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FONÉTICA E FONOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA AULA 1 – O PROCESSO DE FONAÇÃO O Processo de Fonação A fala é uma capacidade humana de muito valor. Por meio dela nos comunicamos cotidianamente. Curiosamente, no entanto, o corpo humano não é dotado de um sistema exclusivo de fonação. Na verdade, órgãos dos sistemas respiratório e digestivo se combinam nessa atividade. E, por falar em fonação, veja do que se trata. Fonação: é o processo de produção dos sons da fala. No processo de fonação, uma corrente de ar egressiva*, proveniente dos pulmões, segue em direção à laringe. Ao encontrar a glote fechada, faz pressão para abri-la. Com a passagem do ar, as pregas vocais vibram. *A corrente de ar pulmonar egressiva resulta da expulsão do ar dos pulmões, produzindo sons denominados plosivos. Não há registro de línguas que utilizem a corrente de ar pulmonar ingressiva para a produção de sons usados na fala. Como acabamos de ver, no processo de fonação, a passagem do ar faz as pregas vocais vibrarem. Essa vibração se modificará ao longo das cavidades supraglóticas (cavidade nasal, cavidade bucal, cavidade faríngea). Nessas cavidades, que funcionam como caixas de ressonância, a corrente de ar ora encontra obstáculos, ora passa livremente. Assim, teremos os diversos sons da fala. Por exemplo, se abrimos completamente a boca e deixamos a língua repousada, o som produzido será aquele correspondente ao da letra ―a‖. Se, por outro lado, arredondamos os lábios, elevamos e recuamos a língua, ao liberarmos o ar, temos a produção de ―u‖. Há sons produzidos por nosso corpo que não são utilizados na fala, tais como os produzidos em soluços, arrotos, espirros etc. Os sons da fala são articulados. Podemos dizer isso porque dois órgãos se reúnem para produzir um som. Os articuladores ativos são os órgãos do aparelho fonador que se movimentam. Os articuladores passivos são os órgãos do aparelho fonador que, por suas características, são fixos. Agora você verá que os órgãos articuladores ativos e passivos se combinam e modificam a configuração do trato vocal. Observe: Quando um som é realizado... Chama-se... Com a participação dos lábios labial Na região do palato mole (ou véu do palato) velar Na região do palato duro palatal Com a participação da úvula uvular Com a participação dos alvéolos alveolar Quando o ápice da língua encosta em um articulador passivo apical OBS.: o trato vocal corresponde a todo o canal oral, dos lábios à glote. E por falar em produção de sons, veja outros aspectos que podem ser observados. Quando as pregas vocais permanecem vibrando durante a produção do som, são realizados sons vozeados, também chamados de SONOROS. Quando as pregas vocais estão separadas e a glote está aberta, as pregas não vibram. Nesse caso, são realizados sons desvozeados, também chamados de SURDOS. Callou e Leite1 (2009, p. 18-19) destacam que o uso distintivo do vozeamento e do desvozeamento das consoantes é muito comum. Veja um exemplo2 de como fazer o reconhecimento dessa diferença. 1 Em relação à língua portuguesa, afirmam que ―(...) as séries oclusivas (pote:bote:cela:zela:cama: gama) e a fricativa (faca:vaca:cinco: zinco:chá:já) se opõem por esse traço. (...) Em outras línguas a sonoridade ou ensurdecimento pode ter um valor apenas redundante. Em tapirapé, língua da família tupi-guarani, as consoantes oclusivas são sempre surdas e as nasais sempre sonoras. Já para as vogais, o desvozeamento, na maioria das línguas em que ocorre, não tem uma função distintiva.‖ 2 Para reconhecer essa diferença, tape os ouvidos com as mãos e pronuncie a primeira consoante das palavras ―vila‖ e ―fila‖, por exemplo. Você também pode encostar a mão suavemente na parte frontal do pescoço, e pronunciar essas consoantes. Você sentirá uma vibração ao pronunciar ―v‖ e a ausência dessa vibração ao pronunciar ―f‖.‖ Outros sons possíveis de identificar são os sons orais. Eles são produzidos pela passagem da corrente de ar pela cavidade bucal. É o que acontece com o ―a‖ de ―passa‖. Quando a úvula se afasta da parede da faringe, permite a passagem de ar pela cavidade nasal. Nesse caso, temos a produção de sons nasais, como o ―ã‖ de ―lã‖. AULA 2 – A REPRESENTAÇÃO DOS SONS DA FALA Alfabetos Fonéticos Existentes Ao estudarmos os sons da fala, sob uma perspectiva fonética ou fonológica, necessitamos registrar graficamente esses sons. Para isso, utilizamos um alfabeto especial, diferente do ortográfico, o alfabeto fonético. Mas, pense, por que se faz necessário registrar graficamente os sons? O alfabeto fonético permite que uma transcrição seja o mais fiel possível ao som produzido pelo falante. Agora, veja as razões para fazer uso desse alfabeto especial. Nem sempre uma letra corresponde a um som. Há palavras como ―hoje‖ e ―hora‖, em que a letra ―h‖ não corresponde a qualquer som. Isso também ocorre com ―passa‖ e ―palha‖, em que duas letras correspondem a apenas um som. Uma letra pode corresponder a sons diferentes. Por exemplo, o ―s‖ em ―sapo‖ e ―casa‖. Um mesmo som pode ser representado por letras diferentes. Como, por exemplo, em ―casa‖, ―exame‖ e ―zíper‖. Certas palavras são pronunciadas de maneiras diferentes nas diversas regiões em que se fala a língua portuguesa, apesar de terem a mesma ortografia. Por exemplo, a palavra pequeno pode ser pronunciada ―piqueno‖ no Rio de Janeiro e ―péqueno‖ em cidades do Nordeste brasileiro. Símbolos do Alfabeto Fonético Internacional Conheça, a seguir, os dois principais sistemas de transcrição dos sons da fala. Da Associação Internacional de Fonética (International Phonetics Association - IPA). É o sistema de transcrição mais difundido. Nele, os símbolos dos alfabetos grego e latino se combinam, juntamente com outros sinais, para representar um som. Do SIL International (antes denominado Summer Institute of Linguistics). Este sistema de transcrição foi difundido por Kenneth Lee Pike. No alfabeto de Pike, combinam-se símbolos do alfabeto usual a certos sinais diacríticos (são sinais utilizados para representar certas alterações das características dos sons, como nasalização, ensurdecimento, labialização etc. O ponto, a vírgula e o apóstrofo são usados como diacríticos em sistemas de notação fonética). Exemplo: O som que inicia a palavra chá seria assim representado: O som que inicia a palavra CHÁ seria assim representado: E, por falar na transcrição dos sons da fala, como será que podemos utilizar o Alfabeto Fonético Internacional (IPA)? O IPA foi organizado para descrever as diversas línguas faladas no mundo. Aqui, destacaremos os símbolos que interessam a uma descrição ampla da língua portuguesa. As transcrições são feitas com símbolos entre colchetes. De início, faremos uma abordagem fonética, por isso as transcrições fonéticas dos sons seguirá a pronúncia adotada por cada falante. A seguir, você verá como empregar os símbolos na transcrição de vocábulos. Destacaremos os símbolos necessários à transcrição de sons que ocorrem na Língua Portuguesa. Cada símbolo corresponde ao som produzido quando se pronuncia o elemento sublinhado na palavra escrita. Posição pretônica: nesta posição serão empregados os mesmos símbolos da posição tônica. Alfabeto fonético: permite a transcrição, o mais fiel possível, do som produzido pelo falante. Sistema da Associação Internacional de Fonética: nesse sistema, os símbolos dos alfabetos grego e latino se combinam, juntamente com outros sinais, para representar um som. Alfabeto de Pike: nesse sistema, os símbolos do alfabeto usual combinam com certos sinais diacríticos. AULA 3 – A ANÁLISE FONÉTICA Uma pesquisa sobre a origem dos estudos dos sons da fala revelaria que eles remontam à Antiguidade. No entanto, esses estudos foram, durante vários séculos, orientadospela escrita. Estudar os sons com base na escrita é um método correto de investigação? Veja os argumentos de um especialista sobre o assunto. ―(...) tomar a letra como ponto de partida para estudar o som que ela indica já era um método, por si mesmo, ilógico, ajustado à metáfora popular de ‗pôr o carro diante dos bois‘. O resultado foi a insegurança e a imprecisão da análise, com o frequente gravame de uma confusão na prática daquelas distinções que tinham sido teoricamente firmadas.‘ (CÂMARA JR., 1973, p. 14) Mas como estudar o som da fala se não podíamos registrá-lo? É preciso destacar que antes não havia recursos para registrar a fala a ser estudada. Por isso, estudiosos buscaram, ao longo do tempo, desenvolver instrumentos que permitissem estudar os sons a partir da oralidade. Em 1490, Leonardo da Vinci desenvolveu tábuas anatômicas para o conhecimento da laringe e das pregas vocais, em uma demonstração do interesse pelo estudo dos sons vocais naquela época. Os estudos fonéticos, como hoje são concebidos, é algo mais recente. Até fins do século XIX, a fonética era um estudo histórico, com uma preocupação de descrever aspectos físicos ou fisiológicos dos sons, sem estabelecer uma relação com a sua função linguística. Quando, então, começa a preocupação com a função linguística dos sons? Na verdade, essa preocupação com a função linguística dos sons começa a se delinear, de forma sistemática, com os estudos de Ferdinand de Saussure, na segunda década do século XX, ao se estabelecerem as bases da linguística moderna. Soma-se a isso o fato de os termos fonética e fonologia nem sempre terem sido empregados de forma estável. Em seu Curso de Linguística Geral, Saussure define esses termos. Das definições que você acabou de ler, duas observações são importantes e devem ser destacadas. Veja quais são. Fonologia: Saussure prefere designar o estudo da fisiologia dos sons pelo termo fonologia. Prevalece, no entanto, até hoje, a denominação do estudo da fisiologia dos sons como fonética. Estudo fisiológico: esse estudo fisiológico seria auxiliar e estaria no plano da fala. Ora, Saussure, nesse mesmo Curso de Linguística Geral, defende que o estudo da linguagem comporta uma parte essencial, que tem por objeto a língua, e outra, secundária, que tem por objeto a fala. O próprio Saussure pode esclarecer o assunto. Leia suas palavras. ―Pode-se, a rigor, conservar o nome de Linguística para cada uma dessas duas disciplinas e falar de uma Linguística da fala. Será, porém, necessário não confundi-la com a Linguística propriamente dita, aquela cujo único objeto é a língua.‖. Fica nítido, portanto, nas ideias de Saussure, e de forma coerente à dicotomia língua (langue) e fala (parole) por ele proposta, que o estudo dos sons da fala, em seu caráter fisiológico, seria algo secundário e auxiliar à Linguística. Afinal, a fonética é ou não um estudo linguístico? O que estudamos até aqui já tornou claro o conceito de Fonética? Veja a contribuição de outro especialista à discussão do tema. Malmberg (1993, p. 7), foneticista sueco, esclarece que: ―A Fonética, apesar de seu nome ser derivado do grego phônê, ‗som‘, não é a ciência do som, nem do ponto de vista de fenômeno vibratório (Física), nem do ponto de vista da percepção auditiva (Fisiologia, Psicologia Perceptiva). Não é, pois, nem uma ciência física (Acústica), nem uma ciência fisiológica, nem mesmo simplesmente uma ciência da percepção auditiva.― Saiba mais sobre a concepção de Malmberg. ―A Fonética é um ramo da ciência da linguagem e, para defini-la, é necessário localizá-la no âmbito da Linguística, geral e específica. Entretanto, isso não exclui o fato de a Fonética pressupor conhecimentos de diferentes campos extralinguísticos, dentre os quais os ramos mencionados são os mais importantes (Fisiologia, Acústica e Percepção Auditiva).‖ (MALMBERG, Bertil. A fonética: teoria e aplicações. In: MACHADO, Mirian da Matta. (org.) Cadernos de Estudos Linguísticos. Campinas, (25): 7-24, jul./dez., 1993.) O entendimento que acabamos de analisar relaciona-se a uma outra dicotomia de Saussure, segundo a qual o signo linguístico é o resultado da combinação de duas partes. Observe. Significante: a sequência fônica perceptível do signo. Significado: o conceito que a imagem do signo veicula. Signo Linguístico: o signo ‗casa‘ seria a combinação as sequência ['kazᵄ] e do conceito de ‗lar, moradia, abrigo‘. Conheça a contribuição de Louis Hjelmslev à difusão dessa ideia. Louis Hjelmslev, discípulo de Saussure, difunde essa ideia, considerando que a língua apresenta um plano da expressão (significante) e um plano do conteúdo (significado). Cada um desses planos apresenta ainda uma substância e uma forma. A substância da expressão corresponderia à sequência fônica ou escrita, enquanto a forma da expressão equivaleria à maneira como essa substância se organiza em um determinado sistema linguístico. Retomando o signo ‗casa‘, temos que a substância seriam os sons [k], [a], [z], [a]. Em português, essa substância organiza-se na forma ['kazᵄ] e não [kzaa], [aakz] ou [akza], por exemplo. Feitas essas considerações, é hora de situar a fonética nos estudos linguísticos. Malmberg (1993, p. 12) retoma as noções apresentadas para definir o âmbito da fonética e da fonologia. Explica que a fonética se ocuparia de estudar a substância da expressão, enquanto a fonologia se ocuparia da forma da expressão do signo linguístico, conforme se depreende do esquema. MALMBERG, Bertil. A fonética: teoria e aplicações. In: MACHADO, Mirian da Matta. (org.) Cadernos de Estudos Linguísticos. Campinas, (25): 7-24, jul./dez., 1993.) Veja. Signo Linguístico: Expressão (Significante) – substância (Fonética), forma (Fonologia) Conteúdo (Significado) – substância (semântica), forma (Semiologia) O foneticista sueco esclarece ainda que: ―A Fonética, em sentido amplo, lato sensu, é o estudo da expressão da linguagem como forma (funções) e como substância (sons). Em sentido restrito, stricto sensu, a Fonética é o estudo da substância da expressão (sons) e a Fonologia, o da forma (relações)‖. Veja a representação. Fonética (sentido amplo): Fonologia Fonética (pura, sentido restrito) Atividade: AULA 4 – A ANÁLISE FONOLÓGICA A aula anterior nos mostrou que a fonologia ocupa-se em descrever a forma da expressão do signo linguístico. Mas o que de fato significa isso? Foi no Primeiro Congresso Internacional de Linguistas, realizado em Haia, na Holanda, em 1928, que o trabalho dos linguistas russos Roman Jakobson, Nicolai Trubetzkoy e Serge Karcevsky diferenciou fonética e fonologia. FONÉTICA ≠ FONOLOGIA Assim, a fonologia é hoje entendida como uma parte da Linguística Geral que também estuda os sons da fala, mas a fim de verificar, em um sistema linguístico, quais desses sons servem para distinguir palavras, ou seja, são fonemas. Você conhece o procedimento para identificar fonemas? Sabe o que é comutação? O procedimento adotado para a identificação de fonemas é denominado comutação e consiste em substituir, em um mesmo contexto, um som por outro a fim de observar tratar-se de palavras diferentes. Diz-se, assim, que esses segmentos fônicos estão em oposição na língua. Observe um exemplo. Mas afinal, o que é fonema? O fonema pode ser entendido como a unidade fônica mínima, distintiva e funcional de um dado sistema linguístico. Como bem explica MORI: ―(...) toda língua possui um número restrito de sons cuja função é diferenciar o significado de uma palavra em relação à outra. Os sons que exercem esse papel chamam-se fonemas e ocorrem em sequências lineares, combinando-se entre si de acordo com as regras fonológicas de cada língua.‖ Dizemos que os vocábulos ―cata‖ e ―cada‖ constituem um par mínimo, pois são duas palavrasque se diferenciam em apenas um ponto da sequência fônica. Outros pares mínimos em português: ―faca‖ e ―vaca‖, ―pata‖ e ―bata‖, ―mata‖ e ―nata‖. Quando não é possível encontrar um par mínimo no sistema em estudo, trabalha-se com um par análogo, ou seja, aquele que estabelece contraste em ambiente semelhante, desde que as diferenças entre os sons não sejam atribuídas aos sons vizinhos, como acontece em [fogo] e [fɔku] que nos permitem identificar /o/ e /ɔ/ com fonemas, apesar de ocorrer distinção também entre /g/ e /k/ na sequência fônica. Saiba mais O conceito de fonema varia de acordo com os pressupostos teóricos das escolas linguísticas. Conheça algumas delas. Bloomfield: o estruturalismo americano de Leonard Bloomfield (1933) define fonema como ―unidades mínimas de traços fônicos distintivos.‖ Gleason: ainda na linha estruturalista, H. A. Gleason Jr (1985) define os fonemas como classe de sons que são foneticamente semelhantes e mostram determinados esquemas de distribuição, dependendo das características de cada língua ou dialeto. Escola de Praga: para a Escola de Praga, o fonema é um ―feixe de traços distintivos abstratos‖. AULA 5 – CLASSIFICAÇÃO ARTICULATÓRIA DAS VOGAIS E DAS CONSOANTES A classificação articulatória baseia-se na configuração do aparelho fonador no momento de produção de um determinado som da fala. Uma primeira distinção que se faz, relaciona-se à passagem da corrente de ar pelas cavidades supraglóticas. Se o ar passa livremente, realiza-se uma VOGAL. Se a corrente de ar encontra um obstáculo total ou parcial, temos uma CONSOANTE. A seguir, classificaremos principalmente os sons que, em português, constituem fonemas. Conforme visto na tela anterior, a vogal pode ser definida como um som produzido pela passagem livre do ar laríngeo pelas cavidades supraglóticas. Para classificar cada uma das doze vogais da língua portuguesa, é preciso estabelecer critérios. 1º CRITÉRIO - LUGAR DA ARTICULAÇÃO Consideraremos aqui a variação da posição da língua em relação à abóbada palatina, em uma movimentação de avanço e recuo, dirigindo-se, portanto, à parte anterior, central ou posterior da língua. Vogal anterior (ou palatal): é realizada com a parte anterior do dorso da língua que se eleva progressivamente em direção ao palato duro. Vogal posterior (ou velar): é realizada com a parte posterior do dorso da língua, que se retrai em direção à parede da faringe e se eleva em direção ao véu do palato. Vogal central: é produzida pela elevação do dorso da língua em direção à região central do palato. Será que esse critério é suficiente para classificar todas as vogais? Observe o quadro. Repare que não conseguimos separar [o] e [ɔ]. Podemos concluir, portanto, que apenas esse critério não é suficiente. Então, adota-se um outro critério. Veja a seguir. 2º CRITÉRIO – GRAU DE ABERTURA Grau de Abertura é a distância entre o ponto mais elevado da língua e um ponto da abóbada palatina. A movimentação da língua aqui é vertical. Quanto maior a distância entre a língua e a abóbada palatina, mais aberta é a vogal. Veja a classificação resultante da aplicação desse critério. Esse critério ainda não foi suficiente para separar cada uma das vogais. Considera-se, então, a próxima característica. 2º CRITÉRIO – POSIÇÃO DO VÉU DO PALATO Considera-se a posição do véu do palato, se levantado ou abaixado. VOGAL ORAL: É realizada com o véu do palato levantado. VOGAL NASAL: É realizada com o véu do palato abaixado, permitindo a passagem da corrente de ar ao longo da cavidade nasal. Vejamos, agora, como se classificam as consoantes. Denomina-se CONSOANTE o som produzido pela obstrução total ou parcial do fluxo de ar quando este passa pelas cavidades supraglóticas. CONSOANTES MOMENTÂNEAS: Quando a obstrução é total. CONSOANTES CONTÍNUAS: Quando a obstrução é parcial. Também precisamos adotar critérios de classificação para esses sons. 1º CRITÉRIO – MODO DE ARTICULAÇÃO - Refere-se ao tipo de obstáculo encontrado. Momentâneas: OCLUSIVAS - resultam do fechamento total do canal expiratório por um dos órgãos da fala. Ex.: p, t, k, b, d, g Contínuas: Constritivas: São provenientes do estreitamento em um ponto qualquer do canal expiratório, pela ação de um ou de vários órgãos da fala, sem que se impeça a passagem de ar. Ex.: f, v, s, z, ʃ,ʒ Laterais: Na produção das consoantes laterais, há um abaixamento dos lados da língua, liberando a passagem do ar, enquanto a ponta, ou o dorso, permanece em contato com o lugar de articulação característico da consoante produzida. Ex.: l, ʎ Vibrantes: A consoante vibrante é realizada com batidas do ápice da língua nos alvéolos ou da úvula no pós-dorso da língua. Em português, temos: Vibrante simples (realizada com uma só batida) Vibrante múltipla (realizada com várias batidas) Nasais: as consoantes NASAIS são produzidas pelo abaixamento do véu palatino, o que irá permitir a ressonância na cavidade nasal. Há autores que as incluem entre as constritivas, outros entre as oclusivas e aqueles que as consideram uma classe à parte, critério que adotaremos. Ex.: m, n 2º CRITÉRIO – PONTO DE ARTICULAÇÃO - Refere-se ao local em que ocorre a obstrução. 3º CRITÉRIO – PAPEL DAS CORDAS VOCAIS Refere-se à vibração ou não das cordas vocais na produção do som da fala. Já sabe o que fazer, certo? SURDAS ou DESVOZEADAS: as cordas vocais não vibram. SONORAS ou VOZEADAS: as cordas vocais vibram. AULA 6 – TRANSCRIÇÃO FONOLÓGICA – PROCESSOS FONOLÓGICOS Análise e Transcrição Fonológicas A análise fonológica consiste em identificar os sons que constituem fonemas e como eles se organizam em um sistema linguístico, para verificar, por exemplo, as posições que os fonemas ocupam, se no início, no meio ou no final da sílaba, ou ainda com que outros fonemas normalmente se agrupam etc. A transcrição fonológica é normalmente realizada entre barras oblíquas (também chamadas de barras transversais), empregando-se os mesmos símbolos do IPA (Alfabeto Fonético Internacional) usados na transcrição fonética. Para representar a neutralização de fonemas, utiliza-se, na transcrição fonológica, um arquifonema (esse elemento corresponde ao resultado articulatório da neutralização, representando os traços distintivos comuns entre os fonemas). É geralmente representado por uma letra maiúscula. Nas transcrições fonológicas aqui realizadas, empregaremos os símbolos a seguir para representar o arquifonema. Outro processo presente nos sistemas linguísticos é o debordamento. O que é dobramento? Neste caso, dois fonemas da língua podem aparecer alternadamente no mesmo contexto. Exemplos: assobiar/assoviar Claro/craro Estudo/istudo Bonita/bunita Essa modificação por que passam os fonemas está relacionada, como já se apontou, ao fato de, em sua realização fonética, os fonemas sofrerem influências de sons vizinhos. Além dos processos fonológicos que acabamos de mencionar, outros também podem ser destacados. Veja abaixo: Aférese: Queda de fonema no início do vocábulo — teve (por esteve). Metafonia: Modificação do grau de abertura de uma vogal decorrente da influência da vogal ou semivogal que a seguem. Exemplos: sogro/sogra; este/esta. Síncope: Queda de fonema no interior do vocábulo — fósfro (por fósforo); abobra (por abóbora); xicra (por xícara). Apócope: Queda de fonema no final do vocábulo — dormi (por dormir). Nasalização: uma vogal oral assimila a característica nasal de um som que lhe é contíguo. É processo muito comum em português. Assim, palavras como cama e goma têm avogam da sílaba tônica nasalizada. Em sílabas pretônicas, essa nasalização é variável, vide as realizações para o vocábulo gramática, com ou sem nasalização. Como bem afirmam SOUZA e SANTOS, ―(...) isso inclui a nasalização nos processos fonológicos que têm, além do condicionamento proveniente dos traços distintivos, também um condicionamento prosódico, ou seja, devido ao acento.‖ Nesta parte, é importante destacar uma discussão apresentada por Mattoso Câmara acerca da existência de vogais nasais em português. Em pronúncias como estas, as vogais destacadas são consideradas nasaladas (ou nasalizadas), pois a ausência de nasalação não caracterizaria uma oposição. Trata-se de uma nasalidade fonética. AULA 7 – O ESTUDO DA SÍLABA A sílaba pode ser definida como uma unidade do plano da expressão, que apresenta, durante sua enunciação, um aclive, um ápice e um declive. Veja como essa estrutura é representada graficamente. O ápice ou centro da sílaba corresponde ao ponto máximo de força expiratória e sonoridade. Em português, é sempre ocupado por uma vogal. O aclive e o declive constituem as margens da sílaba. O aclive e o declive podem ser ocupados, em português, por vogal ou consoante. Uma sílaba pode apresentar as margens vazias, sem qualquer elemento. Para a sílaba existir, no entanto, é imprescindível o seu centro, também denominado silábico. As vogais que ocupam as margens da sílaba são denominadas vogais assilábicas. Quando estão na margem direita, denominam-se semivogais; na margem esquerda, são chamadas de semiconsoantes. Como exemplo, temos a vogal /u/ que em água ocupa a margem esquerda na sílaba gua e em pau ocupa a margem direita. Apesar da diferença terminológica, tradicionalmente consagrou-se o termo semivogal para as duas posições. Conforme a sua constituição, a sílaba pode receber duas classificações. Veja. Simples: quando é constituída de apenas um fonema. Complexa: quando se constitui de mais de um fonema. As sílabas complexas são ainda classificadas em duas categorias. Veja. Livres (ou abertas): quando terminadas por vogal. Travadas (ou fechadas): quando terminadas por consoante ou vogal assilábica. Dependendo de como vogais (V) e consoantes (C) se agrupam em sílabas, podem ser determinados certos padrões silábicos para o sistema linguístico em estudo. Estes são padrões silábicos definidos para a língua portuguesa. V é VC ar CV cá CCV prato CVC Lar CVV Lei CVCC perspicácia CCVC flertar Semivogais As semivogais são também denominadas GLIDES, que são definidos como ―som de transposição quando os órgãos da fala se movimentam em direção a uma articulação ou se afastam dela (on-glide e off-glide, respectivamente) Como não são nem consoantes nem vogais, os glides costumam ser denominados semiconsoantes ou semivogais (têm uma qualidade vocálica e uma distribuição consonantal).‖ (CRYSTAL, D. Dicionário de lingüística e fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 126.) Os fonemas se agrupam em sílabas formando determinados encontros. As vogais, por exemplo, formarão os encontros vocálicos descritos a seguir. Ditongo: encontro de vogal mais semivogal na mesma sílaba. Classifica-se como crescente ou decrescente, conforme a sequência dos segmentos na sílaba. Crescente: semivogal + vogal (série, sério, árdua, vácuo, sábia). Decrescente: vogal + semivogal (meu, viu, mói, mãe, põe, bem, pão). Tritongo: encontro de semivogal + vogal + semivogal na mesma sílaba (Paraguai, saguão) Hiato: encontro de vogais no interior do vocábulo, sendo que cada vogal pertence a uma sílaba (lua, ruim, sabia) Ditongos e tritongos podem ser orais (viu, Paraguai) ou nasais (mão, saguão). As consoantes, por sua vez, organizam-se em encontros que podem ocorrer: na mesma sílaba (prato, claro); em fronteiras silábicas (porta). É importante destacar que a utilização de duas letras para a representação de um fonema constitui um dígrafo, que não deve ser confundido com o ditongo ou com o encontro consonantal. Nos vocábulos querida e carro, por exemplo, temos dígrafos, pois qu (/k/) e rr (/R/) são letras que juntas representam um só fonema nas palavras em que são empregadas. Em sequela, a vogal /u/, por constituir um ditongo, é pronunciada. Em braço, as consoantes br, que aparecem juntas na sílaba, são pronunciadas. AULA 8 – NOÇÕES DE PROSÓDIA: ACENTO, RITMO E ENTOAÇÃO A segmentação da fala permite identificar vogais e consoantes. Há, porém, propriedades fonéticas chamadas de suprassegmentais, porque não correspondem à descrição física dos segmentos, mas sobre eles se acrescentam, resultando muitas vezes em um valor fonológico. Trata-se dos tipos de acento, dos padrões entoacionais, ritmos e velocidade de fala que são geralmente estudados sob o rótulo de prosódia. (CALLOU & LEITE) O acento corresponde a um destaque que se dá a uma sílaba em detrimento de outras. Os traços fônicos utilizados para a realização do acento são a duração, a altura e a intensidade. Em português, o acento é normalmente definido como intensivo e, diferentemente do latim, a posição do acento em português é livre, dentro dos limites das três últimas sílabas do vocábulo. O seu lugar na palavra pode ser determinado pela estrutura fonética do grupo fônico. Trata-se do acento fixo, como ocorre em francês. O acento pode ainda ocorrer em uma ou outra sílaba, alterando o sentido da palavra pronunciada como ocorre em sábia, sabia e sabiá. Trata-se do acento livre. Para entender melhor a diferença entre letra e fonema, veja as demonstrações a seguir. A sequência fônica / ' bala/ é representada na escrita por bala. No entanto, a correspondência entre letra e fonema nem sempre é perfeita. Veja os exemplos. Uma mesma letra para representar diversos fonemas. s – casa /z/, sala /s/, casca /ʃ/ x – máximo /s/, exato /z/, peixe /ʃ/ Um mesmo fonema pode ser representado por letras diferentes. /z/ - casa, zebra, exame Um fonema pode ser representado por duas letras e, neste caso, temos um dígrafo. /s/ - passado, nascer, nasça, exceto Uma letra pode também representar uma sequência de fonemas. Temos, neste caso, um dífono. x – táxi /ks/, tóxico /ks/ As sílabas tônicas são aquelas em que recai o acento. As sílabas sem o acento são átonas. Existem também as sílabas pretônicas (são aquelas posicionadas antes da sílaba tônica) e as postônicas (são posicionadas após a sílaba tônica. As postônicas se subdividem ainda em finais, denominada átona final, e não-finais). Veja o exemplo. FE – LI – CÍS – SI – MO Pretônicas Tônica Postônica Átona final Não-final Atenção! O acento fonético não se confunde com o acento gráfico, pois este nada mais é que um sinal gráfico para indicar a tonicidade de uma determinada sílaba. Apesar de uma palavra apresentar sílaba tônica, nem sempre esta recebe acento gráfico*. É o que ocorre com as palavras a seguir. Parede, casa, fazia * O acento gráfico é também usado para estabelecer uma diferença entre vocábulos que seriam homógrafos sem presença do acento, como as formas pode (presente do indicativo) e pôde (pretérito perfeito), e por (preposição) e pôr (verbo), cujo acento diferencial se manteve no último acordo ortográfico. Em um determinado contexto, o relevo acentual pode ser hierarquizado, em conformidade com o valor que se queira dar à mensagem. Assim, temos o acento lexical primário, ou seja, o destaque dado a uma das sílabas do vocábulo, e o acento lexical secundário, que corresponde a um destaque a uma outra sílaba no mesmo vocábulo. Veja no exemplo. Feliz – a sílaba em vermelho recebe o acento primário Infeliz – a sílaba em vermelho recebe o acento primário. Além disso, ocorre o acento secundário na antepenúltima sílaba. Épreciso considerar, ainda, que os enunciados apresentam um acento frasal, definido em português pela entoação, ou seja, pelo contorno da variação melódica das sílabas. Desse modo, em um enunciado como ―Ele está feliz‖ poderiam ocorrer as variações de acento indicadas abaixo, dependendo das intenções comunicativas. As sílabas sublinhadas correspondem ao acento que pode ocorrer nesses contextos, em resposta às perguntas formuladas, além do acento que normalmente existe em cada palavra desta frase. a) Ele está feliz. – Como ele se sente? b) Ele está feliz. – Ele é feliz c) Ele está feliz. - Como vocês estão? Agora você irá aprender sobre ritmo. O ritmo pode ser definido como a maneira como as línguas (as línguas se dividem em dois grupos: línguas de ritmo silábico e de ritmo acentual) organizam no tempo os elementos que se destacam na fala, tais como as durações silábicas e os acentos. Ritmo silábico: todas as sílabas têm duração aproximadamente igual, não importam o contexto ou a velocidade de fala. São assim o francês, o italiano, o espanhol, o alemão, o japonês e o chinês. Ritmo acentual: nas línguas de ritmo acentual, como português, inglês e árabe, a duração entre os intervalos das sílabas acentuadas é isocrônica, ou seja, a duração das sílabas é similar, pois dependem do contexto em que ocorrem. Conforme explicam Callou e Leite, ―as sílabas inacentuadas diminuem sua duração de acordo com o número delas ocorrente entre duas sílabas acentuadas.‖ Veja os casos abaixo, que exemplificam o efeito do ritmo. Pedro estuda na Universidade de Campinas. A sílaba ―de‖ que se repete no enunciado (a) tende a ser emitida apenas uma vez. Laranja, caju, abacaxi, manga, pêssego, melancia... Ocorrem dois acentos próximos na sequência ―abacaxi/manga‖, normalmente há um prolongamento da primeira sílaba tônica ou uma pausa entre as duas sílabas, para manter o caráter isocrônico das sílabas tônicas. O ritmo não deve ser confundido com a velocidade da fala*, pois um mesmo padrão rítmico pode ser emitido com maior ou menor velocidade de fala. * As variações de velocidade de fala tendem a provocar modificações fonéticas com perda ou inserção de segmentos. Pode também ter um uso relacionado à interação comunicativa, quando a desaceleração serve para enfatizar o que se diz, ou indicar final de turno discursivo em diálogos, e a aceleração evita a intromissão de um interlocutor. As sílabas são pronunciadas com uma altura melódica. Em línguas entoacionais, como o português, diferentes tipos de enunciados definem padrões melódicos determinados pelo sistema linguístico. Assim, em português, há padrões entoacionais* divididos em tons primários e tons secundários. * Gladis Massini-Cagliari e Luiz Carlos Cagliari esclarecem que ―Um padrão entoacional forma um grupo tonal. Todo grupo tonal terá sempre uma sílaba tônica saliente (o acento frasal), que coincide com a posição em que a curva melódica muda de direção‖. Tons primários – usados nas frases declarativas, interrogativas, para surpresa interrogativa. Tons secundários – usados para acrescentar um significado literal do enunciado e outros significados que denotam atitudes do falante, tais como: alegria, tristeza, raiva, dúvida, incerteza etc. Diversos estudos de entoação têm sido desenvolvidos nos últimos tempos. Neles, a análise computacional dos sons da fala contribui sobre maneira para a descrição do aspecto entoacional. É por meio dela que se descrevem hoje as curvas entoacionais. AULA 9 – LETRA E FONEMA Nesta aula vamos estudar sobre a ortografia. Você sabe o que é ortografia? A ortografia é um recurso que possibilita registrar na escrita as diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma língua. Por exemplo, a palavra futebol é pronunciada [fute'bɔw] em certas regiões do Brasil e [futʃi'bɔw] em outras, mas sua grafia é apenas uma. No entanto, essa sua função unificadora, que facilita a nossa comunicação, é deixada de lado, para prevalecer o seu caráter prescritivo. Você sabe qual a origem da palavra ortografia? Na sua origem a palavra ortografia significa ‗escrever direito‘, pois é formada pelo elemento grego ―orto‖, cujo significado é direito, exato e ―grafia‖, que significa escrever. Assim, quando se fala em ortografia, pensamos logo nas diversas regras que temos de aprender para escrevermos as palavras corretamente. Pode-se dizer que a ortografia é uma invenção relativamente recente. Línguas como o francês e o espanhol há trezentos anos não tinham uma ortografia. E foi somente no século XX que se fixaram as normas orto-gráficas da Língua Portuguesa, no Brasile em Portugal. E mesmo assim, as ortografias adotadas nesses países não são idênticas. Uma diferença a se estabelecer inicialmente, é a existente entre letra e fonema. Como visto em aulas anteriores, o fonema é definido como uma unidade fônica mínima, com valor distintivo na língua. A letra, por sua vez, é um sinal gráfico com o qual se representam na escrita as palavras. Para entender melhor a diferença entre letra e fonema, veja as demonstrações a seguir. A sequência fônica / ' bala/ é representada na escrita por bala. No entanto, a correspondência entre letra e fonema nem sempre é perfeita. Veja os exemplos. Uma mesma letra para representar diversos fonemas. s – casa /z/, sala /s/, casca /ʃ/ x – máximo /s/, exato /z/, peixe /ʃ/ Um mesmo fonema pode ser representado por letras diferentes. /z/ - casa, zebra, exame Um fonema pode ser representado por duas letras e, neste caso, temos um dígrafo. /s/ - passado, nascer, nasça, exceto Uma letra pode também representar uma sequência de fonemas. Temos, neste caso, um dífono. x – táxi /ks/, tóxico /ks/ Há ainda o termo GRAFEMA*, que é uma designação mais rigorosa e ampla da letra. * Há que se considerar ainda o termo GRAFEMA. Sobre ele, HENRIQUES (2009, p. 12) ressalta que: ―a escola linguística norte-americana designou de GRAFEMAS os ‗símbolos gráficos constituídos de traços gráficos distintivos‘ que propiciam o reconhecimento visual das palavras na língua escrita, do mesmo modo que os fonemas propiciam seu reconhecimento auditivo na língua oral. Essa designação, mais rigorosa e mais ampla que LETRA, enfatiza o caráter opositivo dos símbolos gráficos e engloba como grafemas não apenas as letras, mas também os diacríticos, os ideogramas, os números e os sinais de pontuação.‖ HENRIQUES, Claudio Cezar. Fonética, fonologia e ortografia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 12 É fundamental destacar que a ortografia é resultado de uma convenção social. Na história da ortografia da língua portuguesa são identificados três períodos: O período arcaico ou fonético. A partir de 1214, marcado pelo primeiro documento datado e escrito em língua portuguesa, o Testamento de Afonso II. Nesse período, apesar do nome fonético, não temos uma simples transcrição da fala. Foi mais um período de formulação de hipóteses de escrita, de tentativas e busca por regularidades, ainda que a instabilidade das notações também seja algo claramente perceptível. Um texto que trata sobre o assunto da desonra*, datado do séc. XIV, é uma demonstração disso. * Texto legal sobre desonra. In: Afonso X, Foro Real, José de Azevedo Ferreira, vol. I, Livro IV, Título III, Lisboa, INIC, 1987, p. 265. Disponível em: http://cvc.instituto- camoes.pt/tempolingua/09.html. Acesso em 6 jul. 2010.) Observam-se no texto regularidades como a representação do [v] pela letra u, em ―prouar‖, ―saluesse‖. No entanto, a palavra lei, aparece com duas grafias ―lee‖ e ―ley‖. O período moderno ou pseudoetimológico. Inicia-se com o primeiro documento impresso em língua portuguesa, o Tratado de Confissom, de 1489. Nesse período, de um modo geral, são incorporadas as escritas propostas no período arcaico. Além disso, ocorre a introdução de vocábulos eruditos do latim, o que levou à escritade palavras em conformidade com a sua escrita na língua de origem, daí a denominação de escrita etimológica. O problema é que não se conhecia o latim o suficiente para estabelecer o étimo da palavra em latim. Por essa razão, uma palavra escrita ome, no período arcaico, passa a homem, com a introdução da letra h, no período etimológico. Surgiram paralelamente outras palavras* sem relação clara com a etimologia. * Passou-se a se escrever também thesoura, occeano e outras palavras sem relação clara com a sua etimologia. Por isso, a denominação pseudoetimológico. É preciso considerar que, nesse período, mais precisamente no século XVI, surgiram os primeiros manuais com regras para a escrita formal, tais como a Gramática da lingua portuguesa, em 1540, de João de Barros, e a Orthographia da lingoa portuguesa, de 1576, de autoria de Duarte Nunes de Lião. O período atual. A partir de 1904 até o ano de 1995, em que ocorreram uma série de publicações, acordos ortográficos e modificações, além de tentativas de uniformização da ortografia da língua portuguesa entre brasileiros e portugueses. AULA 10 – FONOLOGIA E ENSINO DE ORTOGRAFIA Você sabe qual é o valor da escrita em nossa sociedade? Pois é, já sabemos que ler e escrever são competências fundamentais na sociedade contemporânea. Afinal, as informações, desde as mais técnicas até as de entretenimento ou religiosas, são hoje veiculadas principalmente por meio da escrita. Isto acontece nos dias atuais, principalmente em ambientes virtuais. Para muitos, o domínio da escrita torna-se uma forma de inserção e de ascensão na sociedade. A escola, por sua vez, é um dos espaços sociais para desenvolver e aprimorar essas competências de leitura e escrita, pois é nela que o contato com a escrita se dá de maneira formal e sistematizada. No entanto, como afirma Soares, nos dias atuais a alfabetização se limita a um processo de aquisição de saberes de leitura e escrita, enquanto a noção de letramento apresenta significação mais ampla e envolve o uso que o indivíduo faz desses saberes. Conheça mais sobre a questão do letramento e aprenda também a diferenciação entre oralidade e escrita. ―O letramento tem que ser entendido como práticas sociais em que se constroem identidade e poder, extrapolando-se os limites da escrita.‖ (Mollica, 2007). Compreender as diferenças entre oralidade e escrita é tão importante que Yara Liberato e Lúcia Fulgêncio concebem tal ação como um princípio básico para a eficácia da leitura: ―Para um leitor inexperiente, os pontos em que os textos escritos diferem dos orais são pontos críticos em que pode haver problemas de compreensão.‖ A passagem de um texto da oralidade para a escrita não é uma atividade natural, pois cada uma dessas modalidades textuais apresenta características específicas, que atendem à natureza do texto, podendo ser este oral ou escrito. As práticas de letramento não ocorrem somente na escola, mas em situações cotidianas variadas, como na família, em outros grupos sociais e em atividades profissionais. Assim como no letramento, na ortografia, também ocorre uma diferenciação entre aspectos textuais e discursivos. Veja abaixo mais informações sobre esse assunto. Um dos pontos de diferença entre oralidade e escrita está relacionado ao fato de não haver perfeita correspondência entre letra e fonema. Dessa forma, é natural que desvios ortográficos ocorram nas fases iniciais de aprendizagem da língua escrita. Se considerarmos ainda as interferências das variações linguísticas, tantos outros desvios podem ser registrados e, o que se verifica frequentemente, permanecem em textos cujos autores já avançaram longos anos de escolarização. Alterações como a redução do segmento –ndo para –no (como em cantando-cantano), o rotacismo /l/ > /r/ (como em bloco>broco) etc. são comuns em falas desprestigiadas socialmente. Como nosso foco aqui é o ensino-aprendizagem de ortografia, cabe indagar: que saberes são necessários ao aluno para a aprendizagem das normas ortográficas? Que saberes são necessários ao professor para analisar o texto do aluno e identificar as dificuldades ortográficas? Que estratégias podem ser elaboradas pelo professor para auxiliar o aluno na superação dessas dificuldades? Artur Morais* ressalta que aprender ortografia não é somente uma questão de memorização. * Morais critica a visão espontaneísta do professor que acredita que os alunos aprendem a escrever certo com naturalidade, por meio do contato com livros e outros materiais escritos. Sem desmerecer esse contato, o autor afirma que muitos professores que seguem essa visão espontaneísta, contraditoriamente continuam aprovando ou reprovando alunos com base em seu rendimento ortográfico. (idem. p. 24) MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. 4. ed. São Paulo: Ática, 2002 No caso, por exemplo, de palavras grafadas com h, como hoje, hábito e hodierno, por se tratar de emprego de uma letra por uma razão etimológica, não haverá outra maneira a não ser memorizar* a grafia. * Memorizar, nas palavras de MORAIS, quer dizer: ―conservar na mente as imagens visuais dessas palavras, suas ‗imagens fotográficas‘. Nesse sentido, a exposição do aprendiz aos modelos de escrita correta das palavras que contêm irregularidades é fundamental para que ele memorize sua imagem visual.‖ No entanto, há palavras como cachorro, passeio e sala, em que há uma regra de emprego dos dígrafos RR e SS, em contexto intervocálico, para representar os fonemas /r/ e /s/, bem como da letra s, em início de palavra, neste caso seguida da vogal a, para também representar /s/. Os dois exemplos acima indicam o que o aluno pode aprender, no entanto, cabe ao professor favorecer essa aprendizagem. Nas escolas e nos manuais didáticos adotados pelos professores, as práticas mais comuns de ensino-aprendizagem de ortografia são o ditado, com pronúncias artificiais para que o aluno acerte a letra a ser empregada, a cópia, exercícios de treino ortográfico e enumeração de regras ortográficas. Ainda que sejam realizadas com boa intenção, essas práticas têm em comum levar o aluno a conceber a ortografia como uma prática mecânica, repetitiva, sem reflexões ou inferências acerca das regras. Morais propõe algumas regras, que auxiliam nas atividades de apreensão da ortografia em situações de ensino-aprendizagem. O ditado não deve ser abandonado, mas é imprescindível que o texto já tenha sido discutido com a turma, para se estabelecer uma interação com as idéias nele veiculadas, e que haja reflexão sobre questões ortográficas nele presentes, selecionadas previamente pelo professor ou pelos próprios alunos durante o ditado. Há ainda atividades lúdicas que auxiliam na fixação da grafia das palavras. Cruzadinhas, jogo da forca, música, varal de regras, entre tantas outras atividades, podem ser trabalhadas em sala de aula, a fim de possibilitar a aprendizagem da ortografia. O importante é ter sempre em mente que esse estudo não seja mecanizado, mas sim fruto de reflexão sobre a língua. Morais propõe que, para se ensinar ortografia, é fundamental que: O aprendiz tenha contato freqüente com materiais impressos, a fim de que veja modelos da norma ortográfica; O professor promova situações de aprendizagem que explicitem regularidades e irregularidades de nossa norma ortográfica. O professor deve promover um planejamento das atividades, definindo metas ou expectativas de aprendizagem da ortografia, ao longo do período de escolaridade. Essas metas seguirão orientações como: a) Definir quando iniciar o ensino de ortografia; b) Definir que metas devem ser estabelecidas por cada turma ou série; c) Definir como seqüenciar o ensino de ortografia. Nas situações de ensino-aprendizagem, devem ser ainda considerada a reflexão sobre a ortografia, que deverá estar sempre presente nas atividades de escrita. A escritaespontânea deve ser estimulada na produção de textos dos alunos, pois esta: Provoca a dúvida ortográfica, estimulando o aluno a procurar soluções no dicionário; Faz com que o aluno se preocupe com a revisão de seu próprio texto, e ressalta aspectos como a tonicidade da sílaba, a posição intervocálica e aspectos morfológicos – gramaticais. Os aspectos morfológicos - gramaticais devem ser explicados de acordo com o nível de conhecimento desse metalinguagem por parte do aluno, sem se exigir um conhecimento precoce da terminologia da gramática normativa. Para isso, é apropriado promover os seguintes recursos: A discussão coletiva dos conhecimentos das regras; O registro escrito das regras ou listas de palavras; Atividades desenvolvidas em grupos ou duplas; A heterogeneidade do rendimento dos alunos deve ser considerada, ao se definir metas de aprendizagem.
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