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PALAVRAMUNDO: Uma Perspectiva Semiolinguística de Leitura PALAVRAMUNDO: A Semiolinguistic Perspective of Reading HELY CHARLES TORRES DE OLIVEIRA Esp.em Língua Portuguesa e Crítica Literária Faculdade de São Vicente – UNIBR hcharles@professor.educacao.sp.gov.br MARIA DE LOURDES GASPAR TAVARES Dra.em Análise do Discurso – PUC/SP Coord.do curso de Pós-graduação em Língua Portuguesa e Crítica Literária da Faculdade de São Vicente - UNIBR Orientadora mlgaspartavares@uol.com.br RESUMO Este trabalho, situado na área da Linguística Textual, investigou aspectos sobre os níveis de leitura e seu devido ensino, abarcando ainda a multiplicidade de sentidos, significados e ressignificados do texto/objeto lido, inter-relaciona os conceitos de: leitura; o ensino da leitura e leitura semiolinguística. Pautou-se em teorias e estudos de Martins (1982), Freire (1989) e Charaudeau (1995, 2008) e, por critério, o ponto de vista do aluno-pesquisador. A amostra analisada é composta por questões sobre os hábitos de leitura e uma atividade de cunho semiótico, envolvendo a leitura de uma ilustração e sucessivas releituras ao se adicionar e subtrair signos. Os resultados indicam: a leitura do mundo é singular e se dá na heterogeneidade de níveis. Ela reflete o indivíduo histórico-social, sendo suscetível não apenas à atribuição de significados, mas a ressignificações. Como novas perspectivas, propõem-se a necessidade de se aprofundar os estudos nesta área, a fim de que se possa verificar a importância de se contemplar na escola os diferentes níveis de leitura e o processo de semiotização do mundo. PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Semiotização. Semiolinguística. ABSTRACT This work, located in the area of Textual Linguistics, investigated aspects of reading levels and their due teaching, including the multiplicity of meanings, meanings and re-significances of the text / read object, interrelating the concepts of: reading; the teaching of reading and semi-linguistic reading. It was based on theories and studies of Martins (1982), Freire (1989,1996) and Charaudeau (1995, 2008) and, by criterion, the student-researcher's point of view. The analyzed sample consists of questions about reading habits and a semiotic activity involving the reading of an illustration and successive re-readings when adding and subtracting signs. The results indicate: the reading of the world is singular and occurs in the heterogeneity of levels, it reflects the historical-social individual being susceptible not only to the attribution of meanings, but to re-significances. As a new perspective, it is proposed the need to deepen the studies in this area, in order to verify the importance of contemplating in mailto:hcharles@professor.educacao.sp.gov.br mailto:mlgaspartavares@uol.com.br the school the different levels of reading and the process of semiotization of the world. KEYWORDS: Reading. Semiotization. Semiolinguistics. INTRODUÇÃO Abissal discussão circunda a dualidade conceitual acerca do estudo e uso da língua portuguesa, seu ensino e sua consequente prática aferidos pelos paradigmas: certo e errado. Teorias, estudos, pesquisas e opiniões constituem o bojo analítico- discursivo carregado de embargos histórico-sociais, políticos, doutrinários, metodológicos e, como não poderia deixar de ser, pedagógicos. Obtêm-se por meio da dialética hegeliana praticismos linguageiros flexíveis e, por que não, tolerantes, relacionados à fala, todavia no mote da escrita e da leitura resguardam-se, ainda, os preceitos elitizadores da norma culta em detrimento de saberes inatos e populares. O presente artigo se insere no debate, tendo em vista o levantamento dos aspectos relacionados à leitura, não para ampliar o discursório em um acervo de novidades obsoletas, mas, principalmente, para servir de suporte ao profissional da educação linguística, ampliando a definição de competência leitora e atrelando a ela postulados de relevância científica experimentados em campo. Para isso, foram intersecionados nomes de relevância acadêmica no campo da linguagem e suas respectivas perspectivas: Maria Helena Martins, Paulo Freire e Patrick Charaudeau. Martins (1982) expõe a leitura em níveis concomitantes, completivos e indissociáveis; Freire (1989) explica a importância do ato de ler de forma significativa e Charaudeau (1995) rompe com o estruturalismo e o gerativismo propondo a Teoria Semiolinguística, a qual transporta a linguística para uma abordagem psicossociolinguageira. Em suma, como auxílio aos profissionais da educação linguística, estudantes e pesquisadores esta escritura mostrará a leitura aquém e além da palavra escrita, a qual deve ser ensinada como prática social, de forma significante e que adquire ressignificados de acordo com o contexto psicossocial. A amostra analisada é composta de um questionário sobre os hábitos de leitura e uma atividade de cunho semiótico envolvendo a leitura de uma ilustração e sucessivas releituras ao se adicionar e subtrair signos. Os resultados obtidos indicam que, a leitura do mundo é singular e se dá na heterogeneidade de níveis, refletindo o indivíduo histórico-social. Como novas perspectivas, propõem-se a necessidade de se aprofundar os estudos nesta área, a fim de que se possa verificar a importância de se contemplar na escola os diferentes níveis de leitura e o processo de semiotização do mundo. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Legere, do latim, dá origem ao termo ler e significa, no seu sentido próprio: escolher, colher, recolher, conforme Zaccur apud Macedo (1999). Deriva-se daí a expressão latina legere oculis, “colher com os olhos”, que empiricamente é: obter informações através da percepção das letras, portanto, assim outorgado exclusivamente aos letrados, àqueles, cuja faculdade da palavra escrita, mantêm sob domínio; contudo para Martins (1982), ler não se limita a decifrar signos linguísticos conferindo-lhes significado e consequente sentido. Para a autora, interpretar um “esbarrão” na calçada como despercebido, provocativo, bem ou mal-intencionado já configura o ato de ler; em analogia à gênese da palavra: colher pistas e informações do mundo exterior e recolher para si, corrobora com esse viés a autora supracitada, “[...] ler é descobrir caminhos, conhecer e reconhecer o mundo a nossa volta” (MACEDO, 1999, p.123). Dessa forma, Paulo Freire instrui: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1989, P.20), didaticamente, ler o mundo é uma habilidade anterior à leitura de palavras escritas e, por isso mesmo, não há como existir a leitura da palavra escrita sem que seja efetivada, e de forma contínua, a leitura de mundo. Patrono da educação brasileira, Freire é considerado um dos pensadores mais notáveis da pedagogia mundial. Ao ensinar sobre a importância do ato de ler, o professor cria a amálgama, PALAVRAMUNDO, a qual consiste no conhecimento que a criança constrói diante da realidade vivida, segundo ele próprio: “uma prática alfabetizadora fundada no exercício da curiosidade e da apreensão do significado e do sentido existencial da palavra, no mundo e na vida cotidiana de cada educando”. [...] é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental. [...] A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando supostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro negro; gravetos, o meu giz. (FREIRE, 1989, p.24) Ler está, portanto, muito além do estruturalismo saussuriano, extrapolando a dicotomia languee parole (língua e fala), contemplando as interações humanas como atos comunicativos e assim passíveis de leitura, conforme referência de Martins (1982, p.17) “[...] tanto Burroughs quanto Sartre indicam que o conhecimento da língua não é o suficiente para a leitura se efetivar. Na verdade, o leitor preexiste à descoberta do significado das palavras escritas [...]” Martins (1982) estabelece três níveis de leitura com ocorrência concomitante, completiva e indissociável: Leitura sensorial, Leitura emocional e Leitura racional; tais níveis são dinâmicos e a circunstância da leitura privilegia determinado nível, embora sejam simultâneos. Aristóteles constatou que nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos. Diferente de Platão, afirmava que os pensamentos não são oriundos do contato entre a alma e o mundo das ideias, mas da experiência sensível. Assim, o filósofo enumera os cinco sentidos humanos responsáveis por toda codificação sensorial: visão, audição, tato, olfato e paladar. Segundo Martins (1982), os referenciais mais elementares do ato de ler são os cinco sentidos. Eles caracterizam a leitura sensorial. Sem ser uma prática elaborada de leitura, é a resposta imediata às exigências e ofertas apresentadas pela vida. Congruente ao postulado, Oliveira (2005) cita o semioticista Greimas, cujo pensamento expõe o conceito de texto além da produção verbal e afirma que um ritual ou um balé podem ser considerados textos, portanto passiveis de leitura, em sua obra “Imagem também se lê” ensina: O perfume, em si, também é um texto estético. Isso porque é estético tudo que pode ser perceptível por meio dos sentidos; no caso do perfume, trata-se de um texto olfativo. O perfume possui ainda um corpo “objetivo” o qual permite que ele seja também um texto visual. (OLIVEIRA, 2005, p.122). A leitura sensorial leva ao leitor, de forma inconsciente, o conhecimento sobre não somente o que ele gosta ou não, mas também do que ele é pelo fato de impressionar os olhos, o ouvido, o nariz, o paladar ou o toque; para isso, não se faz necessário nenhum exercício de racionalização, no entanto, quando a leitura transporta o leitor aos caminhos da alegria, da curiosidade, ou mesmo da depressão, quando estimula a fantasia e as emoções, evidencia-se outro nível de leitura, a emocional. Apesar de razão e emoção estarem dispostas fisicamente em locais separados, elas constituem um único órgão humano, o cérebro. Filósofos e pensadores a exemplo de Platão (428-347 a.C.), Descartes (1596-1650) e Kant (1724-1804) sustentaram a dicotomia nos processos afetivos e cognitivos, entendendo que não havia qualquer ligação entre eles. Empiricamente, as pessoas entendem razão e emoção de forma antagônica, quase como antônimos semânticos, no entanto, desde o início do século XX o biólogo Jean Piaget (1896-1980) questiona tal separação e afirma que mesmo tendo naturezas diferentes, afetividade e cognição são completivas nas ações humanas. A obra “O erro de Descartes” de Antônio Damásio aborda o tema do ponto de vista da neurociência e discorre de forma refutatória sobre o dualismo cartesiano, apontando que razão e emoção são de fato integrativas Se as emoções provêm uma resposta imediata para certos desafios e oportunidades enfrentados por um organismo, o sentimento relacionado a elas provê isso com um alerta mental. Sentimentos amplificam o impacto de uma dada situação, aperfeiçoam o aprendizado e aumentam a probabilidade que situações similares possam ser antecipadas (DAMÁSIO, 2001, p. 781) Martins (1982) associa à empatia o nível de leitura emocional, o qual requer participação afetiva em uma realidade alheia e implica disponibilidade para aceitar o que vem do mundo exterior, ainda que posteriormente se venha a rechaçá-lo. Nesse contexto, a leitura relaciona-se com a convivência, social, política e cultural, cujas características são moldadas, dissimuladas e até contrárias aos verdadeiros sentimentos; porém, tanto apreciar quanto desapreciar têm motivação intelectual, a leitura apresenta-se em outro nível, o racional. Segundo Martins (1982), duas caracterizações sintetizam a concepção de leitura, a behaviorista-skinneriana e a perspectiva cognitivo-sociológica. A primeira trata a leitura como uma decodificação mecânica de signos linguísticos, por meio do aprendizado estabelecido a partir do condicionamento estímulo-resposta. A segunda, como um processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos. Em face disso, a pesquisadora explica: “Ambas são necessárias à leitura. Decodificar sem compreender é inútil; compreender sem decodificar, impossível. Há que se pensar a questão dialeticamente” (MARTINS, 1982, p.32). Práxis significa conduta ou ação. É um termo que tem origem no grego praxis, sendo abordado em várias áreas de conhecimento como a filosofia, a psicologia e, entre outros, a pedagogia. Pode-se, didaticamente, definir como fusão entre teoria e prática. Vásquez (1968, p.3-5) explica a práxis sob a ótica de Karl Marx, em que o conceito é definido como “atividade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano”, e ainda, “a categoria central da filosofia que se concebe ela mesma não só como leitura de mundo, mas também como guia de sua transformação”. Por esse prisma, a prática da leitura pode ser tanto agente transformador como objeto transformado, adquirindo ressignificações, abarcando o rol de experiências do indivíduo, nas quais se espelham os conhecimentos: de mundo, empírico, enciclopédico, discursivo e ademais. Assim sendo, pensar a práxis docente, no ensino da leitura, diante do exposto por Martins (1982) e Freire (1989), em que, a abordagem deve ser significativa e contemplar os níveis, sensorial, emocional e racional, conduz ao letramento postulado por Roxane Rojo, à pedagogia dos gêneros textuais, explanada por Luiz Antônio Marcuschi e à semiotização do mundo proposta na Teoria Semiolinguística de Patrick Charaudeau. De forma sintética, letramento, segundo Rojo (1998, 2017) é a prática competente da lectoescritura, abarcando a multiplicidade de sentidos, realidades e situações em que se efetiva a comunicação, resumido por Bechara (2000): ser poliglota na mesma língua. Contínuo desafio aos educadores linguísticos em uma sociedade não leitora. A escolarização, no caso da sociedade brasileira, não leva à formação de leitores e produtores de textos proficientes e eficazes e, às vezes, chega mesmo a impedi-la. Ler continua sendo coisa das elites, no início de um novo milênio. (ROJO, 2017, p.1) O ensino da leitura assim constituído, para Marcuschi (2002), deve se dar por meio da plurissignificativa pedagogia dos gêneros textuais, os quais têm: [...] alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, não são instrumentos estanques da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades socioculturais (MARCUSCHI, 2002. P. 19) Dessa forma, a leitura como prática crítico-social, evita que a escola continue sendo “um espaço explicitamente afastado das questões que movem a vida das pessoas e ainda mais distante dos desafios da sociedade” (MOSÉ, 2013, p. 50). Para isso, se tem proposto o trabalho com os gêneros textuais, os quais têm sua gênese nas necessidades e atividades socioculturais, e na relação com as inovações tecnológicas, conforme, Marcuschi (2010). Por terem sua gênese nas necessidades e atividades socioculturais, os gêneros textuais, como se disse, não são estanques, ao contrário, mutáveis, significa dizer: surgem novos, tornam-se obsoletos e, principalmente, se ressignificam.Teoria Semiolinguística é a teoria de análise do discurso, discutida por Charaudeau (1995), em que há construção de sentido e ressignificação do enunciado, levando-se em conta a relação entre enunciador e destinatário, todas as condições de enunciação (contexto e intensão) e os resultados (significados) obtidos a partir da interação. Tal procedimento nomeia-se: semiotização do mundo; nele há ação do sujeito falante entre o mundo a significar e o mundo significado e a troca de funções enunciativas entre o sujeito falante e o sujeito falante destinatário diante do mundo significado, respectivamente, processos de transformação e de transação. Conforme diagrama: Procedimento de semiotização do mundo e o seu duplo processo Fonte: Charaudeau, 1995. Segundo Aristóteles (2002), o objetivo de toda comunicação é a persuasão: a tentativa de levar outros a abraçar o ponto de vista de quem fala, escreve ou se expressa e nela está contido o ethos - “a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário” (Charaudeau, Maingueneau, 2006: 220). De acordo com HEINE (2007), o ethos aristotélico não pode ser compreendido isoladamente do pathos e do logos no processo retórico e todo esse contexto emerge das intenções contidas na situação, ou seja, no contato, relação. Com efeito, o sujeito falante, ao tomar a palavra, vê-se diante de quatro processos linguageiros: Procedimento de semiotização do mundo e os quatro processos de tomada da palavra. Fonte: Charaudeau, 2008. Para Lucena (2004), por meio do procedimento de semiotização do mundo, gerador de novos signos, novas articulações são estabelecidas, surgindo novos textos. Novos percursos temáticos e figurativos retomam definições construídas no texto- motivador, construindo novos textos. Conforme a autora, os sentidos já existem, o que se faz necessário é o contato com eles, fazer-lhes a decodificação e recodificação em novos textos. A utilização então de um texto-motivador nas aulas, oficinas, projetos, pesquisas serve para acionar o saber armazenado do indivíduo, permitindo que a significação seja construída e o resultado seja dotado de valor semântico, em congruência com o conceito postulado por Freire (1989), a palavramundo. EXPERIMENTANDO AS LEITURAS Para se produzir uma amostra relacionada ao conteúdo desta pesquisa, a leitura e suas ressignificações, realizou-se experimento em campo e respectiva análise dos resultados. A metodologia do experimento se deu sob a aplicação de duas atividades, conforme as seguintes etapas: Atividade 1 – questionários: 1ª - Aplicação de questionários objetivos acerca dos hábitos de leitura; 2ª - Análise das respostas obtidas; 3ª - Elaboração de gráficos relativos a cada questão. Atividade 2 – Leitura de imagem: 1ª - Leitura de ilustração original; 2ª - Leitura da imagem modificada (sem as coroas); 3ª - Leitura da imagem modificada (sem as flores). O experimento se deu em uma escola da rede de ensino do Estado de São Paulo, situada em um bairro periférico do município de Praia Grande. Durante o inverno de 2017. Três turmas de primeiro ano do ensino médio foram envolvidas no efetivo desenvolvimento das pesquisas, resultando em um somatório de aproximadamente cento e vinte alunos. A faixa etária média do público participante dos exercícios é de 15 anos. Os questionários, referentes à atividade 1 da pesquisa, foram compostos por questões objetivas: a primeira teve o intuito de contextualizar o tema leitura e ativar na memória dos participantes os conhecimentos e hábitos a ela relacionados; a segunda, uma sondagem acerca da leitura emocional; a questão seguinte abordou aspectos da leitura sensorial, a penúltima fez referência às formas de aprender e para finalizar questionou-se o processo de aquisição da leitura. Depois da aplicação dos questionários, deu-se início à atividade 2 da pesquisa. Nessa atividade, as turmas foram divididas em grupos de aproximadamente cinco alunos cada um, respectivamente grupos A, B, C, D e E. A primeira etapa, “ler a imagem original” (grifo nosso) deu início à atividade com a projeção da imagem a ser lida, a qual os alunos tiveram acesso também por meio do material da rede estadual, visto que, ela está disponível no caderno do aluno 1ª série – Língua Portuguesa e Literatura – volume 1 (2014-2017) página 12. A saber: Fonte: Caderno do aluno – vol. 1 1ª série - Língua Portuguesa e Literatura 1º passo: Foi solicitada a leitura e explicação da imagem. 2º passo: Foi solicitada a leitura e explicação da imagem imaginando não haver as coroas. 3ª passo: Foi solicitada a leitura e explicação da imagem imaginando não haver as coroas e nem as flores ao fundo. Resultado 1º passo: Inicialmente, os grupos foram unânimes, atribuíram a imagem a um velório. Ao serem questionados do porquê da conclusão, indicaram as flores ao fundo como o motivador para tal significado; todos os grupos disseram que os personagens são monarcas e, para isso, apontaram as coroas como motivo dessa a significação. Depois de observarem por mais tempo o grupo C ressignificou a leitura, dizendo ser uma princesa de conto de fadas enfeitiçada por alguma bruxa má, assim o grupo A sugeriu ser a Branca de Neve com essa informação o grupo E citou Bela Adormecida. Resultado 2º passo: A leitura da imagem, ignorando a presença das coroas, trouxe para esta etapa a pesquisa de ressignificações. O primeiro grupo a se manifestar foi o A, vislumbrando, nessa nova leitura, uma pessoa enferma visitada pelo seu amado; imediatamente o grupo B se manifestou. Para eles, o significado foi de que não se tratava de visita, mas da presença de um médico verificando as condições da paciente, e, nessa leitura o grupo D se pronunciou salientando que as flores ao fundo indicam uma internação que já se estende por longo período. O grupo A ressignificou a presença das flores, sendo um indicativo de que a enfermidade se encontra em grau extremo. Resultado 3º passo: Para essa etapa, sugeriu-se a leitura ainda sem as coroas e também sem as flores ao fundo; assim sendo, a imagem passa a ser lida, pelo grupo C, apresentando um marido a caminho do trabalho, pela manhã, o qual se despede da esposa, devido a uma integrante, que consulta regularmente um psicoterapeuta, e associou o móvel presente no desenho ao divã; o grupo E, por sua vez, explicou que poderia ser uma terapia de rotina. Nessa leitura, o grupo D afirmou se tratar de uma aluna com dificuldades de aprendizagem e, nesse caso, a escola haveria motivado os pais à procura de tal profissional. O grupo B ressignificou essa leitura argumentando não se tratar de problemas pedagógicos, mas disciplinares. Novamente o grupo D se pronunciou, ao observar os olhos cerrados da personagem atribuíram o fato à meditação para a busca de respostas e reflexão. ANÁLISE DOS RESULTADOS Os gráficos que seguem foram elaborados pelo aluno-pesquisador a partir dos dados obtidos da aplicação da atividade 1. Revelam de forma analítica e comparativa as respostas dadas pelos pesquisados elucidando os pressupostos teóricos elencados na pesquisa. Gráfico 01 – O que você lê com regularidade? Fonte: Autoria Própria O conteúdo digital é o mais lido, 37,50% dos pesquisados. Cabe ressaltar que os questionários excluíram desse grupo as redes sociais e mensageiros instantâneos; sendo assim, os alunos participantes da pesquisa foram orientados a atentarem-se para isso. O conteúdo aqui proposto refere-se a portais de notícias, informativos em geral, sites e blogs, esportes, música, arte, literatura, histórias, contos, receitas etc.Os livros aparecem com 21,88% na regularidade de leitura, no entanto, chama a atenção de forma negativa o fato de se declararem não leitores; 12,50% dos pesquisados, índice muito próximo daqueles que prioritariamente leem a bíblia, largamente consumida por muitas sociedades e, como se sabe, o livro mais lido de 22% 3% 0%6% 16% 3% 37% 13% LIVROS REVISTAS JORNAIS HQs (mangás) BÍBLIA OUTROS CONTEÚDO DIGITAL NÃO LEIO REGULARMENTE O que você lê com regularidade? 90% 10% A leitura desperta em você sentimentos como: saudade, alegria, tristeza, ansiedade etc? SIM NÃO todos os tempos que revela 15,63% de leitores. Outro dado muito relevante, apontado na pesquisa, demonstra que os jornais não são lidos por este público, 0% de leitores. 6,25% leem prioritariamente HQs, 3,13% são leitores de revistas diversas e índice idêntico quantifica leitores de qualquer outro material que não tenha sido especificado no questionário. Essa primeira questão objetivou contextualizar o assunto leitura, motivar os participantes a pensar em leitura, traçar algumas reflexões para que se chegasse às próximas perguntas que estão diretamente vinculadas com postulados teóricos contidos na pesquisa. Gráfico 02 – A leitura desperta em você sentimentos como: saudade, alegria, tristeza, ansiedade? Fonte: Autoria Própria Com os olhos voltados para o nível de leitura emocional, segundo os resultados obtidos, quase ninguém passa incólume por ela; para 90% dos pesquisados, a leitura é, sim, responsável por suscitar emoções e sentimentos Conforme Martins (1982), é um nível de leitura que ocorre em concomitância aos níveis sensorial e racional, completando-os e, às vezes, dependendo do que é lido, pode se sobrepor aos outros. 25% 15% 0% 44% 16% Ao pegar um livro você nota primeiro: O CHEIRO DO LIVRO A TEXTURA DAS FOLHAS A FONTE (LETRAS) USADA NA IMPRESSÃO A QUALIDADE DA CAPA, ENCADERNAÇÃO NÃO NOTO NADA DISSO, VOU DIRETO Gráfico 03 – Ao pegar um livro você nota primeiro Fonte: Autoria Própria Ao pegarem um livro, 43,75% dos pesquisados notam primeiramente a qualidade da capa/encadernação; observa-se neste quesito a efetivação da leitura sensorial, postulada por Martins (1982), vinculada à visão. Há 25% que percebem o cheiro do livro, caracterizando outro dos fatores da leitura sensorial, o olfato. Para 15,60%, a leitura sensorial se dá prioritariamente pelo tato, portanto notam preferencialmente a textura das folhas do livro. Índice idêntico, 15,60% anseiam pela leitura dos textos escritos predominantemente, neste caso prevalece a leitura racional. Cabe salientar, no entanto, que entre os que responderam ir diretamente para a leitura, estão os 12,50%, os quais na primeira questão declaram não serem leitores regulares, assim entre os pesquisados apenas 3,10% dos leitores regulares vão diretamente para a leitura das palavras sem antes efetivar processos relacionados à leitura sensorial. Gráfico 04 – Para aprender novas palavras é mais fácil Fonte: Autoria Própria O processo de ampliação do repertório vocabular é imanente à leitura. Esta pesquisa aponta que, para tal processo atingir eficiência, na opinião de 59,37% do pesquisados, deve-se utilizar recortes de jornais e revistas, músicas e cenas de filmes, evidenciando a pedagogia dos gêneros textuais, apontada por Marcuschi 6% 22% 60% 3% 9% Para aprender novas palavras é mais fácil o professor passa uma lista na lousa usando textos de um livro didático por meio de recortes de jornais e revistas, músicas, cenas de filmes para você é tudo igual, não há maior ou menor facilidade você não se importa em aprender novasa palavras (2010); relevantes 21,87% consideram o uso do livro didático para tal finalidade, confirmando Cagliari (in.: ROJO, 1998) ao afirmar que tal prática deve se efetivar em paralelo ao trabalho com os gêneros textuais. Para 9,37%, não há qualquer importância em se ampliar o vocabulário. Salutar é esclarecer que tal índice foi gerado por discentes, os quais integraram, novamente, os 12,50% que não praticam a leitura com regularidade, de acordo com o gráfico 1. Há também um pequeno número de pesquisados (6,25%) que priva por atividades bastante tradicionais e até descontextualizadas, em que o professor faz uma lista de novas palavras na lousa para serem copiadas. Esses dados demonstram que parte do alunado internalizou o modelo escolar criticado pelo professor Ruy Canário proferido pela filósofa Viviane Mosé (s.d.). Gráfico 05 – Você aprendeu a ler. Fonte: Autoria Própria Finalizando a atividade 1, a pergunta 5 sondou o processo de aquisição da leitura dos pesquisados, entre eles 40,63% adquiriu a leitura juntamente com a escrita, 37.5% adquiriu a leitura anterior a escrita e 21,88% posteriormente. Dessa forma, a maior parte dos pesquisados configura o idealizado pelo Ministério da Educação e da Cultura (BRASIL, 2007), em números intermediários estão aqueles que adquiriram a leitura por meio de procedimento considerado ultrapassado pela mesma entidade. O menor grupo adquiriu a leitura depois da escrita, sendo assim, desenhavam letras sem reconhecimento seu do valor sonoro e/ou alfabético. 37% 41% 22% Você aprendeu a ler antes de aprender a escrever juntamente com a escrita após aprender a escrever Os pressupostos teóricos contrapostos aos dados coletados em campo endossam as perspectivas de leitura de Martins (1982), configurando os níveis sensorial, emocional e racional como de fato completivos e ainda interseciona a decodificação de signos linguísticos e a interpretação contextualizada, evidenciando sua interdependência. O aprender significativo de Freire (1989) se fez presente na leitura da imagem e suas ressignificações, as quais foram relacionadas à realidade dos participantes, suas experiências e informações adquiridas. Além de significativa, a aquisição da leitura pelos preceitos de letramento postulados por Rojo (1998) e sua ampliação por meio dos gêneros textuais, de acordo com Marcuschi (2010) mostraram-se eficazes e preferidos, ainda que não se deva abandonar por completo modelos sugeridos pelos livros didáticos, os quais devem ser complementares. Finalmente, o processo de semiotização do mundo, postulado no âmbito da Teoria Semiolinguística de Charaudeau (1995), deve ser entendido como rica ferramenta nos processos de análise da leitura, interpretação e respectiva construção de sentido, as relações entre o discurso e os processos de transformação e transação somados aos conceitos de ethos, pathos e logos instituem maior capacidade de entendimento das formas de leitura que refletem o sujeito histórico-social e a multiplicidade de expressões atribuídas a determinado conteúdo, passível de inferências e ressignificações. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história”, a frase de autoria do magnata fundador da Microsoft, Bill Gates, exalta a importância dos livros e da leitura e vai além, inter-relaciona leitura e escrita, característica do conceito de letramento. O autor salienta a importância de ter a capacidade de escrever a própria história, curiosamente a história de Gates funde-se com o desenvolvimento tecnológico digital um dos formatadores da modernidade líquida, da qual, segundo Zygmunt Bauman, a educação é vítima. Para o sociólogo, a incapacidade de concentração é traço de tal momento da sociedade e como reflexo desse fato está a leitura fragmentada e ineficiente, o pensador complementa afirmando que a quantidade e velocidade das informações estão fomentando a impaciência na sociedade contemporânea. “Se demoramos mais de um minuto para acessar a internetquando ligamos o computador, ficamos furiosos. Um minuto só! Nosso limiar de paciência diminuiu. As informações mais bem-sucedidas, que têm mais probabilidade de serem consumidas, são apenas pedaços”. (BAUMAN, s.d.) Inserta nesse contexto está a escola, ultrapassada e lutando para resistir ao tempo, Dalmo Duque dos Santos, autor da obra “Estação Amizade” que trata mais um dos grandes problemas da modernidade líquida: o suicídio, em aula ilustrou: temos uma escola do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI, trezentos anos em conflito! Imersos num sistema obsoleto os professores, por sua vez, buscam novas formas de ensinar com o uso das TICs e contextualizações verossímeis, sites, blogs, redes sociais, séries, músicas etc., todavia o currículo continua o mesmo, ferozmente criticado pelo teórico americano Michael W. Apple, verticalizado e desconexo. A imposição da cultura das elites e do interesse das grandes corporações persiste nas redes de ensino públicas e privadas, em que o pensamento determinista, por mais retrogrado que seja, se apresenta como paradigma imutável. Que este legado chegue às salas de aula e ao todo da sociedade, para que não se menospreze qualquer forma de leitura, a qual se deve entender como ressignificadora do mundo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Trad. CARVALHO, A. P. São Paulo: Difel, 1964. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Nacional, 2009. BRASIL. Ministério de Educação e do Desporto. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Brasília, DF: MEC, 2001. CAGLIARI, L. C. A respeito de alguns fatos do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita pelas crianças na alfabetização. IN: ROJO, R. (Org). Alfabetização e letramento: Perspectivas linguísticas. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998. CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso – Organização e tradução: Ângela M. S. Corrêa e Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto, 2008. _____________ Une analyse sémionguistique du discours. Langages, Paris, 1995. CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. 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