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UNIDADE I: Introdução à Bioética Conteúdos da primeira unidade 1.1 Definição da Bioética 1.2 Origem da Bioética 1.3 Autores da bioética 1.4 Importância da Bioética 1.5 Princípios da bioética 1.6 Temas da Bioética 1.7 Objectivos da Cadeira 1.8 Competências profissionais Objectivo principal da primeira unidade Esta unidade pretende levar aos estudantes a conhecer a natureza da bioética a partir da sua etimologia, sua origem, seus fundadores, sua importância, seus princípios e seus temas, procurando discutir os temas candentes relacionados com a Ética da vida. Actividades Definir a bioética Saber quem foram os fundadores desta ciência Saber qual é a importância da bioética na ciência da medicina Saber quantos são e o que significam os princípios da bioética Saber qual é o campo específico e os problemas que a bioética trata. 1.1 Definição da bioética Bioética é uma área de estudo interdisciplinar que envolve a Ética e a Biologia, fundamentando os princípios éticos que regem a vida quando essa é colocada em risco pela Medicina ou pelas ciências. A palavra Bioética é uma junção dos radicais “bio”, que advém do grego bios e significa vida no sentido animal e fisiológico do termo (ou seja, bio é a vida pulsante dos animais, aquela que nos mantém vivos enquanto corpos), e ethos, que diz respeito à conduta moral. Trata-se de um ramo de estudo interdisciplinar que utiliza o conceito de vida da Biologia, o Direito e os campos da investigação ética para problematizar questões relacionadas à conduta dos seres humanos em relação a outros seres humanos e a outras formas de vida. 1.2 Origem da bioética A Bioética surgiu na segunda metade do século XX, devido ao grande desenvolvimento da Medicina e das ciências, que avançaram cada vez mais para a modificação da vida humana e a promoção do conforto humano, bem como para a utilização de cobaias vivas (humanas e não humanas). A fim de evitar horrores, como os que foram vividos dentro dos campos de concentração nazistas e de técnicas médicas que ferissem os princípios vitais das pessoas, surgiu a Bioética como meio de problematizar o que está oculto na pesquisa científica ou na técnica médica quando elas envolvem a vida. 1.3 Autores da bioética Hoje, alguns autores são referências para os estudos de Bioética no mundo. Entre eles, estão o filósofo Tom L. Beauchamp, professor da Georgetown University, e o filósofo e teólogo James F. Childress, professor de Ética da Universidade de Virgínia. Juntos, esses dois destacados estudiosos da Bioética escreveram o livro Princípios de Ética Biomédica, que contém a formulação dos princípios bioéticos básicos, inspirados em grandes sistemas éticos de filósofos considerados cânones do conhecimento ocidental, como Kant e Mill. Outro autor de igual importância é Peter Singer, filósofo australiano e professor da Universidade de Princeton desde 1999. Dentre suas obras, podemos destacar Ética prática, que problematiza questões referentes à Ética enquanto área de estudo capaz de interferir na vida quotidiana das pessoas, analisando questões polémicas, como o aborto e a eutanásia; e Libertação animal, que funda a teoria dos direitos dos animais. 1.4 Importância da bioética A importância social da Bioética centra-se, justamente, no fato de que ela procura evitar que a vida seja afectada ou que alguns tipos de vida sejam considerados inferiores a outros. A Bioética discute, por exemplo, a utilização de células-tronco embrionárias em suas mais diversas problemáticas, passando pela necessidade de abortar-se uma gestação para retirar tais células e pelos benefícios que os tratamentos obtidos por esse recurso podem promover para as pessoas. Também é tratado por estudiosos de Bioética o respeito aos limites que devemos ter ao lidar com animais, seja para o cuidado ou a alimentação, seja para a utilização comercial deles, pois são seres vivos dotados de sentidos e capazes de sofrer. 1.5 Princípios da Bioética Em Princípios de Ética Biomédica, Beauchamps e Childress estabelecem quatro princípios básicos que devem nortear o trabalho bioético tanto para as ciências que utilizam cobaias quanto para as técnicas biomédicas e médicas que lidam directamente com a vida. Esses princípios estão ligados a teorias éticas conhecidas e ganham um novo contorno em suas formulações voltadas para a vida animal: Princípio da não maleficência Princípio da beneficência Princípio da autonomia Princípio da justiça 1.6 Temas da Bioética A Bioética trata de temas muito delicados, muitas vezes considerados tabus. Há uma dificuldade de estabelecimento de proposições únicas e últimas, pois existem, ao menos, três grandes áreas do conhecimento que envolvem a Bioética e porque, enquanto ciência, ela não pode se submeter à moral religiosa, que pode ser um obstáculo forte em questões relativas à vida, principalmente a humana. Listamos abaixo alguns temas tratados pela Bioética, expondo uma breve discussão que pode aparecer sobre eles: Aborto Reprodução assistida Clonagem Eutanásia Suicídio Pena de morte Pesquisa Clínica Clonagem Manipulação genética Pesquisa e medicina HIV-SIDA Drogas Ecologia 1.7 Objectivos da Cadeira O estudo da bioética pretende: Estimular no estudante o raciocínio crítico e à reflexão em torno da ética da vida Ampliar o conhecimento do estudante sobre questões bioéticas no seu ambiente académico e profissional Estimular o gosto ao estudante pelo gosto de competência e profissionalismo no seu quotidiano académico e profissional. Ampliar o conhecimento sobre os elementos fundamentais de comunicação clínica na sua correlação com a prática profissional em administração e gestão hospitalar. 1.8 Competências profissionais O estudante de bioética deve ser capaz de: Conhecer estratégias para lidar com os conflitos éticos. Conhecer o valor deontológico e diciológico do Juramento de Hipócrates. Conhecer os princípios e valores fundamentais da bioética. Identificar a importância que existe no relacionamento entre o médico e o paciente. UNIDADE II: Fundamentos e princípio da Bioética Conteúdos da segunda unidade 2.1 A génese dos princípios da bioética 2.2 Princípios gerais fundamentais da bioética 2.3 Outras teorias éticas Objectivo principal da primeira unidade Esta unidade pretende levar aos estudantes a conhecer a origem dos princípios da bioética e seus fundamentos. Actividades Qual é a importância da Comissão Nacional para o estudo dos dilemas éticos relacionados com a experimentação em seres humanos. Quais são e o que significam os princípios fundamentais da bioética. 2.1 A Génese dos princípios da Bioética Em 1974 cria-se nos Estados Unidos da América a chamada Comissão Nacional para o estudo dos dilemas éticos relacionados com a experimentação em seres humanos. O Nascimento desta Comissão respondia a urgente necessidade de dar uma resposta ética perante o escândalo originado pelo conhecimento da realização de experiencias em humanos que eram eticamente objectáveis, ao mesmo tempo que se pretendia abordar os dilemas suscitados como consequência dos grandes avanços biomédicos. Surgiu assim o Relatório Belmonte, que estabeleceu directrizes éticas para o tema concreto dos ensaios clínicos em seres humanos, mas que, ao mesmo tempo delineou princípios éticos operativos para abordar outros temas concretos de Bioética. 2.2 Princípios gerais fundamentais da Bioética 2.2.1. Princípios de não-maleficência Este princípio consiste na proibição, por princípio, de causar qualquer dano intencional ao paciente (ou à cobaia de testes científicos). A sua mais antiga formulação pode ser encontrada no Juramento de Hipócrates, e, no século XX, ele foi estabelecido como princípiobioético pelos estudiosos Dan Clouser e Bernanrd Gert. O Princípio de não maleficência é a exigência ética primária de que o médico não utilize os seus conhecimentos ou a sua situação privilegiada em relação ao doente para lhe infligir dano. Expressa o Juramento de Hipócrates, ao afirmar: «Do dano e da injustiça o preservarei. Não darei a ninguém, ainda que mo peça, nenhum fármaco letal, nem farei semelhante sugestão»; «abstendo-me de todo o agravo intencional ou corrupção, em especial de práticas sexuais com as pessoas, quer sejam homens ou mulheres, escravos ou livres»; «o que no tratamento, ou inclusive fora dele, vir ou ouvir em relação à vida dos homens, aquilo que jamais deva divulgar-se, o calará tendo-o por segredo». O Juramento inclui a obrigação de não causar dano, juntamente à de fazer o bem: «Farei uso do regime de vida para a ajuda do doente, segundo a minha capacidade e recto entender. Do dano e da injustiça o preservarei. O Principio de não-maleficência é mais geral e obrigatório que o de beneficência: podem dar-se situações em que um médico não esteja obrigado a tratar o doente, mas estará, sim, obrigado a lhe causar positivamente dano algum. Deste principio derivam para o médico normas como “Não matar”, “não causar dor”, “não incapacitar (nem física, nem mentalmente)”, “não impedir o prazer”. Este principio é básico na vida moral e já o guardava a tradição cristã medieval no seu «faz o bem e evita o mal», como principio básico ou primário da lei natural. 2.2.2 O Princípio de beneficência No seu sentido etimológico de “fazer o bem”, está incluído no Juramento de Hipócrates, tanto nas obrigações do médico para com os seus mestres e familiares, como, sobretudo, na sua exigência de que «ao visitar uma casa, entrarei nela para o bem dos doentes». A citada Declaração de Génova (1948) sintetiza de forma lapidar este princípio tradicional da praxis médica ao afirmar que a «Saúde do meu paciente será a minha primeira preocupação». O Princípio da beneficência pode ter seu gérmen encontrado no juramento hipocrático, em que se é afirmado que o médico deve visar ao benefício do paciente. Beauchamp e Childress vão estabelecendo que tanto médicos quanto cientistas que utilizem cobaias devem basear-se no princípio da utilidade (o utilitarismo de Mill e Bentham), visando a provocar o maior benefício para o maior número possível de pessoas. As acções de Beneficência são: Proteger e defender os direitos dos outros Prevenir que suceda algum dano a outros Suprimir as condições que possam causar prejuízo a outros Ajudar as pessoas com incapacidades Resgatar as pessoas em perigo. Beauchamp e Childress sustentam que quando se dão estas cinco condições, todas e cada uma delas, existe uma obrigação de beneficência, ainda que na ausência de relações particulares (isto é, ainda quando não existam obrigações de beneficência específica, como acontece, por exemplo, nos ambientes familiares). Por consequência, para além dos que ultrapassa o campo da obrigação. Tratar-se-ia de ser «samaritano minimamente decente», e não «o bom samaritano». Portanto, para que o princípio de beneficência seja obrigatório, deve haver um cálculo de custos e benefícios. Certamente este cálculo é extremamente complexo e não é fácil avaliar e diversificar essa ponderação. 2.2.3 Princípio de autonomia O Princípio da autonomia tem suas raízes na filosofia de Immanuel Kant e busca romper a relação paternal entre médico e paciente e impedir qualquer tipo de obrigação de cobaias para com a ciência. Trata-se do respeito à autonomia do indivíduo, pois esse é o responsável por si, e é ele que decide se quer ser tratado ou se quer participar de um estudo científico. O Relatório Belmonte parte de uma concepção de ser humano como ante autónomo: «Individuo capaz de deliberar sobre os seus objectivos pessoais e actuar sob a direcção desta deliberação». Portanto, entende a autonomia no seu sentido concreto: como a «a capacidade de actuar com conhecimentos de causa e sem coação externa. Para que uma pessoa possa actuar de forma autónoma, exigem-se três condições básicas: que o agente moral actue; Intencionalmente com compreensão do significado da sua acção sem influencias externas que determinem ou controlem a sua acção. Portanto, o respigo pela autonomia exige que se reconheça o direito da pessoa, que é capaz de decidir autonomamente, a ter os seus próprios pontos de vistas; a fazer as suas próprias opções; e a actuar em conformidade com os seus valores e crenças. 2.2.4 Princípio de Justiça É o terceiro principio formulado pelo Relatório Belmonte, que o entende a partir da justiça distributiva. No âmbito biomédico a dimensão da justiça que nos interessa mais é a justiça distributiva, que se refere, em sentido amplo, à distribuição equitativa dos direitos, benefícios e responsabilidades ou encargos entre os membros da sociedade. Para determinar se a distribuição de encargos e benefícios é justa, é preciso recorrer a critérios de Justiça que nos possam guiar nessa distribuição. O Conceito de justiça, tradicionalmente atribuído a Aristóteles, formula-se assim: casos iguais devem tratar-se igualmente e casos desiguais devem tratar-se desigualmente. O Princípio da justiça, baseado na teoria da justiça, de John Rawls, princípio visa a criar um mecanismo regulador da relação entre paciente e médico, a qual não deve ficar submetida mais apenas à autoridade médica. Tal autoridade, que é conferida ao profissional devido ao seu conhecimento e pelo juramento de conduta ética e profissional, deve submeter-se à justiça, que agirá em caso de conflito de interesses ou de dano ao paciente. Beauchamp e Childress citam alguns princípios materiais de Justiça distributiva que se encontram na literatura ética. A cada pessoa uma parte igual. A cada pessoa de acordo com a necessidade. A cada pessoa de acordo com o esforço. A cada pessoa de acordo com a contribuição. A cada pessoa de acordo com o mérito. A cada pessoa de acordo com os intercâmbios do livre mercado. O Principio de justiça está de alguma forma insinuado no Juramento de Hipócrates ao rejeitar a sedução de “livres e escravos” e encontram-se, sim, claramente presente na declaração de Genebra ao afirmar: «Não permitirei considerações de religião, nacionalidade, raça, partido politico ou categoria social para mediar entre o meu dever e o meu paciente.» 2.3 Outras teorias éticas O Tema da bioética é extraordinariamente amplo e complexo. Centrámo-nos no principialismo, por ser a teoria ética que tem maior aceitação e cujo contributo se tornou imprescindível nos actuais debates da Bioética. Alem disso, é compatível com outras teorias que surgiram nestes anos e que podem complementar as limitações inerentes à postura de Beauchamps e Childress. O que nos propomos nesta secção é fazer uma breve síntese das mais importantes: 2.3.1 O Casuísmo A teologia casuística enumera uma análise das circunstâncias que especificam cada caso. 2.3.2 A teoria ética da virtude O seu ponto de partida é a natureza humana comum, como o fundamento que nos permite avançar afirmações gerais acerca do ser humano, tanto em medicina como em ética. 2.3.2 Ética do cuidado A ética do cuidado realça aspectos muito importantes na vida moral, que ligam com a teoria da virtude e tem como ponto de partida, a existência da vulnerabilidade e das importantes necessidades do paciente. Realça a importância de valores como o afecto e a fidelidade na praxis ética. Realça a ênfase na existência de relações especiais como finte de obrigações morais particulares e a atenção aos traços, culturalmente vinculados com a mulher, como são a compaixão, a fidelidade, a responsabilidade perante as necessidades da outra pessoa com quem se entra em relação. 2.3.3 A ética da responsabilidade Diego Gracia, O grande bioeticista espanhol toma, como ponto de partida da sua reflexão, a criseda razão que começa a eclodir a partir da morte de Hegel. Desde então, começa a questionar-se a capacidade da razão para conhecer a realidade que, por sua vez, fora questionada na sua teleologia interna que considerava, desde os Gregos, que as coisas têm um programa eterno. Surgem dois caminhos para poder ancorar a busca do correcto, da verdade: 2.3.4 Emotivismo Trata-se do emotivismo moral da cultura anglo-saxónica, para o qual a “bússola moral” mais precisa são os sentimentos, quer seja o que sentimos de forma espontânea diante de uma barbárie, quer a ternura de um recém-nascido. O Emotivismo considera que o sentimento é o nosso “grande alarme” mais eficaz, diferentemente da lentidão, que tem de ir ponderando. 2.3.4.1 Via da Razão O ponto de partida da via da razão é a distinção entre os juízos sintéticos e os analíticos. As três linhas da ética da responsabilidade, propostas por GRACIA, são as seguintes: a) Tem que possuir um cânone, uma “varra de medida”. b) Há que estabelecer princípios deontológicos: critérios universais sobre como proceder. Há-os em qualquer cultura: «não matar», «não mentir»… São muito importantes e há que preservá-los. c) As éticas de responsabilidade têm um cânone, princípios deontológicos e ponderam as circunstancias e consequências. Dada a importância de Diego GRACIA na actual reflexão bioética, nos são apresentados, segundo a sua visão, as características da bioética. d) A ética deve ser, em primeiro lugar, uma ética civil ou secular, não directamente religiosa e) Deve ser uma ética pluralista, isto é, que aceite a diversidade de enfoques e posturas e os tente conjugar numa unidade superior. f) A bioética actual deve ser autónoma e não heterónoma. g) A bioética tem de ser racional. h) Aspira a ser universal, e portanto ir para além dos convencionalismos morais. i) Deve ter uma “atitude crítica” face a realidade plural. UNIDADE III: Religiões e bioética Conteúdos da terceira unidade 3.1 Secularização da bioética 3.2 Ética e religião 3.3 A religião nos actuais debates de bioética 3.4 Importância da Bioética 3.5 Princípios da bioética 3.6 Temas da Bioética 3.7 Objectivos da Cadeira 3.8 Competências profissionais Objectivo principal da primeira unidade Esta unidade pretende levar aos estudantes a conhecer a natureza da bioética a partir da sua etimologia, sua origem, seus fundadores, sua importância, seus princípios e seus temas, procurando discutir os temas candentes relacionados com a Ética da vida. Actividades Definir a bioética Saber quem foram os fundadores desta ciência Saber qual é a importância da bioética na ciência da medicina Saber quantos são e o que significam os princípios da bioética Saber qual é o campo específico e os problemas que a bioética trata. 3.1 Secularização da Bioética D. Callahan escreveu que a «mudança mais apelativa das duas décadas passadas foi a secularização da bioética.» A bioética, uma temática que anteriormente era dominada pela medicina e pela tradição religiosa, aparece agora dominada por conceitos filosóficos e legais. A consequência foi que o discurso público sobre estes temas costuma enfatizar temas seculares: os direitos humanos, a autonomia, a justiça, ao mesmo tempo que predomina a negação sistemática da existência de um bem transcendental individual. Houve pensadores do século XIX que afirmavam que, embora a religião não fosse verdadeira, no entanto, era socialmente útil como fonte de disciplina e de estabilidade politica. No entanto, Callahan considera que a situação criada comporta uma tripla deficiência: Cria uma exagerada dependência da lei como fonte da moralidade. O que dizem os tribulais e as legislações é o que determina o que está bem ou mal, o que é permitido ou proibido. Priva da sabedoria e dos conhecimentos acumulados, que são fruto das tradições religiosas estabelecidas há muito, já que não é preciso ser judeu ou cristão para avaliar o contributo dessas tradições. E induz a crer que não pertencemos a comunidades morais particulares e é que se celebra este facto como expressão de pluralismo. No entanto, «este pluralismo converte- se numa forma de opressão, em seu próprio nome, já que nos diz que há que calar em público as nossas vidas ou crenças privadas e falar». O Juízo final de Callahan, a partir da sua própria trajectória humana e religiosa, é extraordinariamente significativo: « Com tantas riquezas à nossa disposição, porque é que terminámos em nome da paz social com um sal que perdeu o seu sabor? 3.2 Ética e Religião Os contributos de Hans Kung, na sua obra sobre o significado das religiões para o futuro da humanidade, são importantes como marco para expressar a relevância das éticas religiosas, e em concreto a cristã, nos actuais dilemas de bioética. Do mesmo modo, deve ter-se em conta que vivemos numa época histórica na qual coincide uma queda dos valores morais prévios com importantíssimos avanços científicos, dos quais talvez os mais relevantes são os do campo da biomedicina, tudo isto agravado pela crise ecológica. Em todo este contexto, está hoje a desenvolver-se uma ética secular cujas quatro características são as seguintes. É uma ética da responsabilidade, especialmente sensível para com o meio ambiente e as gerações futuras. Tem um objectivo e critério que é o próprio Homem. É bom para o Homem aquilo que preserva, fomenta e realiza a sua humanidade. O ser humano nunca deve ser um mero meio, mas deve ser considerado como fim em si mesmo. «O factor humano é o elemento central, impulsionador ou moderador, tanto do acontecer global como do particular» (Roland Muller). Necessidade de uma ética pública: a ética, que foi considerada pela modernidade como assunto privado, é agora, na pós-modernidade, «um assunto público de primeira ordem». Necessidade de uma ética mundial, planetária, dado que sem esse empenho não há ordem mundial: «Se queremos uma ética que funcione em benefício de todos, esta deve ser única. Um mundo único necessita cada vez mais de uma atitude ética única». 3.3 A religião nos actuais debates da Bioética 3.3.1 Presença das religiões nos fóruns de Bioética A bioética , onde tem êxito, mostra que não necessita da Teologia (Engelhard, p88). Esta é a imagem externa que se pode perceber: com efeito, na literatura de Bioética e na praxis médica actual, tem-se a impressão de que a teologia contribui pouco. Gustafson afirma que a teologia raramente oferece directivas concretas e precisas que sejam acessíveis a pessoas não religiosas, mas acrescenta que pode ter uma função crítica no discurso público: «Os teólogos e os grupos religiosos podem levar a comunidade civil às intuições das suas próprias tradições, no suposto de essas contribuições não sejam «insulares», nem «estranhas» (Cahill, L. S. 1990). Em todo o caso, deve partir-se da assunção de que existe um âmbito independente de discurso secular ou filosófico razoável, neutro e menos ligado às tradições, que o discurso religioso. Isso levaria que: A teologia ou é dialogante, ou deve ficar de fora e calar-se. Deve usar uma linguagem que seja comummente inteligível. A linguagem religiosa deve ser traduzida para uma língua e vocabulário simples. Esta apresentação, que é hoje comum, apresenta, no entanto, uma visão simplificadora e inclusive distorcida, tanto das tradições religiosas, como do que está a acontecer no debate público em bioética. 3.3.2 As religiões perante as situações-limite Há experiencias na vida que mostram a nossa submissão a poderes destrutivos e arbitrários, como são especialmente a doença e a morte. O que tem a dizer nestas situações os conceitos de Bioética? São momentos em que muitas pessoas procuram respostas que possam ser criativas, redentoras… As religiões oferecem uma interpretaçãoda realidade de que responde ao Mx Weber chamou «necessidades metafísicas da mente humana» (Weber, M.), que procura ordem, coerência e sentido para as nossas vidas, para compreender as últimas perguntas sobre a nossa condição humana. O tema do sofrimento, central na praxis médica, foi muito contemplado pelas tradições religiosas e não se deveria prescindir dessa riqueza. Há algo comum nas religiões: O sofrimento não é um fim, mas uma realidade que se deve interpretar a partir de um contexto mais amplo sobre o significado da vida e da condição humana. As religiões também podem ter um valor relativamente aos princípios de Bioética, que tiveram uma grande relevância para dar soluções pacíficas e racionais aos conflitos morais de uma cultura plural. Mas a Bioética deve ser profética, desfiando os actuais pressupostos: Torna-se necessária uma visão profética que faça ver as raízes do problema e que possa articular uma visão alternativa da assistência à saúde. As religiões podem fazer-nos ver também as limitações de uma Bioética principialista. Parece-nos significativo passar revista aos princípios de Bioética a partir da perspectiva religiosa. Salta à vista, em primeiro lugar, que a concepção do homem como imagem de Deus reforça a avaliação da dignidade humana e o respeito pelas opções pessoais do principio da autonomia. O principio da beneficência pode parecer à primeira vista próximo das tradições religiosas mas, como já dissemos anteriormente, o seu conteúdo pode ser minimalista, longe das normas do amor ao próximo. Igualmente, a aproximação ética ao principio de justiça e, em concreto, a afirmação do direito a uma assistência sanitária para todos pode ser apoiada pela religião, na sua concepção de ajuda aos menos favorecidos. Uma bioética compreensiva pode encontrar no discurso religioso sobre as virtudes e disposições uma fonte importante de correcção e balanço moral, que situe as nossas decisões sobre o atendimento na saúde dentro do contexto de uma plena explicação do propósito e do significado na vida (Campbell, p. 10). UNIDADE IV: A Bíblia e o valor da vida humana Conteúdos da quarta unidade 4.1 O Antigo testamento 4.2 O Novo Testamento 4.3 O valor da vida humana e da sua inviolabilidade 4.4 Deus é único Senhor da vida e da morte Objectivo principal da primeira unidade Esta unidade pretende levar aos estudantes a saber o que a bíblia diz sobre a vida humana e a sua implicação ética. Actividades Saber o que diz o decálogo, no seu quinto mandamento sobre a morte. Como Deus era concebido ou interpretado entre o povo de Deus no Antigo Testamento. Quais eram os movimentos sociopolíticos no tempo de Jesus. Qual é a base que sustenta que a vida humana é um valor e é inviolável. Quem tem poder sobre a vida e a morte? A reflexão ética cristã baseou-se sempre num ponto de vista de referência fundamental, a mensagem contida na Bíblia, que se foi decantando numa tradição de 20 séculos. Mas sempre se afirmou que as exigências éticas cristãs não só têm validade para o crente, como também representam os valores éticos que todo o homem, cristão ou não, tem gravados na sua consciência. A mensagem revelada da Bíblia não é primariamente moral; situa-se, em primeiro plano, no nível da experiencia da fé e da relação do Homem com Deus que saiu ao seu encontro na história. A seguir, é uma síntese da mensagem bíblica em torno do valor e do respeito devido à vida humana, que certamente deve estar para o crente no horizonte da aproximação aos temas da actual Bioética. 4.1 O Antigo Testamento 4.1.1 Os principais textos vetero testamentários O quinto mandamento do decálogo, não matarás, é o resumo mais conhecido da atitude bíblica perante a vida humana. Este preceito foi citado numerosas vezes, não só em relação ao homicídio ou ao suicídio, mas também perante candentes problemas actuais como os do aborto ou da eutanásia. O verbo hebraico rasah, não cometerás homicídio, e inclui o homicídio involuntário, dentro de uma mentalidade ética que não é ainda sensível à voluntariedade na avaliação dos comportamentos éticos. O verbo usado não se refere ao homicídio em tempo de guerra, ao suicídio ou à pena da morte. Na realidade, o que se proíbe no decálogo a propósito de matar é o homicídio ilegal, ou seja, fazer justiça pelas próprias mãos, o fim de salvaguardar a vida dos inocentes. A proibição sagrada de matar: juntamente com “não matarás” e anterior a esta condenação institucionalizada do homicídio, existe nos povos primitivos uma proibição sagrada de matar, pelo menos os membros do próprio grupo. 4.1.2 Interpretação dos dados bíblicos A concepção de um Deus violento e até cruel é normal num povo que vive num clima de luta e cuja sobrevivência depende da lei do mais forte. Nesse contexto, Israel é mais um povo primitivo, violento como os outros. Foi eleito por Deus, mas a sua transformação não é súbita. Nesse âmbito cultural, a violência, tão negativa para nós, não tinha esse carácter. Isto deve ter-se em conta ao avaliar o Antigo Testamento: a imagem que o homem faz de Deus depende da sua maturidade humana, da sua consciência moral. O Homem vai avançando na sua compreensão de Deus, purificando gradualmente as imagens que faz dele. 4.1.3 Resumo Como resumo, poderia dizer-se o seguinte: A Mensagem veterotestamentária sobre a vida humana está marcada por luzes e sombras, por aspectos claramente positivos e por outros negativos. A mensagem vetero testamentária é inseparável de um contexto cultural concreto e dos seus condicionamentos. Devem relativizar-se, no actual debate bioético, certas afirmações bíblicas que se usam relativamente a vida humana. Existe no Antigo Testamento um indiscutível progresso, tanto em comparação com os outros povos, como, sobretudo, no próprio interior da mensagem veterotestamentária. É importante sublinhar como o progresso da imagem de Deus conduz a um progresso no nível das exigências éticas. Mas também se dá o processo inverso: uma maior humanização do Homem, um maior nível nas suas exigências éticas, leva a uma depuração da imagem de Deus. Poder-se-ia dizer que Deus humaniza o Homem e o Homem humaniza Deus. Síntese da mensagem veterotestamentária Existe um respeito pela vida do Homem. Há uma tendência progressiva para qualificar como semelhante todo o Homem. Vai-se apresentando um Deus menos “guerreiro”, menos violento e descrevendo-o mais próximo, mais misericordioso… e também menos “judeu”. No conjunto do Antigo Testamento há uma atitude de defesa do fraco, do desamparado, do explorado, do oprimido. Existe uma tendência de dessacralizar a violência: o que reconcilia o Homem com Deus não são os sacrifícios cruentos, nem as vinganças contra os indivíduos ou os povos. O que reconcilia com Deus é a justiça, sobretudo a que se pratica com os mais débeis. Também faz parte da mensagem veterotestamentária a concepção, de base religiosa, de que Deus é o único que pode dispor da vida do Homem. Certamente existem inflexões, mas esta afirmação é dominante na mensagem do Antigo Testamento. 4.2 O novo Testamento 4.2.1 A sociedade judaica na época intertestamentária Jesus conviveu com uma intensa efervescência sociopolítica. Havia movimentos divididos em cinco grupos: Os essénios, que viviam afastados da sociedade, desinteressando-se da politica. Os Saduceus, que seguiam a linha contemporizadora e colaboracionista. Os fariseus, que eram secretamente hostis, com uma resistência passiva, mas sem se oporem ao pagamento de impostos ao poder romano. Os Zelotas, a ala radical dos fariseus, partidários exaltados de uma resistência activa contra Roma. Os Jasidim ou piedosos, onde se situava o comum do povo, não demasiado preocupado com a política. Dentro destes grupos, os Zelotas são os que tem mais interesse em relação ao tema da Bioética.O seu nome significa “ardente”, “fervoroso”, Proclamam que pagar o tributo a César é um crime religioso e patriótico. Optam pela resistência activa e armada, com um grau crescente de violência, pela qual aspiram à libertação de Israel e à instauração do Reino Messiânico. Actuavam em pequenos grupos, como verdadeiros comandos, e refugiam-se no deserto. 4.2.2 Jesus foi um revolucionário? Jesus certamente viveu numa coordenada histórica marcada pela violência e pela oposição ao poder romano, que aparece muito pouco reflectiva nos relatos evangélicos. Algumas frases de Jesus: em qualquer caso, são muito poucas e a maioria das afirmações de Jesus vai na direcção contrária. A primeira é: “Não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt10,34). Em segundo lugar, cita-se a que se poderia classificar como “pregação social” do mestre: as sua denuncias contra os ricos, as bem-aventuranças para com os pobres. Jesus se relaciona também com os ricos, Simão (Lc 7,26), Zaqueu (Lc 19), José de Arimateia (Mc 15,43), Nicodemos (Jo 3, 1; 7,50). Finalmente, citam-se dois gestos de Jesus, a entrada em Jerusalém e a expulsão dos vendedores do Tempo, que se poderiam interpretar como atitudes violentas. 4.2.3 O Evangelho ensina a violência? É possível que teoricamente que, embora Jesus não fosse violento, nem zelota, no entanto, as suas afirmações incitassem à violência. Ghandi foi revolucionário, uma vez que pregou uma mudança radical, revolucionária, na escala de valores éticos, se que excluiu a violência. 4.2.4 A não-violência no Evangelho Não há nenhuma palavra ou gesto de Jesus que se possa interpretar claramente como favorável à violência. E, pelo contrário, existem muitos ensinamentos de Jesus a favor da não-violência. 4.3 O valor da vida humana e da sua inviolabilidade Qual o valor da vida humana? Quando ela tem início? Que direitos e deveres temos sobre a ela? Este artigo nos ajudará a encontrar respostas para estas e outras perguntas, apresentando aspectos importantes que revelam a grandeza e o valor precioso da vida humana Que é o homem? Qual o sentido e a finalidade da vida humana? Alguma vez você já pensou que a vida não pode ser simplesmente viver um dia após o outro? A vida é muito mais do que isso! Ela é sagrada e inviolável em todas as suas fases e situações. A vida é um bem indivisível e faz parte de um plano divino. Deus Pai preparou um plano maravilhoso para a sua vida e deseja que você seja feliz. Quando nos damos conta que Deus tem um plano para nós, entendemos o motivo de vivermos. Deus quer que todos os seus filhos progridam e se tornem mais semelhantes a Ele. A vida humana tem em si mesma um valor inestimável, é sempre um bem, mas, infelizmente, a maioria das pessoas não consegue reconhecê-lo. É imprescindível, para que o homem conduza de forma correcta a sua vida e a daqueles por quem é responsável, conhecer o valor da vida humana. Existem alguns aspectos importantes que revelam a grandeza e o valor precioso da vida. Por que motivos ela é um bem? Entre tantos, podemos falar sobre alguns: 4.4 Deus é o único Senhor da vida e da morte A Bíblia afirma que Deus é o único Senhor da vida e da morte: “Só eu é que dou a vida e a morte”8; “Vós, Senhor, tendes o poder da vida e da morte, e conduzis os fortes à porta do Hades e de lá os tirais”9; “Nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum de nós morre para si mesmo. Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor”. O homem não tem o poder de apropriar-se da vida e da morte para decidir sobre elas. O homem não pode reivindicar para si a mais completa autonomia moral de decisão sobre a vida e a morte; ele não pode dispor da própria vida nem da dos outros como quer, porque o valor da vida não é relativo, não é um “bem simplesmente relativo, confrontada e ponderada com outros bens, segundo uma lógica proporcionalista ou de puro cálculo”. Muitas pessoas afirmam que são “donas” de sua própria vida, portanto, podem fazer dela o que quiserem. O Beato João Paulo II afirma: “A vida do homem provém de Deus, é dom seu, é imagem e figura dele, participação do seu sopro vital. Desta vida, portanto, Deus é o único Senhor: o homem não pode dispor dela. Deus mesmo o confirma a Noé, depois do dilúvio: ‘Ao homem, pedirei contas da vida do homem, seu irmão’ (Gn 9,5). E o texto bíblico preocupa-se em sublinhar como a sacralidade da vida tem seu fundamento em Deus e na sua acção criadora: ‘Porque Deus fez o homem à sua imagem’ (Gn 9,6) Portanto, a vida e a morte do homem estão nas mãos de Deus, em seu poder.” Diante da sua própria vida e da dos seus irmãos, não raramente o homem se apossa da liberdade que Deus deu a ele para fazer da vida, independente de Deus, o que deseja. Mas a liberdade do homem só é autêntica se for baseada na verdade sobre o homem e sobre o mundo; verdade esta que não pode ser aparente, portanto, “Cristo continua a aparecer-nos como aquele que traz ao homem a liberdade baseada na verdade, como aquele que liberta o homem daquilo que limita, diminui e como que despedaça essa liberdade nas próprias raízes, na alma do homem, no seu coração e na sua consciência”.
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