se percebidas, podem ser instrumentos valiosos na construção e percepção e mensagens visuais eficazes. A interação entre o que os nossos olhos são capazes de captar e o nosso cérebro é capaz de processar (aliado aos estímulos visuais recebidos, pois, somos ensinados e alfabetizados por meio da imagem) consolidam um repertório adquirido. Somos assim, capazes de identificar o mundo que nos rodeia. Não apenas capazes de identificar os objetos (ou seja, tudo o que é tridimensional), mas aprendemos também a identificar a síntese gráfica desses objetos: um desenho ou uma fotografia, por exemplo. Observe o objeto da Figura 3.11: é possível perceber a forma, a cor, a volumetria, o contraste da luz e sombra. Na Figura 3.12, ainda que seja uma síntese da figura anterior, também é possível perceber a forma e identificar o objeto, embora sem a riqueza de detalhes da figura 3.7. O mesmo acontece na figura 3.13, em parte: ainda que haja a ausência de detalhes (como o contraste de luz e sombra ou a cor) é possível perceber e identificar o objeto representado embora sem a presença da volumetria. 47 E se há verdade na afirmação de que cremos naquilo que vemos, muitas vezes também, podemos ter uma visão seletiva e enxergar apenas aquilo em que acreditamos. Observe a Figura 3.14. O que você enxerga? Um peixe? Dois peixes? Um rosto? Figura 3.14: Conto de Fadas | Autor: CDD 20 Fonte: <https://pixabay.com/pt/conto-de-fadas-peixes-retrato-1077859/>. Acesso em:27 mar. 2019. Na medida em que aumentamos o repertório adquirido (as nossas referências) e aperfeiçoamos o nosso processo de observação, passamos a ser capazes de identificar 48 incongruências visuais, ou seja, detectar alguma coisa incorreta na construção dos dados visuais. Examine as duas imagens. Há alguma diferença entre as duas? Figura 3.15: Figura Possível Figura 3.16: Figura Impossível A Figura 3.16, ao contrário da Figura 3.15, é a representação de uma construção impossível, ou seja, é passível de ser representada por meio de um desenho, mas não de ser construída em termos físicos. Escher (Maurits Cornelis Escher – 1898/1972), artista gráfico holandês, ficou conhecido pela produção de gravuras cujos padrões construtivos desafiavam a lógica da forma. A construção impossível, os elementos construtivos que se fundem e se configuram em novas formas, o plano irreal, a metamorfose inverossímil, a realidade utópica. Tudo isto caracteriza a obra de Escher que desafia a percepção visual por meio de ambiguidades e ilusões de ótica. 49 3.2 Teoria da Gestalt 3.2.1 Introdução ao Processo de Percepção Gomes Filho, um estudioso da questão da percepção visual, diz que “toda a forma psicologicamente percebida está relacionada às forças integradoras do processo fisiológico cerebral” (GOMES FILHO, 2002, p. 19). O que ele quer dizer com isso? Toda a vez que a visão captaum estímulo acontece uma dinâmica fisiológica que ajuda a construir o entendimento daquilo que foi visualizado. A teoria da Gestalt trata disso. Gestalt é uma palavra alemã, sem tradução literal para o português, mas está próximo de forma, estruturação, configuração. Segundo Gomes Filho (2002, p. 19), a Gestalt procura explicar a “origem dessas forças integradoras” por meio de um “dinamismo autorregulador”, que todos temos e que, de forma inconsciente, está constantemente a procura de organização visual. A Teoria da Gestalt foi desenvolvida na transição dos séculos XIX e XX por um grupo de cientistas alemães, da Universidade de Frankfurt (Max Wertheimer, Wolfgang Kohler, Kurt Koffka e Kurt Lewin) que, para a elaboração da teoria, partiram da seguinte questão: “por que vemos as coisas como vemos? ” Este conceito reforça a ideia que o que acontece no cérebro não é idêntico ao que acontece na retina (a distinção entre olhar e ver, que vimos anteriormente) e trabalha com dois conceitos: Supersoma e Transponibilidade. “O todo não é igual à soma de suas partes”. Este é o conceito de Supersoma. E o que isto quer dizer? 50 Na prática é como dizer que se somarmos 1 + 2, obteremos como resultado o número 3, mas o número 3, em si, já não é o número 1 e nem o número 2. É outra coisa. O outro conceito, a Transponibilidade, diz que, seja qual for o número de elementos que compõem determinado objeto, a primeira percepção que se tem é sempre do todo, ou seja, a forma do todo é que sobressai. Primeiro observamos o todo para, na sequência, observamos as partes. Figura 3.17: Simulação Quadro de Mondrian Figura 3.18: Simulação Quadro de Mondrian (em Partes) A teoria da Gestalt trabalha também com a relação figura-fundo. Quando falamos de uma composição, há sempre duas partes a serem consideradas: a figura e o fundo. 51 A tendência que temos (seja ao observar ou elaborar a mensagem visual) é prestar atenção na imagem, mas o fundo também compõe o todo visual. Veja a Figura 3.19. O que você vê? É possível que você esteja, alternadamente, vendo dois rostos e um cálice. Neste caso, os dois rostos seriam a “figura” e o cálice, o fundo. Veja a Figura 3.20. É exatamente o contrário. Agora, o cálice seria a figura e os rostos seriam o fundo. Mas, na prática, os dois (tantos os rostos quanto o cálice nas duas situações) compõem o resultado visual final. Figura 3.19: Figura-fundo Figura 3.20: Figura-fundo invertida Ao longo das pesquisas realizadas para a construção da teoria, os pesquisadores encontraram certos padrões recorrentes (ou seja, muitas pessoas percebiam algumas situações da mesma forma) que acabaram por constituir o que hoje conhecemos como as leis da Gestalt. São elas: Unidade Segregação Unificação 52 Fechamento Continuidade Proximidade Semelhança Pregnância da Forma Importante: Se você pesquisar as Leis da Gestalt na internet, por exemplo, é provável que encontre outras leis ou até, as mesmas com nomes diferentes. Reunimos aqui, as mais relevantes, segundo a indicação do Prof. Gomes Filho. Então, vamos lá! Unidade Segundo Gomes Filho (2002, p. 29), uma unidade constitui um único item, “que se encerra em si mesmo” (Figura 3.22). Pode ainda, segundo o mesmo autor, ser entendido como um conjunto de vários elementos (Figura 3.21) que estruturam uma única unidade formal ainda que seja possível perceber os elementos que o constituem, as subunidades. Aqui podemos considerar cada ponto uma unidade e todos os pontos, uma unidade também. Além de termos uma unidade da forma, também temos uma unidade cromática. 53 Segregação Segregar, como o significado da própria palavra revela, diz respeito a afastar ou separar. Nesta lei, ao observar uma imagem, é possível distinguir as partes que a compõem sem que haja qualquer ambiguidade formal. Gomes Filho (2002, p. 30) realça que tal separação pode se dar por meio dos elementos que constituem a forma: pontos, linhas, volumes, cor, entre outros. Veja na figura abaixo que é possível distinguir o céu e as edificações, sem nenhuma dificuldade. Figura 3.23: Prédios Unificação Na lei da Unificação, para Gomes Filho (2002, p. 31), é possível perceber “fatores de harmonia, equilíbrio e ordenação visual” (falaremos posteriormente sobre estes fundamentos do alfabetismo visual). O mesmo autor refere ainda que a Unificação está presente na leitura visual quando há “coerência da linguagem ou estilo formal das partes ou do todo”. Tal alinhamento é passível de ser observado na figura a seguir, pois, todos os prédios apresentam uma uniformidade da cor e, ao que parece, também de materiais utilizados. 54 Figura 3.24: Prédios Fechamento A lei do Fechamento se refere à capacidade sensorial do observador em “completar” a imagem observada. Na imagem a seguir, apesar de não aparecer por completo, é perfeitamente possível visualizar a edificação (Ópera House Sydney). Figura 3.25: Ópera House Sydney Continuidade Quando se fala em Continuidade, no âmbito da Teoria da Gestalt, estamos falando da capacidade do observador em entender que o padrão observado continuará para além do que é visível. Observe a imagem a seguir. Qual é a impressão que se tem? 55 Que a escada continua, certo? É disso que trata o princípio da Continuidade. Figura 3.26: Escada Proximidade A lei da Proximidade diz da capacidade que o observador tem de agrupar elementos que estão mais próximos e que, nas palavras de Gomes Filho (2002, p. 34) constitui “um todo ou unidades dentro do todo”. O mesmo autor refere ainda que fatores como a dimensão, cor, entre outros, contribuem para esta percepção visual e que a lei da Semelhança (que veremos na sequência) “reforça” a leitura visual da Proximidade. Compare as imagens que estão a seguir. Cada uma delas tem 18 círculos vermelhos, certo? Agora veja que a da esquerda parece descrever um retângulo enquanto a figura da direita parece definir 3 colunas. Embora tenham os mesmos elementos, na composição da direita os espaçamentos são diferentes, tornando os elementos mais próximos e, consequentemente, a percepção da configuração é diferente. 56 7 77777777 Figura 3.27: 18 círculos Figura 3.28: 18 círculos Semelhança Em termos compositivos, a lei da Semelhança, assim como a da Proximidade, se refere à capacidade que o observador tem de agrupar elementos, mas, por motivação distinta: enquanto na lei da Proximidade falamos da distância entre os elementos compositivos, na lei da Semelhança falamos de estímulos visuais parecidos. O que você vê na figura abaixo? 3 linhas ou 3 colunas? As duas coisas, certo? Só que, de forma geral, tendemos a enxergar, primeiramente, 3 linhas por agruparmos os elementos segundo a sua similaridade da forma. Figura 3.29: 3 linhas 57 Pregnância da Forma A necessidade fisiológica de busca da organização, como referimos anteriormente, constitui a máxima da Teoria da Gestalt: a Pregnância da Forma. A Lei Básica da Gestalt se refere ao grau de organização visual compositivo. Para Gomes Filho (2002, p.37) “quanto maior for a organização visual da forma do objeto, em termos de facilidade de compreensão e rapidez de leitura ou interpretação, maior será o seu grau de pregnância”, assim como, pela lógica, o contrário, ou seja, a desorganização e dificuldade em ter uma rápida compreensão, constitui a falta de pregnância. Dondis (2007, p. 22) refere a importância que os elementos (bem como os atributos doAlfabetismo Visual - cor, textura, dimensão, entre tantos – que veremos posteriormente) tem na construção de uma mensagem visual com boa pregnância. Na prática é como se a imagem dos fios organizados (Figura 3.31) representasse a pregnância da forma e a imagem do emaranhado de fios (Figura 3.30) fosse a falta de pregnância. Figura 3.30: Cabos Desorganizados Figura 3.31: Cabos Organizados Para concluir, é importante referir que no processo de leitura visual, por meio da Gestalt, podem ser identificadas várias leis, simultaneamente. E assim o terceiro bloco da disciplina de Expressão Artística. Até a próxima! 58 Conclusão Só por meio do desenvolvimento da percepção da forma (e do conhecimento dos elementos, atributos e técnicas visuais) é possível a elaboração e a construção de mensagens visuais eficazes. Esta competência que, em parte é intrínseca e em parte é adquirida, aliada ao repertório construído (conjunto de referências que vamos consolidando ao longo da vida), é condição imprescindível ao desenvolvimento dos ofícios ligados à imagem. A Teoria da Gestalt tem como hipótese a existência de um “dinamismo autorregulador” que, em busca de sua própria estabilidade” (GOMES FILHO, 2002, p. 19) está, constantemente, tentando organizar todos os fatos visuais que observamos. Essa busca constante de um todo harmonioso é um processo involuntário e tem como objetivo final a pregnância da forma. Conhecer como se processa esta dinâmica involuntária de leitura visual pode ser uma ferramenta poderosa na elaboração de composições. Referências DONDIS, Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007. GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a Teoria na Prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GOMES FILHO, João. Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual da forma. São Paulo: Editora Escrituras, 2002. MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. Lisboa: Edições 70, 1968. Material de Apoio ESBOÇOS de Frank Gehry. Direção de Sydney Pollack. Alemanha, 2005. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=83oonypLyZQ>. Acesso em: 27 mar. 2019. JANELA da alma. Direção de João Jardim e Walter Carvalho. Brasil, 2001. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4F87sHz6y4s>. Acesso em: 27 mar. 2019. https://www.youtube.com/watch?v=4F87sHz6y4s 59 MAURITS Cornelis Escher. Disponível em: <http://www.mcescher.com/>. Acesso em: 27 mar. 2019. MUSEI VATICANI. Sistine Chapel. Michelangelo Buonarroti. Vaticano. Disponível em: <http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/musei/cappella- sistina.html>. Acesso em: 27 mar. 2019. 60 4 ALFABETISMO VISUAL I A primeira parte do bloco, Fundamentos do Alfabetismo Visual, aborda o equilíbrio enquanto necessidade básica do indivíduo e cuja fundamental importância na elaboração da composição pode determinar o maior ou menor grau de eficácia na transmissão de mensagens visuais. A segunda, Atributos do Alfabetismo Visual, aborda uma introdução às principais qualidades de um fato visual. Direção, Dimensão, Escala, Movimento/Tempo e Ritmo são características que contemplam o equilíbrio, a volumetria, o dinamismo, entre outros e que, por meio de suas especificidades, podem contribuir para a expressão de mensagens específicas. A terceira e última parte do bloco, Elementos do Desenho, contempla os ingredientes utilizados na construção da mensagem visual, por meio dos quais é possível imprimir o sentido e a linguagem que se pretende. Neste primeiro conteúdo iremos falar dos elementos básicos. 4.1. Fundamentos do Alfabetismo Visual A elaboração visual é antes de mais nada a ação de compor, de organizar. 61 Figura 4.1: Composição Pressupõe o arranjo das partes que compõem o todo visual, sendo que uma das principais ferramentas para uma elaboração eficaz é o equilíbrio. Figura 4.2: Fachada Em física, o equilíbrio é um estado: No qual as forças, agindo sobre um corpo, se compensam mutuamente. Ele é conseguido, na sua maneira mais simples, por meio de duas forças de igual resistência que puxam em direções opostas. Esta definição física é aplicável também ao equilíbrio visual. O sentido 62 da visão experimenta equilíbrio quando as forças fisiológicas correspondentes no sistema nervoso se distribuem de tal modo que se compensam mutuamente. (GOMES FILHO, 2002, p. 57) E por que o equilíbrio é tão importante? Porque, como refere Dondis (2007), o equilíbrio é a mais importante influência psicológica e física no homem. A relação de horizontalidade e verticalidade estabelecida com o mundo é, desde sempre, a sua necessidade primeira. Tanto é assim, que a mesma autora refere ser possível perceber quão fundamental é o equilíbrio, bastando para isso constatar a expressão de pavor de alguém que tropeça e está prestes a cair, ou seja, em situação de colapso. Figura 4.3: Colapso Tal vínculo constitui, o que nas palavras da autora recebe o nome de Constructo Horizontal-Vertical: Na expressão ou interpretação visual, esse processo de estabilização impõe a todas as coisas vistas e planejadas um "eixo" vertical, com um referente horizontal secundário, os quais determinam, em conjunto, os fatores estruturais que medem o equilíbrio. Esse eixo visual também é chamado de eixo sentido, que melhor expressa a presença invisível, mas preponderante do eixo no ato de ver. Trata-se de uma constante inconsciente. (DONDIS, 2007, p. 33) 63 Para Arnhein (1980), a distinção entre equilíbrio e o desequilíbrio, em termos compositivos, reside no fato que, na primeira situação, os fatores presentes determinarem-se "mutuamente de tal modo que nenhuma alteração parece ser possível" (Figura 4.4) e, na segunda (Figura 4.5), o propósito do emissor da mensagem poder vir a tornar-se incompreensível uma vez que é possível perceber uma composição "acidental, transitória e, portanto, inválida". Figura 4.4: Organização Equilibrada Figura 4.5: Organização Aleatória Importante referir que a condição de equilíbrio, não demanda, necessariamente, uma composição por simetria (quando algo, se dividido ao meio, apresenta exatamente a mesma configuração nas duas metades). Figura 4.6: Simetria 64 É possível conseguir esta condição formal, ainda que em assimetria (o seu contrário). Figura 4.7: Composição Agora, repare nas figuras 4.8 e 4.9. Qual delas chama mais a atenção? É muito provável que tenha respondido: Figura 4.9. Por que? Porque a Figura 4.8 apresenta uma indicação de raio (segmento de reta preto) que coincide com o eixo vertical. Já a Figura 4.9 apresenta essa mesma indicação de raio, porém deslocada do eixo vertical, do "eixo sentido". Nas palavras de Dondis (2007): provoca uma tensão visual na medida em que a indicação de raio não se encontra onde seria esperado. Figura 4.8: Eixo Coincidente Figura 4.9: Eixo Discordante 65 É possível dizer que está errado? Não, de forma alguma. Embora quando se fale de tensão visual sejamos remetidos a ideia de instabilidade, irregularidade ou ainda complexidade, é importante entender que tais possibilidades compositivas podem ser utilizadas como reforço de uma intenção visual, de um significado. Outro aspecto importante do arranjo visual é quando se fala de posicionamento que, segundo Dondis (2007), pode ser por Nivelamento, Aguçamento ou ainda Ambiguidade. Figura 4.10: Nivelamento Observe a Figura 4.10. O pequeno ponto preto está exatamente no centro do retângulo vermelho, ou seja, se encontra precisamente onde seria "esperado",no nosso eixo "sentido": é o que chamamos de Nivelamento. Figura 4.11: Aguçamento 66 Já na Figura 4.11, o ponto preto está completamente fora da área esperada. É o que Dondis (2007) chama de Aguçamento. A autora reforça a ideia quando menciona que "em ambos os casos, Nivelamento e Aguçamento, há clareza de intenção". Se sabe exatamente o que se deseja demonstrar. Figura 4.12: Ambiguidade Na Figura 4.12, por sua vez, o ponto não se encontra nem na posição central, onde seria supostamente esperado, e nem tampouco em uma posição completamente inusitada: está próximo da posição central, mas, não exatamente nela. Esta situação cria, o que nas palavras de Dondis (2007), pode ser definido como uma ambiguidade visual: está perto, mas não no local exato. A autora refere ainda que em termos visuais a sua posição não é clara o que "obscurece não apenas a intenção compositiva, mas, também o significado". Em termos dos fundamentos do alfabetismo visual convém ainda falar sobre a Atração e o Agrupamento e, para tal, recorremos à Teoria da Gestalt, mais especificamente à Lei da Similaridade. Observe a Figura 4.13: o ponto, ainda que deslocado do centro do campo, relaciona-se com o todo. Já na Figura 4.14: Os dois pontos disputam a atenção em sua interação, criando manifestações comparativamente individuais devido à distância que os separa, e, em decorrência disso, dando a impressão de se repelirem mutuamente. (DONDIS, 2007, p. 44) 67 Na Figura 4.15, por seu turno, a proximidade constrói uma "interação imediata e mais intensa; os pontos se harmonizam e, portanto, se atraem. Quanto maior for a sua proximidade, maior será sua atração." Figura 4.13: Ponto Figura 4.14: Atração Figura 4.15: Agrupamento Para além disto, esta proximidade permite que, ainda que na ausência da totalidade da imagem, seja possível reconhecer a estrutura global e assim, interpretar o conteúdo visual (Imagem 4.16). Ou seja, por meio da linha pontilhada é possível perceber a forma que se pretende. Figuras 4.16: Cadeira 68 4.2 Atributos do Alfabetismo Visual Atributo é uma característica positiva que confere uma particularidade à alguma coisa. Em se tratando da forma, temos alguns atributos que podem definir os caminhos e as formas de comunicar. Os atributos estão assim classificados: Direção Dimensão Escala Movimento/Tempo Ritmo 4.2.1 Direção Em termos de arranjo visual, o atributo Direção descreve o rumo, o vetor que aponta o movimento da composição. Para Dondis (2007) tal atributo se reveste de extrema importância, especialmente para a "intenção compositiva", na medida em que cada uma das distintas direções tem um significado associado. As formas básicas expressam 3 direções visuais básicas e significativas: a horizontal e a vertical (referência primária do homem); a diagonal (a força direcional mais instável); o círculo, a curva (significado associado à repetição e abrangência). (DONDIS, 2007, p. 59) As direções horizontais ou verticais expressam a ideia de estabilidade (Figura 4.17) e estão diretamente relacionadas à condição de equilíbrio do homem não só em relação ao mundo, mas, também, em relação aos conteúdos visuais, como refere Dondis (2007). As direções diagonais (Figura 4.18) oferecem a ideia de instabilidade. A sensação que se tem é de um cenário onde a qualquer momento pode ocorrer uma alteração. As forças curvas (Figura 4.19) podem imprimir um sentido de repetição e abrangência. 69 Figura 4.17: Direção Horizontal e Vertical Figura 4.18: Direção Diagonal Figura 4.19: Forças Curvas 4.2.2 Dimensão A dimensão é uma característica do mundo físico pois, determina, enquanto propriedade real, a volumetria e as medidas de determinado objeto ou pessoa. Sendo assim, este atributo, segundo Dondis (2007), não existe no plano bidimensional, apenas a sua representação: um desenho, uma perspectiva, entre outros. A capacidade que o observador tem em entender esta simulação da realidade é desenvolvida e aprimorada ao longo do crescimento e, tem profundo relação com os "indícios fisiológicos", como refere Arnheim (1980). Tais indícios contemplam não só os estímulos visuais captados pela retina, mas, sobretudo, a sua posterior interpretação. Arnheim (1980) refere a profunda relação entre a percepção da volumetria e duas leis da Teoria da Gestalt: Figura - Fundo e Simplicidade. A primeira se refere a possibilidade de, no arranjo gráfico (no plano bidimensional), ser possível uma organização tal que se 70 perceba o fundo "como se continuasse sem interrupção, sob a figura" (Figura 4.20). A segunda está relacionada com a facilidade de se traduzir graficamente, esta projeção volumétrica (Figuras 4.21 e 4.22). Figuras 4.20, 4.21 e 4.22: Dimensão 4.2.3 Escala Dondis (2007) aborda o atributo da Escala quando refere que todos os elementos visuais têm a capacidade “de se modificar e se definir uns aos outros". Em outras palavras: "o grande não pode existir sem o pequeno. ” (Figura 4.24) Figuras 4.23, 4.24 e 4.25: Escala 71 A Escala compreende uma comparação entre as medidas de mais do que um objeto (sejam de mesmo gênero ou distintos). Observe a Figura 4.24, onde é possível comparar dois objetos (A e B). Nela é possível constatar que o objeto B é maior que o objeto A. Com a inserção do objeto C na Figura 4.25 as relações de Escala de alteram. O atributo Escala pode ainda estabelecer uma correspondência entre esses mesmos objetos e as respectivas áreas onde estão inseridos. Observe a Figura 4.23 e a correspondência entre o objeto A e o retângulo vermelho onde está inserido. Agora observe a Figura 4.25 e relação entre o objeto C e o suporte (o retângulo vermelho). São correspondências distintas. Importante referir que a Escala tem duas dimensões de percepção: uma objetiva e outra subjetiva (LUPTON, 2014). A objetiva diz da dimensão real do objeto (um outdoor ou um selo, por exemplo). A subjetiva está relacionada com a maneira como alguém percebe um objeto. Um livro ou um cômodo, por exemplo podem ter uma escala imensa ou ínfima, dependendo da maneira como se relacionam com nossos corpos e com nosso conhecimento de outros livros e outros cômodos. Dizemos que "falta escala" a uma imagem ou representação quando não há indícios que a conectem a uma experiência vivida, conferindo- lhe uma identidade física. (LUPTON, 2014, p. 41) 4.2.4 Movimento/Tempo “A sugestão de movimento deriva da nossa experiência completa de movimento na vida e em parte, essa ação implícita se projeta, tanto psicológica quanto cinestesicamente, na informação visual estática". É desta maneira que Dondis (2007) faz menção ao Movimento. O Movimento não existe sem o Tempo. Tempo e Movimento são princípios estreitamente relacionado. Qualquer palavra ou imagem que se move opera tanto espacialmente como temporalmente. O movimento é um tempo de mudança. E toda a mudança, acontece no tempo. (LUPTON, 2014, p. 219) 72 Dotar um fato visual estático de uma sensação de movimento exige, por parte do emissor da mensagem, a utilização de determinadas técnicas de manipulação dos dados que a compõem (Figura 4.26). Graficamente é impossível representar o Movimento. O "Movimento" está no observador e na sua capacidade de captar a sensação de dinamismo, através do fenômeno fisiológico da “persistência da visão”, descrito por Dondis (2007) como sendo a propriedade que o olho tem de “fundir” imagens imóveis com ligeiras diferenças, que quando observadas com intervalos apropriados, apresentam a sensação de movimento. Além da possibilidade, por parte do observador, de "ler" o Movimento, a mesma autorarefere ainda que podemos falar em um padrão de observação visual pessoal ou seja: O olho explora continuamente o meio ambiente, em busca de seus inúmeros métodos de absorção das informações visuais. A convenção formalizada da leitura, por exemplo, segue uma sequência organizada (Figura 4.27). Enquanto método de visão, o esquadrinhamento (Figura 4.28) parece ser desestruturado, mas, por mais que seja regido pelo acaso, as pesquisas demonstram que os padrões de varredura são tão individuais quanto as impressões digitais. O olho também se move em resposta ao processo inconsciente de medição e equilíbrio através do “eixo-sentido” e das preferências esquerda-direita e alto-baixo (Figura 4.29). (DONDIS, 2007, p. 81) Figura 4.26: Movimento 73 Figuras 4.27, 4.28 e 4.29: Movimento (adaptado de Sintaxe da Linguagem Visual, p. 81) 4.2.5 Ritmo Quando se fala em Ritmo, a primeira relação (invariavelmente) é feita com a música. O ritmo musical se caracteriza por ser uma combinação de notas musicais "distribuídas" em tempos e intensidades distintas. Os Designers elaboram a forma em um processo similar, com a diferença da matéria prima utilizada: os músicos utilizam as notas e os Designers utilizam os elementos básicos visuais, a gramática visual. O Ritmo diz respeito a presença de um padrão perceptível, de uma regularidade na organização dos elementos da composição que podem ser por meio de valores tonais (Figura 4.30), distinção cromática (Figura 4.31), escalas distintas, movimento, entre outros. Em suma, o assunto desta unidade e outros já vistos. 74 Figuras 4.30: Ritmo Figuras 4.31: Ritmo Figura 4.32: Ritmo 75 4.3. Elementos do Desenho Tudo o que nos rodeia tem forma. Basta observar um prédio para perceber que em sua estrutura é facilmente reconhecível uma série de elementos geométricos: a reta, o retângulo e tantos outros. Tais elementos, utilizados na construção da mensagem, constituem “a matéria prima de toda a informação visual” (DONDIS, 2007, p. 51), sendo possível por meio de sua combinação estruturar a forma da mensagem que se quer transmitir. Lupton (2014, p. 13) se refere ao ponto, à linha e ao plano como sendo os alicerces do Design e chama atenção para o fato de que, por mais que a composição seja complexa, resultam sempre da interação entre esses elementos. 4.3.1. O Ponto Samara (2010) refere que o ponto, por mais simples que possa parecer, é um objeto complexo na medida em que contém em si a essência construtiva de todas as outras formas e que somente por meio do reconhecimento dessa "natureza essencial" é possível entender "o seu efeito visual no espaço e sua relação com as formas adjacentes". Para Lupton (2008) o ponto indica uma posição no espaço na medida em que resulta do encontro de duas coordenadas, x e y. Segundo Dondis (2007) é a unidade de comunicação visual mais simples e irredutivelmente mínima. Apesar da ausência de dimensionamento, o ponto, na perspectiva de Dondis (2007), exerce grande poder de atração visual sobre o olho. Repare na figura abaixo: apesar da figura geométrica ser consideravelmente maior que o ponto, o deslocamento deste chama muito mais a atenção do olhar. 76 Figura 4.33: Ponto Figura 4.34: Composição elaborada por meio da associação de pontos A associação de pontos pode, ainda, determinar a construção de áreas delimitadas, configurando planos e estruturas. 4.3.2. A Linha A linha pode ser definida como uma sucessão de pontos, ou ainda, como sendo a trajetória de um ponto. Em termos geométricos (LUPTON, 2014), a linha tem comprimento, mas não largura. Figura 4.35: Linha 77 O fato de promover uma ligação, segundo Samara (2010), é o que faz da linha um elemento essencial e, embora, muitas vezes invisível é o que reforça a atração entre dois pontos. A linha tem início em um ponto e pode continuar indefinidamente e pode, como mostra a imagem a seguir, apresentar diferentes características: pode ser uma linha fluida (orgânica); uma linha reta; uma linha com diferenças de espessura o que confere uma linguagem própria (identidade); uma linha aleatória (cuja trajetória é livre) e, finalmente, a linha enquanto sistema de escrita. Figura 4.36: Diferentes Tipos de Linhas 4.3.3. O Plano Quando uma linha atinge uma certa espessura (LUPTON, 2014) torna-se um plano. Pode-se ainda dizer que é formado pela associação de linhas, resultando em uma superfície. Possui, como refere a autora, apenas duas dimensões (largura e comprimento), não apresentando espessura. É, portanto uma entidade bidimensional. 78 Figura 4.37: Plano 4.3.4. A Forma A linha (DONDIS, 2007) descreve uma forma. Para Ben Shahn (ARHEIN, 1980), por sua vez, a forma é a configuração visível do conteúdo e que, pode ser classificada em orgânica ou geométrica (SAMARA, 2010). A ideia de orgânico remete aquilo que é natural, oposto ao que é rígido e programado (figura 4.38). Já a ideia de geométrico (Figura 4.39) está relacionada com tudo o que seja regular e exato. Uma forma é, por natureza, considerada geométrica se o seu contorno for regular - se as suas medidas externas forem matematicamente semelhantes em múltiplas direções - e, de modo muito geral, se for angular ou tiver contornos rígidos. (SAMARA, 2010, p. 54) Figura 4.38: Forma Orgânica Figura 4.39: Forma Geométrica Qual é a sensação que tem de uma e de outra? A forma orgânica oferece uma certa suavidade, a fluidez da forma. Isto constitui um tipo de percepção, de mensagem para o observador. Já a forma geométrica pode dar a sensação de alguma coisa com maior exatidão, mais intensa. Repare na imagem acima. Os vértices mostram essa intenção de maior rigidez. 79 É importante referir que a forma orgânica não se incompatibiliza com a organização, ou seja, mesmo não havendo a rigidez da forma geométrica, pode haver organização dos dados visuais. 4.3.5. A Textura A textura também é considerada um elemento visual que tem como principal característica o poder de alterar a estrutura aparente. Para Lupton (2008), a textura tem ainda um papel importante na tradução visual do mundo. Por meio da textura somos capazes de perceber os contrastes: rugoso/ macio; espinhoso/liso; entre tantas outras polaridades. As texturas dos elementos de design correspondem igualmente à sua função visual. Uma superfície elegante, de delicada padronagem, poderia adornar o interior ou o livreto impresso de um spa; um pedaço de arame farpado poderia servir como metáfora de violência ou encarceramento. (LUPTON, 2008, p. 53) Na perspectiva dos exemplos dados por Lupton (2008), vamos observar as imagens a seguir: Qual é a sensação ao visualizar a Figura 4.40? Agressividade? Violência? Na outra extremidade da percepção, provavelmente, estaria a Figura 4.41, que apresenta uma sensação de algo tranquilo. É claro que entram também aspectos cromáticos aqui (cor), mas é importante entender o poder que a textura tem para transformar a percepção visual. Figura 4.40: Textura Figura 4.41: Textura 80 A textura é um elemento passível de ser reconhecido tanto pela visão quanto pelo tato e, portanto, é classificada em visual (Figura 4.42) e tátil (Figura 4.43) podendo ainda ser, em ambos os casos, decorativa e no último, espontânea ou
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