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Sarup, Madan_Marxismo e educacao

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MARXISMO
E EDUCAÇAO
ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA E MARXISTA DA EDUCAÇÃO
68381
Tradução de
Waltensir Dutra
ZAHAR EDITORES 
RIO DE JANEIRO
Madan Sarup
Professor de Sociologia, Goldsmiths' College, 
Universidade de Londres
Título original .Marxism and Education
Capa: Eliane Stephan
Composição: Zahar Editores S.A.
ZAHAR EDITORES S.A.
Caixa Postal 207, ZC-00, Rio 
que se reservam a propriedade desta versão 
Impresso no Brasil
Copyright © 1978 by Madan Sarup 
AH rights reserved.
Direitos reservados
Proibida a reprodução (lei n9 5.988)
Traduzido da primeira edição inglesa 
publicada em 1978 por Routledge & Kegan Paul, 
de Londres, Inglaterra.
1980
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por
636A
índice
1. 21
544.
5. 68
826.
917.
101
2.
3.
30
40
PARTE II -
MARXISMO E EDUCAÇÃO
8. Introdução ao Marxismo
Necessidade de uma sociologia marxista da educação, 101; A ini­
ciação teórica de Marx, 102; Idealismo hegeliano: o pensamento dialé­
tico e negativo, 103; O materialismo de Feuerbach e seu método
Agradecimentos
Introdução
Considerações teóricas, 12. Perspectivas sociológicas e educação, 14
9
11
PARTE I
ALGUNS ASPECTOS DA NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
As Injunções da Nova Abordagem
Algumas proposições da nova abordagem, 24
O Uso de Estudos Antropológicos
A Adoção de um Modelo Fenomenológico do Homem
Fenomenologia e positivismo, 40; O "modelo do homem" de Sartre, 
43; O marxismo fenomenológico de Sartre, 47; Duas versões da fe­
nomenologia a analítica e a possibilitária, 49
A Rejeição da Filosofia Liberal da Educação
Algumas críticas a Peters e Hirst, 55, O solapamento das hierarquias 
tradicionais, 58; A filosofia da educação liberal como uma ideolo­
gia, 62
A Importância dos Estudos de Sala de Aula
Diferentes abordagens na sociologia da educação: a funcionalista- 
estrutural e a interpretativa, 68; Alguns estudos de sala de aula, 71; 
"Rotulação" e negociação, 72; Algumas limitações da abordagem 
tipo "rotulação", 74; Conhecimento de sala de aula, 75; A ideologia 
na sala de aula: progressismo, 78
Alguns Problemas da Sociologia Fenomenológica
Introdução, 82; A validade das explicações e o dilema da imposição, 
83; O problema do mentalismo, 85; Relativismo, 87
Para uma Reavaliação Radical
8 índice
1199.
13510.
149
165
172
transformativo, 104; A crítica de Marx a Hegel e Feuerbach, 105; 
A síntese de Marx: o homem e a história, 107; Duas visões da aliena­
ção: Hegel e Marx, 109; A visão hegeliana da alienação, 110; A visão 
marxista da alienação, 1 10; A visão marxista da práxis, 111; A ten­
dência para o marxismo positivista, 116
Alienação e Ensino
A concepção relacional de Marx sobre a sociedade, 119; A alienação 
e os adversários da escola, 124; Alunos, professores e conhecimento, 
127
Fatos Atuais: o Primado do Modo de Produção
A contribuição de Louis Althusser: educação e ideologia, 136; A 
contribuição dos historiadores e economistas políticos da educação 
americanos, 138; A adaptação da educação às necessidades de traba­
lho, 14 1; O modo de produção capitalista, 143
11. A Economia Política da Educação:
o Ensino Escolar na Sociedade Capitalista
A economia política de Bowles e Gintis, 149; Algumas críticas a 
Schooling in Capitalist America, 154; Os mecanismos da mudança 
educacional, 161
12. Sumário e Conclusões
Conclusão, 170
Notas
Agradecimentos
Este breve volume é o resultado de um estudo da Sociologia da Educação, 
realizado com Michael F.D. Young, e do ensino dessa matéria, em compa­
nhia de meus amigos, Bob Colquhoun e lan Hextall. Sem a ajuda e o estí­
mulo dessas pessoas, ele não teria sido possível. Desejo agradecer também 
aos meus colegas do Departamento de Sociologia, e sou grato aos meus 
muitos amigos, em vários grupos de estudo de que participo, por terem dis­
cutido comigo essas idéias, nos últimos três anos — este livro é um produto 
de nossa colaboração. Como é resultado de um curso de palestras proferido 
a meus alunos do Goldsmiths' College, agradeço principalmente a eles. Aju­
daram-me mais do que provavelmente pensam. Nas fases finais, beneficiei- 
me muito com os comentários e a crítica de Barry Cole.
A doutrina materialista de que os homens são produto das circunstâncias e 
educação, que homens diferentes são portanto produtos de outras circuns­
tâncias e de uma educação diferente, esquece que as circunstâncias são, na 
verdade, modificadas pelos homens e que o próprio educador deve ser 
educado.
Marx,
Teses sobre Feuerbach
Introdução
Este livro é uma introdução a alguns dos enfoques mais recentes sobre a 
Sociologia da Educação. Tanta coisa aconteceu nos últimos dez anos que 
a matéria transformou-se. É uma área empolgante. Houve uma sucessão 
de perspectivas novas, que é necessário compreender e aprender a usar, 
como o interacionismo simbólico, a etnometodologia e a fenomenologia 
social. Durante o mesmo período houve uma explosão na teoria marxista. 
Não só textos novos, mas teóricos,com novas interpretações do marxismo, 
surgiram. A Parte I deste livro é uma análise da perspectiva "interpretati- 
va", ou fenomenológica, tal como aplicada à educação. Depois de uma dis­
cussão de seus pontos fortes e de suas debilidades, examino, na Parte II, 
algumas abordagens marxistas. Centralizo a atenção nessas perspectivas 
porque são maneiras importantes de compreender o mundo em que vive­
mos. Não são simples modas, mas tradições em evolução, com inter-rela- 
çÕes complexas que parecem antagónicas, coincidentes ou mutuamente 
necessárias, para diferentes teóricos.
Procurei explorar essas relações não como um intelectual eclético, 
desligado, mas a partir de uma determinada posição. Tenho um compro­
misso com uma transformação radical da educação, e da maneira pela qual 
trabalhamos e vivemos juntos. Poder-se-ia perguntar: Como um autor enga­
jado pode ser um guia útil para as principais controvérsias na Sociologia d? 
Educação? Mas creio que o engajamento não implica uma visão doutrinária 
limitada, estática. O engajamento refere-se à manutenção de um princípio 
moral e político, como a criação de um mundo mais aceitável— mas nossa 
análise do mundo, a compreensão que dele temos, pode achar-se num esta­
do de fluxo, e em evolução contínua.
O leitor talvez note, com surpresa, a ausência dos habituais títulos de 
capítulo que aparecem nos manuais tradicionais. Não há capítulos intitula­
dos "Educação e Mobilidade Social", ou "Formação Familiar, Valores e 
Realizações". Parece-me que muitas dessas questões surgem neste livro, 
mas apresentadas de forma incomum. Toda perspectiva tem seu vocabulá­
rio, sua maneira de ver e dar um sentido ao mundo. A perspectiva fenome­
nológica postula o exame das questões como se fossem "antropologica- 
mente estranhas". Por isso, abordei muitos problemas formulando pergun-
12 marxismo e educação
Considerações Teóricas
tas que não são feitas em geral na Sociologia "tradicional” da Educação. E, 
embora os títulos "Estratificação e Mobilidade", "Seleção Social”, "Igual­
dade de Oportunidade Educacional” não se encontrem aqui, os problemas 
relacionados com a liberdade e igualdade humanas são discutidos primeiro 
em termos fenomenológicos e, em seguida, em termos marxistas. Esta últi­
ma abordagem é útil porque insiste no exame das relações dentro de uma 
totalidade, ou seja, as relações entre escolas, a família, o trabalho e a polí­
tica partidária. Além do mais, todas essas relações são vistas dentro de uma 
sociedade ou formação social específicas. Admite-se, é claro, que as con­
trovérsias aqui discutidas não foram solucionadas; que não são controvér­
sias já resolvidas. Os problemas daquilo que devemos fazer para tornar 
nossa vida mais feliz, e o mundo melhor, e como fazer isso, não podem ser 
solucionados com facilidade. Mas pelo menos é possível iniciar um diálogo.
Como este livro tem por temas algumas das principais controvérsias da ciên­
cia social, um esquema dos principais argumentos talvez seja útil. O resumo 
da argumentação, porém, leva inevitavelmente à abstração seca,e por isso 
alguns leitores podem preferir passar diretamente ao primeiro capítulo, e 
voltar a este sumário mais tarde. O principal argumento baseia-se na supo 
sição de que é nossa tarefa modificar o mundo, torná-lo melhor, não apenas 
menos inaceitável. 0 enfoque do livro não é, portanto, sobre a questão da 
ordem social, mas da mudança social. Procurei basear minha discussão da 
teoria sociológica sempre num mundo vivo — o da educação — que profes­
sores, alunos e outros experienciam diariamente. Embora a discussão das 
perspectivas sociológicas esteja interligada com as questões educacionais e 
delas seja inseparável, para os objetivos deste livro esboçarei primeiro os 
aspectos teóricos. 0 que pode parecer pouco claro neste resumo se tornará 
mais compreensível nos capítulos que se seguem. De maneira geral, este 
livro discute três modelos de ciência social: o positivista, o interpretativo 
(ou fenomenológico) e o marxista. As principais controvérsias de que nos 
ocupamos são as seguintes.
Uma atitude altamente crítica é adotada em relação à Sociologia 
tradicional e seu enfoque positivista. Não trato dela diretamente em ne­
nhum capítulo específico, mas a rejeito em todo o livro. O positivismo é 
repudiado porque supõe que a realidade existe de maneira não-problemá­
tica; ele ressalta o método "científico” e a medida estatística, e separa "fa­
tos" de "valores”, "conhecimento” de "interesse”. Em suma, essa posição 
pressupõe uma visão passiva do homem, e, como a sua ligação com o beha- 
viorismo mostra, é determinista. Esse modo "científico” tornou-se domi­
nante; foi criada uma hierarquia entre os que possuem esse conhecimento, 
os peritos, e aqueles que dele não dispõem. Um número cada vez maior de
introdução 13
áreas de nossa vida estão sendo definidas como "problemas técnicos", dis­
tantes do debate e da ação políticos, com a esperança de que os técnicos 
os possam resolver. Essa visão da racionalidade (manipulativa ou instru­
mental) leva àquilo que foi chamado de "visão tecnológica da política".
Uma das críticas mais vigorosas ao positivismo foi feita pelo modelo 
interpretativo da ciência social, ou, mais especificamente, pela Sociologia 
Fenomenológica. Fazemos uma exposição simpática dessa interpretação 
e de sua crítica do empirismo e cientismo, sua ênfase na intencionalidade, 
e da experiência que o ator tem do mundo. O modelo fenomenológico do 
homem é explicado por uma discussão das opiniões de Sartre sobre a liber­
dade humana. Parece-me que tal abordagem é adotada por muitos como 
uma correção consciente de uma Sociologia tradicional que negava a im­
portância da construção do significado pelo ator. Os fenomenologistas 
afirmam que nossa consciência do mundo, nosso conhecimento dele, se 
faz pela interpretação. Argumento então que o modelo fenomenológico 
com sua ênfase na liberdade completa, e a capacidade que tem a consciên­
cia de modificar o mundo, tem deficiências idealistas. Embora ressalte que 
os homens agem em termos de suas interpretações de suas condições exter­
nas, e de suas intenções para com elas, tem dificuldades em analisar os me­
canismos particulares pelos quais uma determinada estrutura social impõe 
limites aos seus membros. Não pode explicar como, ou por que, certas ca- 
racterísticas repressivas da sociedade continuam a existir. Argumento, em 
seguida, que a perspectiva fenomenológica tem outras inadequações. Ne­
gligencia questões como a ideologia e a falsa consciência. Quer dizer, deixa 
de examinar como a realidade pode ser mascarada de uma maneira impor­
tante, em particular pelo obscurecimento ou racionalização de uma situa­
ção. A Sociologia Fenomenológica, além disso, tem pouco a dizer sobre o 
conflito estrutural numa sociedade, e nada sobre o entendimento dialético 
da mudança histórica. Mas a debilidade fundamental desse modelo é que 
sua teoria da consciência é insuficiente. Ressalta a desreificação mental, às 
expensas de outros aspectos. Tende a ignorar as condições materiais de exis­
tência que, embora socialmente produzidas, tornaram-se objetificadas e 
não podem ser simplesmente "racionalizadas". Sugiro que a perspectiva 
fenomenológica — porque sua base é o idealismo filosófico — estimula a 
mudança através da maneira pela qual pensamos, em lugar de oferecer os 
meios pelos quais podemos modificar aquilo que se está fazendo, A desrei­
ficação teórica, uma possível consequência dessa perspectiva, não é bastan­
te. Deve haver uma desreificação prática — uma derrubada real das relações 
sociais através da praxis. Argumenta-se então que esse entendimento 
pode ser proporcionado pela teoria marxista.
Depois de ter argumentado que a perspectiva fenomenológica pode 
resultar numa desreificação teórica apenas, e não numa desreificação práti­
ca, um terceiro modelo, o marxismo, é então proposto, superando e trans-
14 marxismo e educação
Perspectivas Sociológicas e Educação
Em todo este livro, as controvérsias epistemológicas e metodológicas são 
consideradas no contexto da educação. Faço, adiante, um sumário dos 
aspectos principais dessa discussão.
Meu argumento é que a Sociologia "tradicional" da Educação é posi­
tivista. Ela vê o conhecimento e as categorias educacionais consensualmen­
te, como se fossem objetivas, estivessem "lá fora" e existissem de um 
modo não-situado, livre de contexto. A Sociologia da Educação positivista 
acredita que seu método é neutro, mas quero dizer que mantém certas 
suposições não-explicadas sobre a natureza do homem e da sociedade. 
Sugere-se que, quando o positivismo é usado nas Ciências Sociais, há certas 
implicações lógicas que se seguem. O positivismo está ligado à racionalida­
de técnica, a previsão e controle. Acredito que esse método, se aplicado à 
educação, não pode ir além de uma engenharia social estreita reformista 
e fragmentada.
cendendo as contradições dos outros dois. A versão do marxismo sugerida 
(e que muito deve a Hegel) é antipositivista, embora conserve alguns dos 
aspectos que nos parecem valiosos no modelo interpretativo. Quero dizer, 
com isso, por exemplo, a tentativa de compreender as intenções e desejos 
dos atores observados.
Argumento, então, que o marxismo era originalmente um método 
dialético no qual o pensamento crítico era confirmado pela ação revolucio­
nária, mas que surgiram nele tendências deterministas que ressaltam uma 
lógica da história como um processo causal. Esta última visão é rejeitada 
por não deixar margem para a noção de que a história pode ser criada pela 
ação humana. A interpretação "científica", causal, leva a um marxismo 
vulgar que nega a importância da ação humana. Várias formas de marxismo 
são discutidas. Primeiro, em contraste com o marxismo determinista, uma 
visão humanista é apresentada, que explica o conceito de alienação em Marx. 
Na última parte deste livro, focalizo as versões do marxismo que represen­
tam um passo na direção de uma análise das estruturas económicas e polí­
ticas. Um dos principais argumentos deste livro é que, embora a ciência 
económica e a política nos possam proporcionar um entendimento do ca­
pitalismo, a praxis é necessária. Quer dizer, deve haver uma unidade entre 
a compreensão teórica e a prática política. Mas temos de enfrentar, conti- 
nuadamente, questões como as relações precisas entre nossa teoria e nossa 
prática: Como definimos, para nós mesmos, a unidade da teoria e da práti­
ca? Ou, em outras palavras, como resolvemos a necessidade de um entendi­
mento adequado, de um lado, e a necessidade de traduzir a filosofia em 
ação social, de outro? Esse tema reaparece còntinuamente, em formas di­
ferentes, neste livro.
introdução 15
Um grupo de jovens sociólogos, inspirados pelo trabalho de Michael 
F.D. Young, questionaram a tradição positivista na Sociologia da Educação. 
Young foi o organizador de um livro intitulado Knowledgeand Control: New 
Directions for the Socio/ogy of Education ("Conhecimento e Controle: 
Novas Direções para a Sociologia da Educação"). Mencionarei a abordagem 
que estelivro exemplifica como "Novas Direções", ou como a "nova" So­
ciologia da Educação (em oposição à "tradicional"), compreendendo, é 
certo, as limitações dessa forma abreviada de referência. Em oposição a 
uma Sociologia da Educação positivista, o grupo acima mencionado ado­
tou uma posição fenomenológica. Como essa posição parte da suposição de 
que nada é fora de dúvida, foi útil por ter ajudado a questionar ("tornar 
problemáticas") noções como racionalidade, infância, educação etc., que 
haviam sido consideradas anteriormente como realidades objetivas.
Uma das características da "nova" Sociologia da Educação é o uso 
que faz dos estudos antropológicos. Mostro como a Antropologia contri­
buiu para o exame de nossas suposições: mostrou-nos que há maneiras 
alternativas de ordenar não só a educação, mas a própria vida. Argumenta-se 
que, embora existam diferenças culturais, outras culturas não são necessa­
riamente deficientes. A existência de outras lógicas e racionalidades ade­
quadas desafia o absolutismo de nossas próprias categorias. Em nossas 
escolas, uma definição particular de conhecimento tornou-se reificada. 
Argumento que as divisões feitas entre conhecimento escolar e conheci­
mento não-escolar, entre o trabalho teórico e prático, mental e manual, 
não são naturais, mas convencionais. Essas "divisões" não são absolutas, 
fixas, mas produzidas pelos homens em certos períodos sócio-históricos. 
Acreditando, portanto, que as definições predominantes de educação são 
limitadas, hierárquicas e repressivas, argumentamos que se compreendermos 
bem que a capacidade, inteligência e outras categorias são formulações his­
tóricas, feitas pelo homem, então estaremos prontos a pensar em alternativas.
A Antropologia e a Fenomenologia têm em comum o fato de levar a 
um questionamento daquilo que normalmente aceitamos sem análise e nos 
dar consciência de outras maneiras de fazer as coisas, e outras formas de 
vida. Embora as principais influências fenomenológicas fossem Schutz (e 
certos aspectos da obra de Merleau-Ponty), sugiro que o espírito da "nova" 
Sociologia, o entusiasmo que provoca e o senso de possibilidades abertas, 
são melhor compreendidos pelo estudo da obra de Sartre, com sua ênfase 
no engajamento e na ilimitada liberdade do homem. Esse questionamento 
das concepções dominantes da racionalidade "científica" ocidental, da 
educação, o currículo e a relativização do conhecimento, foi considerado 
como uma ameaça pelos tradicionalistas. Discuto, em seguida, o conflito 
entre os "novos" sociólogos da educação e os "filósofos liberais" como 
Peters e Hirst, cujas opiniões estão tão generalizadas. Minha explicação 
desse debate deve ser vista como (o início de) um estudo de caso de uma
16 marxismo e educação
ideologia. Minhas críticas são dirigidas basicamente contra uma certa tradi­
ção (que inclui Leavis, Eliot, Bantock, Cox e outros), que propaga um con­
ceito elitista de cultura. Há elementos dessa tradição dentro da Sociologia, 
também; refiro-me aos autores que ressaltam a "transmissão cultural" e a 
"reprodução social" de maneira não-dialética. Há, porém, uma tradição al­
ternativa de educação e cultura, como Raymond Williams observou, e que 
procura mostrar a colocação histórica do conhecimento e seu caráter social. 
Argumenta-se que as opiniões dos "filósofos liberais" levaram à reificação 
e alienação e que isso tem implicações conservadoras. A educação não deve 
ser para a "domesticação", mas para a libertação.
Argumento, então, que uma das principais realizações da "nova" 
Sociologia é ter transferido a atenção do lar para a escola. Isso leva a um 
capítulo em que são focalizados os estudos sobre sala de aula, no qual é 
comentada a literatura existente sobre o assunto. Focalizo as maneiras 
pelas quais os professores classificam, "rotulam" as crianças em categorias 
hierárquicas, e sugiro que é a escola que cria o "fracasso".
Embora a posição fenomenológica tenha um enorme potencial des- 
mistificador, há certos problemas que negligencia. Depois de um exame de 
tais problemas, sugerimos que a transferência da atenção para o estudo 
daquilo que é chamado de "conhecimento escolar", usando uma aborda­
gem fenomenológica, significou que certos problemas tenderam a ser es­
quecidos. A posição fenomenológica radical, adotada por alguns dos‘auto- 
res, como Michael F.D. Young, Nell Keddie e Geoff Esland, em Knowledge 
and Control, é considerada como um pouco limitada. Sugere-se que o tra­
balho deles expressa tendências para o individualismo, o a-historicismo, 
para uma tese de "construção social" ingenuamente idealista e um relativis- 
mo cultural e epistemológico — problemas que surgem, todos, basicamente 
de uma posição fenomenológica. Essas limitações podem ser exemplificadas, 
creio, pelo argumento sobre a "privação cultural" e o debate sobre se as 
práticas de outras culturas representam uma deficiência ou uma diferen­
ça. Um estudo antropológico, como o realizado por Thomas Gladwin em 
East is a Big Bird: Navigadon and Logic on Puluwat Atoll ("O Leste é um 
Pássaro Grande: Navegação e Lógica no Atol de Puluwat"), 1970, embora 
útil por nos levar a questionar nossas distinções e categorias educacionais, 
também suscita muitos problemas. Em suma, muitas das críticas da priva 
ção cultural foram insuficientemente críticas quanto à sua própria moldura 
interpretativa (fenomenológica). O questionamento das suposições e o 
poder da consciência de desreificar são fatores importantes, mas que não 
são suficientes em si mesmos. Não podem transformar o status quo e a 
coerção e opressão que experimentamos. Não obstante, a nova Sociologia 
da Educação oferece uma crítica valiosa de uma visão exclusiva e hierárqui­
ca do conhecimento e ressaltou, continuadamente, a opinião de que o 
mundo dos alunos foi predefinido para eles. Nas seções seguintes, argu-
introdução 17
mento que as contradições existentes em nossas escolas e em nossas vidas 
cotidianas, como a alienação que se segue das relações hierárquicas e a se­
paração entre a teoria e a prática, são aspectos das contradições mais pro­
fundas de nossa sociedade. Elas podem ser melhor compreendidas pela 
leitura de Marx, para aprofundar nossa análise. Embora alguns livros signi­
ficativos sobre a Sociologia da Educação tenham sido publicados nos últi­
mos anos, é evidente que na maioria deles Marx é uma figura ausente. Os 
poucos livros que mencionam o marxismo o fazem, em geral, de um ponto 
de vista muito estreito e limitado, fechando a discussão, em lugar de abri-la. 
Neste livro (capítulos 8 e 9) o marxismo é apresentado de maneira não in­
conciliável com algumas percepções da fenomenologia, que também são 
consideradas valiosas. Em minha tentativa de demonstrar isso, ressalto par­
ticularmente a influência do pensamento hegeliano e da realização de Marx 
na transformação desse pensamento. Há uma exposição do conceito que 
Marx tinha de realidade e sua filosofia das relações internas, suas opiniões 
sobre a dialética e sua concepção da natureza humana e do trabalho. Minha 
argumentação focaliza particularmente os conceitos de alienação e práxis. 
Minha intenção é apresentar um marxismo que evita os perigos do determi­
nismo e do idealismo — um marxismo libertário.
Depois de delinear "a lógica geral da produção de mercadorias", argu­
mento que o mesmo processo ocorre no caso do conhecimento. Nas condi­
ções de capitalismo, a educação é conduzida sob condições tão alienantes 
que se constitui num processo de desumanização. Isso foi mostrado com 
precisão nos escritos dos "desescolarizadores", mas a sua solução — a de 
que cada indivíduo é responsável pela sua própria desmistificação — é idea­
lista, porque para superá-la é necessária não só uma forma de autocrítica 
teórica, mas também de ação social. As tentativas teóricas para resolver 
problemas como a alienação através de um ênfase fenomenológica sobre o 
poder da consciência apenas fracassam inevitavelmente porque o problema 
e sua solução envolvem uma prática social.A mudança radical tem de ma­
nifestar-se na praxis.
A segunda parte deste livro ocupa-se, portanto, em grande parte com 
a perspectiva marxista e a educação. Mas, como o marxismo não é mono­
lítico, passo a discutir várias versões diferentes. Estas incluem as contribui­
ções do teórico francês Louis Althusser, e de historiadores e economistas 
políticos da educação, americanos, e selecionados. Esses últimos teóricos, 
especialmente Samuel Bowles e Herbert Gintis, argumentam que as experi­
ências do local de trabalho são formadas, pela primeira vez, na escola — 
que há ligações entre família e escola e a estrutura ocupacional. É por isso 
que qualquer discussão da natureza do ensino e da legitimidade persistente 
de seus métodos tem de levar em conta as maneiras pelas quais são influen­
ciados pelas estruturas económicas. Argumento, portanto, que uma compre­
ensão das inter-relações complexas entre a educação e a economia deve
18 marxismo e educação
basear-se numa análise da natureza do trabalho e do capitalismo monopo­
lista no século XX. Mas nosso objetivo principal, ao estudarmos essas dife­
rentes versões do marxismo, ao realizarmos trabalho intelectual, não deve 
ser esquecido. Devemos indagar sempre: Como isso pode contribuir para 
que formulemos uma Sociologia da Educação que tenha sentido? Se nosso 
projeto é, na realidade, a libertação humana, que tipo de teorias alternativas 
da educação podemos construir — e colocar em prática? Esta introdução 
se está tornando demasiado longa. Vamos começar. Não que saibamos por 
onde, mas chega o momento em que temos de começar — em algum ponto.
PARTE I
ALGUNS ASPECTOS DA
NOVA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
CAPÍTULO 1
As Injunções da Nova Abordagem
Uma nova abordagem revolucionou a Sociologia da Educação. Sua principal 
expressão e fonte de inspiração foi o livro organizado e apresentado por 
Michael E.D. Young, Knowledge and Control. Seus colaboradores têm 
perspectivas e interesses diferentes, mas a coletânea de trabalhos, particu­
larmente os de Young, Esland e Keddie, expressam uma crítica da Sociolo­
gia da Educação tradicional. Essa "nova Sociologia da Educação" foi des­
crita como uma modificação fundamental dentro da própria Sociologia da 
Educação.1 Quais foram, então, as suas principais críticas, e o que a abor­
dagem alternativa nos sugere?
Michael Young começa a "Introdução" com duas críticas da con­
cepção predominante da Sociologia da Educação: a ausência de discussão 
teórica e a incapacidade de questionar as suposições em que se baseia gran­
de parte do trabalho "convencional". O debate sério limitou-se ao "proble­
ma da ordem" em áreas como estratificação, desvio e política. Discussões 
da obra de Durkheim, Weber e Marx raramente são incluídas nos manuais 
tradicionais sobre a Sociologia da Educação. Por "problema da ordem" en­
tendo o problema de como a sociedade consegue manter-se de pé. Durkheim, 
Weber e Marx tinham opiniões diferentes sobre isso. A explicação tradicio­
nal, durkheimiana, é que os indivíduos não podem criar e manter a ordem, e 
que a coerção, através da internalização, é portanto necessária à existência 
da sociedade. Esta deve definir os significados sociais para os atores indivi­
duais, que são simplesmente um reflexo do sistema social.
A segunda crítica é que os sociólogos do passado aceitavam os pro­
blemas educacionais, e que suas próprias suposições implícitas são aceitas 
"sem discussão". Eles levantaram questões importantes, mas não examina­
ram ou questionaram seus pressupostos básicos, como, por exemplo, o que 
era ser educado. Tratando "o que é ser educado" como uma questão não- 
problemática, ou sobre a qual havia acordo consensual, o trabalho deles 
podia ser utilizado com o objetivo de legitimar a ordem política existen­
te.2 Em outras palavras, não devemos aceitar sem discutir as definições 
da realidade da educação existentes, mas indagar que suposições implícitas
22
O fato de ser o conhecimento social construído significa que o conhecimento 
transmitido pela educação não é absoluto, nem arbitrário, mas que existem 
"séries de significados" que não "emergem", mas são dados coletivamente. 0 
que é considerado como "lógico" ou "válido", baseia-se em vários modelos 
padronizados que são necessariamente séries de significados comuns que pas­
sam a ser aceitos sem discussão. As "regras" do modelo padronizado são esta­
belecidas e selecionadas de acordo com o objetivo do discurso, ou as intenções 
dos investigadores. Um dos resultados dessa posição é que os professores 
podem aceitar sem discussão essas "regras”, essas convenções comuns, signi­
ficativas, sobre o que é considerado lógico, sensato, bom raciocínio, e, em 
consequência, considerar a incapacidade de ajustar-se às convenções sociais dos 
professores como formas de desvio. Isso nada significa quanto ao "acerto" ou 
"erro" absoluto das afirmações dos professores ou dos alunos, mas sugere que 
a interação existente é em parte produto das categorias definidoras dominan­
tes, aceitas pelo professor.
levaram à formulação de determinadas perguntas e não de outras, ou à 
aceitação de algumas "respostas", mas não de outras, como corretas ou 
válidas. No século XVIII, foram aceitos os dogmas feudais e clericais, e, no 
século XIX, o suposto absolutismo do mercado e de suas leis predominou 
sem ser questionado. Hoje, é o "científico" e o "racional" que dominam 
nossas vidas. Certas crenças sociais, políticas e educacionais seguem-se, ao 
que se supõe, da aceitação cega dessas categorias legitimadoras. Deveria, 
portanto, haver um questionamento crítico de tudo o que é aceito tacita­
mente como "coisa natural".
Como não posso ter esperanças de oferecer uma exposição geral dos 
escritos de Michael Young, o que se segue é um resumo seletivo. Sua tese 
básica de 1971 talvez se possa sintetizar da seguinte maneira: os "filósofos 
liberais", como Richard Peters e Paul Hirst, partem de suposições a priori 
sobre as formas do conhecimento. Têm uma concepção absoluta que justi­
fica o que não são mais do que formulações sócio-históricas de uma deter­
minada época. A interpretação deles ignora o fato de ser o conhecimento 
uma seleção e organização do conhecimento disponível num determinado 
momento, o que envolve escolhas conscientes e inconscientes. Como os 
currículos sâjo, com frequência, definidos em termos das idéias que o grupo 
dominante tem sobre o homem educado, podemos indagar: Que modelo de 
homem está implícito nas visões dos "filósofos liberais"?
Michael Young argumenta que não são apenas as pessoas, mas o 
conhecimento, o que é processado, e, se assim for, podemos fazer pergun­
tas sobre a seleção e organização do conhecimento. Houve, é claro, várias 
contribuições ao nosso estudo do conhecimento: a marxista, a weberiana, 
a durkheimiana, por exemplo, foram valiosas, mas até agora o currículo 
não foi estudado.
0 aspecto mais notável da tese de Young é a sugestão de que trata­
mos o conhecimento, ou o que passa por ser conhecimento, como social­
mente construído. Discutindo isso, ele observa:3
a nova sociologia da educação
injunções da nova abordagem 23
3.
1.
2.
As relações entre a estrutura do poder e os currículos.
O acesso ao conhecimento, e como certas formas deste são legitimadas 
como superiores a outras.
As relações entre o conhecimento e suas funções nos diferentes tipos de 
sociedade.
E segue-se que devemos explorar como e por que certas categorias domi­
nantes persistem, e seus possíveis elos com séries de interesses e grupos 
ocupacionais. Devemos considerar também a influência das tradições de 
uma elite centralizada que tem laços íntimos com os que detêm o poder 
económico e político. Devemos notar, porém, que não nos referimos nem 
a uma teoria mecanicista-determinista nem a uma teoria grosseira da cons­
piração. É possível que certas teorias educacionais venham a ser aceitas 
pelos professores que começam a agir à base dessas suposições. Algumas 
delas tornam-se institucionalizadas e são em seguida usadaspara legitimar 
nossas práticas, que, num círculo vicioso, justificam as teorias. Uma de 
nossas tarefas, portanto, é examinar nossas teorias e práticas educacionais 
institucionalizadas e perguntar: Como é possível que os padrões acadêmicos 
ocidentais sejam tratados como se fossem absolutos?
0 que Michael Young propõe é um enfoque da relação entre a estra­
tificação social e a estratificação do conhecimento, isto é, o valor social 
atribuído a diferentes áreas e tipos de conhecimento, Com isso, podemos 
levantar questões sobre:
Então, como que para nos dar um exemplo, ele formula certas perguntas 
sobre a organização e transmissão do conhecimento que tem um "alto 
status" em nossa sociedade. Observa que tal conhecimento é transmitido às 
crianças "mais capazes", habitualmente em grupos homogéneos, sendo em 
seguida avaliado formalmente. Sugere que os currículos acadêmicos, o co­
nhecimento de alto status, tende a ser "abstrato", a ter um elevado nível 
de alfabetização, uma correlação mínima com atividades não-escolares e 
uma ênfase sobre o desempenho individual. Essas dimensões são definições 
sociais do valor educacional e persistem porque são as escolhas que concor­
dam com os valores e crenças do grupo dominante num determinado mo­
mento. Mas esses valores legitimam a organização existente do conheci­
mento de tal modo que mesmo a discussão de alternativas em nossa socie­
dade é, por muitas razões, difícil. Mas ele formula a pergunta: Não pode­
ríamos modificar os critérios do conhecimento de alta classe, para que se 
tornasse concreto e não abstrato, oral e não alfabetizado, relacionado e 
não desligado, e comunal e não individual?
Numa seção mais adiante, em que afirmo que uma das características 
importantes da "nova Sociologia da Educação" é seu uso dos estudos an­
tropológicos, procuro mostrar, pelo exame de Gladwin e de outros etnó- 
grafos, ser concebível a possibilidade de conceder uma igualdade destatt/s
24
2. Deve haver um continuo questionamento crítico
do que é "aceito sem discussão"
Essa proposição, ou antes, esse processo, não é uma característica, ou pro­
priedade exclusiva, de qualquer perspectiva, mas neste contexto talvez 
possa ser visto como parte integrante de uma abordagem fenomenológica. 
Essa autoconsciência crítica é hoje um dos significados de "reflexividade”.
a nova sociologia da educação
Algumas Proposições da "Nova Abordagem"
1. Não deve haver ausência
de debate teórico na Sociologia da Educação
Pode-se argumentar, de maneira convincente que a Sociologia da Educa­
ção foi um desenvolvimento do senso comum dos leitores (sendo essa a 
razão pela qual ela é, sob certos aspectos, tão atraente); até recentemente, 
pelo menos, era considerada como uma disciplina parasitária. Mas como a 
distinção entre Sociologia e Sociologia da Educação está desaparecendo, é 
possível dizer, hoje, que a Sociologia da Educação se vale da disciplina 
"mãe". Na minha opinião, a importância da Sociologia da Educação, em 
termos de sua contribuição geral e de suas percepções, está aumentando. 
Os limites entre a teoria sociológica, a Sociologia do Conhecimento e a So­
ciologia da Educação se estão tornando cada vez mais indistintos. Há uma 
consciência crescente de que a separação entre o "puro" (teoria sociológica) 
e o "aplicado" (Sociologia da Educação) é improdutiva.
a outras séries de escolhas culturais. Isso é possível por ser a "educação” — 
o que é "esquecido” com frequência — uma formulação social. Haveria, é 
claro, modificações em rótulos como "êxito” e "fracasso”, mas se muitos, 
e não apenas uns poucos, tivessem êxito, isso implicaria uma redistribuição 
paralela das recompensas em termos de riqueza, prestígio e poder.
Em suma, é essa a tese de Michael Young. Até agora, não houve es­
tudo sociológico do currículo, do conhecimento escolar. Ele propõe 
que aceitemos a noção dos currículos e formas de avaliação como formu­
lações sociais, que "conhecimento" e educação são invenções, tal como as 
outras invenções do homem. Delineia, em seguida, o início do projeto e 
argumenta que devemos adotar uma nova abordagem e examinar alterna­
tivas para uma finalidade política radical.
O que dissemos acima é um esboço muito esquemático das primeiras 
seis páginas apenas da Introdução ao Knowledge and Control, mas até 
mesmo a partir de um trecho tão pequeno é possível apresentar algumas 
características importantes da reorientação, em Sociologia da Educação, 
na forma de várias proposições interligadas. Vamos passar agora a essas 
"injunções”, muitas das quais se tornaram pressupostos para a maior 
parte daqueles que apoiam a "nova" Sociologia da Educação.
injunções da nova abordagem 25
3. Devia haver um movimento no sentido
de se tratar o conhecimento, ou o que é considerado 
como conhecimento, como socialmente formulado, 
e um estude das implicações que disso se seguem
Pode-se dizer que essa injunção contém as seguintes suposições coinciden­
tes, que são implícitas: uma rejeição do positivismo e da epistemologia 
objetivista, e a adoção da noção de que a realidade é socialmente construí­
da. A tese de que o conhecimento é socialmente construído é parte de uma 
tese mais ampla de que a realidade é uma construção social. Essa opinião 
se baseia na noção de que não é a estrutura ontológica dos objetos, mas o 
significado de nossas experiências, que constitui a realidade.5 Isso significa 
que não há significado inerente, intrínseco, nos objetos, como se fossem 
"fatos” evidentes para todos. Até mesmo os chamados "fatos” têm de ser 
interpretados, e nesse processo damos significado a objetos, situações 
e experiências. O aborto de uma criança pode ser uma ocasião feliz para 
certas mães, e uma perda lamentável para outras, dependendo da maneira 
pela qual prefiram ver a situação, e como a explicam, ou lhe dão sentido, 
para si mesmas. Quer dizer, a realidade do mundo social é formulada pelos 
seus membros em termos de seus procedimentos justificativos para a sua 
explicação.
A fenomenologia é uma tradição e um movimento filosófico com 
uma íntima ligação com muitas áreas do discurso, e está lentamente influ­
enciando a Sociologia. Husserl e Schutz, por exemplo, acreditavam que o 
ato de filosofar devia começar por não se aceitar nada sem exame. Em 
nossa experiência cotidiana não levantamos normalmente questões funda­
mentais: elas ficam sem exame. Nossa consciência está enterrada em nossa 
preocupação pelo mundo natural, cotidiano, e vivemos na "atitude natural”. 
Os fenomenologistas dizem que devemos primeiro suspender essa atitude 
natural. A isso dá-se o nome de "redução" fenomenológica, ou epoché, o 
que já foi comparado à remoção sucessiva de camadas de suposições antes 
aceitas sem exame, para se ver o que restaria, o que seria apresentado ou 
construído como essencial, pelo pensamento.
Somos convidados, então, a considerar como problemáticas noções 
como "científico”, "racional”, "infância", "o aluno" — e "educação”.4 
A maior parte do trabalho empreendido nessas áreas partiu de suposições 
apriorísticas, de natureza limitadora e restritiva. E por essa razão que a 
"nova abordagem" utiliza o trabalho dos antropólogos. Pelo exame de 
outras culturas, e em seguida da nossa própria cultura, certos aspectos 
desta última, que sempre consideramos como "naturais", surgem a uma 
nova luz, como antropologicamente estranhos. A Antropologia contribui 
para o exame de nossas suposições e mostra-nos que há concepções alter­
nativas da ordenação do mundo.
26 a nova sociologia da educação
Se a realidade social for concebida dessa maneira, como constituída 
socialmente, e não "lá fora", existindo sem problemas, como ocorre em 
certas versões da teoria de correspondência, ou verdade, então uma crítica 
da Sociologia tradicional, com sua ênfase no método científico e na men- 
suração, é inevitável. Uma das melhores contribuições da fenomenologia 
para nossa compreensão do mundo social é sua crítica do positivismo, e 
isso tem influenciado certos autores para que rejeitemquaisquer teorias 
do conhecimento baseadas numa epistemologia "objetivista" que tratem o 
conhecimento como se fosse fixo, e não relativo. Muitos professores acham, 
por exemplo, que Paul Hirst afirma (e age na sala de aula segundo essa 
suposição) que o conhecimento não é relativo e sim fixo, que certos tipos 
de conhecimento, "as formas", são intrinsecamente superiores a outros, 
"os campos". Já se argumentou que essa visão do conhecimento, implican­
do um aprendiz passivo, é fundamentalmente conservadora e elitista. Ela 
institucionaliza as práticas atuais, as legitima. E, o que é mais importante, 
essas visões do conhecimento podem ser consideradas como uma ideologia 
que serve aos interesses daqueles que desejam resistir à mudança educacio­
nal e, portanto, política. O que os autores simpáticos à nova abordagem na 
Sociologia da Educação estão pretendendo é que não consideremos neces­
sariamente os currículos acadêmicos como superiores; que se considerar­
mos o conhecimento, ou o que passa como conhecimento, como social­
mente formulado, poderemos reconhecer esses currículos acadêmicos 
como formulações humanas, que limitam o acesso a uns poucos privilegia­
dos — e que isso não precisa ser assim.
A rejeição do positivismo e do objetivismo, implícita na adoção de 
uma perspectiva fenomenológica, significou que houve uma nova ênfase 
naquilo que poderíamos chamar, para nossas finalidades presentes, de 
"modelo do homem" fenomenológico. Uma das características mais im­
portantes desse modelo é a noção de intencionalidade, usada para distin­
guir a "ação" humana do "comportamento" humano. Os fenomenologistas 
sustentam que todas as atividades mentais são sempre dirigidas para algum 
objeto. Em suma, as intenções determinam a relevância e ordenam o pen­
samento. O que se ressalta são os próprios processos de ordenação mental 
do indivíduo - que o homem é um criador de significados. Alguns sociólo­
gos se entusiasmaram por essa maneira de ver o mundo e deram ênfase à 
Sociologia Fenomenológica como método de transcender as realidades 
experimentadas da vida, dia a dia. Se a realidade é construída por nossa 
consciência, por nossas mentes, então temos liberdade, apesar das condi­
ções materiais que nos podem oprimir; preferindo vê-las de modo diferen­
te, temos uma maneira de alcançar a liberdade. Essas opiniões, habitual­
mente implícitas, são baseadas num modelo fenomenológico do homem e 
acredito que podem ser explicadas mais claramente por um resumo da obra 
de Sartre, que dá ênfase à noção de que o homem é livre, que pode esco-
injunçoes da nova abordagem 27
5. Deve haver um estudo de como e por que
certas categorias definidoras persistem, de como e por que
os padrões acadêmicos ocidentais são tratados como absolutos
Como alguns sociólogos da educação usaram argumentos relativistas pro­
venientes de fontes diferentes, como a Fenomenologia e a Antropologia, 
para criticar noções estreitas e fixas do conhecimento e educação, e para
4. Deve haver uma movimentação
no sentido de se aceitarem as categorias e explicações
dos membros como maneiras válidas de dar sentido e significado
Essa injunção metodológica está em acentuado contraste com a aborda­
gem tradicional, que se valia quase que exclusivamente das categorias do 
observador e dos significados por ele deduzidos; além disso, o observador 
era apresentado como dotado das características de neutralidade de valores 
de um cientista natural. É em parte por essa razão que são tão poucas as 
descrições, na literatura, de como os pacientes veem o pessoal médico e 
psiquiátrico, de como os "marginais" vêem a polícia, ou de como alunos 
e professores sentem, pensam e agem. A aceitação da exposição dos mem­
bros não é, evidentemente, apenas uma característica do método fenome- 
nológico, sendo adotada também, como iremos ver, por muitos antropólo­
gos e etnólogos também. Charles Frake é um exemplo de etnógrafo que 
usa os relatos dos nativos, e dá a isso o nome de "método explícito".
Essas preocupações levaram ao interesse pelos diferentes tipos de pes­
quisa. Os estudos interacionais de alunos e professores ganharam impulso 
com essa abordagem; grande parte da pesquisa focaliza a sua experiência 
de sala de aula, o aprendizado e ensino de uma matéria escolar, o signifi­
cado do currículo para os participantes, ou a significação do conhecimento 
escolar. Além desse tipo de pesquisa, houve também um desenvolvimento 
dos estudos históricos que tratam das origens, crescimento e institucionali­
zação das diferentes matérias, como Matemática, Ciência, História ou Mú­
sica. A luta pelas diferentes definições do conhecimento escolar tornou 
esse tipo de pesquisa pertinente ao nosso entendimento das concepções 
concorrentes de conhecimento.
Iher, transcender a opressão.6 Essa exposição será feita na seção seguinte, 
mas é relevante, para seu objetivo presente, observar aqui que os pressupos­
tos de um "modelo do homem" fenomenológico estão ligados a uma visão 
do conhecimento, através de noções como a intencionalidade e o signifi­
cado. Ocorre, assim, que a nova abordagem sugere ser o conhecimento par­
tilhado ou comum; que a verdade e a objetividade são produtos humanos e 
que o conhecimento está inseparavelmente ligado aos métodos de conheci­
mento. O homem é o autor do conhecimento e da realidade.
28 a nova sociologia da educação
sugerir outras possibilidades, versões alternativas do mundo, acreditou-se 
que estavam dizendo, implicitamente, que todas as racionalidades ou mo­
dos de examinar o mundo são igualmente aceitáveis; que todas as proposi­
ções são do mesmo valor. Foi, creio eu, um mal-entendido em relação à 
posição dos autores que, embora usassem a abordagem fenomenológica, es­
tavam também politicamente comprometidos com a modificação das con­
cepções hierárquicas predominantes de "conhecimento", "capacidade" e, 
portanto, "êxito". Tinham, portanto, "razões" e justificações, valores 
e critérios, mas não os explicitaram. Além disso, devemos admitir que 
houve também ambiguidades sobre os métodos práticos a serem usados no 
questionamento e modificação desses aspectos do conhecimento escolar, 
como padrões acadêmicos, que são tratados como absolutos.
Esta seção delineou rapidamente o que considero como algumas das 
principais proposições, ou, melhor, "injunções", das "novas direções" na 
Sociologia da Educação. O argumento que desenvolverei é que essa nova 
abordagem foi uma reação contra a Sociologia da Educação "tradicional", 
que predominava na época. A nova Sociologia da Educação rejeitou a abor­
dagem tradicional, que se preocupava com assuntos como "mobilidade 
social e educação", "a família e a realização educacional", "a escola como 
organização formal".
Hostil para com o positivismo, a nova abordagem rejeitou a metodo­
logia empirista com sua ênfase na matéria bruta, estatísticas, mensuração 
numérica. O positivismo, falando de modo geral, implica uma aceitação das 
categorias do cientista, ou do observador, como válidas; em consequência, 
isso tem implicado com frequência uma imposição de significado pelo 
cientista (supostamente neutro, isento em relação a valores) — uma forma 
de dominação cognitiva pelo "especialista" em relação ao ator. Parece-me 
que a indignação moral foi, sem dúvida, um elemento na rejeição do posi­
tivismo. Os novos sociólogos da educação adotaram a visão "interpretativa" 
da ciência social, que encerra muitos caminhos diferentes, dos quais um 
dos mais influentes é a fenomenologia social. Essa perspectiva rejeita a 
crença de que o observador científico está automaticamente certo, e afir­
ma o valor do ponto de vista do ator. É assim (em parte) um corretivo 
moral do positivismo porque respeita as opiniões que os atores têm de seu 
contexto, de sua "racionalidade", da maneira pela qual "veem" o mundo e 
experimentam suas situações de vida. Na tentativa de desafiar as interpre­
tações aceitas da educação, os autores da nova Sociologia da Educação 
usaram a Antropologia como uma arma. Em particular,os estudos etno­
gráficos foram empregados para exemplificar seu ponto de vista. Eles que­
riam questionar o que é habitualmente admitido sem discussão, sugerir que 
aquilo que frequentemente se tomava como "natural" era na realidade 
"convencional", e que havia outras maneiras de organizar nosso aprendiza­
do, outras possibilidades de viver nossas vidas juntos.
injunções da nova abordagem 29
Pode-se notar que certos temas reaparecem continuamente. Selecio­
nei alguns deles, que considero como características importantes dessa 
adordagem. Nos quatro capítulos que se seguem apresentarei uma discussão 
do uso dos estudos antropológicos, a adoção de um modelo antropológico 
do homem (que envolve o repúdio do positivismo), a rejeição da Filosofia 
da Educação liberal e a afirmação da importância dos estudos de sala de 
aula e do currículo. Vamos, agora, ocupar-nos do primeiro desses temas, 
uma discussão de como o trabalho dos antropólogos e etnógrafos contri­
buiu para a nossa compreensão da educação.
capitulo 2
O Uso de Estudos Antropológicos
Além da rejeição da "cultura do positivismo", uma característica impor­
tante da nova Sociologia da Educação é o uso e interesse crescentes pelo 
trabalho de certos antropólogos, particularmente os etnógrafos. (Os etnó­
grafos recolhem dados pela observação e trabalho de campo, e não são 
necessariamente antropólogos.) Vamos começar com uma apresentação 
dos pressupostos não-examinados dos antropólogos do século XIX e de 
certos educadores do século XX, notando-se entre eles um certo paralelis­
mo. Algumas das notáveis contribuições metodológicas da nova Etnografia 
são discutidas aqui, em particular o trabalho de Gladwin. Para formular 
a pergunta: "Como compreendemos a Lógica?", examinaremos alguns 
trabalhos de Conklin e Frake. Isso nos leva inevitavelmente à questão de 
como compreendemos uma outra cultura. A seção conclui com um retor­
no ao tópico inicial: um exame da contribuição da exposição dos etnó­
grafos ao nosso entendimento do aprendizado de uma criança. Argumenta­
mos que é em parte através dessa nova tendência que estamos adquirindo 
consciência de que, embora existam diferenças culturais no pensamento, 
outras culturas não são necessariamente deficientes. De fato, a existência 
de outras lógicas e racionalidades adequadas desafia o caráter absoluto de 
nossa própria cultura. Vamos examinar agora algumas das questões levan­
tadas pelo material antropológico.
Pretendo argumentar neste capítulo, portanto, que podemos identi­
ficar semelhanças entre as suposições de muitos antropólogos do século 
XIX e os pressupostos de muitos educadores do século XX. No decorrer 
da discussão, tentarei também examinar a questão: Que contribuição as 
exposições dos etnógrafos sobre as culturas não-ocidentais fizeram para o 
nosso entendimento da "privação cultural"?
Vamos examinar primeiro algumas das suposições dos antropólogos 
do século XIX: os cientistas sociais pós-darwinianos acreditavam que a so­
ciedade evoluía num contínuo, a partir da sociedade primitiva para a socie­
dade civilizada — como os estados tecnológicos da Europa ocidental. Isso 
se relacionava com sua opinião de que os jovens das espécies recapitulam a 
história dessa espécie. Também se afirmava que o adulto primitivo era
uso de estudos antropológicos 31
equivalente à criança civilizada. Lévy-Bruhl chamou de "pré-lógica" a men­
talidade primitiva: "as representações coletivas do europeu são exclusiva­
mente intelectuais e distintas dos elementos emocionais, e na pessoa primi­
tiva essas crenças básicas se fundem com os componentes emocionais". A 
cultura primitiva, portanto, implicava um pensamento primitivo, era místi­
ca e pré-lógica. A opinião predominante era que as diferenças observadas 
no pensamento eram interpretadas como reflexo das diferentes capacida­
des. Boas esteve entre os primeiros a rejeitar essa idéia — de que diferenças 
em cultura implicam diferenças de pensamento — e argumentou que obser­
vadores anteriores não haviam compreendido o povo que descreviam; 
tomaram, erroneamente, sua própria falta de compreensão como prova de 
estupidez de seus informantes.
Ora, sob certos aspectos, as suposições de muitos educadores con­
temporâneos em relação às crianças da classe operária são muito semelhan­
tes. Essa opinião se origina, em parte, da maneira pela qual "o problema", 
com iodas as suas consequências, foi conceptualizado: Por que as crianças 
dos grupos mais pobres de nossa sociedade não têm na escola o desempe­
nho que deveriam ter? A principal suposição relaciona-se com o conheci­
mento escolar; as crianças da classe operária, como os "primitivos", não 
teriam os instrumentos conceptuais para compreender as formas de conhe­
cimento que resultaram historicamente no conhecimento escolar. Maxine 
Greene escreveu sobre a reificação do conhecimento que ocorre então; essa 
opinião do conhecimento considera o currículo como "uma estrutura do 
conhecimento recomendado socialmente, externo ao conhecedor, e para 
ser dominado, aprendido". Uma consequência desse tratamento do conhe­
cimento como uma "facticidade" é que a noção do aprendiz como uma 
pessoa existente, interessada principalmente em encontrar um sentido para 
seu "mundo de vida", é ignorada. Minha opinião é que essa interpretação 
da educação equivale ao etnocentrismo dos antropólogos antigos. Assim 
como se levavam os nativos a ter vergonha de seu mundo, sendo prescrito 
um novo modo de ver o mundo pelo antropólogo ocidental, assim também 
as crianças são submetidas a formas reificadas de conhecimento, que pro­
duzem uma visão mecanicista e determinista da realidade social.
Predomina em nossa sociedade, em especial, uma teoria da capa­
cidade que afirma que alguns grupos ou indivíduos desenvolvem capaci­
dades intelectuais melhores, mais generalizadas, do que outros. Isso se 
pode ver no trabalho de muitos psicólogos educacionais que dão ênfase às 
medidas de capacidade, como "Ql", à base da suposição de que uma deter­
minada tarefa evocará o mesmo tipo de comportamento, a despeito de 
quem desempenha a tarefa. O desenvolvimento cognitivo é visto, assim, 
como a aquisição de estruturas de uma ordem superior mais elevada. Uma 
aplicação popular desse princípio é a atual abordagem da criança "cultural-
32 a nova sociologia da educaçao
mente carente", que é vista como um nativo primitivo, sem instrumentos 
conceituais.
Ao grande progresso feito pelos antropólogos, os etnógrafos e os 
antropólogos linguistas fizeram uma considerável contribuição. Ressalta­
ram dois pontos importantes: primeiro, sustentaram que a descrição etno­
gráfica deve estar de acordo com os princípios de classificação dos povos 
estudados. Segundo, que as diferenças culturais em processos de pensa­
mento são redutíveis a diferenças de classificação.1
Embora se tenham realizado muitos trabalhos sobre diferentes cultu­
ras, pouco se fez sobre os processos lógicos, isto é, as estratégias cognitivas 
usadas para solucionar problemas. Por que os pobres tendem a sair-se mal 
na escola e nos testes de inteligência? Sugere-se que a pesquisa existente 
ressalta contrastes com o pensamento de classe média — quantifica diver­
gências a partir da cultura da classe média, e aceita as qualidades a serem 
medidas como dadas. Todo esse trabalho é, porém, em grande parte psico­
lógico e nada nos diz sobre os processos de raciocínio. A cognição não é 
apenas um fator psicológico, é também um processo que sofre influência 
cultural.
Uma das razões pelas quais alguns sociólogos da educação estão com­
preendendo, cada vez mais, a importância das exposições dos etnógrafos é 
que muitos deles demonstram que, embora existam diferenças culturais no 
pensamento, outras culturas não são necessariamente deficientes.2 De tato, 
a existência de outras lógicas e racionalidades adequadas questiona o cará­
ter absolutista de nossas próprias lógicas e racionalidades. Sua obra apóia a 
afirmação de C. Wright Mills de que existem lógicas diferentes, socialmenteconstruídas e socialmente situadas entre o grupo para o qual são os modos 
lógicos de pensar e agir. Em nossa cultura, muitas pessoas supõem que a 
Lógica formal é absoluta, que somente através das "formas de conheci­
mento" pode haver o desenvolvimento da racionalidade e da mente.
Mas sabemos que a definição do conhecimento varia nas diferentes 
culturas; que ele é feito pelo homem; e que se em nossas escolas ele se tor­
nou não só institucionalizado e objetificado, mas também reificado e alie- 
nante, sabemos que as divisões que fizemos entre conhecimento escolar e 
não-escolar, intelectual e manual, teórico e prático, liberal e vocacional, 
não são necessárias e podem ser modificadas. Parece-me que, quanto maior 
a compreensão de que nossas noções de, digamos, "capacidade", "inteli­
gência", "professor", "aluno", são formulações históricas feitas pelo ho­
mem, mais prontamente seremos capazes de imaginar alternativas se as de­
finições predominantes nos parecerem estreitas, limitadoras, hierárquicas e, 
portanto, coercivas.
Mas como o nosso entendimento de aprendizado nas escolas foi en­
riquecido pelas exposições dos etnógrafos? Acredito que eles fizeram as 
seguintes contribuições: primeiro, mantêm que as categorias não devem ser
uso de estudos antropológicos 33
impostas. 0 etnógrafo não procura impor suas opiniões e categorias de 
experiência sobre os fenômenos que estuda. Essa opinião é partilhada pelos 
sociólogos fenomenologistas, que sustentam ser necessário assumir o papel 
de ator, ver o mundo do seu ponto de observação. Em muitos aspectos da 
educação, porém, a imposição ainda ocorre, os valores de "classe média" 
são considerados como a "corrente principal" e impostos a outros pela 
seleção, "ritmo" e avaliação do conhecimento escolar. Argumenta-se en­
tão que o desenvolvimento cognitivo dos grupos mais pobres é embotado, 
ou, como diria Arthur Jensen, são deficientes em aprendizado conceptual 
Tipo 2.
Segundo, os etnógrafos sustentam que a cognição está relacionada 
com o contexto cultural. Ressaltam que o conhecimento não pode ser es­
tudado como atividade isolada de seu contexto cultural. Estudar a cogni­
ção é estudar o comportamento cognitivo numa determinada situação, e a 
relação desse comportamento com outros aspectos da cultura. Mais uma 
vez, essa interpretação é semelhante às opiniões daqueles que adotaram o 
chamado "paradigma interpretativo", alguns dos quais influenciados pela 
teorização fenomenológica. Ressaltam também que as ações são sempre 
dependentes de seu contexto situacional. Não só as ações, mas as palavras, 
a própria linguagem, e os significados, deveriam ser sempre estudados em 
relação ao seu contexto. (Isso é um significado de indexalidade.) Quer di­
zer, as ações devem ser vistas em termos do significado do contexto, e o 
contexto por sua vez deve ser entendido como aquilo que é através das 
mesmas ações. Não obstante, se assim é, por que no contexto educacional 
o aprendizado nas escolas ainda é considerado, com frequência, como uma 
atividade isolada da cultura doméstica? Por que a experiência de vida que a 
criança leva para a escola ainda não é reconhecida? O aprendizado de qual­
quer lógica é uma atividade altamente situada, que não pode ser tratada 
como se estivesse livre do contexto, para que se torne parte do mundo de 
vida do aprendiz.
Terceiro, os etnógrafos afirmam que as pessoas sabem fazer bem o 
que é importante para elas. Mostraram-nos que os tipos de tarefas que as 
sociedades atribuem aos seus membros são diferentes. Segue-se que as pes­
soas saberão fazer bem as coisas que são importantes para elas e que têm 
oportunidade de fazer com frequência. Assim, os Kpelle, da Nigéria, são 
peritos nos cálculos relacionados com o arroz, os Subanun das Filipinas 
no diagnóstico de enfermidades e os ilhéus de Puluwat, no Pacífico, na na­
vegação.
Quero focalizar agora um desses exemplos, o dos ilhéus de Puluwat, 
e em particular a contribuição de Thomas Gladwin para o debate educacio­
nal. East is a Big Bird é um estudo daqueles ilhéus, que vivem num pequeno 
atol na Micronésia.3 Ele descreve os princípios incorporados à forma de 
suas canoas e as surpreendentes habilidades navegacionais que eles apren-
34 a nova sociologia da educação
dem pela tradição oral. Cada viagem é planejada com antecipação e depen­
de de um corpo específico de conhecimento, que é prático e útil. Ignoran­
do os navios de passageiros á sua disposição, eles pilotam suas canoas sem 
uma bússola, através de milhares de milhas, em pleno oceano Pacífico. Sua 
navegação depende de aspectos do mar e do céu, baseando-se num sistema 
de lógica tão complexo que os ocidentais não o podem reproduzir sem o 
uso de instrumentos avançados. Assim, o que é aprendido como "prático" 
em Puluwat, seria considerado como altamente "teórico","abstrato", num 
de nossos colégios navais. Ironicamente, quando um navegador de Puluwat 
é submetido a um de nossos "testes de inteligência", seu índice de realiza­
ção mental parece baixo! Tais testes são em grande parte inadequados por­
que violam os princípios que delineamos antes: que as pategorias não 
devem ser impostas, a cognição se relaciona com o contexto cultural, e a 
apreciação do fato de que as pessoas fazem bem o que é importante para 
elas. Gladwin argumenta que os testes são, pelas mesmas razões, igualmen­
te inadequados para os pobres, em nossa sociedade; assim como diferentes 
sociedades têm diferentes estilos de pensar, a diferença em cognição entre 
as crianças de classe média e as de classe operária, em nossas escolas, pode 
estar no estilo de reflexão, nas estratégias. Comenta, então, a possibilidade 
de que estabeleçamos uma falsa dicotomia em nossas escolas entre o pensa­
mento abstrato e o concreto. 0 abstrato e o concreto podem coexistir inti- 
mamente na mente prática do navegador e, digamos, de um motorista de 
táxi urbano. Portanto, não precisamos associar sempre o pensamento de 
classe média com a "abstração", e o pensamento de classe inferior com a 
"concretitude". Devemos lembrar-nos aqui, talvez, que Robin Horton tam­
bém lançou dúvida sobre a maioria das dicotomias gastas: orientado causal- 
mente/orientado supranaturalmente, racional/místico, etc. Gladwin nos 
lembra, além disso, que pensamento "abstrato" nem sempre deve ser rela­
cionado com pensamento inovador. A navegação em Puluwat encerra abs­
trações de alta ordem, mas dentro do sistema ali existente não há muita 
margem nem necessidade de inovação. Nas sociedades modernas, o pen­
samento abstrato e a solução inovadora de problemas estão ligados a uma 
inteligência superior. Todas essas três qualidades são, com frequência, 
atribuídas à "inteligência de classe média" e acredita-se que sejam defi­
cientes no estilo "concreto" de pensar das pessoas de classe inferior, dota­
das de educação precária. A navegação em Puluwat, embora inteligente e 
"abstrata", não é inovadora. Para muitas pessoas não há necessidade de 
inovações, mas isso não significa que elas não possam inovar, mas simples­
mente que têm pouca prática no uso de heurística, recursos experimentais 
para resolver problemas novos. A opinião de Gladwin é que, para obter quali­
ficações, para sair-se bem na escola, pura fazer os testes de inteligência, é 
necessário usar a heurística, e podemos estar sendo injustos para com as 
crianças pobres que não véem a necessidade de heurística e ainda assim são
uso de estudos antropológicos 35
capazes de pensamento "abstrato"(se temos de usar essa palavra). Para 
mim, a contribuição mais valiosa da obra de Gladwin é levantar questões 
fundamentais, como: Que é abstrato, que é teoria? Isso questiona certos 
modos de pensar, a "racionalidade universalista" e sugere que noções como 
"abstrato" são problemáticas. Não existe um tipo universalista de pensa­
mento, ou de lógica; eles não são absolutos, mas situacionalmente específi­
cos. Isso é argumentar, como mostra a obra de Robin Horton,4 Michael 
Cole e Thomas Gladwin, que aquilo que é considerado como"abstrato" 
está culturalmente situado. Não se nega tratar-se de uma visão "relativista" 
do conhecimento — mas não é uma forma de relativismo na qual "tudo é 
válido". Essa suposição relativista fundamenta-se num interesse teórico: a 
opinião de que o conhecimento não deve ser considerado como um corpo 
de conhecimentos, mas como uma atividade humana. 0 conhecimento 
não é absoluto e "dado", mas é relativo e "produzido" pelos homens. A 
nova Sociologia da Educação é uma crítica fundamental de qualquer visão 
hierárquica e exclusiva do conhecimento.
Se os modos de pensar e a Lógica são situacionalmente específicos, 
como prrcurei argumentar aqui, surge então a pergunta: Como as com­
preendemos, essas "lógicas"? Para esclarecer esse problema vou referir-me, 
primeiro, a um estudo de campo por Conklin, e em seguida a outro, de Fra- 
ke.5 A cor, no sentido técnico ocidental, não é um conceito universal e 
em muitas línguas não há um equivalente terminológico unitário. Em seu 
trabalho de campo nas Filipinas, estudando o sistema de cores dos Hanu- 
noo, Harold Conklin descobriu muitas incoerências; mas depois de algum 
tempo compreendeu que a complexidade evidente do sistema podia ser 
reduzida, no nível mais generalizado, a quatro termos básicos: luz/escuri- 
dão, umidade/secura. Não conseguira distinguir com precisão, a princípio, 
entre recepção sensória, de um lado, e categorização perceptiva, do outro. 
Assim, constatou que a aparente confusão de cores resultava de seu pró­
prio conhecimento inadequado da estrutura interna do sistema de cores.
Os antropólogos têm de aprender, além dessas estruturas internas, 
não só um vocabulário substantivo, mas também suas "regras de uso", que 
surgem de um contexto social e não podem ser separadas dele. De um tra­
balho como "O Diagnóstico de Doenças entre os Subanun de Mindanau" 
podemos ver como Charles Frake teve de lutar com problemas semelhan­
tes aos das crianças que tentam aprender o conhecimento escolar. Frake 
constatou que não poderia realizar seu trabalho de campo sem primeiro 
descobrir as regras e esquemas de conhecimento usados pelos membros da 
comunidade, para perceber, classificar e explicar a realidade social. Como 
poderia conhecer as regras de interpretação usadas pelos nativos? A discus­
são da enfermidade é uma questão muito importante para os Subanun, e 
por isso Frake focaliza o problema de como os nativos realizam trabalho 
de classificação do diagnóstico de doença. Ele sugere três métodos que me
36 a nova sociologia da educação
parecem importantes em qualquer estudo que procure tentar identificar 
um padrão subjacente atrás de uma série de aparências: o analítico, o per- 
ceptivo e o explícito.
O método analítico utiliza os meios de codificação do estranho. Na 
prática, isso significa o método de categorização do observador, seu diag­
nóstico de uma enfermidade em termos ocidentais, e em seguida a sua 
comparação com o diagnóstico dos nativos. Esse método, porém, não é 
útil, porque as concepções ocidentais são demasiado diferentes para per­
mitir qualquer comparação significativa. Segundo, há o método perceptivo; 
isso ocorre quando uma doença recebe um nome de um nativo e o observa­
dor procura registrar os sintomas físicos que o nativo está percebendo. A 
dificuldade desse método é que não sabemos exatamente o que o nativo 
percebe e por isso existe possibilidade de erros. Terceiro, há o método ex­
plícito, que compreende as perguntas ao nativo. Verifica-se que os infor­
mantes raramente discordam quanto ao termo em si, mas não obstante 
houve um desacordo frequente sobre sua aplicação a um caso particular. É 
uma das desvantagens desse método, porque dá o conhecimento do signifi­
cado dos termos "em princípio", mas não de sua aplicação em situações 
socialmente definidas. Em outras palavras, não basta conhecer uma regra 
abstrata: temos de saber "a regra em uso", quando e como ela se aplica 
num determinado contexto ou numa determinada ocasião. Não obstante, a 
vantagem desse método é que existe uma confirmação intrínseca: quando 
os nativos concordam quanto a um diagnóstico, o observador pode aceitá- 
lo como certo. 0 uso desse método significa que as proposições de um ob­
servador podem ser exatas na medida em que suas descrições dos costumes 
nativos permitem a um estrangeiro passar, entre eles, como se fosse nativo. 
Isso foi dito por Goodenough da seguinte maneira: "Conhecer uma cultura 
é ter aprendido tudo o que há para saber ou acreditar, a fim de agir de uma 
maneira aceitável aos seus membros e fazê-lo em qualquer papel que eles 
aceitem para si mesmos."6
Um dos temas frequentes deste livro vem sendo o de que o "conhe­
cimento" é aceito sem análise, é visto consensualmente e como se fosse 
objetivo, "lá fora"e não-situado ou livre de contexto. Não houve muita 
pesquisa sobre a experiência da alienação e outras consequências dessa 
opinião, mas o trabalho de alguns antropólogos estimulou, sem-dúvida, os 
sociólogos da educação a levantar questões que com frequência não reco­
nhecemos antes. 0 trabalho de Frake, por exemplo, pode ajudar-nos a 
lembrar de certos problemas sobre o aprendizado nas escolas: as crianças 
que tentam aprender o conhecimento escolar enfrentam as mesmas difi­
culdades e problemas dos antropólogos que tentam compreender uma cul­
tura diferente. Mas como o conhecimento escolar é posto à disposição das 
crianças? Como esperamos que as crianças cumpram a tarefa de conhecer as 
regras do conhecimento em uso?
37uso de estudos antropológicos
Os etnógrafos levantaram outras questões importantes e até mesmo 
mais amplas. O problema de como chegamos a entender as "lógicas" foi 
mencionado antes, mas isso faz parte da questão básica: Como consegui­
mos "conhecer" outra cultura? Como compreendemos outra cultura?
A esta altura, desejo falar rapidamente de algumas questões suscita­
das pelas opiniões de Peter Winch, em The Idea of a Social Science'1 ("A 
Idéia de uma Ciência Social"). Fomos advertidos por ele do perigo de come­
ter erros de categoria. (Isso ocorre com frequência em consequência daquilo 
que Frake chama de método analítico.) Concisamente, seu argumento é 
que há diferentes domínios de discurso, e que cada domínio (ou cultura) 
tem sua própria lógica e senso de coerência, e deve ser compreendido a 
partir de suas próprias convenções, seus próprios critérios de racionalidade. 
Se não fizermos isso, cometeremos erros de categoria. Embora eu concorde 
com Winch em que as ações devem ser necessariamente identificadas com 
os conceitos dos atores, discordo de sua opinião de que as culturas não são 
comparáveis. A essência do argumento de Winch, e a razão pela qual foi 
incluído nesta análise, é que o uso do material etnográfico em relação à 
nossa própria cultura, com o objetivo de levantar questões sobre alternati­
vas na educação (como sugerimos), seria considerado como inválido.
Devemos observar, porém, que, segundo o argumento de Winch, a 
Sociologia estaria culturalmente limitada — seria impossível a um primitivo 
compreender afirmações sobre sociedades civilizadas, e igualmente impos­
sível ao homem civilizado compreender afirmações sobre as sociedades pri­
mitivas. Não há espaço, aqui, para essa controvérsia, e aconselhamos o 
leitor a consultar as referências, mas talvez pudéssemos dizer que Winch 
nos está simplesmente mostrando que certos antropólogos fizeram mal o 
seu trabalho. Se Winch está errado e se podemos utilizar as contribuições 
dos etnógrafos, teremos então outro problema. Então, os sociólogos da 
educação nos devem informar quais os critérios de lógica e racionalidade 
pelos quais escolhem uma etnografia, e não outra, e nos dizer que uso 
se pode dar a esse material. Em outras palavras, se pretendermos que os 
estudos etnográficos nos oferecem motivos (boas razões) para o relativis- 
mo, se todo o conhecimento está relacionado com o contexto de sua pro­
dução, então os relativistas não podem pretender ser superiores àqueles 
que sustentam opiniões "absolutistas".Os relativistas são, dessa forma, 
colhidos em sua própria armadilha. Não podem fazer julgamentos de valor. 
E, se tais julgamentos não podem ser feitos, esse ponto de vista não pode 
ter relevância para a ação política emancipatória. O problema é o seguinte: 
depois de ter rejeitado a "cultura do positivismo", os novos sociólogos da 
educação não podem pretender basear suas exposições num mundo social 
objetivamente encontrável — pois esse mundo seria uma criação de seu mé­
todo. Qual é, então, a justificativa para a sua teorização e como baseiam 
suas descrições? Quais são "os auspícios" de sua teorização e por que a sua
38 a nova sociologia da educação
investigação é melhor ou mais adequada? Algumas dessas questões serão 
retomadas em seções posteriores, quando se argumentará que muitas des­
crições de autores influenciados pela nova orientação da Sociologia da 
Educação baseiam-se num interesse particular, num igualitarismo político.
Em conclusão, sugeri neste capítulo algumas das razões pelas quais a 
"nova” Sociologia da Educação utilizou os estudos antropológicos e etno­
gráficos. Foi, é claro, uma maneira de questionar as nossas suposições, nos­
sos modos de pensar habituais e de aceitar as "normas” educacionais exis­
tentes. Mas foi um pouco mais do que isso: foi uma maneira de intervir no 
debate sobre a deficiência/diferença, foi um ato moral baseado no reconhe­
cimento de que algumas culturas são oprimidas — como o termo habitual 
para esse tópico mostra e, não obstante, ao mesmo tempo disfarça: pri­
vação cultural. Inevitavelmente as etnografias de diferentes culturas sus­
citaram questões sobre a natureza da pesquisa e racionalidade, isto é, como 
nós, qualquer um de nós, fazemos sentido para outras pessoas, e o que pen­
samos daqueles que têm uma forma de vida diferente da nossa? Também 
mencionei a questão do relativismo, problema para alguns e solução para 
outros — mas voltarei a ele em capítulos posteriores.
Não obstante, uma contribuição valiosa das exposições dos etnógra- 
fos está, ao que me parece, no fato de que, ao estudar como compreende­
mos outra cultura, somos forçados a tentar compreender como nossos 
filhos entendem o conhecimento escolar. Ao reconhecer isso, somos levados 
a outras questões: em que proporções o conhecimento escolar transmitido 
aos alunos continua objetificado e externo? Em que proporções determina, 
para eles, um modo de ver o mundo? E, se o mundo é predefinido como 
um assunto centralizado, hierárquico e elitista, podemos dizer que o co­
nhecimento escolar é uma característica da alienação do Homem.
Sabemos que o entendimento de uma cultura é muito difícil, mas so­
mente agora estamos compreendendo que sabemos muito pouco sobre os 
processos de aprendizagem dos estrangeiros nas escolas. Pouco se sabe 
como as crianças dão significado à sua experiência educacional, como elas 
adaptam, interpretam e lhe dão sentido. O fato de que as crianças possam 
fazer isto, e não aquilo, é a expressão de uma certa interpretação e eu gos­
taria de argumentar que muitas declarações como esta, na "nova Sociologia 
da Educação”, indicam um "modelo do homem" fenomenológico. Para 
muitos, a adoção desse modelo, em contraste com o modelo positivista e 
determinista, foi uma experiência entusiasmadora e libertadora. Procurarei 
descrever algumas das características do "modelo do homem" fenomenoló­
gico examinando algumas das opiniões de Jean-Paul Sartre. Isso não por­
que a "nova Sociologia da Educação” tenha sido influenciada especifica- 
mente por ele, mas porque seu trabalho é acessível e pode ser usado como 
introdução a certos aspectos da Fenomenologia de Husserl, Heidegger, 
Merleau-Ponty e outros. Mas, antes de voltarmos nossa atenção para Sartre,
I
uso de estudos antropológicos 39
examinemos algumas das questões subjacentes a uma das realizações des­
tacadas da Fenomenologia: sua crítica do positivismo e da ciência.
CAPITULO 3
Fenomenologia e Positivismo
A Adoção de um Modelo 
Fenomenológico do Homem
Há uma vasta literatura sobre a natureza da Ciência, Filosofia e Socio­
logia da Ciência. Há também muitas críticas, mas a maioria desses estudos 
são feitos, em geral, dentro da moldura ou do paradigma aceitos — não são 
críticas que rejeitam inicialmente os pressupostos básicos da ciência. Uma 
das características mais importantes da Fenomenologia é constituir uma re­
jeição da ciência a partir do exterior. Autores como Husserl, Heidegger e 
Merleau-Ponty tiveram um papel importante nesse movimento, e procura­
rei isolar alguns aspectos importantes de sua obra, para oferecer uma base 
sobre a qual delinear um modelo do homem usado em algumas das obras 
recentes sobre a Sociologia da Educação.
Os autores da tradição fenomenológica quiseram libertar as pessoas 
da ilusão de objetividade, e da tendência de generalizar, prever e explicar. 
Consideram a objetividade, a aceitação das opiniões do observador, como 
um obstáculo ao entendimento, e admiram o método de indagação socráti­
ca, que desmonta os pressupostos aceitos. Isso produz, com frequência, 
confusão e espanto, é claro — significa deixar de lado o mito de que há 
fatos concretos identificáveis no mundo, sobre os quais são possíveis afir­
mações definidas e concretas. Em geral, a maioria dos fenomenologistas 
não acredita na existência de uma verdade objetiva absoluta na ciência, 
mas Edmund Husserl foi uma exceção interessante a essa regra, pois acre­
ditava ser a Fenomenologia um método científico. Sua crença na exatidão 
científica só existiu, porém, em seu período inicial, e mais tarde ele passou 
a aceitar a idéia de que os objetos são constituídos como objetos para nós 
em virtude de sua significação também para nós. Quer dizer, nossa cons­
ciência e nosso conhecimento do mundo se fazem pela interpretação. 
Ele chegou a acreditar que antes que a experiência possa ser analisada pelos 
fenomenologistas, uma espécie de redução preliminar, ou epoché, uma sus­
pensão da ciência, era necessária, para que as suas pressuposições pudessem
modelo fenomenológico do homem 41
ser expostas. O fenomenologista concentra-se, na medida em que isso lhe 
é possível, na experiência pura tal como se lhe apresenta, sem pressuposi­
ções ou conceitos derivados de outras fontes que não a própria experiência. 
0 fenomenologista põe de lado seu ponto de vista normal, ou realiza uma 
epoché. Ele põe entre aspas, ou despreza, as causas de sua experiência. Rea­
liza uma redução fenomenológica aos próprios fatos. Essa opinião — a de 
que a experiência deve ser examinada tal como se nos apresenta interna­
mente — é o método de Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre.1
Uma abordagem anticientífica do mundo pode ser vista na obra 
de Maurice Merleau-Ponty, para quem a linguagem científica se apega 
sempre ao que é percebido e não vai além do que é realmente dado. Ele 
acreditava que havia um grande perigo na suposição científica de que o 
mundo consiste em objetos completa e totalmente distintos do sujeito 
que os observa. Afirmava que, enquanto a ciência insistir numa distinção 
absoluta entre o sujeito que percebe e o objeto que é percebido, não pode­
remos compreender a percepção. Além disso, não pode haver uma conexão 
causal entre meus atos e o mundo. Num julgamento causal, há dois elemen­
tos separáveis: o acender de um fósforo, por exemplo, provoca o incêndio 
de uma fábrica. Mas Merleau-Ponty argumenta que minha ação não pode 
ser causada pelo mundo físico, já que Ele e Eu somos uma mesma coisa; 
não somos dois elementos separáveis. E, se minhas ações não são causadas 
pelo mundo, então elas são livres.
Fenomenologistas, como Husserl e Merleau-Ponty, dizem que a ciên­
cia não consegue compreender sua natureza, ao tentar permanecer fora do 
"mundo da vida". Mas como a ciência chegou a pretender representar, com 
exclusividade, a tradição européia do pensamento racional?
Segundo uma opinião, para compreender isso teremos de examinar o 
pensamento grego, em particular o de Platão. Para os gregos, o homem

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