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Cursos Online EDUCA www.CursosOnlineEDUCA.com.br Acredite no seu potencial, bons estudos! Curso Gratuito Transtorno Global do Desenvolvimento - TGD na Educação Especial Carga horária: 45 hs Conteúdo programático: Transtorno desintegrativo da infância (psicose infantil). Transtornos invasivos do desenvolvimento. Os paradigmas da educação especial e os transtornos globais do desenvolvimento. Antecedentes e surgimento da categoria de transtornos globais do desenvolvimento na psiquiatria. Repercussões do conceito de transtornos globais do desenvolvimento sobre os processos de inclusão nas escolas regulares. Repercussões teóricas sobre o campo da Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. Repercussões técnico-legais: métodos de intervenção e nomenclaturas. Repercussões sobre a nomenclatura da legislação. Transtornos globais do desenvolvimento. Autismo. Síndrome de Rett. Transtorno de Asperger. Transtorno Desintegrativo da Infância. Espectro Autista. Como lidar com os transtornos globais do desenvolvimento (TGD). Alguns cuidados e como lidar com educando com TGD na escola. Tipos de Intervenções para crianças com TGD. Aspectos importantes dos transtornos globais do desenvolvimento para a educação escolar. Teoria da mente. A formação e aprendizagem da criança com transtorno global do desenvolvimento. A criança ao ingressar na escola. A família. O desenvolvimento da função executiva de alunos com Transtornos globais do desenvolvimento na escola. O desenvolvimento da cognição social de alunos com Transtorno global do desenvolvimento na escola. Estratégias que propiciam a formação e a aprendizagem da criança com transtorno global do desenvolvimento. A comunicação. O trabalho em sala de aula. O registro escolar. O AEE e o aluno com TGD. Marcos legais que ampara a integração. O transtorno global do desenvolvimento na educação inclusiva: escola comum ou escola especial? Referências. Transtorno desintegrativo da infância (psicose infantil) O Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) foi inicialmente descrito por Theodore Heller, um educador austríaco, 1908. Heller relatou o caso de seis crianças, que após um desenvolvimento aparentemente normal nos quatro primeiros anos de vida, apresentaram uma grave perda das habilidades de interação social e comunicação. Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM- IV) da Associação Americana de Psiquiatria (1994), o transtorno desintegrativo da infância é também conhecido como síndrome de Heller, Demência Infantil ou Psicose desintegrativa. A atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva usa a terminologia transtorno desintegrativo da infância (psicoses) ao se referir ao público alvo do AEE. A definição sobre psicose, fornecida pelo (DSM-IV), é entendida como uma perda dos limites do ego ou um amplo prejuízo no teste da realidade. O termo psicose refere-se a delírios, quaisquer alucinações proeminentes, discurso desorganizado ou catatônico. Tradicionalmente os psiquiatras definem o termo psicose como um distúrbio da realidade. Em contrapartida, numa visão psicodinâmica, a psicose seria uma desorganização da personalidade, podendo então ser compreendida como uma confusão entre o mundo imaginário e perceptivo na ausência do Ego segundo Freud, estrutura limitante entre os dois mundos. Embora rara, a esquizofrenia pode ocorrer em crianças com menos de 12 anos (apud, Mercadante e Scahill, 2005). Seguindo a definição proposta pelo DSM- IV, a prevalência para a esquizofrenia na infância está estimada em dois casos a cada 100.000 pessoas, sendo mais frequente em meninos. Com relação aos sintomas podemos citar: alucinações (ver, ouvir coisas que não existem, fora de contexto cultural), delírios (pensamento absurdo, levando-se em conta as características do pensamento segundo a idade), distúrbios do pensamento e afetividade inapropriada. Outras manifestações frequentes: idiossincrasias (maneira própria de ver, sentir e reagir) de linguagem, tais como neologismos, ecolalia e dificuldades de comunicação verbal, considerando-se o adequado para a idade. Esses sintomas causam alterações significativas em todas as áreas de funcionamento, e as crianças afetadas podem apresentar um atraso do desenvolvimento. Em relação à esquizofrenia, admite-se que a vulnerabilidade genética desempenha um papel importante no desenvolvimento desse quadro. O diagnóstico de esquizofrenia na infância exige um exame cuidadoso para que se faça o diagnóstico diferencial com autismo e outros transtornos degenerativos do sistema nervoso central. O autismo pode ser diferenciado da esquizofrenia pela idade início, que tende a ser mais precoce no autismo, assim como pela falta de alucinações e delírios. Transtornos invasivos do desenvolvimento Com aporte dos autores Mercadante e Scahill (2005) os transtornos invasivos do desenvolvimento são um grupo de transtornos caracterizados por importante atraso no desenvolvimento em diferentes áreas de funcionamento, incluindo a socialização, comunicação e relacionamento interpessoal. O DSM-IV descreve alguns tipos de transtornos invasivos, como: o autismo, a síndrome de Asperger, a síndrome de rett, o transtorno desintegrativo e o transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação. O transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação é composto por um grupo heterogêneo de crianças com tendências a apresentar comportamento inflexível, intolerância à mudança, e explosão de raiva e birra quando submetidas às exigências do ambiente ou até mesmo a mudanças de rotina. “Assim, muitas vezes, ao discutir a minha impressão sobre determinada criança, quando afirmo que, na minha compreensão, se trata de um transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação, a pessoa do outro lado da mesa ou do outro lado da linha diz “aliviada”: “ Ah! Que bom! Achei que pudesse ser um quadro de autismo! ”. Esse é um duplo equívoco: primeiro, porque o diagnóstico nessa área nada mais é do que a organização de um conhecimento, sendo que o comportamento da criança, por si só, já mostra quais são suas limitações, possibilidade e incapacidades (“chamá-la” ou não de autista não modifica essa condição); e segundo (aqui um desconhecimento do termo) porque dizer que é um transtorno invasivo do desenvolvimento tem o mesmo status, em termos da complexidade do quadro, que o transtorno autista.“(MERCADANTE, M. T. SCAHILL, .. 2005). Dentre os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento mais comumente encontrados nas escolas, destacamos o Autismo Infantil, Transtorno de Asperger e Psicose. Os paradigmas da educação especial e os transtornos globais do desenvolvimento Os estudos sobre a Educação Especial nos revelam a constituição de um percurso que, a seu tempo e mediante os recursos técnicos e científicos disponíveis, buscaram dar respostas educacional e socialmente adequadas face às diversas formas de compreensão sobre a diferença, estabelecendo proposições e paradigmas diferentes para lidar com as dificuldades escolares vivenciadas por determinados alunos. As mudanças observadas nesta trajetória também sedimentaram designações para as marcas singulares que alguns alunos trouxeram para o contexto da organização das práticas pedagógicas na escola regular. Desta forma, falar de inclusão escolar é ter em mente o campo conceitual da Educação Especial que, historicamente, delineou práticas e designações para as diferenças. De um modo geral, a gênese das primeiras discussões e abordagens a estas diferenças remonta ao final do século XVI, com as atenções médicas e pedagógicas às deficiências físicas e sensoriais. As premissas da Educação Especial ganham vulto a partir do século XIX, com a pesquisae a atenção médico- pedagógica ao sofrimento mental infantil, selando uma relação entre a Medicina e a Pedagogia e, mais especificamente, entre a Psiquiatria e a Pedagogia que, ao longo de sua existência, passa por aproximações e distanciamentos. No campo da Educação Especial brasileira, verifica-se que ainda hoje esta articulação se faz presente. Apesar de todas as proposições encontradas no sentido de amenizar os efeitos do uso destas terminologias no âmbito das escolas, ainda hoje se identifica a designação de quadros de impasses escolares por meio de terminologias psiquiátricas. Este é o caso específico do apontamento feito em torno dos alunos identificados nas legislações educacionais a partir de suas dificuldades de aprendizagem e de seus comportamentos peculiares. São os alunos com transtornos globais do desenvolvimento (BRASIL, 2008; 2009; 2010). Sua inserção nas escolas regulares costuma levantar questionamentos sobre a educação especial em detrimento da regular ou comum, sobre o diagnóstico psicopatológico encaminhado às escolas e sobre as estratégias pedagógicas pertinentes aos processos de adaptação da criança na escola. De certa forma, tais questões impelem o educador no sentido de revisitar momentos, práticas e conceitos que contribuíram para o que atualmente se concebe por inclusão escolar. Ao se consultar alguns teóricos da inclusão escolar (COLL, 2004; MARCHESI, 2004; MANTOAN, 2006; MENDES, 2006; PALÁCIOS, 2007, GLAT; BLANCO, 2009), torna-se possível observar que as mudanças paradigmáticas impressas no campo da Educação Especial trazem em si um deslocamento primordial para que este campo seja reconhecido como o lócus privilegiado das práticas pedagógicas de inclusão escolar. Este deslocamento se processa do olhar lançado sobre a deficiência como algo potencialmente irreversível e inerente a alguns indivíduos para a visão não só sobre as potencialidades dos sujeitos deficientes as quais podem ser observadas para além destes quadros, como também para a verificação de que, no processo escolar, todos estão sujeitos a déficits maiores ou menores em algum momento de sua trajetória educativa. Neste sentido, a deficiência passa a ganhar a conotação de dificuldade, entendida como transitória ou permanente conforme cada caso. Isso embasa o conceito de necessidades educativas especiais, definidor do paradigma da inclusão escolar, arrolado pelos autores aqui referidos. O que se recolhe disto é um constante tensionamento entre o que pode ser compreendido como possibilidades em torno de um projeto educativo inclusivo, bem como acerca da definição sobre quem deve ser o alvo destas ações, imprimindo-se, a partir destas questões, modelos paradigmáticos constantemente revisitados e aperfeiçoados. Sendo uma particularidade presente na Educação Especial Inclusiva brasileira a partir do ano de 2008, a inserção de crianças com transtornos globais do desenvolvimento nas escolas regulares não foge a um campo de discussões em que a questão da diferença se faz presente de forma radical. Para buscarmos um entendimento sobre os fatores determinantes para esta inserção, iniciaremos nossas discussões a partir de uma breve exposição sobre os modelos paradigmáticos que sustentaram a formulação da Educação Especial até a concepção do que hoje se compreende como Educação Inclusiva e os conceitos neles envolvidos. Antecedentes e surgimento da categoria de transtornos globais do desenvolvimento na psiquiatria Uma das particularidades da Psiquiatria é ser um campo de saber que, desde os primórdios de sua organização, se interessa pelas classificações das condições mentais. Trata-se do estabelecimento de balizas que configuraram critérios para os diagnósticos clínicos psiquiátricos e que terminaram por definir as possibilidades de alcance desta clínica e de seus pressupostos, mediante uma mutação conceitual verificada ao longo dos tempos. Identifica-se, com isto, um movimento em que as investigações psicopatológicas e o corpus de saber da Psiquiatria, inicialmente localizado no campo restrito ao especialista, paulatinamente deixaram o espaço dos hospitais psiquiátricos e se inseriram em outros contextos institucionais, assim como identificamos no capítulo 2 a propósito da Psiquiatria Infantil. Em última análise, as investigações realizadas tanto no campo estrito da Psiquiatria quanto em sua aplicação a outros espaços têm como objetivo principal definir os critérios clínicos possíveis na distinção entre o normal e o patológico. O que se observa em relação a essas investigações é que os seus critérios são variáveis. Tal variação implica não somente em metodologias variáveis de abordagem classificatória e diagnóstica do fenômeno mental, como também em formas aleatórias de nomeá-los, dentro e fora do dispositivo da clínica psiquiátrica. Implica, portanto, em concepções epistemológicas distintas, sobretudo em relação à etiologia do adoecimento mental. Vê-se que, no que se refere aos transtornos globais do desenvolvimento, eles são fruto desta variação classificatória, não estando presentes desde sempre, nem na história da Educação Inclusiva nem no desenvolvimento da Psiquiatria. Na verdade, estes dois campos de saber tornam-se conjugados justamente a partir do momento em que um passa a ser destinatário da aplicação das classificações produzidas no outro e das formas de intervenção sobre os quadros patológicos, assim como pode ser demonstrado no capítulo anterior. No caso da Educação Especial Inclusiva brasileira, conta-se um espaço de 21 anos entre o estabelecimento da categoria em questão na área das investigações da psicopatologia psiquiátrica até sua entrada no escopo das legislações que regulamentam a delimitação do público-alvo específico das ações de inclusão escolar. Repete-se um processo em que, uma vez mais, as escolas regulares brasileiras sabidamente se tornaram representantes dos contextos em que as classificações produzidas pela Psiquiatria se aplicaram à avaliação dos impasses de crianças e jovens com a escolarização, dentre eles aqueles com transtornos globais do desenvolvimento. Este cenário, no momento, nos faz levantar as seguintes questões: ao importar mais um conceito e uma nomeação do campo da Psiquiatria, quais são os antecedentes na organização do que se concebe como transtornos globais do desenvolvimento? Em que bases conceituais ele se constitui? De que maneira esta questão pode nos auxiliar a responder nossas duas questões básicas de pesquisa (como ocorrem os processos de inclusão destes alunos na escola regular e por que alguns destes alunos representam um problema para os professores)? Observa-se que, no campo específico da Psiquiatria, os critérios classificatórios e diagnósticos que lhe são pertinentes foram sendo alterados ao longo do tempo, imprimindo-se às classificações valores conceituais distintos, que marcam os antecedentes da formação da categoria dos transtornos globais do desenvolvimento. Isto porque, no histórico deste campo de saber, é possível identificar a existência de formas diferenciadas de identificar, analisar, descrever e nomear os fenômenos mentais, na justa tentativa de se diagnosticar os limiares existentes entre a patologia mental e a normalidade, bem como para, finalmente, determinar os destinos possíveis de tratamento para os casos identificados como patológicos. Em última análise, no campo da Psiquiatria, as diferenciações aqui referidas nos permitem caracterizar este campo em três momentos particularmente distintos e, em certo sentido, antagônicos, em razão das formas de investigação psicopatológica correspondentes a cada um deles. Para fins de localização, coloca-se de um lado o que, juntamente com Paul Bercherie (1989), podemos chamar de Psiquiatria Clássica e Psiquiatria Moderna, cujas cronologias, sucessivas, são passíveis de seremlocalizadas, respectivamente, entre o início do século XIX e o início do século XX. Estes dois períodos serão descritos em separado, a fim de se identificar suas particularidades em relação às formas de investigação psicopatológica que lhes foram próprias. Em conjunto, eles delimitam uma forma de se proceder às investigações psicopatológicas que podem ser denominadas clássicas e cujos conceitos e premissas encontram-se estabelecidos nos grandes tratados e manuais de Psiquiatria. De outro lado, verifica-se um terceiro período, iniciado na segunda metade do século XX, que apresenta critérios investigativos bastante distintos dos períodos que o precedem, pois, entre outras razões, conta com a instituição dos códigos classificatórios de cunho estatístico em substituição aos grandes manuais e tratados. Este último período, que, juntamente com Francisco Barreto (2010), denominamos Psiquiatria das Classificações Internacionais, é apresentado ainda por Júlio Flávio Figueiredo Fernandes (2009) como um segundo momento do desenvolvimento da Psiquiatria, tendo em vista a diferença marcante existente na organização metodológica das pesquisas psicopatológicas que passam a vigorar. Este autor identifica a produção das investigações psicopatológicas do período como psicopatologias da segunda fase. Para defini-los e, assim, alcançarmos as bases conceituais de estruturação da categoria dos transtornos globais do desenvolvimento, seguimos os textos dos três autores referidos acima, pertencentes a campos de pesquisa diferenciados. O primeiro deles é Bercherie (1989; 2001), cuja obra se propõe a investigar o histórico da Psiquiatria, bem como seus pressupostos epistemológicos, desde o início das primeiras investigações de Pinel acerca da loucura até o período que se estabelece no intervalo das duas grandes guerras mundiais. Para localizar esta cronologia, Bercherie (1989) adota as nomenclaturas Psiquiatria Clássica e Psiquiatria Moderna, identificando-as ao período já referido. Acrescentamos ainda que este autor refere- se à década de 30 do século XX como o momento pertinente ao ápice da organização das investigações psicopatológicas infantis (BERCHERIE, 2001). O segundo autor é Barreto (2010), em um texto em que ele realiza uma análise crítica sobre a evolução da Psiquiatria, denominando Psiquiatria das Classificações Internacionais, o período de produção nosológica iniciado após a Segunda Grande Guerra. Este período traz a particularidade de abandonar a produção estabelecida nos períodos anteriores, bem como a metodologia de pesquisa aplicada anteriormente, em prol de firmar conceitos e formas investigativas próprias. Por último, mas não por menos, nos valemos do texto de Fernandes (2009). Este autor apresenta os períodos de produção nosológica da Psiquiatria através do percurso epistêmico das investigações psicopatológicas próprias a eles. Entretanto, em seu texto é possível verificar uma delimitação que, de um lado, faz abranger o que Bercherie (1989) denomina Psiquiatria Clássica e Psiquiatria Moderna e, de outro, o que Barreto (2012) denomina Psiquiatria das Classificações Internacionais. Ao lado dos dois primeiros períodos, denominados por Barreto (2012) como Psiquiatria Clássica e Psiquiatria das Grandes Escolas e por Bercherie (1989) como Psiquiatria Clássica e Psiquiatria Moderna, Fernandes (2009) situa o que ele designa como período das investigações psicopatológicas clássicas, ao passo que, ao lado da Psiquiatria das Classificações internacionais (BARRETO, 2012), encontramos a denominação psicopatologias da segunda fase, em razão da ênfase dada às formas de investigação psicopatológicas deste terceiro período de organização da Psiquiatria. Ao estabelecer estas duas delimitações das classificações psicopatológicas, Fernandes (2009) realiza uma análise crítica sobre a utilização, pelos educadores, das categorias das investigações psicopatológicas da segunda fase para nomear o mal-estar subjetivo de seus alunos. Em sua visão, a proliferação de nomeações psicopatológicas para as manifestações subjetivas nas escolas acaba afastando os profissionais da Educação da possibilidade de entendimento sobre a questão da subjetividade envolvida nos processos de ensino e de aprendizagem. Salientamos que, apesar das contribuições de Figueiredo (2009) e Barreto (2012), de ambos, somente Barreto (2012) se refere ao trabalho de Bercherie (1989). Apesar disto, em nossa avaliação, estes autores mantêm a essência das descrições realizadas na história da Psiquiatria e acreditamos que, de certa forma, alinham-se a Bercherie (1989), na medida em que, assim como este autor, estabelecem uma referência aos grandes psiquiatras, fundadores das tradições clássicas e modernas de pesquisa psicopatológica – Emil Kraepelin (198561926), Eugen Bleuler (1875-1939), Karl Jaspers (1883-1969) - e a Michel Foucault (1926- 1984), em texto de 1972, intitulado de O Nascimento da Clínica (FOUCAULT, 2001). Desta forma, ressaltamos que, apesar das formas diferenciadas para nomear a referida cronologia, não são observadas entre estes autores distinções conceituais que impliquem em prejuízos ao delineamento dos antecedentes da categoria dos transtornos globais do desenvolvimento. Apresentam ainda a vantagem de descreverem e estabelecerem uma crítica bastante similar em relação a um período que, seguramente, sucede ao tempo da Psiquiatria Moderna estabelecido por Bercherie (1989), mas que não se encontra definido na obra deste autor. Em relação à presente dissertação, tanto a demarcação histórica (BERCHERIE, 1989, 2001; BARRETO, 2010) dos períodos que compõem o histórico da Psiquiatria quanto a conceituação das formas de investigação psicopatológica impressas ao sofrimento mental (FERNANDES, 2009) têm a importância de determinar a constituição da categoria transtornos globais do desenvolvimento, a partir da forma impressa pela investigação das entidades clínicas descritas nas psicopatologias infantis. Dessa forma, para situar o campo conceitual de onde emergem as entidades clínicas que compõem a categoria patológica em questão em nossa pesquisa, inicialmente, serão utilizadas as referências trazidas por estes autores. Ao longo do percurso, a estas referências também serão acrescentadas outras que possam nos auxiliar a buscar a noção investigativa que dirige a formação da categoria. Acreditamos que a investigação das origens deste termo, das balizas conceituais que envolvem sua instauração no corpus conceitual do campo da Psiquiatria e a problematização sobre a sua inserção no campo conceitual da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008; 2009) pode nos auxiliar a responder às questões que ora levantamos, bem como as que norteiam nossa pesquisa. Sendo assim, passaremos a apresentar e discutir as formas de investigação psicopatológica presentes em cada um destes tempos, buscando identificar, na evolução metodológica das descrições patológicas e dos diagnósticos, as bases da categoria transtornos globais do desenvolvimento. Repercussões do conceito de transtornos globais do desenvolvimento sobre os processos de inclusão nas escolas regulares As repercussões em torno da entrada do conceito de transtornos globais do desenvolvimento no âmbito da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva podem ser verificadas em quatro níveis distintos, porém complementares: o da produção acadêmico-científica, o das orientações técnico legais, o das nomeações na legislação educacional e o da execução dos processos de inclusão dos alunos identificados com transtornos globais do desenvolvimento, conforme se segue: Repercussões teóricas sobre o campo da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva Em princípio, cabe destacar a inexistência de uma produção acadêmica no campo da Educação brasileira que volte seu olhar paraa categoria dos transtornos globais do desenvolvimento sem que ela esteja vinculada ao conceito de autismo. Ao se estabelecer uma investigação no Banco de Teses e Dissertações do Portal CAPES, utilizando apenas o termo transtornos globais do desenvolvimento como palavra- chave, nada será encontrado; ao passo que, utilizando o descritor autismo, encontra- se o termo em poucas incidências e, via de regra, associado a produções que circunscrevem muito mais o campo da Psicologia, da Fonoaudiologia e da Neurologia que os da Educação e da Educação Especial Inclusiva. A partir das pesquisas desenvolvidas por Carla Vasques (2008b)53 a respeito da produção acadêmico-científica do campo da Educação e circunscritas no período compreendido entre os anos de 1978 e 2006, de um total de 264 produções acadêmicas, verificam-se 53 títulos ligados à temática da escolarização e inclusão de alunos com transtornos globais do desenvolvimento (identificados por ela como alunos com autismo e psicose infantil). Segundo a autora, as investigações produzidas a respeito destes alunos podem ser dívidas em pesquisas de bases fenomenológico- hermenêuticas e em pesquisas de cunho empírico-analítico. Citando Sanches Gamboa (1996) e Turato (2005), a autora afirma que as pesquisas fenomenológico- hermenêuticas possuem a característica de serem qualitativas e de estabelecerem uma crítica contundente ao objetivismo científico defendido pela outra corrente investigativa, presente no campo da Educação. As investigações de tipo qualitativo fundamentam sua proposição na subjetividade dos indivíduos e no interesse pelo processo descritivo, entendido como capaz de compreender a dinâmica subjetiva dos alunos em questão. Normalmente, estas investigações são realizadas a partir de estudos de casos através dos quais busca-se compreender “[…] as possibilidades, os limites, oferecendo visibilidade a „encontros minúsculos‟, únicos, construídos nas fronteiras de uma ou várias disciplinas” (VASQUES, 2008b, p. 7). Ao desenvolverem este tipo de investigação, tais pesquisas também não fogem à regra de estabelecerem uma predominância em torno de uma investigação sobre a educação de crianças autistas e psicóticas. É o que também pudemos verificar a partir do acesso a alguns resumos ou a trabalhos completos de dissertações e teses, produzidos no campo da Educação e registrados no portal da CAPES entre os anos de 2004 e 2011 (RUBLESCKI, 2004; VASQUES, 2003; VASQUES, 2008a; 2008b; MARTINS, 2009; CRUZ, 2009; TEIXEIRA, 2010; BRAGIN, 2011; MARROCCO, 2012). Contudo, as pesquisas qualitativas, definidas por VASQUES (2008b) como sendo de base fenomenológico-hermenêutica e representadas pelos autores aqui mencionados, não constituem a maioria das pesquisas em Educação Inclusiva. De acordo com a autora, nesta seara concentram- se as pesquisas de perspectiva empírico-analítica, justificadas a partir de noções positivistas. Estas noções dão às investigações educacionais sobre os transtornos globais do desenvolvimento um caráter científico, cuja racionalidade instrumental é transferida para este tipo de abordagem (VASQUES, 2008b). São estas pesquisas que encontramos referidas aos códigos classificatórios da Psiquiatria das Classificações Internacionais e que, de acordo com a autora, são aceitas pela maioria dos pesquisadores, pois objetivam “[…] estabelecer relações de causalidade entre os fenômenos considerados típicos do autismo, a fim de aprimorar o processo educacional […]” (VASQUES, 2008b, p. 6). Observando a inexistência de consenso entre a corrente fenomenológico hermenêutica e a empírico-analítica, a autora corrobora o que nossa própria investigação até agora pode detectar: pautadas nas premissas de falhas e déficits do sistema nervoso central ou em falhas do psiquismo, as pesquisas produzidas primeiramente no campo da Psiquiatria e absorvidas pelo campo da Educação repercutem a significação, em torno do aluno autista e demais alunos com transtornos globais do desenvolvimento, como um indivíduo doente mental, deficitário e incapaz para a aprendizagem, sendo necessário providenciar-lhe recursos suplementares para que, ao menos minimamente, sejam cumpridas as metas educativas (BAREOHFF, 2005; MELO, 2010; AVILA, 2011; OLIVEIRA, 2011). Repercussões técnico-legais: métodos de intervenção e nomenclaturas Atualmente, recolhemos na literatura especializada uma perspectiva de abordagem que repete as investigações psicopatológicas quantitativas estabelecidas pela Psiquiatria em torno dos transtornos globais do desenvolvimento, buscando identificar possibilidades educacionais a partir da descrição de fenômenos relacionados ao autismo e das justificativas etiológicas de cunho deficitário presentes nesta patologia. Além das referências trazidas por Vasques (2008) a respeito das pesquisas desenvolvidas nos programas de pós-graduação em Educação e daquelas que também pudemos averiguar através de consultas a resumos de teses e dissertações sobre o eixo ensino-aprendizagem de alunos com transtornos globais do desenvolvimento, verifica-se a influência referencial do texto de Ángel Rivière (2004), o qual é seguido pelos autores brasileiros Priscila Augusta Lima (2010) e por José Ferreira Belisário Filho e Rosane Lowenthal (2010). Nestes trabalhos, vemos que, assim como na Psiquiatria, a categoria dos transtornos globais do desenvolvimento encontra-se referida ao autismo e que os métodos de aprendizagem recomendados direcionam a criança para programas de ensino cuja base é a utilização de metodologias estruturadas, tais como o Método Teacch – Treatment and Education of Autistic and Comunication Handcapped Children e as tecnologias assistidas, tais como a Comunicação Aumentativa e Alternativa. Também a partir de Rivière (2004), os demais autores consubstanciam seus posicionamentos teóricos a partir das teorias biológicas de Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934) a respeito da formação dos processos de pensamento e do conceito de zona de desenvolvimento proximal. Estes conceitos de Vygotsky oferecem a noção da emergência da função superior do pensamento a partir de um substrato construído na confluência da maturação cerebral orgânica e dos estímulos oferecidos pelo meio (OLIVEIRA, 1992). Também lançam mão de explicações em torno da falha orgânica, de origem neurológica, presente nos autistas e supostamente determinante da impossibilidade de elaboração de uma Teoria da Mente56 por parte destes indivíduos e dos demais alunos que apresentam transtornos globais do desenvolvimento (RIVIÈRE, 2004; MARQUES; MELO, 2005; LIMA, 2010; BELISÁRIO FILHO; LOWENTHAL, 2010), assim como defendem a aplicação de teorias de análise comportamental (RIVIÈRE, 2004; BRAGA-KENYON; KENYON; MIGUEL, 2006) e de rotinas estruturadas na educação de autistas (NUNES, 2010) e, por extensão, de outros transtornos globais do desenvolvimento. Neste sentido, a produção técnica encontrada nos documentos legais pertinentes à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2010) a respeito do atendimento educacional especializado, alinha-se às pesquisas que tomam o caminho da investigação empírica, na medida em que direciona a prática pedagógica para a utilização de técnicas de Comunicação Aumentativa e Alternativa para alunos com transtornos globais do desenvolvimento, independentemente da especificidade patológica que lhe acomete. Cabe destacar que o que se coloca como pano de fundo à indicação destes métodos de intervenção para alunos com transtornos globais do desenvolvimento diz respeito ao direcionamento de um modelo de atendimento. No caso, o atendimento educacional especializado encontra-se baseado no modelo de investigação psicopatológica quantitativo em que sobressaem as descrições em torno dos fenômenos deficitários, utilizados para definir e descrever acategoria psicopatológica. Pode-se dizer que, ao procederem desta maneira, promovem uma homogeneização em torno de características fenomenológicas do autismo, traduzindo a linguagem, a socialização e a cognição como áreas deficitárias a serem suplementadas a bem do melhoramento do desempenho social e acadêmico de todo e qualquer aluno diagnosticado a partir da categoria patológica dos transtornos globais do desenvolvimento. Repete-se, por vezes, uma transposição fidedigna às descrições feitas pelos códigos classificatórios da Psiquiatria, assim como podemos verificar em Bareohff (2005), dentre outros já mencionados no presente trabalho. Tal questão nos remete à crítica estabelecida por Tendlarz (1997) em torno da homogeneização da particularidade subjetiva existente nas psicoses infantis, feita a partir dos tratamentos propostos em nome da adaptação social dos comportamentos. Repercussões sobre a nomenclatura da legislação Ainda em relação às orientações técnico-legais sobre a inclusão de alunos com transtornos globais do desenvolvimento, identifica-se que uma das repercussões relativas à transposição do conceito do campo da Psiquiatria para o campo da Educação refere-se à proliferação de nomenclaturas nos documentos legais da Educação Especial Inclusiva, utilizados para especificar quem, de fato, seriam os alunos com transtornos globais do desenvolvimento. Nos campos da Educação Especial e da Educação Especial Inclusiva, a evolução terminológica verificada no capítulo anterior, a partir de Marchesi (2004), e utilizada para denominar as deficiências e as patologias relativas à saúde mental de crianças e jovens, cujo tratamento foi entendido como pertinente à interlocução entre o viés da Medicina e o da Educação, por si só evidencia o quanto estes dois campos de saber têm caminhado em uma consonância histórica. Contudo, o rebaixamento conceitual verificado no campo da Psiquiatria para definir a categoria dos transtornos globais do desenvolvimento parece ter propiciado a pluralidade de expressões e nomenclaturas que vimos emergir para designá-la, assim como para nomear as entidades clínicas que a compõem (APA, 2002; OMS, 2003). Quando o conceito de transtornos globais do desenvolvimento é trazido para o corpo dos documentos regentes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2010) com todas as diversas nomenclaturas utilizadas para designar os fenômenos comuns ao Autismo, esta questão parece se potencializar. Para designar os fenômenos que se tornam alvo de queixas dos educadores, nos documentos legais observa-se a utilização da designação da categoria psiquiátrica em questão. Porém, nestes documentos, observam-se variações na nomenclatura utilizada para identificar as entidades clínicas que compõem esta categoria psiquiátrica. Sendo assim, no documento que inaugura a atual política de inclusão brasileira, por exemplo, encontramos os alunos com transtornos globais do desenvolvimento especificados como aqueles que apresentam “[…] autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil” (BRASIL, 2008, p. 08). Já no documento que institui diretrizes para a operacionalização do atendimento educacional especializado na Educação Básica, sob a modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009), consideram-se os alunos com transtornos globais do desenvolvimento como aqueles diagnosticados com “[…] autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação […]” (BRASIL, 2009, p. 1). Ocorre que estes documentos não apresentam as bases referenciais das quais estes termos são retirados, restando ao conhecimento do educador, leigo nas questões psicopatológicas infantis, o exercício de uma dedução que pode ser realizada apenas por aproximação, caso ele não aprofunde suas pesquisas. Entretanto, ele, caso se decida por proceder de forma contrária a uma arriscada e simples dedução, poderá verificar que são os códigos classificatórios (APA, 2002; OMS, 2003) as bases conceituais utilizadas pelos consultores da Câmara de Educação Especial do Conselho Nacional de Educação – CEB/CNE para descrever a atual categoria inserida nos textos educacionais voltados para inclusão escolar (BRASIL, 2008, 2009, 2010). Por outro lado, a confrontação destas designações com os seus referenciais - os códigos classificatórios da psiquiatria traduzem especificações que também não encontram consonância direta ou imediata em nenhum deles e cuja correspondência somente pode ser realizada a partir da consulta à literatura especializada sobre a categoria. Nela, verificam-se variações de terminologias provenientes de entendimentos diversos ou mesmo de variações de tradução de uma língua a outra (KAPLAN, 1992; ASSUMPÇÃO JR.; CURATÁLO, 2004; RIVIÈRE, 2004; KLIN, 2006; LIMA, 2006; STUBB, 2008; SADOCK; SADOCK, 2011; DUMAS, 2011). Contudo, deve-se lembrar que, se são os códigos classificatórios (APA, 2002; OMS, 2003) que constituem as bases referenciais conceituais utilizadas pelos consultores da CEB/CNE (BRASIL, 2008; 2009; 2010) para a construção de diretrizes e resoluções da área, estes não são os primeiros materiais de consulta técnica utilizados pelos educadores. Sendo assim, no campo da Educação, a proliferação de nomeações produzida pelo campo da Psiquiatria das Classificações Internacionais, ao invés de promover esclarecimentos ao educador, seguramente também gera uma pluralização de nomes que são aplicados de forma aleatória a alguns alunos que recebem diagnóstico psicopatológico, assim como nos indicará um dos casos a serem apresentados nesta dissertação. Como desdobramento desta questão, uma primeira consequência desta pluralização sobre a prática da inclusão de alunos, cujos impasses com a aprendizagem e com o ambiente escolar não encontram ressonância nem nas deficiências físicas nem nas altas habilidades, diz de uma sucessão de dúvidas conceituais dos educadores, colocadas reiteradamente em questões tais como: “Conduta típica é o mesmo que transtorno global do desenvolvimento?”, “Esquizofrenia é transtorno global do desenvolvimento?”, “O que é, afinal, transtorno global do desenvolvimento?”. Transtornos globais do desenvolvimento O conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento surge no final dos anos 60, derivado especialmente dos trabalhos de M. Rutter e D. Cohen. Ele traduz a compreensão do autismo como um transtorno do desenvolvimento. O autismo é explicado e descrito como um conjunto de transtornos qualitativos de funções envolvidas no desenvolvimento humano. Esse modelo explicativo permitiu que o autismo não fosse mais classificado como psicose infantil, termo que acarretava um estigma para as famílias e para as próprias crianças com autismo. Além disso, o modelo permite uma compreensão adequada de outras manifestações de transtornos dessas funções do desenvolvimento que, embora apresentem semelhanças, constituem quadros diagnósticos diferentes. A compreensão dos transtornos classificados como TGD, a partir das funções envolvidas no desenvolvimento, aponta perspectivas de abordagem, tanto clínicas quanto educacionais, bastante inovadoras, além de contribuir para a compreensão dessas funções no desenvolvimento de todas as crianças. O Transtorno Global do Desenvolvimento não diz respeito apenas ao autismo. Sob essa classificação se descrevem diferentes transtornos que têm em comum as funções do desenvolvimento afetadas qualitativamente. São eles: • Autismo; • Síndrome de Rett; • Transtorno ou Síndrome de Asperger; • Transtorno Desintegrativo da Infância; • Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação. Autismo: De acordo com o DSM.IV, podemos descrever algumas características que podem ser manifestadas pelas pessoas com autismo. Oautismo se caracteriza pela presença de um desenvolvimento acentuadamente prejudicado na interação social e comunicação, além de um repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. As manifestações desse transtorno variam imensamente a depender do nível de desenvolvimento e idade. Os prejuízos na interação social são amplos, podendo haver também prejuízos nos comportamentos não verbais (contato visual direto, expressão facial, gestos corporais) que regulam a interação social. As crianças com autismo podem ignorar outras crianças e não compreender as necessidades delas. Os prejuízos na comunicação também são marcantes e podem afetar habilidades verbais e não verbais. Pode haver atraso ou falta total de desenvolvimento da linguagem falada. Naqueles que chegam a falar, pode existir prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação, uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou uma linguagem idiossincrática (uso peculiar de palavras ou frases não possibilitando entender o significado do que está sendo dito). Quando a fala se desenvolve, o timbre, a entonação, a velocidade, o ritmo ou a ênfase podem ser anormais (ex.: o tom de voz pode ser monótono ou elevar-se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas). As estruturas gramaticais são frequentemente imaturas e incluem o uso estereotipado e repetitivo (ex.: repetição de palavras ou frases, independentemente do significado, repetição de comerciais ou jingles). Pode-se observar uma perturbação na capacidade de compreensão da linguagem, como entender perguntas, orientações ou piadas simples. As brincadeiras imaginativas em geral são ausentes ou apresentam prejuízos acentuados. Existe, com frequência, interesse por rotinas ou rituais não funcionais ou uma insistência irracional em seguir rotinas. Os movimentos corporais estereotipados envolvem mãos (bater palmas, estalar os dedos), ou todo o corpo (balançar-se, inclinar-se abruptamente ou oscilar o corpo), além de anormalidades de postura (ex.: caminhar na ponta dos pés, movimentos estranhos das mãos e posturas corporais). Podem apresentar preocupação persistente com partes de objetos (botões, partes do corpo). Também pode haver fascinação por movimentos (rodinhas dos brinquedos, abrir e fechar portas, ventiladores ou outros objetos com movimento giratório). Síndrome de rett: A Síndrome de Rett foi identificada em 1966 por Andréas Rett, tendo ficado mais conhecida após o trabalho de Hagberg. Do ponto de vista clínico, a Síndrome de Rett pode ser organizada em quatro etapas, de acordo com Mercadante (2007), conforme segue: Estagnação precoce: •Dos 6 aos 18 meses, caracterizando-se pela estagnação do desenvolvimento, desaceleração do crescimento do perímetro cefálico e tendência ao isolamento social. Rapidamente destrutiva: •Entre o primeiro e o terceiro ano de vida, com regressão psicomotora, choro imotivado, irritabilidade, perda da fala adquirida, comportamento autista e movimentos estereotipados das mãos. Podem ocorrer irregularidades respiratórias e epilepsia. Pseudoestacionária: • Entre os dois e dez anos de idade, podendo haver certa melhora de alguns dos sintomas como, por exemplo, o contato social. Presença de ataxia, apraxia, espasticidade, escoliose e bruxismo. Episódios de perda de fôlego, aerofagia, expulsão forçada de ar e saliva. Deterioração motora tardia: • Inicia-se em torno dos dez anos de idade, com desvio cognitivo grave e lenta progressão de prejuízos motores, podendo necessitar de cadeira de rodas. Mesmo com a identificação do gene, os mecanismos envolvidos na Síndrome de Rett ainda são desconhecidos. Reduções significativas no lobo frontal, no núcleo caudado e no mesencéfalo têm sido descritas, havendo também algumas evidências de desenvolvimento sináptico. Transtorno de Asperger: De acordo com o DSM.IV, as características essenciais do Transtorno de Asperger consistem em prejuízo persistente na interação social e no desenvolvimento de padrões repetitivos de comportamento, interesses e atividades. A perturbação pode causar prejuízo clinicamente significativo nas áreas social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento. Diferentemente do que ocorre no Autismo, não existem atrasos significativos na linguagem. Também não existem atrasos significativos no desenvolvimento cognitivo ou nas habilidades de autoajuda, comportamento adaptativo (outro que não a interação social) e curiosidade acerca do ambiente na infância. O Transtorno de Asperger parece ter um início mais tardio do que o Autismo, ou parece ser identificado mais tarde. As dificuldades de interação social podem tornar-se mais manifestas no contexto escolar, e é durante esse período que interesses idiossincráticos (peculiares em relação aos interesses comuns às pessoas) ou circunscritos podem aparecer e ser reconhecidos. Quando adultos, podem ter problemas com a empatia e modulação da interação social. Transtorno Desintegrativo da Infância: O Transtorno Desintegrativo da Infância foi descrito pela primeira vez por Heller, em 1908. Foi então denominado “dementia infantilis”. Essa definição, entretanto, não corresponde ao quadro, já que as características de perda de memória e de habilidades executivas não são proeminentes e não há causa orgânica do prejuízo. Posteriormente, é introduzido na classificação psiquiátrica, categorizado como Transtorno Global do Desenvolvimento em função da perda das habilidades sociais e comunicativas proeminentes. É um transtorno extremamente raro. Nesse transtorno, não há deterioração continuada; após a regressão inicial, chega-se a um estado estável, mas com grande impacto durante toda a vida. Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação: Essa é uma categoria diagnóstica de exclusão. Alguém pode ser assim diagnosticado se preencher critérios no domínio social e apenas mais um dos dois outros domínios. Podem se considerar também pessoas que possuam menos do que seis sintomas no total requerido para o diagnóstico do autismo ou idade de início maior do que 36 meses. Espectro Autista Em 1979, estudos de Wing e Gould deram origem ao conceito de Espectro Autista. Ao estudarem a incidência de dificuldades na reciprocidade social, perceberam que as crianças afetadas por essas dificuldades também apresentavam os sintomas principais do autismo. A incidência foi praticamente cinco vezes maior do que a incidência nuclear do autismo. Portanto, são crianças afetadas por dificuldades na reciprocidade social, na comunicação e por um padrão restrito de conduta, sem que sejam autistas, propriamente ditas, o que permitiu atenção e ajuda a um número maior de crianças. O Espectro Autista é um contínuo, não uma categoria única, e apresenta-se em diferentes graus. Há, nesse contínuo, os Transtornos Globais do Desenvolvimento e outros que não podem ser considerados como Autismo, ou outro TGD, mas que apresentam características no desenvolvimento correspondentes a traços presentes no autismo. São as crianças com Espectro Autista. Como lidar com os transtornos globais do desenvolvimento (TGD) Para falar sobre os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) que são distúrbios nas interações sociais recíprocas que costumam manifestar-se nos primeiros cinco anos de vida da criança. Que vem caracterizar pelos padrões de comportamentos e comunicações estereotipados e repetitivos, assim como pela inibição nos interesses e nas atividades diárias. Os prejuízos quantitativos e qualitativos que definem estas condições representam um hibridez acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do indivíduo. Os TGD englobam as diferentes desordens do aspecto autista, as psicoses infantis, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Kanner e a Síndrome de Rett. Com relação à interação social, crianças com TGD apresentam dificuldadesem iniciar e manter uma conversa. Algumas evitam o contato visual e demonstram aversão ao toque do outro, mantendo-se isoladas. Podem estabelecer contato por meio de comportamentos não-verbais e, ao brincar, preferem ater-se a objetos no lugar de movimentar-se junto das demais crianças. Ações repetitivas são bastante comuns. Tendo em vista, a característica descrita acima, o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança diagnosticada com TGD, se dá de forma diferente das crianças “normais”, portanto, nos primeiros meses de vida tal criança já apresenta alguns comportamentos que a distingue dos comportamentos padrões desta etapa do desenvolvimento, não responder aos estímulos da mãe é um comportamento típico de crianças com tal transtorno (COLL, PALACIOS, MARCHESI (orgs.), 1995), entretanto, deve-se ter cuidado, pois, estes comportamentos não necessariamente são características da criança com TGD, podendo assim ser apresentado em crianças que tiveram mães alcoólatras, ou que usaram drogas, durante a gestação, por exemplo (BEE, 2010), porém, ao decorrer dos anos essa característica tende a persistir em crianças que apresentam tal transtorno, por volta dos cinco anos a criança tende a não reconhecer as diferentes emoções como raiva e alegria, apresentam um olhar perdido, sem foco em algo ou alguém. Segundo Santos (2000, p. 59), o “brincar é a forma mais perfeita para perceber a criança e estimular o que ela precisa aprender a se desenvolver”, pois, além dela aprimorar o seu psíquico, físico-cognitivo sente prazer naquilo que lhe é proposto. Ou seja, para criança, a partir desta concepção, a escola torna-se um ambiente emancipatório. Os Transtornos Globais do Desenvolvimento também causam variações na atenção, na concentração e, eventualmente, na coordenação motora. Mudanças de humor sem causa aparente e acessos de agressividade são comuns em alguns casos. As crianças apresentam seus interesses de maneira diferenciada e podem fixar sua atenção em uma só atividade, como observar determinados objetos, por exemplo. Com relação à comunicação verbal, essas crianças podem repetir as falas dos outros - fenômeno conhecido como ecolalia - ou, ainda, comunicar-se por meio de gestos ou com uma entonação mecânica, fazendo uso de jargões. Alguns cuidados e como lidar com educando com TGD na escola Crianças com TGD são facilmente oprimidas pelas mínimas mudanças, altamente sensíveis a pressões do ambiente. São ansiosos e tendem a temer obsessivamente quando não sabem o que esperar. Stress, fadiga e sobrecarga emocional facilmente os afeta das atividades propostas pelo professor. O Professor deve se atentar para: *Fornece um ambiente agradável e seguro *Minimizar as transições das tarefas *não se apegue às possíveis estereotipias do aluno. *Oferecer rotinas diárias consistentes para reforçar o aprendizado *A criança precisa entender cada rotina do dia e saber o que a espera Incluir sinais manuais à linguagem é um facilitador, segundo Hernandéz Rodrigues. • Métodos desenvolve habilidades comunicativas em contextos naturais da criança. Facilitador da aprendizagem. Não permita a estigmatização desse aluno. Invista nas relações baseadas no respeito e na valorização dos talentos e competências de todos. Sabe-se que a criança possui necessidades e características peculiares e a escola desempenha um papel importante nesse aspecto, que é oferecer um espaço às brincadeiras associadas a situações de aprendizagem que sejam significativas, contribuindo de forma agradável e saudável (VYGOTSKY, 1984). Segundo afirma Kishimoto (2002, p. 45): Quando a criança constrói seu conhecimento a partir de suas brincadeiras e leva a realidade para seu mundo de fantasia, ela transforma suas incertezas em algo que proporcionam segurança e prazer, pois vai construindo seu conhecimento sem limitações. O momento da brincadeira é de grande importância, pois contribui para desenvolvimento do potencial integral da criança. Sendo também, o espaço que proporciona liberdade criadora, oportunidades de socialização, afetividade e um encontro com seu próprio mundo, descobrindo-se de forma prazerosa, isto é, à medida que a criança interage com os objetos e a brincadeira, construirá relações e conhecimentos a respeito do mundo em que vive (KISHIMOTO, 2002). Crianças com transtornos de desenvolvimento apresentam diferenças na aprendizagem e merecem atenção com relação às áreas de interação psicossocial, comunicação e comportamento. Na escola, mesmo com tempos diferentes de aprendizagem, esses alunos devem ser incluídos em classes com os pares da mesma faixa etária. De acordo com (FREIRE, 1996, p.59). Partindo desse princípio, cria-se situações para que o educando realize algumas atividades sozinho ou com ajuda dos professores e dos colegas, uma vez que isso se fez necessário, diante da dificuldade de movimentação corporal. Essas ocorreram no seguinte sentido: estimulá-lo a segurar a colher para se alimentar e pedir para ir ao banheiro, uma vez que ainda não tinha o controle dos esfíncteres, tirar e colocar a farda, guardar e organizar seus pertences e os objetos da escola, como jogos, brinquedos, livros, etc.; fazer tentativas para andar sem segurar na mão de alguém, opinar acerca da sua compreensão a respeito dos assuntos discutidos, entre outras. Estabelecer rotinas em grupos e ajudar o aluno a incorporar regras de convívio social são atitudes de extrema importância para garantir o desenvolvimento na sala de aula. Boa parte da aula, as crianças precisam de ajuda para desenvolver sua aprendizagem. (OLIVEIRA, 2002, p.136,) diz: A construção de significações, a gênese do pensamento e a constituição de si mesmo como sujeito se fazem graças às interações constituídas com outros parceiros em práticas sociais concretas de um ambiente que reúne circunstâncias, artefatos, práticas sociais e significações. Ao interiorizar formas de interação social já vivenciadas, o indivíduo se apropria de estratégias para memorizar, narrar, solucionar problemas etc., criadas pelos grupos humanos com os quais ele partilha experiências. Com isso, formas concretas de organização das atividades humanas em um meio sociocultural específico geram normas, regras e valores sempre potencialmente conflituosos e confrontantes, podendo ser confirmados, desaparecer ou diversificar-se. Promova o relacionamento pleno entre os alunos com TGD e seus colegas sem deficiência. Essa será a melhor maneira de propiciar a todos uma convivência produtiva e natural. O professor é peça fundamental nesse processo; • seja bastante flexível com relação às suas estratégias didáticas. O aluno com TGD pode te ensinar novas formas de lidar com assuntos e conteúdos cristalizados; • invista em aprimorar sua comunicação com o aluno com TGD. Eles possuem dificuldades na comunicação e precisam que você encontre formas de estabelecer uma comunicação plena com ele; Quando ingressas na escola, não interagem com os outros indivíduos, preferindo o isolamento, são alheias a estímulos externos, indiferente as pessoas, apresentam rituais sem sentido, em muitos casos como esses são comportamentos típicos do autismo, porém, muito destes comportamentos são característicos da Síndrome de Asperger, considerada um tipo de autismo de grau leve. Apesar do foco no dado trabalho ser a criança, é importante saber que na fase da adolescência, uma fase considerada complexa, para todos os indivíduos, o adolescente com TGD, podem apresentar avanços em alguns comportamentos ou regredirem ainda mais nos comportamentos citado acima, tais situações dependem do como este indivíduo será tratado – acompanhamento psicológico, escolas competentes que possuem um planejamento em torno de tal necessidade especial. A partir da explicitação supracitada, destaca-se a importância das brincadeiras lúdicas na escolae o que ela pode proporcionar aos sujeitos envolvidos. Para Wajskop (2005): A criança desenvolve-se pela experiência social, nas interações que estabelece, desde cedo, com a experiência sócio histórica dos adultos e do mundo por eles criado. Dessa forma, a brincadeira é uma atividade humana na qual as crianças são introduzidas constituindo-se em um modo de assimilar e recriar a experiência sociocultural dos adultos. (WAJSKOP, 2005, p.25). Apresentar as atividades do currículo visualmente é outra ação que ajuda no processo de aprendizagem desses alunos. Faça ajustes nas atividades sempre que necessário e conte com a ajuda do profissional responsável pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE). Também cabe ao professor identificar as potências dos alunos. Invista em ações positivas, estimule a autonomia e faça o possível para conquistar a confiança da criança. As criança e adolescentes com TGD costumam procurar pessoas que sirvam como 'porto seguro' e encontrar essas pessoas na escola é fundamental para o desenvolvimento. Tipos de intervenções para crianças com TGD Sua eficácia está ligada ao comprometimento cognitivo e aos comportamentos apresentados pela criança, e para que ocorra de forma efetiva e responsável são necessárias: preparação e orientação de professores, realização de adaptações curriculares e atenção mais próxima de uma professora auxiliar. ABA - Análise Aplicada ao comportamento; 1- avaliação inicial, 2- definição de objetivos a serem alcançados, 3 elaboração de programas/procedimentos, 4 ensino intensivo, 5 avaliação do progresso. O tratamento comportamental caracteriza-se, pela experimentação, registro e constante mudança. A lista de objetivos a serem alcançados é definida pelo profissional de Educação, juntamente com a família com base nas habilidades iniciais do indivíduo. Assim, o envolvimento dos pais e de todas as pessoas que participam da vida da criança é fundamental durante todo o processo de ensino aprendizagem. Aspectos importantes dos transtornos globais do desenvolvimento para a educação escolar Algumas características dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, presentes de forma mais típica no Autismo, são semelhantes aos déficits da função executiva presentes nas pessoas que possuem lesões dos lobos frontais. Os aspectos semelhantes são: ansiedade diante de pequenas alterações no entorno, insistência em detalhes da rotina, condutas estereotipadas e repetitivas, interesse centrado em detalhes ou parte de informações de forma perseverante, dificuldade de perceber o todo e de integrar aspectos isolados. Há evidências suficientemente consistentes para supor déficits da Função Executiva nas pessoas com autismo. Segundo Goldman - Rakic (1987), as funções pré-frontais (lobos frontais e regiões corticais pré-frontais) estão implicadas no funcionamento tanto cognitivo quanto socioemocional. Os lobos frontais têm várias funções: o planejamento da fala, dos atos motores, dos movimentos do corpo, o controle do humor, dos impulsos, das situações que envolvam as relações com o ambiente e das demais funções da vida de relação. Eles possibilitam a intencionalidade, a planificação e a organização da conduta. O mais importante talvez, para nós educadores, é a perspectiva de compreender as manifestações das crianças com autismo por meio da Função Executiva. Isso porque, no desenvolvimento de todas as crianças que recebemos na escola, tal função encontra-se implicada, já que o aprendizado a ser desenvolvido ali se sustenta, em grande parte, no uso dela. Por outro lado, já que nossa atuação, mediante todas as crianças, como professores, está implicada no aprimoramento e ampliação de possibilidades de uso dessa função, essa compreensão é a interface que permite identificar possibilidades de atuação com nossos alunos com TGD. O que Kanner e Eisenberg chamavam de insistência na invariância, ou seja, que as pessoas com autismo insistem na mesma rotina e reagem a variações, corresponderia ao conceito neuropsicológico de Função Executiva. A compreensão de que o autismo implica um transtorno da Função Executiva é, atualmente, uma das ideias centrais das investigações. Não significa uma simples troca de termos, mas trata-se de conceitos muito mais precisos do que aqueles utilizados por Kanner e Eisenberg. A Função Executiva consiste em uma disposição adequada com o fim de alcançar um objetivo. Essa disposição pode implicar um ou vários aspectos: • A intenção de evitar ou adiar uma resposta (inibição do impulso de agir imediatamente sobre uma situação); • Um plano estratégico de ações sequenciadas; • Uma representação mental da tarefa. Na Função Executiva, portanto, está implicada a flexibilidade estratégica. Esta é a marca fundamental do funcionamento frontal tão desenvolvido no ser humano, pela necessidade de estratégias de caráter propositivo e dirigidas ao futuro. A flexibilidade estratégica permite adiar, inibir, avançar ou retroceder para alcançar um propósito. Em testes com tarefas de Função Executiva, os autistas demonstraram muita inflexibilidade. Quando esses testes comparavam pessoas com autismo e com Transtorno de Asperger, evidenciou-se a presença de inflexibilidade em ambos, enquanto testes que envolviam tarefas de Teoria da Mente resultaram em diferenças (o conceito de Teoria da Mente será desenvolvido adiante). Esses testes levaram os autores a supor que o transtorno da Função Executiva pode ser considerado como sendo o transtorno primário. O problema fundamental do autismo seria a inflexibilidade, sendo o restante explicável a partir desse problema. Assim, podemos entender, por exemplo, que as dificuldades no campo da relação social são decorrentes do fato de que, nesse campo, a flexibilidade se faz mais necessária do que em qualquer outro domínio mental. A antecipação é uma importante função dos lobos frontais e se encontra prejudicada nas pessoas com TGD. Essa função pode estar alterada em diferentes níveis entre as pessoas com Espectro Autista e com TGD, mas todas apresentam algum prejuízo na antecipação. Esse prejuízo pode se manifestar pela aderência inflexível a estímulos que se repetem, como na reprodução do mesmo filme inúmeras vezes, no mesmo itinerário para a escola, na permanência dos objetos no ambiente, etc. As estereotipias são um exemplo da manifestação do prejuízo na flexibilidade. Trata-se de estereotipias sensório-motoras: balançar o corpo, bater palmas, fazer e desfazer, ordenar e desordenar. São rituais simples. Também podemos encontrar rituais mais elaborados, como apego a objetos que são carregados a todos os lugares, controle rigoroso de situações do ambiente ou da rotina e rígido perfeccionismo. Outra característica do prejuízo na Função Executiva apresentada pelas pessoas com Espectro Autista é a dificuldade de dar sentido aos acontecimentos e às atividades. Para dar sentido é preciso antecipar, dar propósito, e isso tem a ver com a finalidade de algo. Na manifestação desse prejuízo, encontramos pessoas que apresentam predominantemente atividades sem sentido, sem propósito, sem funcionalidade. Também encontramos aquelas que conseguem fazer atividades funcionais simples e breves, e outras que desenvolvem atividades funcionais e com autonomia, mas motivadas externamente. A característica de prejuízo na reciprocidade social, descrita inicialmente como "extrema solidão", pode ser explicada pela inflexibilidade mental das pessoas com autismo, em decorrência do prejuízo da Função Executiva. A indiferença nas relações sociais tem a ver com o nível de exigência de flexibilidade nesse campo humano, tornando-o o campo de maior impossibilidade para algumas dessas pessoas. As relações sociais exigem antecipar, dar sentido, significados e ter propósitos. Mais do que isso implica no uso de símbolos, de sentidos múltiplos e no lidarcom situações não antecipáveis. Nessa característica, também está implicada a Teoria da Mente, que será explicada a seguir. Teoria da mente O termo Teoria da Mente surgiu no final da década de 70, em decorrência de pesquisas na área da cognição animal. A partir dessa época, a psicologia cognitiva ocupou-se do desenvolvimento de modelos explicativos para esse termo e suas aplicações. A Teoria da Mente significa a capacidade de atribuir estados mentais a outras pessoas e predizer o seu comportamento em função destas atribuições (PREMACK & WOODRUFF, 1978). O termo "Teoria" resulta do fato de que tais estados não são diretamente observáveis, solicitando uma verdadeira "teorização" de quem infere um estado mental em outro indivíduo. A Teoria da Mente é essencial para o ser humano, uma vez que permite a teorização do estado mental das outras pessoas, o que sentem, o que pensam, quais as suas intenções e como poderão agir. Isto nos permite modular nossas reações e nosso comportamento social, além de desenvolver nossa empatia frente a sentimentos inferidos nas outras pessoas. Baron - Cohen (1995) propuseram um modelo para explicar o sistema de leitura da mente. Tal sistema postula quatro mecanismos que interagem para produzir tal leitura: o detector de intencionalidade, o detector de direcionamento do olhar, o mecanismo de atenção compartilhada e o mecanismo de Teoria da Mente. O mecanismo detector de intencionalidade constitui um aparato perceptivo que interpreta estímulos móveis em termos de desejos e metas. Em paralelo, o detector da direção do olhar é responsável pela detecção da presença e direção do olhar, bem como é o encarregado da interpretação do olhar de alguém que está deliberada e conscientemente vendo (este mecanismo permite a seguinte questão: ela vê aquilo?). Estes dois mecanismos mandam informações para o terceiro mecanismo (mecanismo de atenção compartilhada), o qual se encarrega de criar relações entre o eu, outros agentes e objetos (este mecanismo formula a seguinte questão: eu e você vemos a mesma coisa?). Finalmente, o quarto mecanismo (mecanismo da Teoria da Mente) é o responsável pela união das noções (até então separadas) de atenção, desejo, intenção, crença dentro de um aparato teórico coerente para o entendimento do comportamento em termos mentalistas, isto é, dentro de um contexto de representações. Nas crianças com autismo, os mecanismos de atenção compartilhada e de Teoria da Mente estariam prejudicados, o que acarretaria prejuízos nas relações sociais e na comunicação. Tais prejuízos ocorrem pelo fato de que o déficit na Teoria da Mente dificulta a compreensão do que as pessoas pensam, sentem e do modo como se comportam. Não conseguindo atribuir estes significados, a criança com autismo não interage com o meio social da mesma forma que as demais crianças. A formação e aprendizagem da criança com transtorno global do desenvolvimento Para iniciar este capítulo, descreveremos situações comumente vividas pelas crianças, pelas famílias e pelas escolas ao receberem alunos com TGD. O objetivo é de proporcionar a identidade entre o presente texto e a realidade vivida pelos professores, buscando subsidiar teoricamente a compreensão dessa realidade e propor alternativas de atuação e de valorização desse desafio. A criança ao ingressar na escola Conforme já foi mencionado, a oportunidade de trabalhar com alunos com TGD na turma tem sido nova para a grande maioria das escolas. De acordo com a nossa observação, é grande o impacto nos profissionais da educação que atuam na escola quando se deparam com as reações dessas crianças que, tanto quanto os professores, estão diante de uma experiência nova. É comum que essas crianças apresentem manifestações de sua inflexibilidade de maneira exacerbada. Se utilizarmos os subsídios teóricos trabalhados anteriormente nesse texto, é fácil compreender que, no ambiente escolar, com todos os seus estímulos e vendo-se em meio a muitas outras crianças, a tantas falas e atitudes das outras pessoas que, aliás, não lhe são familiares, a criança reaja assim. Essas reações, de forma recorrente, podem ser de choro intenso, de movimentos corporais repetitivos, de indiferença em relação aos apelos e tentativas de ajuda, de apego a determinados locais fixos na escola e de recusa em deslocar- se conforme orientado. Também já observamos, em casos mais complexos, autoagressões ou reações abruptas envolvendo objetos ou mesmo alguma outra pessoa. A ocorrência de tais manifestações não deve ser interpretada como o estado permanente da criança ou no que consiste o seu porvir. Na verdade, trata-se de reações esperadas mediante uma alteração importante na sua rotina. A escola, naquele momento, é uma experiência desconhecida e de difícil apropriação de sentido e propósito pela criança. Por parte dos professores, a vivência desses primeiros momentos pode ser paralisante, carregada de sentimento de impotência, angústia e geradora de falsas convicções a respeito da impossibilidade de que a escola e o saber/fazer dos professores possam contribuir para o desenvolvimento daquela criança. Mediante as dificuldades iniciais, as escolas recorrem a todo tipo de tentativa de acolhimento ao aluno. Essa é uma atitude absolutamente compreensível, embora sejam importantes alguns cuidados. Se conseguirmos deslocar nossa atenção das estereotipias e reações da criança e nos projetarmos a um cotidiano futuro, é possível "cuidar" de algumas questões. Considerando os subsídios teóricos já disponibilizados nesse texto, entendemos que tais dificuldades iniciais ocorrem em decorrência da inflexibilidade mental dessa criança. É pela falta de flexibilidade que a experiência de estar na escola não é significada facilmente, representando inicialmente apenas a perda da rotina cotidiana, que permitia a essa criança não se desorganizar. Devemos lembrar de que o apego a rotinas e rituais é uma característica comum às crianças com TGD. Os professores que trabalham com as idades iniciais da escolarização acumulam farta experiência como testemunhas de diferentes graus de reação das crianças aos primeiros dias na escola e à primeira separação da família para um meio social mais amplo. Algumas conseguem rapidamente se adaptar às novas vivências, enquanto outras levam muitos dias nessa empreitada, absorvendo toda a atenção dos professores em atitudes de choro contínuo, apego à mãe na entrada da escola, sem deixarmos de poder mencionar o apego de mães aos seus filhos e a grande insegurança de algumas ao deixá-los na escola. O que é importante então nesses primeiros dias? É importante entender que as primeiras manifestações correspondem àquelas acima descritas, comuns às demais crianças, potencializadas pela inflexibilidade decorrente do TGD. Assim, no decorrer dos primeiros dias, é fundamental ter em mente que a experiência da escola necessita entrar, o quanto antes, num terreno mais previsível para aquela criança. Isso deve ser feito, obviamente, sem retirar a naturalidade do ambiente escolar, mas tendo em mente que a mesma inflexibilidade que torna tão difíceis as primeiras experiências nesse ambiente poderá também promover o apego a situações que posteriormente poderão se tornar indesejáveis. Em outras palavras, é importante, na tentativa de acolhimento àquela criança, não proporcionar a ela vivências que não farão parte da sua rotina no futuro. A inflexibilidade e o apego a rotinas poderão levar a criança a estabelecer rotinas inadequadas no interior da escola, que causarão dificuldades posteriores para os profissionais e para a própria criança quando forem reformuladas. Exemplos disso são o acolhimento individual com acesso a brinquedos que não é dado às demais crianças, horários reduzidos para adaptação progressiva, permanência separada da turma em espaços como salada coordenação ou direção da escola, alimentação em horário diferente do restante da turma etc. O cotidiano escolar possui rituais que se repetem diariamente. A organização da entrada dos alunos, do deslocamento nos diversos espaços, das rotinas em sala de aula, do recreio, da organização da turma para a oferta da merenda, das aulas em espaços diferenciados na escola, da saída ao final das aulas e outros são exemplos de rituais que se repetem e que favorecem a apropriação da experiência escolar para a criança com TGD. Esses rituais escolares proporcionam a todas as crianças o desenvolvimento de aspectos cognitivos úteis à vivência social, envolvendo antecipação, adiamento da atuação imediata, entre outros. A diferença é que a necessidade de exercício explícito de ensino e aprendizagem empreendidos junto à criança com TGD, em tais situações, torna visível tal processo. O grande valor desses rituais já inerentes à escola para a criança com TGD é o fato de que acontecem para todos os alunos e não são artificiais ou preparados exclusivamente para a criança com TGD, já que constituem regras de organização de um meio social real e, portanto, diverso. O aprendizado advindo das situações reais é de utilidade real para a criança, ou seja, passível de ser utilizado em outros contextos, diferentemente daquele advindo de situações artificiais. Quanto mais cedo a criança com TGD puder antecipar o que acontece diariamente na escola, mais familiar e possível de ser reconhecida se tornará para ela a vivência escolar, tornando as primeiras manifestações da criança progressivamente menos frequentes. Tendo em vista que a capacidade de antecipar é uma função que se apresenta prejudicada para aqueles que apresentam TGD, consiste em facilitador da familiarização com o ambiente escolar essa antecipação, com a ajuda de outra pessoa. Por antecipação realizada por outra pessoa, estamos nos referindo à necessidade de que a criança seja comunicada antes, de forma simples e objetiva, a respeito do que vai ocorrer no momento seguinte. Isso pode parecer não funcionar por um tempo, pois a criança poderá aparentar não ter prestado atenção ou não entender, quando não altera suas atitudes diante dessa antecipação. O importante é tornar a antecipação uma rotina e não desistir da expectativa de adesão da criança. Como efeito da antecipação, a cada dia mais o contato diário da criança com o ambiente escolar e com seus rituais, que se repetem, vão tornando o cotidiano mais previsível e seu comportamento poderá ir se transformando. Com o passar do tempo, a escola poderá ir dispensando tal antecipação nas situações que se repetem diariamente, podendo verificar que um precioso progresso foi conquistado no cotidiano daquela criança. As intervenções dos colegas consistem em importante estratégia transformadora de padrões de comportamento da criança com TGD. O envolvimento da criança com TGD pelos colegas proporciona, não raras vezes, intervenções que partem deles espontaneamente, na tentativa de que aquela criança participe como eles da rotina. A intervenção dos colegas acontece quando eles reconhecem a expectativa da escola de que a criança com TGD conseguirá comportar-se melhor. O efeito dessa intervenção dos pares na adesão da criança com TGD a esses rituais é mais frequentemente eficaz do que aquela que provém dos adultos. Se, por um lado, esses rituais são inerentes à rotina escolar, também o são as situações inusitadas, as novidades e surpresas. Como veremos no decorrer do texto, a escola tem se mostrado essencial por ambos os aspectos, demonstrando que a exposição ao meio social é condição de desenvolvimento para qualquer ser humano. A família A descoberta de que o filho ou a filha é uma criança com Transtorno Global do Desenvolvimento consiste numa das etapas do desconforto que, na verdade, se inicia bem antes, quando se percebe que algo não vai bem. Desde a primeira desconfiança até a identificação do quadro, e daí em diante, um leque extremamente extenso de sensações, angústias, incertezas, inseguranças, tentativas, erros, medos e esperanças envolve a família. Temos observado que os prejuízos na área da comunicação comprometem, com frequência, a possibilidade imediata de confiança por parte da família na permanência da criança na escola durante todo o turno ou, até mesmo, na permanência dessa criança sem a presença da mãe. Tal insegurança se pauta, por exemplo, na crença de que a criança passará por fome e sede, por não saberem comunicar suas necessidades ou pedir ajuda a outras pessoas além da família. Nesse momento, torna-se fundamental o reconhecimento, por parte dos educadores, de que a escola é o espaço de aprendizagens que propicia a aquisição da autonomia para todos os alunos. Para alguns, a autonomia em relação às próprias necessidades básicas é adquirida no meio familiar, tornando a escola uma oportunidade de exercício dessa autonomia em ambiente social diferenciado e mais amplo do que a família. Neste caso, a aprendizagem refere-se à experiência que oportuniza a generalização das competências já adquiridas, mediante novas situações-problema. Para crianças com TGD, poderá ocorrer que a permanência no ambiente escolar por si só represente uma exposição a situações-problema que poderão fazer emergir competências ainda não adquiridas. Nos casos em que há ausência da comunicação, as necessidades e desejos da criança são, geralmente, subentendidos por outro familiar, sendo poucas as oportunidades de exposição a situações em que a busca de ajuda ou de satisfação das necessidades tenha que ser exercida com a contribuição da própria criança. Certamente, o enfrentamento de tais situações deve ser mediado pela escola de modo a torná-las eficazes para o desenvolvimento de tais competências. Se, no trabalho com a maioria das crianças, não fica tão evidente o desenvolvimento da autonomia em decorrência da escolarização, no caso das crianças com TGD, esta decorrência se evidencia, demandando intenção pedagógica para desenvolvê-la. O reconhecimento da escola como espaço de desenvolvimento de aprendizagens, em prol da autonomia, e a convicção na possibilidade de se exercer este papel junto à criança com TGD são fundamentais na relação inicial com a família, no sentido de sustentar a permanência da criança na escola desde o início e o estabelecimento de vínculo de confiança com os familiares. Desde o início, é importante que tanto a escola quanto a família tenham a compreensão de que nem todos os dias tudo vai dar certo. Além disso, os profissionais da escola necessitam observar os progressos que a criança vai conquistando do ponto de vista da própria criança. Isto significa que não faz sentido utilizar parâmetros inflexíveis e impessoais de avaliação pedagógica sob o risco de nos privarmos dos subsídios para a ação pedagógica apropriada à criança. É preciso analisar o processo desde seu ingresso na escola, como a criança se portava e o que passou a ser capaz de realizar. Tanto a família quanto a escola precisam compreender que, mesmo quando a criança supera as dificuldades iniciais e abandona determinadas atitudes ou estereotipias, eventualmente elas podem se manifestar novamente, não significando por isso que o trabalho da escola está sendo mal sucedido. A escola precisa estar em permanente interlocução com a família. Além de todos os benefícios inerentes a essa interlocução, isso poderá contribuir para que, juntos, a família e os profissionais da escola possam compreender mais rapidamente os motivos para eventuais retomadas pela criança de reações que já haviam sido superadas. Como exemplo disso, podemos relatar um dos casos que observamos em que a troca da empregada doméstica, que havia trabalhado por vários anos com a família, e a mudança na rotina de horários da mãe, em função do trabalho, eram os motivos
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