Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE SAGRADO CORAÇÃO RENATA APARECIDA VIANA TRABALHO DE LINGUÍSTICA FONÉTICA E FONOLOGIA BAURU 2015 SUMÁRIO: 1. Definição de Fonética e Fonologia .................................. 3 2. Alfabeto Fonético Internacional ....................................... 5 3. Fonema ........................................................................... 8 4. Alofone: causas da alofonia ............................................ 10 5. Neutralização .................................................................. 12 6. Arquifonema .................................................................... 12 7. Pares Mínimos ................................................................ 15 8. Nasalidade: fonológica e fonética ................................... 16 9. Vocábulo formal e vocábulo fonológico .......................... 16 10. Traços prosódicos ou suprassegmentais .........................19 11. Referências ..................................................................... 23 3 FONÉTICA E FONOLOGIA 1. Definição de Fonética e Fonologia A Fonética e a Fonologia são dois níveis de análise dos sons de uma língua. Primeiramente, é necessário que se saiba que a transcrição fonética é representada entre colchetes [ ], e a fonológica entre barras oblíquas / /. Além disso, a unidade da fonética é o som da fala ou fone, enquanto que a da fonologia é o fonema. Segundo o Dicionário de Linguística de Dubois (1993: 282), “A fonética estuda os sons da língua em sua realização concreta, independentemente de sua função lingüística”; a fonologia, por sua vez, estuda os sons do ponto de vista funcional, ou seja, “sua função no sistema de comunicação lingüística” (Ibidem: 284). Vamos, então, tentar entender a distinção entre estas áreas. A fonética estuda os sons da fala em todas as suas minúcias. Tomemos como exemplo a diferença entre as pronúncias da palavra “tijolo” no Rio de Janeiro e no estado de Pernambuco. A primeira consoante da palavra é pronunciada [tš] no Rio (algo como a mistura de ‘t’ e ‘ch’, ou seja, ‘tch’). Em Pernambuco, a pronúncia é [t], o mesmo som da primeira consoante de ‘tapa’. Cabe à fonética estudar as diferenças físicas, concretas destes sons. Não importa se a pronúncia é diferente e a palavra é a mesma: ‘tijolo’. Por isso, foi dito acima que a fonética estuda os sons da fala de um ponto de vista concreto e independentemente da função destes sons num determinado idioma. Foi dito também que a fonologia estuda os sons do ponto de vista funcional. O que significaria ‘funcional’ em fonologia? É justamente a ‘função’ que os sons desempenham numa determinada língua. Voltemos ao exemplo do ‘tijolo’. A partir da constatação de que há as pronúncias [t] e [tš], cabe à fonologia investigar se os sons diferentes mudam a palavra (oposição) ou se são somente pronúncias variáveis da mesma palavra (variação). Logo, a fonologia trabalha basicamente com as noções de variação e oposição. No caso das pronúncias de ‘tijolo’ vistas acima, temos variação ou oposição? Ora, se as pronúncias diferentes não contrastam, não opõem palavras, temos variação. Vejamos outro exemplo. A diferença entre os sons [f] e [v]. Será que a troca de um por outro em português é um caso de variação ou oposição? Para averiguar isso, um dos métodos da fonologia é a verificação dos pares mínimos (par mínimo é uma técnica de contraste em ambiente idêntico; trata-se de um par de palavras que difere de significação quando somente um dos sons é alterado). Em fala-vala, fila- vila, inferno-inverno, faca-vaca etc., a diferença entre as pronúncias [f] e [v] é opositiva? Se sua resposta é sim, você poderá dizer que os estes sons funcionam como fonemas (opõem sentidos) em português; são os fonemas /f/ e /v/. Daí dizer-se que à fonologia (ou fonêmica) cabe estudar as diferenças fônicas funcionais, distintivas, isto é, que se vinculam a diferenças de significação. Tomemos outro exemplo. O da pronúncia da palavra ‘sopa’. O primeiro som geralmente é pronunciado como [s]. Mas há quem realize outra pronúncia, não por questões regionais, mas por problemas articulatórios, ou seja, o 4 problema popularmente conhecido como‘língua presa’. A pronúncia, neste caso, seria com a ponta da língua entre os dentes, o que a fonética chama de som interdental (inter = entre) e representa com o símbolo [θ]. A diferença entre os sons [s] e [θ] não é opositiva em português, por isso, diz-se também que não há contraste fonológico: temos simplesmente a mesma palavra com duas pronúncias (variação). Quando se diz que a fonética estuda os sons concretos e a fonologia não, isso diz respeito à questão da interpretação que nossa mente dá aos sons escutados. O falante de português escuta concretamente (foneticamente) o som interdental da fala de quem tem ‘língua presa’, mas o interpreta (fonologicamente) como se fosse [s], porque não há contraste entre [s] e [θ] em português, assim como interpreta [t]ijolo e [tš]ijolo como um fonema só. Logo, vejamos um resumo dos exemplos vistos: Exemplos de variação: Tijolo - Foneticamente, o primeiro som pode ser [t] ou [tš]; - Fonologicamente, não há oposição entre os sons, portanto só há um fonema: /t/. Sapo - Foneticamente, poderíamos ter [s] e [ ]; este último som, pronunciado por quem tem “língua presa”. - Fonologicamente, este contraste não é opositivo, é somente uma variação na pronúncia de um segmento da palavra; logo, temos um único o fonema /s/. Exemplo de oposição: Fila - vila - Foneticamente, temos [f] e [v]; - Fonologicamente, este contraste é funcional (opositivo); logo, temos os fonemas /f/ e /v/. Aquilo que é interpretado como fonema (som opositivo) em um idioma pode não ser fonema em outro idioma. Por exemplo, o som interdental não funciona como fonema em português, mas nas primeiras aulas de inglês, na escola ou no cursinho, somos levados a treinar sua pronúncia em expressões como ‘thank you’ ou ‘I think...’, na posição do ‘th’. Logo, em inglês, se trocamos o som interdental [ ] pelo som [s] ou vice-versa, podemos trocar a palavra que estamos tentando falar. Isto significa que em inglês existem os sons [s] e [ ] e os fonemas /s/ e / /, e que se pronunciamos, por exemplo, ‘[s]in’ em vez de ‘[ ]in’, dizemos ‘pecado’ em vez de ‘magro’. Também o som [tš], apesar de não ser opositivo em português, ou seja, de não ser um fonema em nossa língua, funciona como fonema em espanhol e inglês. Observe o contraste na pronúncia do primeiro segmento de cada palavra: 5 Espanhol: [t] = /t/ - tino - ‘habilidade, destreza, tino’ [tš] = /tš/ - chino - ‘chinês’ (idioma, ou algo/alguém original da China) Inglês [t] = /t/ - tin - ‘lata’ [tš ] = /tš/ - chin - ‘queixo’ Conclui-se, portanto, que para falarmos em fone (som da fala), não importa a língua em que ele é usado, mas, quando falamos em fonemas, temos de nos referir a uma língua determinada: o fonema ‘tal’ da língua ‘tal’. Relação entre som da fala (fone) e grafema (letra): 1- O mesmo grafema (letra) pode representar diversos fones: A letra <c> em casa tem o som [k], em cebola tem o som [s] A letra <x> em auxílio tem o som [s], em fixo tem os sons [ks] e em exato tem o som [z] 2- O mesmo fone pode ser representado por diversos grafemas (letras): O som [z] é representado pela letra ‘s’ em casa; pela letra ‘z’ em zebra e pela letra ‘x’ em exato. Como vimos, nem todo fone funciona como fonema numa determinada língua. Os sons [tš] e [ ] não funcionam como fonemas em português, ou seja, não opõem palavras; então, para a palavra “tia”, se dissermos [‘tia] ou [‘tšia], interpretamos as duas realizações fonéticas como pronúncias da mesma palavra /`tia/. Veja que, por acaso, a transcrição fonológica de ‘tia’ coincide com a grafia comum, mas nem sempre isso acontece. Nem todos os símbolos fonológicos coincidemcom as letras que já conhecemos. Por exemplo, a transcrição fonológica de ‘jujuba’ é /ñu‘ñuba/. 2. O Alfabeto Fonético Internacional Na grafia de qualquer língua, a relação entre o som e a letra (o símbolo que representa convencionalmente o som) não é biunívoca, ou seja, a uma letra não corresponde sempre o mesmo som e um som não é representado sempre pela mesma letra. Por outro lado, num determinado alfabeto (como o latino, p.ex. que é o utilizado por muitas línguas como as românicas e as germânicas) a mesma letra pode corresponder a sons diferentes em diferentes línguas. Esta variação, decorrente de diversos fatores entre os quais se inclui a relação entre os sons no interior de uma palavra, levou à criação de alfabetos fonéticos que permitem descrever de forma não ambígua o contínuo sonoro e possibilitam, a quem não conheça determinada língua, saber como se pronunciam os sons de uma palavra quando transcritos foneticamente. O sistema de transcrição fonética mais usado é o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), criado em 1888 pela Associação Internacional de Fonética. 6 O Alfabeto Fonético é constituído por símbolos que representam os sons básicos mais frequentes nas línguas do mundo (como as consoantes [p] ou [f], ou a vogal [a]) e por sinais diacríticos que acrescentam aos símbolos informação sobre aspectos complementares (como o til, [~], sobre a vogal para indicar a nasalidade – [õ] – ou o diacrítico ['] que, neste texto, precede a sílaba em que está a vogal acentuada – ['pa]). O conjunto de sons da norma-padrão do Português Europeu e a sua representação com os símbolos do AFI constituem três grupos: vogais orais e vogais nasais, semivogais orais e nasais (o segundo elemento de um ditongo) e consoantes. Vogais Orais [i] vi ['vi] [e] vê ['ve] [ɛ] pé ['pɛ] [a] pá ['pa] [ɐ] para [pɐɾɐ] [ɛ] de [ɔ] sol ['sɔl] [o] pôr, sou ['poɾ, 'so] [u] tu ['tu] Vogais Nasais [ĩ] sim ['sĩ] [e͂] pente [ɐ͂] romã, banco [ʀu'mɐ͂, 'bɐ͂ku] [õ] põe, ponte [ũ] atum [ɐ'tũ] Semivogais ou glides orais e nasais [j] pai ['paj] mãe [w] pau ['paw] [w̃] cão ['kɐ͂w̃] Consoantes [p] pá ['pa] [b] bem [t] tu ['tu] [d] dou ['do] [k] cacto ['katu] [g] gato ['gatu] [f] fé ['fɛ] 7 [v] vê ['ve] [s] sabe, passo, caça ['sabɨ, 'pasu, 'kasɐ] [z] casa, azar ['kazɐ, ɐ'zaɾ] [ʃ] chave [ʒ] já ['ʒa] [m] mão ['mɐ͂w̃] [n] não ['nɐ͂w̃] [ɲ] venho ['vɐɲu] [l] lá ['la] [ʎ] valha ['vaʎɐ] [ɾ] caro ['kaɾu] [ʀ] carro ['kaʀu] Acrescente-se que alguns dialetos do Português Europeu têm sons que não fazem parte da norma-padrão mas que são aqui referidos embora não venham a ser descritos em particular. Assim, enquanto na norma-padrão as vogais nasais são [ɐ͂], [e͂], [õ], em certos dialetos do norte de Portugal pronunciam-se mais abertas, (por exemplo, [ã] banco ['bãku] como no francês blanc). Também em dialetos do norte a consoante [b] tem uma pronúncia que se confunde com [v] mas que se representa por [β] (por exemplo, vaca ['βakɐ]); [s] e [z] soam como [ʃ] embora sejam consoantes diferentes, representadas por [ʂ] e [ʐ] (por exemplo, sabe, passo, casa ) e [ʃ], representado graficamente pelo dígrafo <ch>, pronuncia-se [tʃ]͡͡͡͡͡͡͡͡͡ (por exemplo, chave ). Letras e sons Visto que letras e sons não têm uma relação biunívoca, apresentam-se os seguintes diagramas que partem das letras utilizadas em Português Europeu e mostram quais os sons que podem ser representados por elas. Vogais Orais <a> [a] (pá) [ɐ] (da) <e> [e] (vê) [ɛ] (pé) [ɐ] (meia) [i] (emigrar) <i> [i] (vi) [j] (pai) <o> [ɔ] (sol) [o] (pôr) [u] (sapo) [w] (mágoa) <u> [u] (tu) [w] (pau) Vogais Nasais <in, im> [ĩ] (tinta, sim) <en, em> [e͂] (pente, membro) [ɐ͂j] (cem) <an, am> [ɐ͂] (banco, ambos) <am> [ɐ͂w̃]) (formas verbais como amam, batam) <ã> [ɐ͂] (romã) 8 <on, om> [õ] (ponte, pombo) <õ> [õ] (põe) <un, um> [ũ] (unto, atum) Consoantes <p> [p] (pá) <b> [b] (bem) <t> [t] (tu) <d> [d] (dou) <f> [f] (fé) <v> [v] (vê) <s> [s] (sabe) [z] (casa) [ʃ] (lista, listas) [ʒ] (mesmo) <ss> [s] (passo) <z> [z] (fazer) [ʃ] (rapaz) <x> [ʃ] (xaile) [ks] (léxico) [s] (sintaxe) [z] (êxito) <c> [k] (cacto, cravo, cota) [s] (céu, cinza) <ch> [ʃ] (chave) <ç> [s] (paço) <qu> [k] (quer) [kw] (qual) <j> [ʒ] (hoje) <g> [g] (gato, golo, agudo) [ʒ] (viagem, fugir) <m> [m] (mão) <n> [n] (não) <nh> [ɲ] (venho) <r> [ɾ] (para) [ʀ] (rato) <rr> [ʀ] (carro) <l> [l] (lado) <lh> [ʎ] (valha) 3. Fonema O fonema costuma ser definido como unidade distintiva mínima. Um fonema se opõe a outro quando é trocado na mesma cadeia, como em: fila – vila (/f/- /v/), caça – casa (/s/ - /z/), cana –cama (/n/-/m/), etc. Por que, além de ser unidade distintiva, é unidade mínima? Porque outras unidades “maiores” que o fonema podem ser distintivas também, como por exemplo, a sílaba, o morfema e a palavra. Se trocamos uma palavra na frase, construímos outra frase: ‘Eu encontrei o livro’ – ‘Eu encontrei o lápis’. 9 Se trocamos a sílaba de uma palavra, construímos outra palavra: em ‘vala’ – ‘bula’, a sílaba ‘va’ foi trocada por ‘bu’. Se trocamos o morfema de uma palavra, trocamos seu sentido, construímos uma nova palavra: ‘refazer’ – ‘desfazer’: o morfema {re-} significa ‘repetição’ e o morfema {des-} significa ‘ação contrária’. Logo, o fonema é unidade mínima por não ser formado por outras unidades menores. Uma sílaba é formada por fonemas, um morfema também; o fonema, por sua vez, é mínimo. Como vimos, a troca de um fonema também causa a troca da palavra, daí dizer-se que o fonema é a unidade mínima que não carrega sentido em si (como um morfema ou uma palavra carregam), mas que é distintiva (opõe sentidos). Para continuar o estudo de fonologia, retomaremos a análise de exemplos em que há variação e oposição, que foram brevemente comentados para fins de diferenciação entre fonética e fonologia. O procedimento clássico de descoberta usado na fonologia para determinar quais sons são variantes de um mesmo fonema (variação) e quais sons funcionam como fonemas distintos (oposição) é testar os pares mínimos (duas palavras que diferem em significação quando apenas um dos sons é alterado). Vimos que a fonética estuda os sons da fala, a realização concreta dos sons (fones), enquanto a fonologia se preocupa com os “sons funcionais”: elementos que funcionam opondo sentidos em dada língua. Portanto, podemos dizer que a transcrição fonológica é diferente da fonética, pois se limita aos sons que são opositivos num determinado idioma, ou seja, abstrai todo tipo de variação. Por exemplo, na pronúncia da palavra “tia”, podemos ter, foneticamente (= no que se refere às realizações possíveis nas diferentes falas), [‘tši Λ] ou [‘tiΛ], mas a nossa mente interpreta esta diferença (consoante africada x consoante oclusiva alveolar) como variações de pronúncia da mesma palavra. Logo, fonologicamente, temos um fonema só, /t/. Também a última vogal da palavra “tia” pode ser pronunciada de maneira natural, em que o maxilar inferior fica relaxado e a língua em posição média: [Λ]. Também podemos fazer uma pronúncia “forçada” (como faz a criança que aprende a ler, falando vagarosamente sílaba por sílaba) e dizer a última vogal, que é átona, como [a] (vogal baixa: o maxilar inferior e a língua abaixam). Esta diferença de pronúncia de vogais não implica contraste de sentido das palavras, logo, nossa mente percebe uma vogal só: fonologicamente, temos a vogal /a/. Você pode reparar, então, que a fonética é bem minuciosa na sua descrição dos sons, ela simboliza cada diferença, cada detalhe. Nela, existe um símbolo para cada pronúncia,o que não acontece na grafia comum nem na representação fonológica (esta última só simboliza os sons ‘funcionais’). Como as diferenças de pronúncia da palavra “tia” não causam oposição de significado, a transcrição fonológica deve ser uma só: /‘tia/. Observe: Fonética (âmbito das realizações) - Fonologia (âmbito da funcionalidade) [‘tši Λ] [‘ti Λ] /‘tia/ [‘tšia] [‘tia] 10 Na disposição acima, vemos que [t] e [tš] não funcionam diferenciando significados, mas são apenas realizações possíveis, variáveis, do fonema /t/, em português. Também vemos que [a] e [Λ] são realizações possíveis do fonema /a/, em português. 4. Alofone: Causas da alofonia Um fonema pode ter diferentes realizações, diferentes fones, de acordo com: O contexto fonônico; Os hábitos articulatórios dos falantes; A intencionalidade emotiva do falante. A contiguidade do fonema com outros fonemas presentes no mesmo contexto pode afetar a realização oral do primeiro, ocasionando variantes posicionais, combinatórias ou contextuais. É o caso, do /d/ em português (e também do /t/), quando seguido de /i/ ou “e reduzido”; ora, tanto /i/ quanto o e chamado reduzido (pronunciado como “i”, em late, por exemplo, [‘lati]), são fonemas palatais e por isso palatizam as consoantes /d/ e /t/, emprestando-lhes uma articulação africada e não oclusiva, sendo esta última o modo normal de articulação desses fonemas em nossa língua. Algo parecido acontece com as oclusivas /p/, /t/, /k/ do inglês, que em certas posições, realizam-se com fones ligeiramente aspirados, “top”[thͻp], etc. no entanto, /p/, /t/, /k/ não são aspirados em outras posições: após /s/, por exemplo (cf. “stop” /stͻp/, “spot” /spͻt /). Tanto no caso do /d/ + /i/, /t/ + /i/, em português, realizados como [ ǰi ] e [či ] do inglês, acima mencionado, estamos diante de diferentes realizações fonéticas devidas ao contexto, sem que a essa diferença no PE venha corresponder qualquer diferença no PC dos mesmos morfemas. Fala-se em tal caso, de mudança fonética, para distinguir da mudança fonológica, fenômeno este que pode ser concebido como uma mudança fonética que afeta o plano do conteúdo do morfema, transformando-o em outro morfema. Como nos exemplos que vimos, tanto em português quanto em inglês, temos diferenças fonéticas mas não diferenças fonológicas. Podemos afirmar que [ ǰ ] e [ č ], em nossa língua, assim como [ ph ], [ th ], [ hk ], em inglês, constituem alofones contextuais. Um outro tipo de alofones pode aparecer em decorrência dos hábitos articulatórios dos falantes de uma mesma língua. Há brasileiros que realizam o /t/, digamos, com uma articulação linguodental, enquanto outros o realizam com uma articulação linguoalveolar; a vibrante /r/, é realizada, às vezes, em final de palavra, de muitos modos: fazendo vibrar o ápice da língua contra os alvéolos; fazendo colidir o dorso da língua contra o véu palatino; abaixando-se a epiglote ao mesmo tempo em que se faz o ar atritar contra a glote (isto é, como fonema aspirado surdo); com vibração da úvula (na pronunciação carioca); como retroflexa (na chamada pronunciação caipira). 11 Em todas essas ocorrências, estamos não obstante a sua diferença (fonética, apenas), diante do mesmo fonema /r/, reconhecível por guardar idênticos pontos no padrão fonológico da língua. Os fones diferentes que realizam esse /r/ são, pois, classificáveis como alofones ou variantes livres, quando dependam dos hábitos articulatórios dos falantes e não possam ser imputadas à norma dos grupos sociais. A variedade de ocorrência de alofones surge quando se imprime na enunciação do fonema, uma intencionalidade de valor estilístico. Através de diferentes modulações um falante pode exprimir, com o mesmo fonema, uma informação adicional sobre o seu sentimento, as suas emoções. Pronuncia-se, por exemplo: “tia!” [ ti:ja] com o /i/ enfaticamente prolongado , transformando-o num fonema de dupla duração (indicada com o sinal :), para indicar surpresa, alegria, etc.; e, de modo parecido, destacam-se as sílabas de uma palavra, dobrando-se a duração dos fonemas ao mesmo tempo em que se passa à pronunciação tensa, para chamar alguém à ordem: “me-ni-no!” [me‘:ni:no] Esta última modalidade de variante, a estilística, é produzida através de supra- segmentos e surge quando se usa a linguagem em função emotiva. Por essa razão, ela não cabe na análise fonológica que se dedica ao estudo do plano de expressão da linguagem em função referencial. Todos os casos de alofonia se referem a unidades do plano de expressão situadas exatamente no mesmo contexto fônico, possuidoras da mesma distribuição. Com relação aos fones diferentes que não se encontram jamais no mesmo contexto fônico – e portanto não podem distinguir signos ou monemas- dizemos que eles estão em distribuição complementar. No português do Brasil é bastante nítida a diferença entre a lateral linguoalveolar /l/, de “lama”, “mala”, etc. , e a lateral vocalizada em ditongo [. w] (mais no Rio Grande do Sul; a lateral velarizada [ ł ]) – com estas duas últimas presentes em “sal”, “sol”, “mel”, por exemplo- : “lama” - /lama/ (em todo o Brasil); “sal” – sał (no Rio Grande do Sul); [saw] (no restante do Brasil). Essas três realizações do fonema /l/ são diferentes foneticamente, mas não fonologicamente (são alofones de /l/). No entanto, as duas últimas realizações da lateral (como velarizada e como vocalizada) aparecem apenas em dois contextos: Depois de vogal, fechando sílaba interna, quando a sílaba seguinte começa por consoante: “alma” [‘awma] “calda” [‘kawda] [‘ałma] [kałda] Depois de vogal, em sílaba final, na última posição: “girassol” [‘žira‘sͻw] “Portugal” [purtu‘gaw] 12 [žira‘sͻł] [purtu‘gał] Por sua vez, a lateral linguovelar /l/ só aparece nos seguintes contextos, em português: Abrindo sílaba inicial, seguida de vogal: lama [lãma] Em sílaba interna, na posição intervocálica: ensolarada [ẽysola’rada] solar [ so‘lar] Como aparecem em contextos diferentes, não aparecendo jamais na mesma vizinhança fônica imediata , os fones [ l ] e [w] estão em distribuição complementar. 5/ 6. Neutralização e Arquifonema Vamos apresentar o fenômeno da neutralização partindo de exemplos para chegar aos conceitos. Observe os pares de palavras e suas transcrições fonéticas e fonológicas: (ele) checa (v. ‘checar’) = [‘šɛkʌ] = / ‘šɛka/ (ele) seca (v. ‘secar’) = [‘sɛkʌ] = /‘sɛka/ (ele) acha (v. achar) = [‘ašʌ] = /aša/ (ele) assa (v. assar) = [‘asʌ] = /asa/ Os pares mostram que /s/ e /š/ são fonemas em português, pois funcionam opondo significados. No entanto, há situações em que os sons [s] e [š] não funcionam como os fonemas /s/ e /š/, isto é, nãoopõem significados, por exemplo: “casca” [‘kaskʌ] = pronúncia de ES e MG. [‘kaškʌ] = pronúncia carioca Como explicar que dois sons em algumas ocasiões sejam fonemas e em outras ocasiões não sejam, em se tratando da mesma língua? Uma pista é observar o ambiente fonético onde ocorre a variação e perceber se é o mesmo ambiente onde ocorre a oposição. A variação ocorre em palavras como: posto, pasta, pista, lista, aspas, raspa, pesca, asco, etc. Em “aspas” a variação ocorre nas duas sílabas. O que todas estas palavras têm em comum? Se você analisou bem, chegou à seguinte observação: a pronúncia variável de [s] ou [š] ocorre sempre em final de sílaba (margem decrescente da sílaba): “pista” = [‘pištʌ] ou [‘pistʌ] “raspa” = [‘xašpʌ] ou [‘xaspʌ] Em início de sílaba a variação não acontece: ‘cheque – seque’, ‘acha – assa’, ‘chapa – sapa’, etc. O que háaqui é oposição. 13 Chegamos a uma parte da solução do problema que havíamos encontrado. Podemos dizer que /s/ e /š/ são realmente fonemas em português, como mostram os exemplos de oposição aqui apresentados, mas temos que dizer que a sua capacidade de opor significados entre palavras se neutraliza num ambiente fonético específico. O ambiente de neutralização de /s/ e /š/ é final de sílaba. Neutralização é, pois, o processo pelo qual a oposição entre dois fonemas é anulada em determinado ambiente fonético. Ainda estamos diante de um problema: a transcrição fonológica não leva em conta a variação, mas só os sons funcionais. Como transcrever fonologicamente palavras como ‘casca’ e ‘pista’? Devemos usar /s/ ou /š/? Se usarmos um ou outro, vamos pressupor que existe oposição, o que não é verdade. Neste momento, entra em jogo o conceito de arquifonema. Já que os dois fonemas foram “eliminados” através da neutralização (perderam a capacidade de opor significados em certo ambiente), nenhum dos dois vai aparecer na transcrição fonológica, mas um novo fonema que represente os dois ao mesmo tempo: um arquifonema. Arquifonema é definido, então, como um fonema resultante da neutralização; ele representa os fonemas neutralizados e é simbolizado através de uma letra maiúscula. Voltemos ao exemplo de “casca”: “casca” [‘kaskʌ] /‘kaSka/ - Arquifonema /S/ [‘kaškʌ] O arquifonema /S/ deve ser registrado na transcrição fonológica somente no contexto onde a neutralização se aplica, por isso, os pares mínimos (‘acha – assa’, por exemplo) continuam com a mesma representação fonológica. Agora vamos estudar o fonema /R/. Sabemos que existe em português oposição fonológica entre [x] e [ř] em pares como ‘carro – caro’ e ‘carreta – careta’. Mas este contraste se dá em posição intervocálica (entre vogais), em final de sílaba não há contraste; aliás, em final de sílaba, além de ser possível encontrarmos as pronúncias[x] e [ř], há muitas outras: ‘carta’-[‘kaxtʌ] = fricativa velar (o ar arrasta no véu palatino) [‘kařtʌ] = vibrante simples (falade São Paulo capital) [‘kahtʌ] = fricativa glotal (fala carioca) Ainda podemos ter: a pronúncia do ‘erre caipira’, isto é, o ‘erre retroflexo’, e a vibrante múltipla, típica de alguns falares do Rio Grande do Sul. Mais uma vez, estamos diante da pergunta: como pode o mesmo som, neste caso o [ř], ora funcionar como fonema (contrastando palavras) e ora não funcionar? Como representar fonologicamente ‘carta’, se pode possuir várias pronúncias no Brasil? Pelo menos a pronúncia intervocálica para palavras como ‘caro’ e ‘careta’ sabemos que só pode ser uma: a vibrante simples [ř], logo, o fonema terá o mesmo símbolo /ř/. Fonologicamente, temos /‘kařo/ e /ka‘řeta/. Falta pensarmos em como representar fonologicamente os sons possíveis para aquilo que grafamos como‘r’ de final de sílaba e como ‘rr’ (‘carro e carreta’), mas antes vamos a outras reflexões. 14 O que faremos com as pronúncias variáveis de ‘porco’, ‘mar’, ‘carta’ ([x], [h], [ř], etc.)? Como em final de sílaba, há neutralização do contraste entre a vibrante simples [ř] e os demais sons, podemos usar o /R/. Fonologicamente, então, temos: /‘poRko/, /maR/ e /‘kaRta/. Em início de sílaba e entre vogais, como ‘rato’ e ‘carro’, também vamos usar o fonema /R/: /‘Rato/ e /‘kaRo/. Desse modo, o contraste fonológico que acontece em posição intervocálica (‘careta’ e ‘carreta’) fica com sua representação garantida; o contraste é simbolizado pela oposição entre os fonemas /ř/ e /R/: /ka‘řeta/ - /ka‘Reta/ /‘kařo/ - /‘kaRo/ Resumindo, as representações fonológicas de /R/ e /ř/ ficam assim: - Início de sílaba: /R/ “rato” = /‘Rato/ “risco” = /‘RiSko/ - Encontro consonantal: /ř/ “prata” = /‘přata/ “livro” = / ‘livřo/ - Posição intervocálica: contraste fonológico: “caro” e “carro” = /‘kařo/ - /‘kaRo/ Ainda sobre neutralização, o leitor poderia pensar que o único ambiente fonético em que é possível ocorrer este fenômeno é o de margem decrescente de sílaba, como os exemplos até agora vistos. Porém, as professoras Callou e Leite (1993, p. 42) citam o exemplo da neutralização do contraste entre /e/ e /ɛ/ e entre /o/ e /ɔ/, cujo contexto fonético é o de sílabas pretônicas (sílabas anterioresà sílaba tônica de uma palavra). Observe: - Em sílabas tônicas há contraste entre /o/ e /ɔ/: /‘soko/ - substantivo, (o) ‘soco’ /‘sɔko/ - verbo ‘socar’ – (eu) ‘soco’ - Em sílabas pretônicas a oposição é neutralizada: [bo‘ladʌ] = pronúncia do Sudeste [bɔ‘ladʌ] = pronúncia do Nordeste A diferença entre os fonemas /o/ e /ɔ/ fica neutralizada no ambiente fonético de sílaba pretônica; logo, a transcrição fonológica deve ser: /bO‘lada/ - aqui, o arquifonema /O/ representa as duas pronúncias possíveis. 15 7. Pares mínimos Pares mínimos são duas palavras (ou morfemas) que têm um ambiente comum (ou seja, um conjunto de sons iguais) e uma diferença, representada pela troca de um único som (ou propriedade fonética) por outro, em um mesmo lugar de cadeia-da-fala. Esses sons (ou propriedades) que se revezam são dois fonemas, porque são as marcas que distinguem uma palavra de outra, atribuindo, a cada uma, um significado próprio. Vejamos os seguintes exemplos: Pares mínimos: vela bata porta curta velha pata porte custa Ambiente comum: ve__a __ata port__ curt__ Sons diferentes: l b a ɾ ʎ p ı s Nota-se que [l] e [ʎ], [p] e [b] são sons foneticamente semelhantes (SFS), mas [a] e [ı] e [ɾ] e [s] são sons foneticamente não tão semelhantes. O que importa sempre é o valor distintivo ou não que os sons têm. Quando a diferença entre uma palavra e outra apresenta mais de um som (ou inclui outras diferenças fonéticas particulares), o par de palavras não pode ser considerado um par mínimo, como no caso dos exemplos abaixo (Ø representa um “zero” ou não presença de segmento): dado porta hoje ave tato porto foge avô d – d ͻ - a Ø – o acento – ı t – t o – Ʊ f - ͻ o – acento Quando duas ocorrências lexicais se distinguem por apenas um som e a troca de um pelo outro não representa uma mudança de significado, temos um caso de variação e o par de palavras não é considerado um par mínimo: ocorre apenas uma forma morfológica variante. Veja, por exemplo, [kamada] e [kãmada], duas pronúncias diferentes da palavra camada. Porém, em [kata] cata e [kãta] canta, ocorre um par mínimo. (Convém notar que a palavra camada é derivada de cama, além disto, notar a distribuição diferente do acento nos exemplos dados.) Achar pares mínimos é uma técnica fonológica para a detecção de fonemas ou para a constatação de variantes. Mas, nem sempre podemos contar somente com pares mínimos. Na maioria das vezes, é preciso fazer um raciocínio fonológico de outro modo, recorrendo aos pares análogos. 16 8. Nasalidade: fonológica e fonética Há em português uma nasalidade meramente fonética: é a que se observa em palavras como cama, cena, unha, etc, em que a nasalidade das vogais a, e, u decorre de uma assimilação regressiva, produzida pela consoante nasal inicial da sílaba seguinte. O rebaixamento do véu palatino, necessário à produção da consoante nasal, é antecipado na sílaba precedente, cuja vogal assim se nasaliza: [Kè-me]. Se pronunciarmos a palavra cama com a desnasalado, não obtemos outra palavra de significação diferente, isto é, nãocriamos uma oposição fonológica. É o que acontece com todas as palavras desse tipo. Não é, evidentemente, esse tipo de vogal, cuja nasalidade se detém no plano fonético, que suscita o problema de interpretação. A nasalidade fonológica, a que demanda interpretação, é outra. É a que se observa em palavras como bomba: suprimida a nasalidade da vogal de tais palavras, obtém-se outra, de significação diversa, boba, que forma um par opositivo com a primeira. É considerável, em português, o número de pares opositivos desse tipo: minto ~ mito, campo - capo, sinto - cito, mundo - mudo, etc. Resumindo, a nasalidade fonética é quando não há diferença de significado na mudança de pronuncia de vogais, como a que acontece em palavras como “camelo”, “banana”, que podem ser realizadas tanto como [kãmelU] e [kamelU], [bãnãna] e [banãna]. A nasalidade fonológica, por sua vez, apresenta alteração de significado quando a vogal é nasalizada, a exemplo de [kãtU] canto e [katU]cato, onde a não nasalização da vogal [a] gerou um outro léxico com significado diferente. 9. Vocábulo formal (mórfico) e vocábulo fonológico 9.1 – Vocábulo formal O vocábulo formal ou mórfico é a unidade onde não é possível nova divisão em duas ou mais formas livres. A unidade a que se chega, quando não é possível a divisão em duas ou mais formas livres ou dependentes (CAMARA JR., 1968). E podemos descrever esse vocábulo formal unitário como constituído por: • Uma forma livre mínima – flor, pé, feliz. • Uma forma livre mínima e forma (s) presa (s) – florista, pezinho, felizes. • Somente formas presas – i-leg-í-vel. 17 • Forma dependente – de, por... • Forma dependente e forma (s) presa (s) – uma, umas... Se o vocábulo formal não for unitário, temos: • Duas formas livres mínimas ou não – flor-de-lis, couve-flor... A descrição acima mostra que o vocábulo formal pode ser indivisível (mar) ou divisível (mares). O vocábulo formal é uma estrutura mórfica ou morfológica, ou seja, o objeto da morfologia. • Lexia – Unidade de comportamento Ex.: Médicos bons; Cuidados médicos. Assim, na escrita, se entende por vocábulo o conjunto de letras que fica entre dois espaços em branco. Essa praxe não funciona em se tratando de língua oral. A língua escrita não tem em vista o vocábulo fonológico e sim o vocábulo mórfico ou formal. Na língua oral temos duas entidades: o vocábulo fonológico e o vocábulo formal ou mórfico.E o que é um vocábulo fonológico? É o que corresponde a uma divisão espontânea na cadeia da emissão vocal.E o vocábulo mórfico ou formal?É quando um segmento fônico se individualiza em função de um significado específico que lhe é atribuído na língua. Há certa correspondência entre as duas entidades, mas elas não coincidem sempre e rigorosamente. Na língua oral as pausas marcam uma divisão acima dos vocábulos, que é a dos GRUPOS DE FORÇA. A verdadeira marca de delimitação vocabular é a pausa prosódica. Veja alguns exemplos das descrições acima: FALASSE = 1 vocábulo fonológico e 1 vocábulo formal. FALA-SE = 1 vocábulo fonológico e 2 vocábulos formais. GUARDA-CHUVA = 2 unidades fonológicas MAS único vocábulo formal. MÉDICI (presidente) = 1 vocábulo formal e 1 vocábulo fonológico. MEDE-SE = é o mesmo vocábulo fonológico acima, mas são 2 vocábulos formais. 9.2 – Vocábulo fonológico 18 Entidade fonológica prosódica, cacacterizada por um acento e dois graus de atonicidade possíveis, antes e depois do acento. Pode-se identificar um vocábulo fonológico quando se verifica um fenômeno de ligação entre dois vocábulos, sem o que se denomina Juntura (Fronteira entre dois segmentos linguísticos; separação, demarcação; é um elemento Supra-Segmental). Na língua portuguesa, tem-se a dissolução da Juntura com: -1ª palavra terminada com consoante e 2ª iniciada com vogal - falar indiano /falarindiano/. - 1ª palavra terminada com vogal átona e 2ª iniciada também com vogal átona, mas diferente da primeira - época inicial / epoquinicial /. Dá-se aqui uma ditongação crescente, se a vogal final for /i/ ou /u/, ou decrescente, se a vogal final for /a/: - Mundo antigo - / mundantigo /; - Minha intimidade - / mintimidade /. As partículas átonas se juntam ao acento mais próximo. Forma livre - forma linguística indivisível, ou só divisível em formas presas que pode constituir comunicação isolada ( Bloomfield ) Nem sempre as unidades fonológicas e morfológicas coincidem. Os vocábulos mórficos sem acento são os clíticos, geralmente monossílabos. Exceções: veio para aqui (praqui ) ouve-se-lhe a voz. Têm posição variável: o menino se feriu; o menino feriu-se. Permite a intercalação: o livro de Marli; o livro de uma aluna chamada Marli. Outra falta de coincidência é a justaposição que faz um vocábulo formal com dois vocábulos fonológicos. Isso não acontece na derivação onde há um vocábulo fonológico, criando-se, às vezes traços distintivos: ex-posição/ exposição. 19 10. Traços prosódicos ou suprassegmentais De origem grega, o termo prosódia (προσ-ωδία) foi utilizado pela primeira vez na República de Platão, (na expressão phthongous te kai prosōdias, 399a) opondo o conteúdo segmental a variações melódicas (Liddel, Scott e Jones, 1996) presentes em formas de narrar por imitação. Essas variações melódicas são comparadas a narrações imitativas semelhantes ao canto ou em “sintonia com o canto” (προσ = “em direção a, junto com”, ωδία = “canto’). Sócrates condena essas narrativas pela possibilidade de corromperem a imagem que os jovens tinham de personagens célebres, como heróis de guerra. Mais tarde identificada na poesia às características quantitativas e melódicas da versificação, acaba recebendo um caráter normativo associado a ou incluso em regras da boa pronúncia ou ortoépia. Na Lingüística moderna, prosódia recebe um sentido especializado (Ducrot e Todorov, 1972, p. 228). Num primeiro momento definida pelos estruturalistas e funcionalistas de forma negativa, como “todos os fatos de fala que não entram no quadro fonemático, isto é, aqueles que não concernem, de uma forma ou outra, a segunda articulação” (Martinet, 1991, p. 83), a prosódia está, no cenário de pesquisa atual, associada a fatores lingüísticos como acentuação, entoação, ênfase e ritmo, bem como a fatores para- e extra-lingüísticos tais como marcadores discursivos (“né”, “entendo”, “an-han”), atitudes, emoções, imbricados a fatores sociais ou biológicos como gênero, faixa etária, classe social, entre outros. Dependendo da matéria a analisar identificam-se a prosódia da fala (speech prosody), a musical (musical prosody) e a poética (poetic prosody em concorrência com poetic rhythm). Aos estudos de prosódia cabe a análise de unidades fônicas e de suas relações desde a sílaba até o texto oral, cuja extensão máxima é cada vez mais longa. A análise prosódica se dá nos eixos linguísticos tradicionais, o eixo sintagmático e o eixo paradigmático, tanto do ponto de vista fonológico quanto fonético. A análise prosódica se torna relevante para o avanço do conhecimento da comunicação humana quando as funções da prosódia são avaliadas e inseridas no cerne do trabalho científico. Das funções É possível identificar funções prosódicas tanto no plano linguístico quanto expressivo. No plano linguístico e para-linguístico distinguem-se as funções discursiva (marcadores de turno num diálogo, modalidade da frase, entre outros), demarcativa (indicadores de constituintes prosódicos, como sílabas, palavras fonológicas, grupos acentuais, entre outros) e de proeminência (saliência de um constituinte prosódico em relação a outro). Como exemplo de função discursiva tem-se a oposição entre o enunciado assertivo “Pedro fez bem seu trabalho.” e o enunciado interrogativo “Pedro fez bem seu trabalho?” Linearmente, a distinção entreas formas de organização prosódica realiza sozinha o contraste entre os dois enunciados. No contraste http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/images/2/21/PedroAssertiva.wav http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/images/1/13/PedroInterrogativa.wav http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/images/1/13/PedroInterrogativa.wav 20 entre essas modalidades destaca-se a forte subida da frequência de vibração das pregas vocais, sobretudo na última sílaba tônica (aqui, em “-ba-”) no enunciado interrogativo, em relação a uma subida lenta no enunciado assertivo. Como exemplo de função demarcativa ou de segmentação (phrasing) pode-se apontar o papel da pausa (silenciosa ou preenchida) para assinalar uma fronteira prosódica: compare os enunciados “Maria | dança bem. ||” e “Maria dança | divinamente bem. ||”, em que o número de barras verticais assinala pausas de maior duração. A razão da diferença na extensão dos constituintes e do deslocamento da fronteira após “Maria” no primeiro enunciado para a fronteira após “dança” no segundo é a necessidade de dividir o enunciado em unidades de tamanho semelhante em número de sílabas. Por conta disso, a produção da prosódia é autônoma em relação à sintaxe, pois é regida por outros princípios. Como exemplo de função de proeminência (prominence), observe o adjetivo “verde” no enunciado “Não, eu vi uma moto VERDE.”, pressupondo um contexto em que algo sobre uma moto de outra cor foi comentado. Nesse caso, há uma relação sintagmática no enunciado (os elementos em contraste estão presentes na linha do tempo), pois o trecho “VERDE” tem mais energia, maiores valores de frequência de vibração das pregas vocais e maior duração do que os elementos da vizinhança, bem como uma oposição paradigmática (para qual uma unidade está presente e a outra ausente quando se enuncia a primeira), em que o foco de contraste no adjetivo chama a atenção para a cor verde da moto em substituição a outra cor evocada anteriormente. No plano expressivo, distinguem-se as funções atitudinais (atitude, postura, estilo), afetivas (emoção como tristeza, alegria e humores) e identificadoras (marcas de gênero e sexo, origem social e dialetal, entre outras). Exemplos dessas funções são encontrados em todo enunciado, tendo em vista que atitude, emoção, postura e marcas identificadoras são traços dificilmente disfarçáveis na enunciação. Para uma introdução aos aspectos expressivos da prosódia ver os trabalhos de Fónagy (1986), Bolinger (1986) e Scherer (1984). A chamada Fonoestilística estuda as funções prosódicas atitudinais e a variabilidade prosódica intra- e inter-sujeito ligada a escolhas voluntárias ou não (cf Leon, 1971). Demarcação da prosódia em relação ao ritmo e à entoação Há uma ambiguidade entre os termos prosódia e aqueles de ritmo e entoação, sobretudo entre o primeiro e o último. Autores como Hirst e Di Cristo (1998, pp. 1-44) tomam a prosódia como o termo mais geral, compreendendo tanto o domínio propriamente lexical (tom, acento lexical, intensidade) como o não-lexical ou pós-lexical (variação no enunciado da frequência fundamental, da duração, marcação de fronteiras prosódicas). A entoação é para esses autores o estudo desse domínio não-lexical, independentemente do correlato http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/images/4/4e/Dan%C3%A7abem.wav http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/images/c/c8/Dan%C3%A7adivinamentebem.wav http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/images/b/bf/Motoverde.wav 21 físico ou perceptivo. Por conta dessa demarcação, o ritmo estaria subordinado à entoação. Outro recorte possível é pela via dos efeitos perceptivos ao longo do enunciado das sensações de duração, altura e volume. Nesse recorte, prosódia também é o termo mais geral, compreendendo ainda o domínio lexical e o pós- lexical, e entoação restringe-se à análise, ao longo do enunciado, das variações no eixo grave/agudo. O eixo das oposições entre grave e agudo denomina-se altura ou pitch, termo usado na literatura em português para evitar a ambiguidade da palavra “altura”. Como o parâmetro fonético-acústico que controla diretamente a sensação de pitch é a frequência fundamental (o correlato acústico da frequência de vibração das pregas vocais), os estudos fonéticos da entoação privilegiam a análise da curva de frequência fundamental ao longo dos enunciados. Nesse segundo recorte o ritmo faz parte da prosódia, mas é independente da entoação, uma vez que compreende as variações da duração percebida de unidades do tamanho da sílaba ao longo do enunciado. Como a duração objetiva (medida em milissegundos) de unidades do tamanho da sílaba é o parâmetro de controle por excelência da duração percebida, a análise do ritmo normalmente privilegia o estudo da primeira. Exemplificando: Diferentemente dos meios fonológicos, os meios prosódicos não podem ser analisados no interior da dupla articulação. Eles não se constituem de cadeias de significantes, não possuem “forma”. Os meios prosódicos não são, por isso, fonemas, mas simples realizações distintiva deles. A entonação, bem como os tons, possuem valor discreto. A entonação é um meio importante para diferenciar sentidos a partir da variabilidade da altura da voz durante as emissões sonoras e a partir das variações musicais que se apreendem de modo relativo – umas em relação às outras - . Além disso, a entonação desempenha o papel de informante, em função metalinguística, da modalidade de sentido dos enunciados. Em francês, inglês, espanhol, português, distinguem-se, pela entonação, as diferentes modalidades da frase declarativa ou afirmativa, da frase interrogativa, exclamativa, dubitativa, etc. A frase afirmativa possui, nessas línguas, um tom final descendente, ao passo que a frase interrogativa possui um tom final ascendente: Ele virá. Frase afirmativa Ele virá? Frase interrogativa 22 A entonação distingue, pois, frases diferentes quanto ao sentido. Quanto ao sentido. Quando essa mesma distinção opera sobre morfemas e não sobre frases, fala-se com mais propriedade, em tons. Um tom só existe por oposição a outro tom (ou outros tons). Por acento entende-se o realce de uma sílaba dentro de uma palavra, tomada essa palavra como unidade acentual. Ao contrário dos tons, que apresentam um valor paradigmático opositivo, pois distinguem morfemas e lexias, o acento realiza-se apenas sintagmaticamente e seu valor é contrastivo. Por si só o acento é incapaz de distinguir entre palavras de sentido diferente. Ele individualiza apenas sílabas, operando sempre numa sequência mínima de duas, das quais uma é tônica ou acentuada, e a outra é átona ou não acentuada. Fala-se, por isso, em acento culminativo. 23 Referências: BARBOSA, Plínio. Prosódica. Disponível em: <http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/index.php/Pros%C3%B3dia>. Acesso em: 02 junho 2015. BISOL, L. (org.) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 1996. CAGLIARI, L. C. Análise fonológica. SP, UNICAMP: Mercado de Letras, 2002. Convenções e transcrição fonética. Disponível em: <http://cvc.instituto- camoes.pt/cpp/acessibilidade/capitulo2_1.html>. Acesso em 08 junho 2015. LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1995. http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/index.php/Pros%C3%B3dia http://cvc.instituto-camoes.pt/cpp/acessibilidade/capitulo2_1.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cpp/acessibilidade/capitulo2_1.html
Compartilhar