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Copyright © 2019 by Editora Letramento Copyright © 2017, 2018 by Reni Eddo-Lodge Copyright da tradução ©2019 by Elisa Elwine Publicado pela primeira vez por Bloomsbury Publishing, Londres, Inglaterra Diretor Editorial | Gustavo Abreu Diretor Administrativo | Júnior Gaudereto Diretor Financeiro | Cláudio Macedo Logística | Vinícius Santiago Assistente Editorial | Giulia Staar e Laura Brand Tradução | Elisa Elwine Preparação e Revisão | Lorena Camilo Adaptação de Capa | Luís Otávio Ferreira Projeto Gráfico e Diagramação | Gustavo Zeferino Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução desta obra sem aprovação do Grupo Editorial Letramento. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD E21p Eddo-Lodge, Reni Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça / Reni Eddo- Lodge ; traduzido por Elisa Elwine. - Belo Horizonte : Letramento, 2019. 214 p. ; 15,5cm x 22,5cm. Tradução de: Why I’m No Longer Talking to White People About Race Inclui bibliografia e índice. ISBN: 978-65-86025-06-4 1. Racismo. 2. Raça. I. Elwine, Elisa. II. Título. CDD 305.8 2019-1281 CDU323.14 Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático: 1. Racismo 305.8 2. Racismo 323.14 Belo Horizonte - MG Rua Magnólia, 1086 Bairro Caiçara CEP 30770-020 Fone 31 3327-5771 contato@editoraletramento.com.br editoraletramento.com.br casadodireito.com mailto:contato@editoraletramento.com.br http://editoraletramento.com.br/ http://casadodireito.com/ Para T&T 1 2 3 4 5 6 7 APRESENTAÇÃO PREFÁCIO HISTÓRIAS O SISTEMA O QUE É PRIVILÉGIO BRANCO? MEDO DE UM PLANETA NEGRO A QUESTÃO DO FEMINISMO RAÇA E CLASSE NÃO HÁ JUSTIÇA, HÁ APENAS NÓS POSFÁCIO BIBLIOGRAFIA AGRADECIMENTOS NOTAS APRESENTAÇÃO No Brasil, nos últimos dez anos, tivemos um avanço significativo em relação ao debate sobre questões étnico-raciais. Seja por autoras e autores que se popularizaram, blogs, programas de TV ou pelas redes sociais. Conceitos e discussões que antes estavam restritos às universidades chegaram ao grande público, gerando conversas importantes para o rompimento de uma ideia alimentada por décadas: o mito da democracia racial. Mito este que nos fazia crer que raça não deveria ser vista como um fator determinante às interações do indivíduo, já que fomos profundamente afetados pelo processo de miscigenação, e com isso teríamos solucionado o racismo. Racismo esse que era um fenômeno que acontecia nos Estados Unidos, já que lá houve uma segregação institucionalizada. Entretanto, apesar dos avanços e da conscientização de milhares de pessoas negras, ainda hoje, quando falamos sobre raça, naturalmente entendemos que o sujeito a ser observado e o que deve falar sobre o assunto, necessariamente é o que está inserido no que chamamos de minorias étnicas, traduzindo: todos aqueles que não são considerados brancos. Mas, neste momento, quero destacar uma das diversas perguntas que encontrei no Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça: o poder da branquidade como raça deve ser julgado? Esses e outros questionamentos e definições trazidos pela autora Reni Eddo-Lodge me fizeram entender que essa é uma leitura necessária para tirar um grupo da zona de conforto, e levar outro ao descanso da falta de obrigação. Mas não é só isso, nas páginas a seguir também encontramos conversas relevantes sobre comodidade da branquitude, o racismo no movimento feminista, a intersecção entre raça e classe, a experiência de filhas e filhos negros de casais inter-raciais ou adotados por pessoas brancas e muitos outros debates atuais e necessários para que avancemos. Isso tudo com uma linguagem de fácil entendimento, inclusive para pessoas que nunca tiveram contato com a temática. Você pode estar na dúvida se uma autora britânica, que teoricamente vive uma realidade totalmente diferente da brasileira, teria o que acrescentar aos debates que temos aqui. Mas, te garanto que, como pessoa negra ou como pessoa branca, através dessa leitura você perceberá que essa realidade, na verdade, tem muitas semelhanças, já que por aqui, assim como por lá, o poder da branquitude é estrutural e estruturante, assim como o poder segregador do racismo. Nós não estamos numa era pós-racial e esta publicação confronta firmemente essa ideia. Não é porque vemos mais pessoas negras nas diversas mídias ou nas universidade que podemos pensar que o debate sobre raça e racismo estão esgotados. Tampouco porque estamos na era da troca, onde muitas pessoas de diferentes etnias passam a não ver problema em se relacionar. Os grupos de extrema-direita e seu crescente número de adeptos estão aí nos alertando sobre um novo levante da aceitação da ideia de supremacia racial. E qual é o papel das pessoas brancas que se dizem progressistas nesse atual cenário? Como bem citado por Renni a fala do ativista político Martin Luther King na Letter From the Birmingham Jail: “[…] a aceitação indiferente é mais desconcertante do que a rejeição total.” É necessário se movimentar. Diante disso, esse livro passa a ser uma obra fundamental para que pessoas brancas que se dizem antirracistas saiam do seu local de culpa pela sua branquitude e pelos seus privilégios, para uma posição de luta real. Se você ainda está em dúvida se vale a pena dar continuidade a essa leitura, acredite em mim, ela pode te fazer refletir sobre questões e te trazer conceitos que ainda não tinham sido apresentados, já que, apesar da minha familiaridade com a temática, a minha leitura foi repleta de destaques e demarcações ao longo do texto, além do despertar de novas ideias e reflexões. Esse também é um bom livro para ser dado de presente, já que a Reni Eddo-Lodge nos fez o grande favor de conversar com pessoas brancas sobre racismo, para que assim outras pessoas negras, já cansadas de debates muitas vezes desgastantes, pudessem simplesmente seguir sem a necessidade de falar mais uma vez sobre racismo com pessoas brancas. E também para que pessoas brancas, que se comprometem na causa antirracista, possam ler e presentear seus pares. Se você é uma pessoa branca que vive perguntando por aí qual é seu papel na luta contra o racismo, esse livro é para você. Se você é uma pessoa branca que jamais pensou sobre a sua brancura, esse livro também é para você. Agora, se você é uma pessoa negra que já não aguenta mais debates, esse livro também é para você, porque ele vai te trazer a sensação de que alguém finalmente falou o que você sempre quis gritar aos quatros ventos. Desejo uma desconfortável, mas agradável, leitura para todas e todos vocês. Gabi de Pretas Graduada em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e criadora do canal DePretas por Gabi Oliveira, considerado um dos canais mais relevantes em relação às discussões étnico-raciais no Brasil. PREFÁCIO Em fevereiro de 2014 publiquei um post no meu blog. Dei o título de “Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça”. O post dizia: Não estou mais entrando em discussões sobre raça com pessoas brancas. Não todas as pessoas brancas, apenas a vasta maioria que recusa a aceitar a legitimidade do racismo estrutural e seus sintomas. Não consigo mais me envolver com o abismo de uma desconexão emocional que as pessoas brancas exibem quando uma pessoa de cor* fala sobre sua experiência. Você consegue ver os olhos dessas pessoas fecharem e endurecerem. É como se melaço fosse despejado em seus ouvidos, bloqueando seus canais auditivos. É como se eles não pudessem mais nos ouvir. Essa desconexão emocional é a conclusão de uma vida absorta do fato de que sua cor de pele é normal e todas as outras fogem ao padrão. Na melhor das hipóteses, pessoas brancas foram ensinadas a não mencionar que pessoas de cor são “diferentes”, no caso de isso nos ofender. Elas realmente acreditam que as experiências de suas vidas, resultadas na cor de suas peles, podem e devem ser universais. Eu simplesmente não consigo me envolver com a perplexidade e amaneira defensiva enquanto elas tentam lidar com o fato de que nem todos experimentam o mundo da mesma forma que elas. Pessoas brancas nunca tiveram que pensar sobre o que significa, em termos de poder, ser branco, então todas as vezes em que são vagamente relembradas desse fato, interpretam isso como uma afronta. Seus olhos se enchem de tédio ou arregalam de indignação. Suas bocas começam a se contorcer à medida que vão ficando defensivas. Suas gargantas se abrem enquanto elas tentam interromper, ansiosas para falar em cima de você sem realmente escutar, porque elas precisam informar que você entendeu tudo errado. A jornada para entender o racismo estrutural ainda exige que as pessoas de cor priorizem os sentimentos brancos. Mesmo que eles consigam te ouvir, eles não estão realmente escutando. É como se alguma coisa acontecesse com as palavras assim que elas saem de nossas bocas e chegam aos ouvidos. As palavras atingem uma barreira de negação e não passam desse ponto. Essa é a desconexão emocional. Não é muito surpreendente, porque eles nunca entenderam o que significa acolher uma pessoa de cor como uma igual, com pensamentos e sentimentos que são tão válidos quanto os seus. Assistindo The Color of Fear,* de Lee Mun Wah, vi pessoas de cor se debulhando em lágrimas enquanto tentavam convencer um homem branco e provocador de que suas palavras estavam reforçando e perpetuando um padrão branco e racista. O tempo todo ele olhava de forma alheia, completamente confuso diante dessa dor, na melhor das hipóteses, banazilando-a, e, na pior, ridicularizando-a. Já escrevi sobre essa negação branca ser a política de raça onipresente que opera sobre sua invisibilidade inerente. Então não posso mais conversar com pessoas brancas sobre raça por causa das consequentes negações, estranhas piruetas e acrobacias mentais que elas demonstram quando esse assunto é posto em pauta. Quem realmente gostaria de ser alertado sobre um sistema estrutural que o beneficia às custas de outros? Eu não consigo mais ter essa conversa, porque estamos chegando a ela de lugares completamente diferentes. Eu não posso ter uma conversa com as pessoas sobre detalhes de um problema se elas sequer reconhecem que o problema existe. Pior ainda é a pessoa branca que pode estar disposta a considerar a possibilidade do racismo dito, mas que pensa que entramos nessa conversa como iguais. Nós não entramos. Sem mencionar que entrar em uma conversa com pessoas brancas provocadoras é uma tarefa, francamente, perigosa para mim. À medida que as hostilidades aumentam e a provocação cresce, tenho que seguir com muito cuidado, porque se eu demonstrar frustração, raiva ou exasperação por sua recusa em entender, elas vão recorrer aos estereótipos racistas sobre pessoas negras e raivosas que são uma ameaça a elas e à sua segurança. É bem provável que elas me pintem como uma valentona ou uma abusadora. Também é provável que seus amigos brancos se juntem a elas, reescrevam a história e transformem mentiras em verdades. Tentar conversar com elas e navegar pelo seu racismo não vale a pena. Em meio a toda conversa sobre “pessoas brancas que são gentis” se sentindo silenciadas por conversas sobre raça, existe uma espécie de ironia e evidente falta de compreensão ou empatia por nós que fomos visivelmente marcados como diferentes durante toda nossa vida e que vivemos com as consequências disso. É realmente uma vida inteira de autocensura que as pessoas de cor têm que viver. As opções são: falar sua verdade e encarar a represália, ou morder sua língua e progredir na vida. Deve ser uma vida estranha, sempre tendo permissão para falar e se sentindo indignado quando você finalmente é convidado a ouvir. Decorre do direito dos brancos de nunca serem questionados, suponho. Eu não posso mais continuar a me exaurir emocionalmente tentando passar essa mensagem, ao mesmo tempo em que me deparo com uma linha bem precária que tenta não implicar qualquer pessoa branca, em seu papel de perpetuador de um racismo estrutural, com receio de ser assassinada. Então eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça. Eu não tenho o imenso poder de mudar a forma como o mundo funciona, mas posso estabelecer limites. Posso suspender o direito que elas sentem em relação a mim e vou começar parando a conversa. A balança tende demais a favor delas. Suas intenções muitas vezes não são de ouvir e aprender, mas exercer seu poder, provar que estou errada, me drenar emocionalmente e reequilibrar o status quo. Eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça a não ser que eu realmente precise. Se tiver alguma matéria ou aparição em conferência que significa que alguém pode ouvir o que estou dizendo e se sentir menos solitária, então eu participarei. Mas não lido mais com pessoas que não querem ouvir, que desejam ridicularizar e que, francamente, não merecem. Depois que eu cliquei em “publicar”, o post ganhou vida própria. Anos depois, eu ainda conheci novas pessoas, em diferentes países e diferentes situações, que me contaram que leram o texto. Em 2014, enquanto o post era compartilhado em toda a internet, eu me preparei para a habitual onda de comentários racistas. Mas a resposta foi nitidamente diferente, tão diferente que me surpreendeu. Houve uma clara divisão racial na forma como o post foi recebido. Recebi várias mensagens de pessoas negras e pardas.* Foram tantos “obrigado” e vários “você falou sobre minhas experiências”. Houve relatos de lágrimas e um pequeno debate sobre como abordar o problema, com educação sendo classificada como uma solução para preencher a lacuna da comunicação. Ler essas mensagens foi um alívio. Eu entendia como era difícil colocar esse sentimento de frustração em palavras, então quando pessoas entraram em contato e me agradeceram por explicar uma coisa que elas sempre tiveram dificuldade, fiquei feliz que o post foi útil a elas. Eu sabia que se eu estava me sentindo menos sozinha, então elas também estavam. O que eu não estava esperando foi a avalanche de emoções vindas de pessoas brancas que sentiram que, ao decidir parar de conversar com pessoas brancas sobre raça, eu estava tirando algo do mundo e que isso era uma tragédia absoluta. “De partir o coração” parecia a melhor expressão para descrever esse sentimento. “Sinto muito mesmo que você tenha sido levada a se sentir dessa forma”, uma pessoa comentou. “Como uma pessoa branca, estou dolorosamente envergonhada pelo privilégio sistêmico que negamos e gozamos diariamente. E tão vergonhoso que eu nem havia percebido até dez anos atrás.” Outro comentarista implorou: “Não pare de conversar com pessoas brancas, sua voz é precisa e importante e existem maneiras de fazê-la passar.” Outro, dessa vez uma pessoa negra, dizia: “Seria uma tarefa dolorosa persuadir as pessoas, mas nós não devemos parar.” E um último e definitivo comentário dizia simplesmente: “Por favor não desista das pessoas brancas.” Apesar de essas respostas serem sistêmicas, elas eram evidências da mesma lacuna de comunicação que eu havia escrito a respeito no post do blog. Elas pareciam uma falta de compreensão a respeito de para quem esse texto foi escrito. Ele nunca foi escrito com a intenção de propagar culpa nas pessoas brancas, ou de provocar qualquer tipo de epifania. Eu não sabia, naquela época, que eu havia inadvertidamente escrito uma carta de término para a branquitude. E eu não esperava que os leitores brancos fossem fazer na internet o equivalente a ficar do lado de fora do meu quarto, com uma caixa de som e um buquê de flores, confessando suas falhas e erros, me implorando para não deixá-los. Tudo isso pareceu estranho e ligeiramente desconfortável para mim. Porque, ao escrever aquele post, como se estivesse dizendo que bastava para mim; não foi um pedido de ajuda ou um clamor pela compreensão e compaixão das pessoas brancas. Não foi um convite para os brancos se entregarem à autoflagelação. Eu parei de falar sobre raça com pessoas brancas porque eu não acredito que desistir é um sinal de fraqueza. Às vezes é sobre autopreservação.Eu transformei “Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça” em um livro – paradoxalmente – para continuar a conversa. Desde que eu estabeleci meu limite, tenho feito pouco além de falar sobre raça – em festivais de música e estúdios de TV, para pupilos de escolas secundaristas e conferências de partidos políticos – e a demanda por essa conversa não mostra sinais de enfraquecimento. As pessoas querem falar sobre isso. Esse livro é produto de cinco anos de agitação, frustração, explicações exaustivas, e longos parágrafos em comentários no Facebook. É sobre não apenas o lado explícito, mas sobre o lado escorregadio do racismo – os detalhes que são difíceis de definir, e os detalhes que te fazem duvidar de você mesmo. A Grã-Bretanha ainda está profundamente desconfortável com raça e diferença. Desde que eu escrevi aquele post em 2014, as coisas mudaram bastante para mim. Agora eu passo a maior parte do tempo conversando com pessoas brancas sobre raça. O mercado editorial é muito branco, então não existiria uma maneira de publicar esse livro sem conversar com pelo menos algumas pessoas brancas sobre raça. E durante a minha pesquisa eu precisei conversar com brancos que eu nunca pensei que algum dia trocaria palavras, incluindo o ex-líder do Partido Nacional Britânico, Nick Griffin. Sei que muitas pessoas acreditam que ele não deveria ter uma plataforma onde seus pontos de vidas pudessem ser transmitidos de forma incontestável, e agonizei com a entrevista na página 109. Não sou a primeira pessoa com uma plataforma a dar tempo para Nick Griffin, mas espero que eu tenha usado suas palavras com responsabilidade. Uma palavra rápida sobre definições. Neste livro, a frase “pessoas de cor” é usada para definir qualquer um com uma raça que não seja branca. Eu a usei porque é uma definição infinitamente melhor do que “não- branca” – uma expressão que sugere a falta de alguma coisa e algum tipo de deficiência. Eu uso a palavra “negra” neste livro para descrever pessoas de herança africana e caribenha, incluindo pessoas mestiças. Cito muitas pesquisas, então você vai, ocasionalmente, ler a frase “etnia negra e minoritária” (ou ENM). Não é um termo que eu goste porque evoca pensamentos de monitoramento clínico de diversidade, mas no interesse de interpretar a pesquisa com a maior precisão possível, optei por segui-la. Escrevo – e leio – para assegurar para mim mesma que outras pessoas sentiram o que estou sentindo também, que não sou só eu, que isso é real, válido e verdadeiro. Sou ciente da raça apenas porque fui rigorosamente marcada como diferente pelo mundo que conheço desde que me lembro. Embora eu analise a branquitude invisível e reflita frequentemente sobre sua natureza excludente, observo como uma outsider. Entendo que esse não é o caso para a maior parte das pessoas brancas, que passam pelo mundo alegremente alheias de sua própria raça até que sua dominância seja posta em xeque. Quando pessoas brancas pegam uma revista, navegam na internet, leem um jornal ou zapeiam na TV, nunca é raro ou estranho ver pessoas que se parecem com elas mesmas em posições de poder ou exalando autoridade. Na cultura, em particular, as afirmações positivas de branquitude são tão difundidas que a pessoa branca comum sequer as nota. Em vez disso, essas afirmações são tranquilamente consumidas. Ser branco é ser humano, ser branco é universal. Eu só sei disso porque não sou. Escrevi este livro para articular essa sensação de ter sua voz e confiança tiradas de você na arrogância do status quo. Este livro foi escrito para contrariar a falta de conhecimento histórico e do pano de fundo político que você precisa para ancorar sua oposição ao racismo. Espero que você o use como uma ferramenta. * * * Nunca vou me impedir de falar sobre raça. Cada voz levantada contra o racismo afasta seu poder. Nós não podemos nos permitir ficar em silêncio. Este livro é uma tentativa de falar. N.T.: O termo “pessoa de cor” foi traduzido de forma literal do inglês para preservar a escrita da autora e o sentido inicial. Ao usar essa expressão, a autora se refere a todas as pessoas não-brancas. Esse documentário de 1994 sobre raça foi apoiado pela Oprah na época em que foi lançado. É um filme poderoso. N.T.: “Black and brown people”, no original. 1 HISTÓRIAS Foi só a partir do meu segundo ano na universidade que comecei a pensar na história dos negros na Grã-Bretanha. Eu tinha entre dezenove e vinte anos e tinha acabado de fazer uma nova amiga. Estávamos estudando o mesmo curso e passávamos a maior parte do tempo juntas mais pela proximidade e o medo da solidão do que por interesses em comum. Ao escolhermos uma das nossas próximas matérias, optamos por um módulo sobre o tráfico transatlântico de escravos. Nenhuma de nós sabia bem o que esperar. Eu só havia tido contato com a história dos negros por meio de exibições educacionais centradas na América e em planos de aula no ensino primário e secundário. Com um foco enorme em Rosa Parks, nas rotas clandestinas de Harriet Tubman* e Martin Luther King Jr., os nomes mais conhecidos do movimento americano pela busca dos direitos sempre pareceram importantes para mim, mas também era milhões de quilômetros distantes da minha vida como uma jovem menina negra, crescendo no norte de Londres. Entretanto, esse curto módulo da universidade mudou completamente a minha perspectiva. Ele trouxe a história da colonização britânica e do tráfico de escravos incrivelmente para perto de casa. Durante o curso, descobri que era possível pular em um trem e visitar um antigo porto de escravos em três horas. E foi exatamente o que fiz enquanto viajava para Liverpool, que tinha o maior porto de escravos do Reino Unido. Um milhão e meio de africanos passaram pelo porto da cidade. O Albert Dock abriu quatro décadas depois que o último navio de escravos, o Kitty’s Amelia, zarpou da cidade, mas foi o mais próximo que cheguei de encarar o mar e imaginar a cumplicidade da Grã-Bretanha no comércio de escravos. De pé na beira do cais, senti desespero. Passando pelos edifícios mais antigos da cidade, me senti mal. Onde quer que eu olhasse, conseguia ver o legado da escravidão. Na universidade as coisas estavam começando a se encaixar para mim. Durante uma orientação, lembro-me claramente de um debate onde questionavam se o racismo era simplesmente uma discriminação ou uma discriminação baseada no poder. Pensar no poder me fez perceber que o racismo era muito mais do que preconceito pessoal. Era sobre estar na posição de afetar negativamente as chances de vida de outras pessoas. Minha visão começou a mudar drasticamente. Minha amiga, por outro lado, ficou apenas em algumas aulas antes de largar a disciplina. “Não é para mim”, ela disse. Suas palavras não caíram bem comigo. Agora entendo o porquê. Eu me ressentia do fato de que ela parecia sentir que essa parte da história britânica não era de forma alguma relevante para ela. Ela era indiferente aos fatos. Talvez, para ela, os dados não parecessem reais, urgentes ou pertinentes para sua forma de viver a vida agora. Não sei o que ela pensou, porque eu não tinha os recursos para levantar essa questão com ela na época. Mas agora sei o que me ressentia nela. Porque eu sentia que sua branquitude a permitia demonstrar desinteresse na violenta história da Grã-Bretanha, fechar os olhos e dar as costas. Para mim, isso não parecia uma informação que você poderia escolher não aprender. Com o rápido avanço da tecnologia transformando a forma como vivemos – saltos e limites sendo dados em apenas décadas, em vez de séculos – o passado nunca foi tão distante. Nesse contexto, é fácil ver a escravidão como algo terrível que aconteceu em um passado bem distante. É fácil se convencer de que o passado não tem influência na maneira como vivemos hoje. Mas o Ato de Abolição da Escravidão foi apresentado ao Império Britânico em 1833, há menos de 200 anos. Dado que os britânicos começaram a negociar escravos africanos em 1562, a escravidão como instituição britânica existiu pormuito mais tempo do que atualmente foi abolida – mais de 270 anos. Gerações e gerações de vidas negras foram roubadas, famílias foram destruídas, comunidades foram separadas. Centenas de pessoas nasceram na escravidão e morreram sendo escravas, nunca entendendo o que poderia significar ser livre. Vidas inteiras sustentando a brutalidade e violência constantes, vivendo em um medo sem fim. Geração após geração de riqueza branca sendo acumulada dos lucros da escravidão, sendo agravada e infiltrando-se no cerne da sociedade britânica. A escravidão era um comércio internacional. Europeus brancos, incluindo os britânicos, negociavam com as elites africanas, trocando produtos e bens para o povo africano, o que alguns negociantes brancos de escravos chamavam de “gado negro”. Ao longo do período do tráfico de escravos, estima-se que 11 milhões de pessoas negras africanas foram transportadas pelo Oceano Atlântico para trabalharem sem remuneração em plantações de açúcar e algodão, nas Américas e nas Índias. Os registros mantidos não eram diferentes das contas de um negócio moderno, documentando lucros e perdas, e mantendo listas detalhadas de negros comprados e vendidos. Esse estoque humano – esse “gado negro”, era a commodity ideal. Escravos eram mercadorias lucrativas. Os sistemas reprodutivos das mulheres negras foram industrializados. Crianças nascidas escravas eram propriedade padrão dos donos de escravos e isso representava trabalho ilimitado, sem custo adicional. Essa reprodução foi muito facilitada pela rotina de estupro a qual as escravas africanas eram sujeitadas pelos proprietários brancos de escravos. Lucros e perdas também significavam documentar as mortes do “gado negro”, porque isso era ruim para os negócios. Os vastos navios negreiros que transportavam os africanos através do Atlântico eram severamente apertados. A jornada poderia demorar até três meses. O espaço ao redor de cada escravo era semelhante ao de um caixão, condenando-os a viver entre sujeira e fluidos corporais. Os mortos e moribundos eram jogados ao mar por motivos de fluxo de caixa: poderia ser recolhido um dinheiro do seguro para os escravos que morressem no mar. A imagem do navio negreiro Brooks, publicada pela primeira vez em 1788 pelo abolicionista William Elford, retratava as condições habituais.1 Ela mostra um navio negreiro bem carregado: corpos eram alinhados um a um, horizontalmente, em quatro fileiras (com três fileiras extras na parte de trás do navio), mostrando a eficiência insensível usada para transportar uma carga de pessoas africanas. O Brooks era propriedade de um comerciante de Liverpool chamado Joseph Brooks. Contudo, a escravidão não estava acontecendo apenas em Liverpool. Bristol também tinha um porto de escravos, assim como Lancaster, Exeter, Plymouth, Bridport, Chester, Poulton-le-Fylde, em Lancasshire, e, claro, Londres.2 Embora os africanos escravizados transitassem regularmente pelas costas britânicas, as plantações em que trabalhavam não eram no Reino Unido, mas nas colônias britânicas. A maioria estava no Caribe, então, ao contrário da situação na América, a maioria dos britânicos via o dinheiro sem o sangue. Alguns britânicos possuíam plantações que funcionavam quase inteiramente com trabalho escravo. Outros compravam apenas um punhado de escravos de plantação, com a intenção de obter um retorno sobre seus investimentos. Muitos escoceses foram trabalhar como feitores de escravos na Jamaica, e alguns trouxeram seus escravos com eles quando voltaram para a Grã-Bretanha. Escravos, assim como qualquer outra propriedade particular, poderiam ser herdados, e muitos britânicos viveram confortavelmente do trabalho de pessoas negras escravizadas, sem se envolverem diretamente na transação. A Sociedade para Efetuar a Abolição do Comércio de Escravos, fundada em Londres em 1787, foi ideia do funcionário público Granville Sharp e do militante Thomas Clarkson. Sharp e Clarkson formaram a sociedade com dez outros homens, a maioria era Quakers.* Eles fizeram campanha por 47 anos, ganhando amplo apoio e atraindo líderes de alto nível, como membros do Parlamento – sendo o mais famoso o abolicionista William Wilberforce. A pressão pública da campanha funcionou e uma lei do Parlamento declarou a escravidão abolida do Império Britânico em 1833. Todavia, os beneficiários da compensação pela dissolução de uma indústria lucrativa e significativa não foram aqueles que haviam sido escravizados. Em vez disso, foram os 46 mil cidadãos britânicos e proprietários de escravos que receberam cheques por suas perdas financeiras3. Essa compensação unilateral parecia ser a conclusão lógica para um país que havia negociado com carne humana. Apesar da abolição, uma lei do Parlamento não iria mudar a percepção, da noite para o dia, dos africanos escravizados, de quase animal para humano. Menos de 200 anos depois, esse dano ainda está para ser desfeito. Depois da universidade, eu estava com sede de mais informações. Eu queria saber sobre os negros na Grã-Bretanha e pós-escravidão. No entanto, essas informações não eram facilmente acessíveis. Essa era a história disponível apenas para as pessoas que realmente se importavam, apenas “alcançada” por meio de uma grande quantidade de estudo independente. Então procurei ativamente e comecei a investigar o Mês da História Negra. A existência do Mês da História Negra no Reino Unido é relativamente recente. Foi apenas em 1987 que as autoridades locais, em Londres, começaram a organizar eventos para celebrar as contribuições negras para o Reino Unido. Linda Bellos nasceu em Londres de um pai nigeriano e uma mãe branca britânica e foi sob sua liderança que um Mês da História Negra Britânica passou a existir. Na época, ela era líder do Conselho de Lambeth, no sul de Londres, e presidente da Unidade de Política Estratégica de Londres – parte do agora extinto Grande Conselho de Londres. A ideia do Mês da História Negra foi pensada por Ansel Wong, chefe da divisão de igualdade racial da Unidade de Políticas Estratégicas. “Eu disse sim, vamos fazer”, ela me explicou em sua casa em Norwich. “Pensei que o Mês da História Negra era uma ótima ideia. O que eu não iria fazer, era torná-lo como o americano, porque nós temos uma história diferente… Existem tantas pessoas que não têm ideia – e estou falando de pessoas brancas – nenhuma ideia sobre a história do racismo. Eles não sabem por que estamos neste país.” Ansel organizou o primeiro Mês da História Negra e Linda foi a anfitriã do evento. Foi uma celebração em toda a cidade de Londres. A decisão de mantê-lo em outubro foi em grande parte logística, os Estados Unidos realizam seu mês da história negra em fevereiro desde que começou, em 1970. “Nossa convidada de honra foi Sally Mugabe”, explicou Linda. “Não havia tempo o suficiente para convidá-la. Se tivéssemos feito duas semanas [depois], não teríamos as pessoas de que precisávamos.” “Nós éramos mais inclusivos”, acrescentou ela. “O negro foi definido em seus termos políticos. Africano e asiático.* Nós só organizamos por dois anos, porque Thatcher estava cortando todos os nossos orçamentos. Teria sido um prazer”. Depois de dois anos do esgotamento do financiamento central e liderança da Unidade de Política Estratégica de Londres, o Mês da História Negra continuou na Grã-Bretanha, ainda que esporadicamente. Ele consiste de exposições de trabalhos de artistas da diáspora** africana, eventos de painéis que debatem raça e celebrações culturais mais amenas, como desfiles de moda e festivais gastronômicos. Falando com Linda, parecia que ela era cética em relação aos valores das atividades atuais do Mês da História Negra. Quando perguntei por que ela queria o Mês da História Negra na Grã-Bretanha, ela disse que era para “Celebrar a contribuição dos negros no Reino Unido. Não era sobre cabelo… era mês da história, não mês da cultura. Houve uma história, uma história que eu tinha conhecimento, da experiência do meu pai.” A história da negritude na Grã-Bretanha foi fragmentada. Por um tempoembaraçosamente longo, eu nem havia percebido que os negros tinham sido escravos no Reino Unido. Havia uma sabedoria herdada de que todos os negros e pardos do Reino Unido eram imigrantes recentes. Não se discute sobre a história do colonialismo, ou de porquê as pessoas da África e da Ásia vieram se estabelecer na Grã-Bretanha. Eu conhecia vagamente a Geração Windrush, os 492 caribenhos que viajaram para a Inglaterra de barco em 1948. Isso porque eles eram os parentes mais velhos de pessoas que conheci na escola. Não houve nenhuma apresentação de “presença negra na Grã-Bretanha” que não incluísse a Windrush. Porém, a maior parte do meu conhecimento da história negra era a partir da história americana. Essa foi uma educação inadequada em um país onde crescentes gerações de negros e pardos continuam se considerando britânicos – inclusive eu. Me foi negado um contexto, uma capacidade de entender a mim mesma. Eu precisava saber por que, quando as pessoas balançavam a bandeira e gritavam “queremos nosso país de volta”, parecia que o grito estava voltado para pessoas como eu. Que história eu havia herdado que me fez uma alienígena no meu lugar de nascimento? Em 1º de novembro de 2008, em um evento que marcou o 50º aniversário do Instituto de Relações Raciais, o diretor do instituto Ambalavaner Sivanandan falou para a sua audiência: “Estamos aqui porque você estava lá”. Desde então essa frase foi absorvida pelo vocabulário negro britânico. Querendo saber mais sobre o que isso significava, pesquisei mais a fundo, procurando evidências. A primeira resposta que encontrei foi a guerra. O envolvimento da Grã-Bretanha na Primeira Guerra Mundial não se limitou apenas aos cidadãos britânicos. Graças à radical construção de seu império, pessoas de países que não eram europeus – colonização à parte –, se viram na expectativa de morrer pelo Rei e pelo país. Quando, em 2013, o British Council perguntou às pessoas sobre suas percepções sobre a Primeira Guerra Mundial, eles descobriram que a maioria dos britânicos não tinha uma compreensão do impacto internacional, apesar do apelido de “Guerra Mundial”. “Por causa do alcance dos impérios”, diz o relatório do conselho, “soldados e trabalhadores foram recrutados no mundo todo.”4 Nos sete países* que o British Cuncil pesquisou sobre a Primeira Guerra Mundial, a grande maioria dos entrevistados achava que tanto a Europa ocidental quanto a oriental estavam envolvidas. Em comparação, uma média de apenas 17% achava que a Ásia estava envolvida e apenas 11% dos entrevistados identificaram o envolvimento da África. Pode ser que esse equívoco sobre quem lutou pela Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra Mundial tenha levado a uma quase eliminação das contribuições dos negros e pardos. Essa é uma eliminação que não poderia estar mais longe da verdade. Mais de 1 milhão de soldados indianos – ou sipaios (soldados indianos que servem a Grã-Bretanha) – lutaram pelo Reino Unido na Primeira Guerra Mundial5. A Grã-Bretanha prometera a esses soldados que seu país estaria livre do domínio colonial se eles lutassem. Os sipaios viajaram para a Inglaterra com a crença de que eles não apenas lutariam, mas que, ao fazê-lo, estariam contribuindo para a eventual libertação de seu país. Sua jornada para a Europa foi implacável. Eles viajaram de navio, sem a roupa apropriada para a mudança do clima. Muitos sipaios sofreram com um frio glacial que nunca haviam experimentado antes, com alguns morrendo devido à exposição. E mesmo durante a guerra, os sipaios não receberam o tratamento que esperavam. Mesmo o sipaio com o posto mais alto estava abaixo do soldado britânico branco de menor escalão na hierarquia militar. Se ferido, um sipaio seria tratado no segregado Pavilhão de Brighton e no Hospital Dome para as tropas indianas. O hospital era cercado de arame farpado para desencorajar os sipaios feridos de se misturem com os locais. Cerca de 74 mil sipaios morreram lutando na guerra, mas a Grã-Bretanha recusou-se a cumprir sua promessa de libertar a Índia do domínio colonial. Um número muito menor de soldados viajou das Índias Ocidentais para lutar pela Grã-Bretanha.6 O Memorial Gates Trust, uma instituição de caridade criada para homenagear os soldados indianos, africanos e caribenhos que morreram pela Grã-Bretanha durante as duas guerras mundiais, estima o número em 15.600. Esses soldados eram conhecidos como o Regimento Britânico das Índias Ocidentais (RBIO). No Caribe, o exército britânico recrutou de áreas pobres e, assim como na Índia, havia um sentimento entre alguns dos candidatos ao recrutamento de que sua participação na guerra levaria a reformas políticas em casa. No entanto, essa opinião não era generalizada e havia um número significativo de caribenhos que se opuseram ao combate das Índias Ocidentais, chamando- a de “guerra dos homens brancos”. Apesar da resistência de alguns, milhares de habitantes das Índias Ocidentais abandonaram seus empregos para viajar para a Europa. Mais uma vez, a longa viagem de barco foi implacável. A Grã-Bretanha precisava da mão-de-obra extra, mas o governo falhou em fornecer às Índias Ocidentais as roupas adequadas para sobreviver à jornada, assim como aconteceu com os sipaios. Em 1916, o SS Verdala, viajando das Índias Ocidentais para oeste de Sussex, teve que fazer um desvio para Halifax, no leste do Canadá. Centenas de recrutas das Índias Ocidentais sofreram queimaduras por congelamento, com alguns morrendo por exposição ao clima rigoroso e frio. Quando chegou, a maioria do Regimento Britânico das Índias Ocidentais não lutou, inicialmente, ao lado dos soldados britânicos brancos no campo de batalha. Em vez disso, eles foram relegados a posições de apoio, se encarregando de trabalhos em prol dos soldados brancos. Seus deveres incluíam tarefas árduas, como cavar trincheiras, construir estradas e transportar soldados feridos em macas. Quando os regimentos ingleses (formados por pessoas brancas) foram enfraquecendo em batalha, os soldados das Índias Ocidentais receberam permissão para lutar. Quase 200 homens morreram lutando ao final da guerra. Em 1918, o ressentimento entre os soldados das Índias Ocidentais era generalizado. Enquanto o regimento estava estacionado em Taranto, na Itália, alguns homens receberam notícias de que os soldados brancos britânicos haviam ganhado um aumento salarial do qual os das Índias Ocidentais haviam sido excluídos. Indignados com o tratamento, os soldados entraram em greve, reunindo assinaturas para que uma petição fosse enviada ao secretário de Estado, o que rapidamente evoluiu para uma rebelião coletiva. Durante o motim de Taranto, um dos grevistas foi morto a tiros por um oficial negro sem patente e uma bomba foi disparada. A rebelião foi rapidamente suprimida e 60 suspeitos rebeldes do Regimento das Índias Ocidentais Britânicas foram julgados por seu envolvimento em um motim. Alguns foram presos e um dos homens foi sentenciado a morte por fuzilamento. Os soldados maltratados das Índias Ocidentais voltaram para casa e a repressão ao motim em Taranto contribuiu para uma pressão por um movimento de autodeterminação negra no Caribe. Contudo, também existiram soldados negros que escolheram ficar na Grã-Bretanha depois da guerra. Quando as batalhas chegaram ao fim e os soldados foram desmobilizados, os ex-soldados negros que moravam na Grã-Bretanha começaram a ser perseguidos. Manifestações parecem sempre começar no verão. Em 6 de junho de 1919, sete meses depois do fim da Primeira Guerra Mundial, rumores começaram a circular em Newport, ao sul do País de Gales. Foi alegado que uma mulher branca havia sido menosprezada por um homem negro. Enquanto um número crescente de pessoas brancas iradas e agitadas compartilhava as notícias entre si, uma multidão reuniu-se e depois se dirigiu às casas de homens negros na área. Alguns dos homens revidaram com armas gerando brigas e confrontos. O que, nos dias seguintes, levou um caribenho a esfaquear um homem branco. Apenas cinco dias depois, em 11 de junho, o South WalesEcho, um tabloide diário, reportou: “Um veículo contendo alguns homens de cor e mulheres brancas estava passando pela East Canal Wharf. Isso atraiu uma multidão.”7 Cardiff, outro porto da cidade, tinha sido contagiado por um sentimento antinegros. Ao ver os homens negros e as mulheres brancas juntos, uma multidão frenética começou a atirar pedras no veículo. Não se sabe ao certo se alguém dentro do veículo foi ferido. Dias depois, em um violento protesto à audácia das relações inter-raciais, outra raivosa multidão de pessoas brancas se deparou com uma mulher branca que era conhecida por ter se casado com um africano. Eles a despiram e a deixaram nua. Na cidade portuária de Liverpool, um semelhante ódio racial estava começando a ganhar força. O emprego durante o Pós-guerra era escasso e mais de 100 trabalhadores negros de fábricas, de repente e rapidamente, perderam seus empregos após trabalhadores brancos se recusarem a trabalhar junto aos negros. Em 4 de junho de 1919, um caribenho foi esfaqueado no rosto por dois brancos depois de uma discussão por causa de um cigarro. Seguiram-se inúmeras brigas, com a polícia saqueando casas onde ela sabia que viviam negros. O frenesi resultou em um dos mais horríveis crimes de ódio racial da história britânica. Charles Wootton, um marinheiro de 24 anos, foi abordado por uma multidão branca enfurecida e jogado na King’s Dock. Enquanto ele nadava, desesperadamente tentando sair da água, foi atingido por tijolos até que se afogou. Algum tempo depois, seu corpo sem vida foi retirado da doca. Foi um linchamento público. Os dias que seguiram o assassinato de Charles Wootton mostraram multidões brancas dominando as ruas de Liverpool enquanto atacavam qualquer negro que vissem no caminho.8 Esses atos de ódio racial cruel não passaram despercebidos pelo governo britânico. Preocupado com os níveis de agitação em todo o país, o Estado respondeu da única maneira que sabia: com uma campanha de repatriamento. Como resultado, 600 negros foram enviados “de volta de onde vieram” em setembro de 1919.9 Apesar de seus melhores esforços para fingir o contrário, a Grã- Bretanha está longe de ser uma cultura única. Olhando para fora quando é mais adequado, a história nos mostra que esse país criou um império global do qual poderia tirar mão de obra com facilidade. Mas ele não estava pronto para as repercussões e responsabilidades que acompanharam sua colonização de países e culturas. Foram os negros e pardos que sofreram as consequências. Entretanto, algumas dessas pessoas reagiram. Nascido em Kingston, Jamaica, em 1882, o doutor Harold Moody não foi um dos jovens caribenhos que lutaram pela Grã-Bretanha na Primeira Guerra Mundial. Em vez disso, ele chegou a Bristol, em 1904, com 22 anos, focado no avanço de sua educação. Ele se empenhava para se tornar médico e passara o tempo trabalhando na bem-sucedida farmácia de seu pai, em Kingston, para economizar dinheiro para seus estudos. Com a Jamaica ainda sob o domínio britânico, sua mudança para a Inglaterra não foi uma surpresa. Entre os jamaicanos, a Grã-Bretanha era vista como “país-mãe”. • Depois que chegou, ele embarcou em um trem expresso para a estação de Paddington, em Londres, e ficou em um hostel conhecido como Associação de Jovens Cristãos (AJC), até que encontrou um lugar permanente para viver. Foi durante esses primeiros dias em solo britânico que ele aprendeu que o “país-mãe” não seria tão hospitaleiro quanto ele foi levado a acreditar. Ele lutou para conseguir alugar e foi afastado de uma série de potenciais alojamentos antes de conseguir um lugar em Canonbury, no norte de Londres. Uma vez estabelecido, Harold começou o treinamento médico. Ele se formou em 1912 e passou a procurar emprego. Ele se candidatou a um cargo no King’s College Hospital, mas seus potenciais empregadores não queriam contratar um homem negro.10 Ele tentou novamente, se inscrevendo para uma posição no sul de Londres, com o Conselho de Guardiões de Camberwell. A diretoria era parte da Poor Law Parish de Camberwell, uma organização local do governo que supervisionava o bem-estar dos moradores mais idosos e vulneráveis da região com uma clínica, além de gerenciar abrigos e workhouses.* Ele também foi recusado nesse emprego, mas não sem antes escutar que “Os pobres não aceitariam que um negro os atendesse.”11 Determinado a servir a comunidade, Harold respondeu a essas derrotas ao começar a oferecer atendimentos particulares. Um ano depois de se qualificar, a clínica do Dr. Moody abriu na 111 King’s Road, em Peckham, na região sudeste de Londres. Apesar de ter sofrido atos de discriminação racial, foi o seu cristianismo, mais do que sua política, que levou Dr. Moody ao ativismo. Para ele, o racismo era uma questão religiosa. Ele era participativo na comunidade cristã como um todo. Seu respeitável trabalho de classe média o colocou como um farol para os negros nas décadas de 1920 e 1930, na Grã-Bretanha. Ele trabalhou em prol da comunidade, rapidamente se tornando um homem conhecido por ajudar quem estivesse precisando. Essa popularidade o levou a formar a League of Coloured Peoples**, em 1931. A League era tanto uma missão cristã quanto uma organização de campanhas. Seus objetivos, publicados em seu jornal trimestral, The Keys, eram: Promover e proteger os interesses sociais, educacionais, econômicos e políticos de seus membros; • • • gerar interesse dos membros no bem-estar dos povos de cor em todas as partes do mundo; melhorar as relações entre raças; cooperar e se filiar a organizações simpáticas às pessoas de cor12. Publicado pela primeira vez em 1933, The Keys serviu como braço escrito da League, fazendo campanha contra o racismo na contratação, habitação e na sociedade em geral. Em 1937, o The Keys publicou uma severa troca de palavras com o Hospital de Manchester sobre o impedimento de contratar enfermeiras negras. A carta questiona uma frase do chefe de enfermagem do hospital que havia escrito abertamente: “Nunca aceitamos enfermeiras negras aqui. A questão foi levantada uma vez pelo Comitê de Enfermagem e foi decidida uma regra definitiva de que ninguém de linhagem negroide poderia ser considerado para o treinamento.” Dr. Moody, então presidente da League, escreveu para o conselho do hospital, só para descobrir que não havia regra como essa em vigor. “Não existe”, dizia a resposta de N. Cobboth, presidente do conselho, “nenhuma regra contra a admissão de mulheres negras para treinamento como enfermeiras na Manchester Royal Infirmary, e a diretoria gostaria de deixar claro que cada inscrição será individualmente considerada pelo seu mérito.”13 O trabalho de Dr. Moody com a League of Coloured Peoples foi, possivelmente, a primeira campanha antirracista da Grã-Bretanha, no século XX, e esse trabalho teria, no futuro, implicações importantes para as relações de raça no país. Durante o tempo em que o Dr. Harold Moody vivia em Londres e estava fazendo um trabalho pioneiro para pessoas negras, um aspecto de sua vida pessoal – seu relacionamento com uma mulher branca e seus filhos mestiços* ** foi um motivo de discussão na sociedade britânica na época. Relações entre raças eram controversas no começo do século XX e, no noroeste da Inglaterra, essas relações eram consideradas perturbadoras o suficiente para justificar pesquisas acadêmicas. No final da década de 1920, a Universidade de Liverpool foi solidificando seu departamento de Ciências Sociais, liderado pela antropóloga Rachel M. Fleming. Sua pesquisa foi sobre o que ela chamou de “crianças híbridas” – aquelas na qual os pais são negros e as mães são brancas.* Com Liverpool sendo uma cidade portuária, muitos marinheiros negros encontraram residências permanentes ali. Acadêmicos estimam que a população negra de Liverpool era de 5 mil na época. Indo contra as manifestações fomentadas pela raça e o linchamento de Charles Wootton, as relações entre raças existiam, mas eram vistas por muitos como um problema social que precisava ser erradicado. Foi nesse contexto que RachelFleming ganhou o apoio das autoridades de Liverpool para pesquisar as crianças “miseráveis” da cidade – mas, leia-se: crianças mestiças. Ela fundou a Liverpool Association for the Welfare of Half-Caste Children em 1927. Muriel Fletcher, formada pela University of Liverpool, trabalhando como oficial de liberdade condicional, foi encarregada de escrever o primeiro relatório da associação. Esse trabalho significava que, por meio dos serviços de assistência social, ela tinha contato com algumas das famílias mais pobres da cidade, e foi através dessa visão distorcida para com algumas das famílias inter-raciais mais pobres, que ela conduziu sua pesquisa. O relatório sobre a Investigação do problema da cor em Liverpool e outros portos foi publicado em junho de 1930. Concluiu, com escassa evidência, que as doenças venéreas eram duas vezes mais prováveis de serem encontradas em marinheiros negros do que em marinheiros brancos, e que crianças fruto de diferentes etnias – ou para usar a linguagem do relatório, “mestiças” – eram mais propensas a ficar doentes por causa disso. “As crianças pareciam ficar resfriadas frequentemente, além de muitas também serem raquíticas, e vários casos foram relatados em que havia um histórico familiar ruim para a tuberculose”, escreveu Fletcher. Talvez refletindo atitudes populares na época, Fletcher considerou meninas e mulheres mestiças tingidas por sua raça, escrevendo: “Apenas dois casos foram encontrados em Liverpool com mestiças que se casaram com homens brancos e, em um desses casos, a família da garota forçou o homem a se casar.”14 Em seu relatório, Muriel Fletcher organizou as mulheres brancas que escolheram relacionar-se com homens negros em quatro categorias: as mentalmente fracas, as prostitutas, as jovens e imprudentes, e as que se sentiam forçadas ao casamento por causa de filhos ilegítimos. As crianças que foram pesquisadas no estudo tiveram seus olhos examinados e seus narizes medidos, com suas características faciais categorizadas como “negróide” ou “inglesa”. Comentando o fato de que jovens adultos mestiços tinham dificuldade para encontrar emprego, Fletcher escreveu: “Mães de um tipo melhor lamentavam o fato de terem trazido essas crianças ao mundo, prejudicadas por sua cor.” Ecoando o imensamente popular movimento eugenista da época, parece que Muriel Fletcher achava que a mistura de raça – ou, como os eugenistas a chamavam, miscigenação – era tão abominável que os filhos de relações mestiças tinham “pouco futuro”. Popular no início do século XX, o movimento eugenista britânico acreditava que a classe social era determinada por fatores biológicos, como inteligência, saúde e os vagos critérios de “valores morais”. Os eugenistas argumentavam que aqueles com qualidades desejáveis deveriam ser encorajados a se reproduzir, enquanto os que não o possuíam deveriam ser desencorajados. O racismo era inerente aqui: a branquitude era para ser aspirada, enquanto qualquer indício de herança negra era considerado um tipo de contaminação, levando a uma linha dura contra as relações inter-raciais e as pessoas mestiças. Apesar do apoio de nomes influentes como John Maynard Keynes e George Bernard Shaw, não havia legislação aprovada na Grã-Bretanha para cimentar a eugenia no funcionamento do Estado – por exemplo, esterilização forçada –, e um projeto de lei de 1931 que defendia essa proposta não foi aprovado. Na publicação, o relatório de Muriel Fletcher sobre A investigação sobre o problema da cor em Liverpool e outros portos teve um impacto nacional, com um representante da Sociedade Anti-escravidão chamando- o de um “documento extraordinariamente capaz” contendo “os mais impressionantes e autoritários detalhes”. Em um estudo recente sobre o relatório, o acadêmico Mark Christian argumentou que ele teve um efeito negativo duradouro sobre os negros de Liverpool e cimentou o uso do termo “meio-casta”15. As consequências de outra guerra mundial trouxeram novas demandas de mão de obra, e o Reino Unido incentivou a imigração mais uma vez. Quando o SS Empire Windrush partiu do Caribe para a Inglaterra, transportava 490 homens caribenhos e duas mulheres caribenhas, todos preparados para a tarefa de restaurar uma Grã-Bretanha pós-guerra.16 O Windrush ancorou em Tilbury, em Thurrock, Essex, em 22 de junho de 1948. Naquele mesmo ano, o governo introduziu a Lei de Nacionalidade Britânica – uma lei que efetivamente dava aos cidadãos da Commonwealth* os mesmos direitos de residir como súditos britânicos. A população negra do país continuou a crescer. Entre 1951 e 1961, a população britânica nascida no Caribe cresceu de 15 mil para 172 mil,17 com a maioria dessas pessoas da Jamaica (um aumento na população de 6 mil para 100 mil).18 Em 1958, a população negra de Nottingham era de 2.500. Mas uma década de legislação explicitamente dando as boas-vindas aos cidadãos da Commonwealth à Grã-Bretanha não mudou o comportamento do lugar. Trechos de um jornal local relatam uma “escala de cor” nos bares de Nottingham, com homens negros tendo que ficar em pé, ao lado, até que pessoas brancas tivessem sido servidas. O ressentimento dos brancos em relação aos moradores negros da cidade era abundante, e o ressentimento dos negros pelo ressentimento branco fervia. Em 23 de agosto de 1958, uma discussão em um bar entre uma mulher branca e um homem negro saiu do controle. Relatos sobre o que provocou os seguintes eventos são imprecisos. O que sabemos é o seguinte: mais tarde naquele dia, mil pessoas haviam se amontoado na St Ann’s Well Road, prontas para manifestar. Lâminas, facas e garrafas foram usadas como armas e oito pessoas foram hospitalizadas. O que ocorreu em Nottingham também estava acontecendo em outras partes do país. Em 20 de agosto, em Notting Hill, a oeste de Londres, um grupo de teddy boys – homens brancos e amantes de rock and roll que usavam sapatos e terninhos – foram às ruas com o único objetivo de atacar negros. Eles se chamavam de “caçadores de crioulos”. Naquela noite, sua onda violenta colocou cinco homens negros no hospital.19 Naquela época, Notting Hill era uma área pobre e superlotada de Londres, com o desespero por habitações sendo explorado pelo notório “senhorio de favelas”, Peter Rachman. A reputação de Rachman era tão ruim que seu nome se tornou sinônimo de mau tratamento a inquilinos. O Chambers 21st Century Dictionary define rachmanismo como “exploração ou extorsão de inquilinos que vivem em condições de favela por um senhorio”.20 Foram os negros as vítimas do problema das propriedades pequenas e dilapidadas de Rachman e seus aluguéis extorsionários. Eles mal tinham escolha. Relatos orais dos que viveram naqueles dias relatam placas que diziam “sem negros, sem cachorros, sem irlandeses” nas janelas de propriedades mais respeitáveis.21 Isso só exacerbou as relações raciais dos pobres na capital. Nove dias depois da caça aos negros dos teddy boys de Notting Hill, e um casal inter-racial – um homem negro e uma mulher branca suíça – estavam discutindo do lado de fora da estação de metrô Latimer Road. Era um feriado bancário de agosto. Com muitos fora do trabalho, a discussão atraiu uma multidão de homens brancos, que saltaram para defender a mulher, talvez acreditando que ela estava sob ataque. Percebendo o ataque, alguns negros se envolveram para apoiar o marido dela. Eles começaram a lutar entre si. Mais tarde, entrevistas com manifestantes brancos sugerem que havia um rumor de que um homem negro tinha estuprado uma mulher branca.22 Esta luta fora de uma estação rapidamente se transformou em 200 pessoas brancas vagando pelas ruas gritando insultos racistas. Enquanto o confronto se intensificava, alguns manifestantes brancos ameaçaram a polícia por impedi-los de atacar pessoas negras. Os tumultos se estenderam por três dias inteiros. Suásticas foram pintadas nas portas de famílias negras. Negros revidaram com armas e coquetéis molotov improvisados. Aqueles negros que foram parados na rua pela polícia, durante a violência, enfatizaram sua necessidade de sedefender. Nenhuma fatalidade foi registrada, mas mais de 100 pessoas – a maioria branca – foram presas. Em 2002, documentos divulgados prematuramente pelo governo revelaram que os detetives da polícia tiveram sucesso em convencer o então Ministro dos Assuntos Internos, Rab Butler, de que os confrontos em Nothing Hill não eram sobre raça, mas simplesmente o trabalho de hooligans.* “Apesar de que havia, certamente, algum sentimento ruim entre residentes brancos e de cor nesta área”, escreveu o sargento detetive M. Walters, “é muito claro que grande parte do problema foi causado por rufiões, tanto brancos quanto negros, que aproveitaram a oportunidade para se entregar ao vandalismo.” Nenhuma menção aos “caçadores de crioulos”, os teddy boys, foi feita.23 Depois de Nottingham e Notting Hill, as relações raciais na Inglaterra estavam se deteriorando rapidamente. Estava ficando claro para os negros pós-Windrush na Grã-Bretanha que eles não poderiam viver tranquilamente, trabalhar, pagar impostos e se encaixar. Que, em vez disso, seriam punidos por sua própria existência no Reino Unido. O trabalho de negros e pardos foi essencial para o sucesso da Grã-Bretanha nas duas guerras mundiais, mas os negros enfrentariam extrema rejeição nas décadas seguintes. Ao longo da década de 1950, o governo relutou em reconhecer que o país tinha um problema com o racismo. Mas existia um movimento. Em 1960, o parlamentar trabalhista Archibald Fenner Brockway tentou, repetidamente, apresentar uma lei de discriminação racial com o objetivo de proibir “a discriminação em detrimento de qualquer pessoa com base em cor, raça e religião no Reino Unido”.24 Em cada uma das nove vezes que ele apresentou a proposta, foi derrotado.25 Do outro lado da balança, em 1959, Oswald Mosley, fundador da União Britânica de Fascistas, achou por bem voltar à política parlamentar depois de deixar o cargo em 1930. Ele ficou em um eleitorado perto de Notting Hill e defendeu a repatriação de imigrantes, perdendo com uma quota de 8,1% dos votos. Apenas pouco menos de uma década depois dos confrontos em Nottingham e Notting Hill, o Estado tentou propor uma solução para o problema do racismo na Grã-Bretanha. Entrando em vigor em 31 de maio de 1962, a Commonwealth Immigrants Act restringiu drasticamente os direitos de imigração aos cidadãos britânicos da Commonwealth. Até a escolha de palavras foi diferente. A Lei de Nacionalidade Britânica de 1948 usou a palavra “cidadãos” para se referir àqueles vindos dos países da Commonwealth; em 1962, eles foram descritos como “imigrantes”, acrescentando uma nova camada de estrangeirismo às pessoas que tinham desfrutado do direito de residir apenas quatorze anos antes. Com uma nova ênfase em trabalhadores qualificados, a Lei de Imigrantes da Commonwealth afirmou que aqueles que desejariam se mudar para a Grã- Bretanha agora precisavam de uma autorização de trabalho para ficarem no país.26 A lógica por trás disso prevalece até hoje. Então, em 1965, a primeira legislação britânica de relações raciais foi concedida pelo parlamento. A Lei de Relações Raciais foi uma escolha estranha para o governo britânico, que havia feito uma declaração tão forte contra a livre circulação de seus cidadãos da Commonwealth apenas três anos antes. A lei afirmava que a discriminação racial explícita não era mais legal em lugares públicos – embora não se aplicasse a lojas ou residências particulares. Na época, a BBC reportou que os atos específicos de discriminação incluíam “recusar-se a servir uma pessoa, atraso excessivo no atendimento a alguém ou cobrança abusiva.”27 Um Conselho de Relações Raciais foi criado como parte da lei.28 Sua finalidade era receber denúncias e monitorar incidentes racistas – uma decisão nada ruim quando o censo de 1961 estimou a população geral em 52.700 milhões.29 Não havia como saber o número exato de pessoas não-brancas que moravam na Grã-Bretanha, uma vez que o censo não incluiu uma questão sobre raça até 1991. Quase nenhuma reclamação foi feita ao Conselho e as que foram feitas foram quase inúteis. Não existia autoridade para punir aqueles contra os quais as queixas eram feitas. Em vez disso, seu papel era de mediação entre o reclamante e a organização ou a pessoa que estava sendo acusada. A primeira lei de relações raciais da Grã-Bretanha era tépida. Ela não atacou a endêmica discriminação de moradia, e tinha ressalvas suficientes para dar espaço àqueles que tinham a intenção de manter os negros no Reino Unido como cidadãos de segunda classe. Um antídoto inadequado para décadas de violência e assédio, o Conselho de Relações Raciais parecia existir apenas por razões de postura. A maioria dos negros e asiáticos na Grã-Bretanha nem sabia que o Conselho existia. As fraquezas da Lei de 1965 eram óbvias. Os esforços para intimidar o racismo vieram do mesmo Estado que sancionou o racismo décadas atrás, com a repatriação que impulsionou as manifestações racistas – o mesmo Estado que pegou e se livrou de corpos negros e pardos à sua própria conveniência. A lei foi reforçada três anos depois, proibindo a negação de moradia, emprego ou serviços públicos em razão da raça. No entanto, os serviços do governo estavam isentos de desafios legais. Na época, a BBC informou: “A nova Lei de Relações Raciais pretende contrabalançar a Lei de Imigração, cumprindo, assim, a promessa do governo de ser “justo, mas resistente” para com os imigrantes.30 No dia 7 de março de 1965, afro-americanos foram espancados durante uma marcha pelos direitos civis liderada por Martin Luther King Jr. Eles exigiam seu direito constitucional de votar. Dois anos antes daquele dia agora icônico, no oeste da Inglaterra, o jamaicano Guy Bailey, de 19 anos, foi a uma entrevista de emprego na Bristol Omnibus Company, o serviço de ônibus da cidade. Paul Stephenson, um jovem trabalhador local, arranjou a entrevista para Guy, primeiro garantindo que havia empregos disponíveis, e que ele tinha as qualificações necessárias para o trabalho. Mas quando Guy apareceu na entrevista, descobriu que havia sido cancelada. Recontando sua entrevista para a BBC,31 35 anos depois, Guy recordou o exato momento em que foi rejeitado pela recepcionista: “Ela disse ao gerente ‘sua entrevista de duas horas está aqui. Mas ele é negro.’ E o gerente disse: ‘Diga a ele que não temos vagas aqui, todas as vagas estão ocupadas’.” Guy ter sido rejeitado não era uma surpresa para a comunidade negra de Bristol, com mais de 3.000 pessoas, tendo a maioria saído do Caribe e se estabelecido na Grã-Bretanha depois da Segunda Guerra Mundial. Para eles, o racismo no serviço de ônibus era uma suspeita de longa data, muitos fizeram entrevistas na Bristol Omnibus Company apenas para serem rejeitados. Todos que trabalhavam na empresa de ônibus eram brancos. Entretanto, a entrevista de Guy Bailey não foi uma coincidência. Ela foi arranjada por um pequeno grupo de jovens: Roy Hackett, Owen Henry, Audley Evans e Prince Brown. O grupo se intitulou de Conselho de Desenvolvimento das Índias Ocidentais. Eles pediram a Paul Stephenson que trabalhasse com eles em seu plano e ele concordou. Paul já conhecia Guy, que era aluno da escola noturna onde ele lecionava. Guy era um candidato promissor. Ele tinha uma boa aparência, já estava empregado, estudando meio período e era ativo em uma organização de jovens cristãos. Assim que Guy foi recusado na entrevista, o grupo organizou uma coletiva de imprensa. Repórteres locais lotaram o apartamento de Paul para ouvir exatamente o que havia acontecido. Uma sessão de fotos foi organizada, com Owen ecoando Rosa Parks sentada na parte de trás de um ônibus. Com imprensa local e nacional cobrindo o caso, o gerente geral do serviço de ônibus, Ian Patey, passou a ser pressionado. Quando o Bristol Evening Post o intimou, ele disse: “Você não vai conseguir fazer um homem branco em Londres admitir isso, mas quantos deles vão se juntar a um serviço em que eles podem se encontrar trabalhando sob um supervisor de cor?”32 Paul e o Conselho de Desenvolvimentodas Índias Ocidentais ganharam o apoio de estudantes locais, viram discursos em favor de sua causa por parte de políticos e ganharam editoriais simpáticos na imprensa local. Mas Paul também foi repetidamente ignorado pela empresa de ônibus e pelo Sindicato de Transportes e Trabalhadores Gerais (STTG). Embora muitas vezes divididos por disputas trabalhistas, tanto a administração quanto o sindicato se viram unidos pelo racismo. Eles tinham um acordo, do tipo que se prestava bem à discriminação: a empresa de ônibus não contratava ninguém que não fosse aprovado pela divisão local do STTG. Embora os comentários de Ian Patey estivessem registrados, a Bristol Omnibus Company desviava a responsabilidade, passando-a para o sindicato. O racismo havia infectado a solidariedade dos trabalhadores, com um representante do sindicato, na época, insistindo que mais trabalhadores negros tirariam empregos para possíveis empregados brancos, e que empregá-los significaria redução de horas para os atuais trabalhadores. Enquanto a campanha continuava, Paul era duramente criticado. Ron Nethercott, secretário da regional sudoeste do sindicato, escreveu um artigo em um jornal nacional chamando Paul de “desonesto” e “irresponsável”. Para seus críticos, foi seu ativismo a raiz do problema, não a escala de cor. Algumas dessas declarações levaram a um caso de difamação, que Paul ganhou. Enquanto isso, todos os residentes da cidade vindos das Índias Ocidentais boicotavam o serviço de ônibus. Um líder da luta disse ao jornal local: “Embora seja difícil dizer, muitos brancos estão nos apoiando.” O movimento atraiu o suporte de Sir Learie Constantine, Alto Comissário de Trinidad. Mais de 100 estudantes universitários marcharam em apoio, todos boicotando o serviço de ônibus ou caminhando e pedalando para se locomover pela cidade. Um dia antes de Martin Luther King Jr. falar para uma plateia de 250 mil pessoas que ele tinha um sonho, uma reunião de 500 funcionários de ônibus se reuniu e concordou em descontinuar a escala de cor não oficial da Bristol Omnibus Company. No dia seguinte, o gerente geral, Ian Patey, comprometeu-se acabar com isso de vez. Falando em uma conferência de imprensa, ele anunciou que “o único critério será a adequação da pessoa para o trabalho”. Contudo, é importante notar que, até o momento, a Bristol Omnibus, agora fundida com outras empresas e eventualmente renomeada First Somerset & Avon, nunca se desculpou por suas ações. Nem a sucursal de Bristol do Sindicato dos Transportes e dos Trabalhadores Gerais, desde que se fundiu com a Unite the Union. Em 2013, Laurence Faircloth, secretário da regional sudoeste da Unite, ofereceu a Guy Bailey seu “sincero arrependimento” em nome do sindicato. A primeira vez que eu soube do boicote aos ônibus em Bristol, foi quando eu era uma graduanda em 2013, enquanto estava trabalhando na think tank* sobre igualdade racial, a Runnymede Trust. Uma pequena equipe composta por alguns de nós viajou para Bristol para lançar uma campanha. Além de uma barraquinha ao estilo “venha falar sobre racismo”, nós também realizamos eventos noturnos ao redor do centro da cidade. Um desses eventos foi com Paul Stephenson que, até então, estava com quase oitenta anos. Lá em cima, no espaço para eventos da livraria Foyles, Paul, sua voz enfraquecida pela idade, o ativismo e a justa ira, comandaram a atenção de todo o lugar. Senti como se estivesse ouvindo a história. Mais ou menos na mesma época em que os moradores de Bristol se organizavam contra a escala de cor, o nacionalismo branco na Grã- Bretanha ganhava terreno. A Frente Nacional, um partido apenas de brancos, anti-imigração e de extrema direita, estava alimentando a raiva e o ressentimento entre os britânicos. Formada em 1967, a Frente Nacional tem ligações estreitas com movimentos supremacistas brancos em todo o mundo. No auge de seu crescimento, na década de 1970, os membros do partido se enfeitaram com bandeiras do Reino Unido e com a cruz de São Jorge, como se sentissem que sua política representava o símbolo do britanismo. Pouco mais de uma década após sua formação, a Frente Nacional ficou com mais de 300 pessoas nas eleições gerais de 1979 e conquistou quase 200 mil votos. Apesar da crescente popularidade da política nacionalista branca na Grã-Bretanha durante a década de 1970, eram negros e asiáticos aqueles considerados como membros voláteis da sociedade. Os membros da Frente Nacional acabaram perdendo força na década de 1980, mas o sentimento do partido encontrou morada em outras formas de ativismo. Nos anos 70, os policiais usavam com frequência uma seção da então arcaica Lei de Vagner de 1824. A seção em questão deu à polícia o poder de parar, procurar e prender qualquer um que ela suspeitava que poderia cometer um crime. Essa lei passou a ser conhecida como “leis-sus” – tirada da redação da Lei que descreveu uma “pessoa suspeita”. Como a polícia não mantinha estatísticas sobre as pessoas que estavam sendo abordadas sob a lei, é difícil saber quantas foram perturbadas pelo crime de não parecerem respeitáveis.33 Anedotalmente, defensores antirracistas insistiam que os negros estavam sendo alvos, injustamente, da “lei-sus”. A percepção de quem parece ou não suspeito – particularmente em uma atmosfera política que, apenas dez anos antes, negava emprego e moradia aos negros – era, sem dúvidas, com base na raça. As “leis-sus” asseguravam uma relação tensa entre negros e policiais. Isso foi intensificado por pânico público em relação a assaltos e assaltantes. Em 1972, um violento e fatal roubo de rua em Handsworth, Birmingham, levou a uma cobertura quase constante por parte da imprensa no ano seguinte. Mugging, uma das expressões que significa roubo, em inglês, é um termo importado dos Estados Unidos, de declarações policiais e cobertura de imprensa em cidades com grande concentração de negros. O medo desses roubos também foi importado. Roubos de rua sempre existiram na Grã-Bretanha, mas a importação da palavra mugging trouxe a implicação de que os autores eram majoritariamente negros e que esse roubo era um crime exclusivamente negro. Jornais relatavam que era uma nova tendência. O medo de assaltar era mais do que o medo do crime e da violência; era sobre o nervosismo daqueles que estavam com medo das lutas da libertação negra dos anos 60, e medo intenso em torno de raça, reparações e vingança. Houve pelo menos um incidente documentado de policiais prendendo garotos negros pelo crime de parecerem criminosos. No dia 16 de março de 1972, na Oval, estação de trem no sul de Londres, um grupo de policiais brancos, à paisana, perseguiu quatro jovens negros – que, coincidentemente, eram membros de uma organização negra radical – no transporte público, mais tarde testemunhando no tribunal que “estava claro que eles pretendiam roubar os bolsos dos passageiros”. Mas as únicas testemunhas da acusação foram os próprios policiais, e os jovens indiciados não tinham nenhuma propriedade roubada com eles.34 Os quatro foram condenados a dois anos cada um, mas liberados um ano mais cedo sob apelação. Cada um deles continuou alegando sua inocência. Enquanto a polícia estava ocupada prendendo pessoas negras por parecerem suspeitas, a Frente Nacional estava capitalizando o sentimento anti-negro nacional. Em 1975, eles organizaram uma marcha contra os assaltos negros, liderada pela East End, uma histórica região de Londres. Um ano depois, eles descobriram outra causa de poder dos brancos para apoiar. O motorista de ônibus da Leamington Spa, Robert Relf, tornou-se notícia nacional, em 1976, quando colocou uma placa fora de sua casa que dizia “à venda apenas para uma família inglesa”. Uma versão anterior da placa era ainda mais extrema: “para evitar animosidade em todos os sentidos, sem pessoas de cor”. A placa violou a Lei de Relações Raciais e foi pedido que ele a retirasse. Ele se recusou e foi preso por desacato ao tribunal. Relf prontamente começou uma greve de fome. A mídia sensacionalista usou sua prisão como munição para argumentarcontra o que eles chamavam de “politicamente correto”. Enquanto isso, para a Frente Nacional, suas ações foram as de um mártir. Eles lançaram uma campanha em apoio a ele e organizaram protestos que levantavam a bandeira de “Relf livre”. Ideias de negritude e criminalidade estavam se tornando inerentemente interligadas. Em 1984, três anos após as “leis-sus” terem sido desmanteladas, o ato de parar e revistar foi introduzido. As iniciativas pareciam pouco diferentes. Enquanto as “leis-sus” permitiam que a polícia prendesse qualquer um que achasse que estava “vadiando” com a intenção de cometer um crime, as novas leis diziam que a polícia precisava ter uma crença razoável de que um crime já havia acontecido antes de parar e revistar um suspeito.35 Enquanto o pensamento policial sempre foi a de que tais táticas previnem a criminalidade, os negros sempre foram alvos de forma desproporcional para parar e revistar – uma pesquisa de 2015 mostrou partes do país onde pessoas negras tinham dezessete vezes mais chance de serem paradas e revistadas do que pessoas brancas.36 Essas eram – e ainda são – as “leis-sus”, apenas com um nome diferente. Entre 1980 e 1982, com o país em recuperação, o desemprego para homens negros e asiáticos aumentou cerca de 20% – em comparação com um aumento de apenas 2% para homens brancos.37 Apesar de negros e asiáticos estarem se tornando um elemento firme na paisagem urbana britânica, algumas comunidades brancas ainda estavam desconfortáveis com suas presenças. Havia um sentimento entre elas de que jovens negros desempregados escolheram não trabalhar, e em vez disso, optaram por vidas socialmente agravadas. Em um radiodocumentário transmitido pela BRMB Radio Birmingham, em 1982, PC Dick Board, um policial trabalhando na cidade deixou claro seus sentimentos a respeito de jovens negros desempregados: “Vamos ser justos”, ele disse. “Estamos falando de um certo tipo de gente agora. Nós tivemos todos esses motivos nos anos vinte e trinta e nós nunca tivemos isso. Nós nunca tivemos essas crescentes taxas de criminalidade e o que hoje conhecemos como a expressão americana mugging, que é o roubo com violência. Nós temos um tipo diferente de pessoa, que, por quaisquer meios necessários, vai conseguir o que quer, às custas dos outros, mesmo dos seus semelhantes. Esse é o ponto. Não interessa esse negócio de desemprego, nós temos uma situação aqui e agora que está sendo usada deliberadamente e não há dúvida sobre isso, eles não poderiam se importar menos com o fato de terem ou não um emprego, na verdade eles estão mais felizes sem um.” Ele continuou: “Tudo isso é besteira sobre eles estarem procurando emprego e ‘não consigo um emprego’ e tudo mais… Muitos deles usam sua cor como vantagem contra nós… eles usam isso e usam muito bem. Há pessoas o suficiente nesse país preparadas para ouvir e fechar os olhos para o que esses indivíduos fazem.”38 Quando o PC Dick Board falou sobre “o que essas pessoas fazem”, acho que ele estava se referindo ao crime. Juntamente com o desemprego alimentado pela recessão, aumentaram os temores de crimes em cidades do interior, que estigmatizaram áreas inteiras onde negros e pardos viviam. O verão de 1987 teve mais tumultos em todo o país – em Brixton, em 10 de abril, em Toxteth, Liverpool, em 3 de julho, Handsworth, Birmingham, em 10 de julho, e Chapeltown, Leeds, no mesmo mês. As condições sociais de cada região eram bastante parecidas. Pobres. Negras. Tanto em Brixton quanto em Toxteth, o comportamento policial era um fator contribuinte. Brixton, o primeiro tumulto do ano, foi deflagrado pela Operação Swamp, da polícia metropolitana, em que eles realizaram mais de mil paradas para revista em apenas seis dias.39 Quando policiais pararam para ajudar um menino negro ferido, uma multidão se aproximou e a situação se intensificou.40 Em Toxteth, a polícia perseguiu um motociclista negro, acreditando que sua moto era roubada. Ele caiu e a polícia tentou prendê-lo, apenas para ser confrontada por uma multidão furiosa. Mais uma vez, a situação se intensificou. Os tumultos, aparentemente, eram contagiantes. Como a história é escrita pelos vencedores, evidências de assédio policial contra pessoas de cor no início dos anos 80 são difíceis de encontrar. Mas o Newham Monitoring Project contrariou essa tendência. A organização foi formada em 1980 após o adolescente asiático Akhtar Ali Baig ser assassinado por uma gangue de skinheads brancos enquanto voltava da faculdade para casa. O julgamento que se seguiu teve um juiz comentando que o assassinato foi “motivado por ódio racial”41. Frustradas pela falta de implementação de leis contra o racismo, as pessoas da comunidade se juntaram para oferecer apoio logístico contra o assédio movido pelo racismo, formando o Newham Monitoring Project. A organização de base, grass-roots,* fez campanha contra a violência racista – incluindo a violência promulgada pela polícia – até 2015, quando foi forçada a se desligar devido à falta de verba. Uma parte do trabalho do Newham Monitoring Project se mostrou em seus relatórios anuais e o de 1983 dá um vislumbre do que era ser negro no leste de Londres naquela época. Durante aquele ano, o projeto recebeu 73 relatórios de assédio policial. Dos que foram assediados pela polícia e posteriormente presos, 47 foram liberados sem acusações. Aqueles que foram indiciados pela polícia foram liberados mais tarde. Estudos de caso no relatório revelam um retrato de famílias negras sob cerco. “A casa do Sr. N e sua família foi revistada 4, 5 vezes só este ano,” diz o relatório. “Toda vez que os policiais traziam mandados, eram relacionados a objetos roubados. Todas as vezes eles não encontraram nenhuma evidência e, portanto, preferiram não fazer acusações… a família espera sua casa ser invadida a qualquer momento. Eles vivem com um medo constante da próxima visita da polícia.”42 Houve também o caso de Osei Owusu, de 45 anos, que, após a polícia aparecer na sua casa pedindo que ele soprasse o bafômetro, recusou. Minutos depois, enquanto ele estava no banheiro de sua casa, de dez a doze policiais arrombaram sua porta e invadiram sua casa. Ele foi, então, arrastado nu para fora do banho, agredido por cassetetes e levado para a delegacia de Forest Gate. Uma vez na delegacia, ele soprou o bafômetro. Os três testes deram negativo. Em um incidente, policiais visaram toda uma família. “John Power estava andando para casa depois de ter ido a um clube de jovens”, registrou o projeto. Enquanto ele andava, um carro da polícia parou ao lado dele, na calçada. O policial no carro gritou: “Oi, venha aqui seu bastardo negro.” John continuou andando. Então, temendo que algo pudesse acontecer, começou a correr para casa. Os policiais o seguiram até em casa, chegaram à porta da frente, abriram-na e puxaram John para fora, então começaram a espancá-lo. Quando seu pai interveio, “os policiais começaram a espancá-lo também.” Quando a irmã de John viu o que estava acontecendo e gritou de medo, “um policial mandou que ela se calasse e depois a empurrou e bateu nela. Os três foram, então, colocados em diferentes viaturas e levados para a delegacia East Ham. Eles foram acusados de obstrução e várias denúncias por assediar policiais.” Ao mesmo tempo em que acontecia essa intensa brutalidade policial, também havia um movimento que buscava restaurar a confiança perdida entre pessoas de cor e a polícia. Tomando a dianteira dos Estados Unidos, a polícia começou a promulgar uma nova estratégia. O policiamento comunitário colocou os policiais em contato com as pessoas nas áreas locais para que os moradores pudessem conhecê-los. O falecido chefe de polícia John Alderson argumentou, no início de 1980, que a polícia deveria ter um envolvimento mais humano nos locais policiados43. Mas esse tipo de abordagem da comunidade não funcionou em benefício dos negros. O relatório de 1983 do Nehman Monitoring Project destacou isso com o caso em que um inocente estudante negro foi detido pela polícia. Shayn Robertson, estudante de 11 anos
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