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DOENÇAS VIAS BILIARES Objetivos: Compreender as principais patologias benignas das vias biliares: doenças congênitas, colecistite, colelitíase, coledocolitíase. INTRODUÇÃO: A bile tem duas funções principais: (1) a emulsificação da gordura alimentar na luz intestinal pela ação detergente dos sais biliares (2) a eliminação de bilirrubina, excesso de colesterol, xenobióticos e outros produtos residuais que não são suficientemente hidrossolúveis para que sejam excretados na urina. A deposição tecidual da bile se torna clinicamente evidente como uma coloração amarela da pele e da esclera (icterícia e íctero, respectivamente), devida à retenção de bilirrubina, e como colestase, quando há retenção sistêmica não apenas de bilirrubina, mas também de outros solutos eliminados na bile. A icterícia ocorre quando há superprodução de bilirrubina, hepatite, ou obstrução do fluxo da bile, alterando o equilíbrio entre a produção e eliminação de bilirrubina. Para compreender a fisiopatologia da icterícia é importante estar inicialmente familiarizado com os principais aspectos da formação e do metabolismo da bile. O metabolismo da bilirrubina pelo fígado consiste em quatro eventos separados, mas inter-relacionados: a absorção da circulação; o armazenamento intracelular; a conjugação com ácido glicurônico e a excreção biliar. Metabolismo: - A maior parte da bilirrubina (80-85%) provém da degeneração de hemácias velhas (cerca de 0,8% das hemácias são destruídas diariamente). - O restante provém de outras proteínas hêmicas (citocromos e mioglobina). ● Degradação do grupo heme: - Hemoglobina: anel protoporfirinas (ferro + 4 cadeias de globina); - Globina: 4 moléculas proteicas, liberando aminoácidos; - Heme (porção não protéica) que degradada origina Fe2+ e bilirrubina; Grupo heme → biliverdina (verde) → bilirrubina indireta (amarela) - Bilirrubina indireta: é lipossolúvel, portanto necessita de albumina para ser transportada. - Segue para o hepatócito; - Bilirrubina direta: é conjugada no fígado com o ácido glicurônico, tornando-se polar; ● Captação: - É um sistema de transporte facilitado que permite equilibrar a concentração de bilirrubina dentro e fora do hepatócito. - Como a bilirrubina que entra é logo ligada a proteínas chamadas ligandinas (Y e Z) a concentração de bilirrubina livre no citoplasma é sempre baixa, de modo que o equilíbrio é favorável à entrada de mais bilirrubina. ● Conjugação: - Ocorre no retículo endoplasmático liso do hepatócito. - Catalizada pela enzima uridina difosfato glucuronil transferase (UDPGT)(UDP-glicuronil- transferase); - 2 passos: - Formando primeiro mono glicuronato; - Depois diglicuronato, que é a forma predominante - O processo de conjugação transforma a molécula não-polar da bilirrubina em uma mistura polar que atravessa as membranas celulares. - Ligação Albumina + Ac. glicurônico pela enzima UDP-glicuronil transferase. - Torna-se bilirrubina direta; - Segue para a bile. ● Excreção: - É a etapa controle → Passo limitante de todo o processo. - Processo de transporte ativo com consumo energético. - Ocorre a nível da membrana do hepatócito que constitui a parede dos canalículos biliares. - No intestino, as bactérias intestinais transformam em urobilinogênio. - A partir disso, é oxidado em urobilina e estercobilinas, que colorem as fezes (escura). - Parte da urobilina (urobilinogênio) absorvida nos intestinos (ciclo enterohepático) é excretada na urina, dando-lhe cor amarela. ● Sobre a bile: - Fígado: Produção da bile; - Liberada do hepatócito, flui pelos canalículos biliares, ductos biliares, ducto hepático comum, chegando à vesícula biliar, onde é armazenada. Canalículos → ductos biliares → ducto hepático comum → vesícula. - Através do ducto colédoco, desemboca no duodeno pela papila de Vater (papila maior). COLESTASE: A colestase é causada por defeitos na formação de bile e no fluxo biliar, originando o acúmulo de pigmento biliar no parênquima hepático. Ela pode ser causada pela obstrução extra-hepática ou intra-hepática dos canais biliares, ou por defeitos na secreção biliar dos hepatócitos. Morfologia: Os aspectos morfológicos da colestase dependem de sua severidade, duração e causa subjacente. Uma característica comum, tanto à colestase obstrutiva quanto à não obstrutiva, é o acúmulo de pigmento biliar no interior do parênquima hepático. Tampões verde-acastanhados alongados de bile são visíveis nos canalículos biliares dilatados. A ruptura dos canalículos leva ao extravasamento de bile, que é rapidamente fagocitada pelas células de Kupffer. Gotículas de pigmento biliar também se acumulam nos hepatócitos, que podem assumir uma aparência fina, espumosa, conhecida como “degeneração plumosa”. OBSTRUÇÃO DOS GRANDES DUCTOS BILIARES A causa mais comum de obstrução dos ductos biliares em adultos é a colelitíase extra- hepática (cálculos de vesícula), seguida por malignidades da árvore biliar ou da cabeça do pâncreas e estenoses resultantes de procedimentos cirúrgicos prévios. As condições obstrutivas em crianças incluem a atresia biliar, a fibrose cística, cistos do colédoco e síndromes nas quais há ductos biliares intra-hepáticos insuficientes. Morfologia: A obstrução biliar aguda, seja intra- ou extra-hepática, causa distensão dos ductos e dúctulos biliares retrógrados, que muitas vezes ficam dilatados. Além disso, ductos biliares proliferam na interface portal-parênquima, acompanhados de edema estromal e neutrófilos infiltrantes. Esses dúctulos labirínticos reabsorvem os sais biliares secretados, para proteger os ductos biliares subsequentes, obstruídos, de sua ação detergente tóxica. De fato, a marca histológica de colangite ascendente é o influxo desses neutrófilos peri ductulares diretamente no epitélio e na luz do ducto biliar. VESÍCULA BILIAR ANOMALIAS CONGÊNITAS A vesícula biliar pode estar congenitamente ausente Pode haver duplicação da vesícula biliar e ductos císticos compartilhados ou independentes. Um septo longitudinal ou transversal pode criar uma vesícula biliar bilobada. Localizações aberrantes da vesícula biliar ocorrem em 5% a 10% da população, mais comumente com inclusão parcial ou completa na substância hepática. Uma dobra no fundo é a anomalia mais comum, criando um barrete frígio. A agenesia de toda ou de qualquer porção dos ductos biliares hepáticos ou comuns e o estreitamento hipoplásico dos canais biliares (“atresia biliar” verdadeira) também podem ocorrer. COLELITÍASE Os cálculos de vesícula afetam 10% a 20% das populações adultas nos países desenvolvidos. A maioria dos cálculos de vesícula (> 80%) é “silenciosa”, e a maioria dos indivíduos permanece livre de dor biliar ou outras complicações durante décadas. Existem dois tipos principais de cálculos de vesícula. 90% são cálculos de colesterol, contendo mais de 50% de colesterol cristalino monoidratado. Os restantes são cálculos pigmentares, compostos predominantemente por sais cálcicos de bilirrubina. CÁLCULOS BILIARES OBSERVAÇÕES - Aumenta após os 50 anos; - Prevalência global de cálculos biliares de 7,9% nos homens e de 16,6% nas mulheres; - Os cálculos biliares são formados em razão da composição anormal da bile. TIPOS DE CÁLCULOS 1. Cálculos de Colesterol: - Representam >90%; - >50% colesterol + sais de cálcio + pigmentos biliares + proteínas + ácidos graxos. 2. Cálculos pigmentares: - Constituídos principalmente de bilirrubinato de cálcio; - Contém < 20% de colesterol e são classificados em tipos “pretos” e “marrons”, sendo os últimos formados em razão de infecção biliar crônica. Morfologia: Os cálculos de colesterol surgem exclusivamente na vesícula biliar e variam de 100% puro (o que é raro) até aproximadamente 50% de colesterol.Os cálculos de colesterol puro são amarelo-claros, redondos a ovóides e apresentam uma superfície externa dura e finamente granular, que revela uma paliçada cristalina brilhante com irradiação à transecção. Com proporções crescentes de carbonato de cálcio, fosfatos, e bilirrubina, os cálculos assumem uma cor branco- acinzentada a preta, e podem ser lamelares. Múltiplos cálculos geralmente estão presentes, variando em tamanho até vários centímetros de diâmetro. Raramente, um grande cálculo pode praticamente preencher o fundo. As superfícies de cálculos múltiplos podem ser arredondadas ou facetadas, em razão da justaposição. Cálculos compostos em sua maioria por colesterol são radiolucentes; carbonato de cálcio suficiente para torná-los radiopacos é encontrado em 10% a 20% dos cálculos de colesterol. Cálculos de colesterol - Há maior relação colesterol/fosfolipídeos + ácidos biliares: formação de micélios instáveis, que se unem e precipitam em cristais do colesterol - Formado exclusivamente na vesícula; ETIOLOGIAS: Em resumo, a doença causada por cálculos de colesterol ocorre em função de várias alterações, inclusive: (1) supersaturação da bile com colesterol; (2) nucleação do monoidrato de colesterol com subsequente retenção de cristais e crescimento do cálculo; e (3) função motora anormal da vesícula biliar com esvaziamento retardado e estase. ● Aumento do colesterol: - Aumento do consumo; - Pode ocorrer por aumento da HMG-CoA sintetase; - Pelo aumento da captação hepática de colesterol; - Nos pacientes com cálculos biliares, o colesterol da dieta aumenta a secreção biliar de colesterol. Isso não ocorre nos pacientes sem cálculos com dietas ricas em colesterol. - Fator genético: - 9% dos casos; - Por polimorfismo de nucleotídeo único do gene codificador do transportador de colesterol hepático ABCG5/G8; ● Hipossecreção de fosfolipídeos ou ácidos biliares: - Transformação acelerada do ácido cólico em desoxocólico, que é rapidamente absorvido. - A supersaturação de colesterol não é suficiente para a formação de cálculos: - A nucleação acelerada do monohidrato de colesterol na bile pode ser causada pelo excesso de fatores pró-nucleação ou pela deficiência de fatores anti nucleação. - Pró: mucinas e munoglobulinas; Anti: APO A1 e A2, além de glicoproteínas. ● Hipomotilidade da vesícula biliar: - Ocorre pela anormalidade no esvaziamento da vesícula; - A incidência de cálculos biliares está aumentada em condições associadas ao esvaziamento infrequente ou reduzido da vesícula biliar (inclusive jejum, nutrição parenteral ou gestação) e em usuários de fármacos inibidores da motilidade da vesícula biliar. FATORES DE RISCO - Associação com obesidade, dislipidemia, síndrome metabólica e alguns fármacos; - Doença ileal; - Gravidez - Pelo aumento da saturação de colesterol no 3º trimestre e pela contração mais lenta da vesícula, diminuindo o esvaziamento. - Rápida perda de peso Os cálculos biliares pigmentados variam do marrom ao preto. Em geral, os cálculos de pigmento negro são encontrados na bile da vesícula biliar estéril, e os cálculos marrons são encontrados nos grandes ductos biliares infectados. Cálculos de pigmento negro - Pretos: bilirrubinato de cálcio puro ou por complexos de cálcio e glicoproteínas mucinas; - Mais comum em pacientes hemolíticos (aumento da bile conjugada), cirrose hepática, Síndrome de Gilbert ou fibrose cística. - Sua patogênese depende da reciclagem entero-hepática da bilirrubina. - Contêm polímeros oxidados de sais de cálcio de bilirrubina não conjugada, pequenas quantidades de carbonato de cálcio, fosfato de cálcio e da glicoproteína mucina, e alguns cristais de colesterol monoidratados. - raramente são maiores que 1,5 cm de diâmetro, quase invariavelmente estão presentes em grande número (com uma relação inversa entre tamanho e número) e são bastante friáveis. Seus contornos geralmente são espiculados e moldados. - Aproximadamente 50% a 75% dos cálculos de pigmentação negra são radiopacos devido a sais de cálcio Cálculos marrons - Marrons: sais de cálcio de bilirrubina não conjugada (BI) com colesterol e proteínas. - Causados pelo aumento da quantidade insolúvel de bilirrubina na bile (BI), que precipita e forma cálculos. - É produzida pela desconjugação excessiva pela Beta-glicuronidase endógena; - Essa enzima pode ser produzida em caso de infecção bacteriana crônica; - Contêm compostos semelhantes, juntamente com alguns sais de palmitato e estearato de cálcio e de colesterol. - Tendem a ser laminados e macios e podem apresentar uma consistência saponácea ou oleosa. - contêm sabões de cálcio, são radiolucente QUADRO CLÍNICO - Os sintomas são causados pela inflamação ou obstrução (após migrarem para os ductos). - Dor visceral: dor aguda e intensa no epigástrio ou QSD. - Irradiação: área interescapular, escápula direita ou ombro. - Cólica biliar: por deslocamento ou obstrução - Dor contínua, intensa e crescimente; - Surgimento repentino, com alta intensidade por 30min-5h, com regressão gradativa. - Persistência por mais de 5 horas indica suspeita de colecistite aguda. - Geralmente é noturna. - Pode ser desencadeada por refeição gordurosa, alimentação excessiva ou normais após jejum prolongado. - Náuseas e vômitos podem acompanhar; - Nível elevado de bilirrubina sérica e/ou fosfatase alcalina sugere cálculo do ducto colédoco. - Febre ou calafrios (tremores) com dor biliar geralmente indica alguma complicação, isto é, colecistite, pancreatite ou colangite. - Colúria: presença de pigmento biliar na urina indica hiperbilirrubinemia conjugada. - Acolia/hipocolia fecal: deficiência ou obstrução à excreção de bilirrubina para o intestino sugere obstrução biliar extra-hepática. DIAGNÓSTICO - USG: - Identifica cálculos >1,5 mm de diâmetro; Observa sombreado acústivo e opacidades no lúmem vesicular; - Identificação precisa dos cálculos biliares (> 95%); - Dilatação do colédoco por acúmulo de bile (acima da obstrução) - Solicitar exame confirmatório (CPRM). - RX abdomen: - Detecta cálculos com alta [ ] de cálcio TRATAMENTO CIRÚRGICO: ● A decisão deve ser baseada em: (1) Existência de sintomas suficientemente frequentes ou intensos a ponto de interferir na rotina geral do paciente; (2) ocorrência de complicação prévia da doença calculosa biliar, isto é, história de colecistite aguda, pancreatite, fístula biliar, etc.; (3) presença de condição subjacente que predisponha o paciente a maior risco de complicações devidas aos cálculos biliares; ● Colecistectomia profilática: (1) cálculos >3 cm de diâmetro; (2) anomalia congênita na vesícula; ● Colecistectomia laparoscópica: - Abordagem de acesso mínimo para retirada da vesícula biliar juntamente com seus cálculos. - Suas vantagens consistem em redução da permanência hospitalar, incapacitação mínima e o custo reduzido, constituindo o procedimento de escolha para a maioria dos pacientes encaminhados para colecistectomia eletiva. CLÍNICO - dissolução de cálculos - Indicada para pacientes com vesícula funcional + cálculos radiotransparentes + diâmetro <5 mm; - AUDC deve ser de 10 a 15 mg/kg/dia; - Cálculos pigmentares não respondem ao medicamento; COLECISTITE A inflamação da vesícula biliar pode ser aguda, crônica, ou aguda superposta à crônica. Quase sempre ocorre em associação com cálculos de vesícula. Colecistite Crônica Crises recorrentes de cólicas biliares, que apenas obstruem temporariamente o ducto cístico, podem causar inflamação e estenose do colo da vesícula e do ducto cístico. Este processo, denominado colecistite crônica, causa fibrose como resposta histológica dos repetidos episódios de inflamação. O diagnóstico de colecistite crônicapode ser confundido com o de cólica biliar porque é o resultado de crises recorrentes. Por essa razão, a apresentação é de colelitíase sintomática ou cólica biliar. Dor após a ingestão de uma refeição gordurosa, com o concomitante aumento da secreção da CCK em resposta à gordura intraluminal duodenal, é clássica das cólicas biliares, embora apenas 50% dos pacientes relatem uma associação com os alimentos. A dor causada pelos cálculos normalmente se localiza no epigástrio ou no quadrante superior direito e pode irradiar-se para a escápula. Essas crises de dor geralmente duram algumas horas. Dor que perdura por mais de 24 horas ou associada à febre sugere colecistite aguda. A dor decorrente da cólica biliar, mesmo na ausência de colecistite, pode causar outros sintomas gastrointestinais, como distensão, náusea e até mesmo vômito. Cálculos sintomáticos constituem um perfil diferente de risco comparado com pacientes com cálculos assintomáticos, com grande probabilidade de complicações. Assim, uma colelitíase sintomática tem indicação para a colecistectomia. Para a realização de uma colecistectomia com cálculos sintomáticos, é necessária a presença de sintomas e comprovação dos cálculos. Morfologia: Na colecistite aguda, a vesícula biliar geralmente é aumentada e tensa e pode assumir uma coloração vermelho- brilhante ou irregular, violácea a verde- enegrecida, conferida por hemorragias subserosas. A serosa é frequentemente coberta por um exsudado fibrinoso que pode ser fibrinopurulento em casos graves. Na colecistite calculosa, um cálculo responsável pela obstrução geralmente está presente no colo da vesícula biliar ou no ducto cístico. A luz da vesícula biliar pode conter um ou mais cálculos e está preenchida por uma bile nebulosa ou turva, que contém grandes quantidades de fibrina, pus e hemorragia. Quando o exsudato é praticamente pus puro, a condição é chamada de empiema da vesícula biliar. Em casos leves, a parede da vesícula biliar está espessada, edematosa e hiperêmica. Em casos mais severos, ela é transformada em um órgão necrótico verde- enegrecido, chamado de colecistite gangrenosa, com perfurações pequenas a grandes. A inflamação é predominantemente neutrofílica. A invasão de organismos formadores de gás, notavelmente clostridia e coliformes, pode causar uma colecistite “enfisematosa” aguda. Diagnóstico O diagnóstico de colelitíase sintomática, a manifestação clínica de colecistite crônica, depende de uma história consistente de doença do trato biliar. A ultrassonografia abdominal mostra de forma confiável a presença de colelitíase. A ultrassonografia pode fornecer outras informações importantes, como a dilatação do colédoco, pólipos na parede da vesícula, vesícula em porcelana ou evidência de processo parenquimal hepático. A colesterolose, ou o acúmulo do colesterol encontrado nos macrófagos da mucosa da vesícula, também pode ser identificada. Mesmo na ausência ostensiva de cálculos, a chamada lama biliar detectada na ultrassonografia, com sintomas relevantes, é consistente com cólica biliar. Tratamento Pacientes com sintomas condizentes com cálculos biliares devem ser submetidos a colecistectomia eletiva. Esta apresenta baixo risco, mas não é livre de complicações, então é importante que se faça uma avaliação dos riscos e benefícios. Pelo fato de que pacientes com sintomas discretos apresentam um baixo índice de complicações (1% a 3%/ano), a adoção de mudanças nos hábitos alimentares e no estilo de vida é apropriada para essa população. Os pacientes com sintomas mais intensos ou recorrentes apresentam um índice mais alto de complicações da doença (7% ao ano), portanto a colecistectomia laparoscópica eletiva é justificável. Em mais de 90% dos pacientes, a colecistectomia é curativa, deixando-os livres dos sintomas. Colecistite Aguda Litiásica O mecanismo fisiopatológico mais comum de colecistite aguda é o bloqueio do canal cístico. Quando o bloqueio ocorre por causa de um cálculo obstrutivo, o diagnóstico é de colecistite aguda calculosa. A diferenciação entre cólica biliar e colecistite aguda é o bloqueio não resolvido do ducto cístico. Na cólica biliar, a obstrução é temporária e autolimitada. Na colecistite aguda, a obstrução não se resolve, surgindo a inflamação, com edema e hemorragia subserosa. A infecção da bile estagnada é um fenômeno secundário; o mecanismo fisiopatológico primário é a obstrução não resolvida do ducto cístico. Sem a resolução da obstrução, a vesícula irá evoluir para isquemia e necrose. Eventualmente, uma colecistite aguda torna-se colecistite gangrenosa aguda e, quando complicada por infecção com organismos de formação gasosa, constitui a colecistite enfisematosa aguda Apresentação As modificações inflamatórias na parede da vesícula produzem febre, dor no quadrante superior direito, hipersensibilidade à palpação, e defesa no quadrante superior direito. Este processo causa uma dificuldade na inspiração e dor com leve pressão abaixo da margem costal direita; este achado é conhecido como sinal de Murphy. Hipersensibilidade e presença do sinal de Murphy ajudam a distinguir a colecistite aguda da cólica biliar, onde não há processo inflamatório. Uma vez que o ducto biliar comum não está obstruído, a icterícia intensa em um quadro de colecistite aguda é rara e deve levantar suspeita de colangite, com obstrução do colédoco, ou síndrome de Mirizzi, na qual uma inflamação ou cálculo no colo da vesícula levam o problema para todo o sistema biliar, com obstrução do ducto hepático comum. As elevações moderadas nos níveis de fosfatase alcalina, bilirrubina e transaminase, e leucocitose confirmam o diagnóstico de colecistite aguda. Diagnóstico A ultrassonografia transabdominal é uma ferramenta sensível, acessível e confiável para o diagnóstico de colecistite aguda, com uma sensibilidade de 85% e especificidade de 95%. Além de identificar os cálculos biliares, o ultrassom pode mostrar líquido pericolecístico, espessamento da parede da vesícula, e até um sinal de Murphy ultrassonográfico, documentando hipersensibilidade especificamente na topografia da vesícula. Na maioria dos casos, uma história precisa e exame físico bem conduzido, auxiliados por estudos laboratoriais e uma ultrassonografia, confirmam o diagnóstico de colecistite aguda. Em casos atípicos, uma cintilografia pode ser utilizada para comprovar a obstrução do ducto cístico, que atesta o diagnóstico da colecistite aguda. O preenchimento da vesícula durante a cintilografia afasta o diagnóstico de colecistite. Uma tomografia computadorizada pode revelar achados semelhantes ao ultrassom no caso de coleção pericolecística, espessamento da parede da vesícula, e alterações enfisematosas, mas a TC é menos sensível para o diagnóstico de colecistite aguda do que o ultrassom. Tratamento Embora o evento fisiopatológico primário na colecistite aguda seja a obstrução do ducto cístico e a infecção seja um evento secundário que se segue a estase e inflamação, a maior parte dos casos de colecistite aguda é complicada por superinfecção da vesícula biliar inflamada. Deste modo, suspende-se a ingesta oral dos pacientes e inicia-se a reposição hídrica intravenosa (IV) e a antibioticoterapia parenterais. Considerando que as bactérias aeróbias Gram- negativas são os organismos mais comumente encontrados na colecistite aguda, seguidas por anaeróbios e aeróbios Gram-positivos, justifica-se a administração de antibióticos de amplo espectro. Uma sedação com opiáceos parenteral é geralmente necessária para controlar a dor. A colecistectomia, seja aberta ou laparoscópica, é o tratamento de escolha para a colecistite aguda. O momento da intervenção operatória nos casos de colecistite aguda tem sido fonte de questionamentos. No passado, muitos cirurgiões defendiam a protelação da colecistectomia,com pacientes sendo tratados de forma não cirúrgica durante sua internação inicial e recebiam alta com a resolução dos sintomas. Uma colecistectomia era realizada em um intervalo de aproximadamente 6 semanas do primeiro episódio. Estudos recentes mostram que na fase inicial do processo (na primeira semana), a cirurgia pode ser feita por via laparoscópica com morbimortalidade e duração da internação igual ou superior a colecistectomia aberta, bem como com uma taxa de conversão semelhante.3 Além disso, aproximadamente 20% dos pacientes inicialmente admitidos para controle não operatório não tiveram sucesso no tratamento https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595150461/epub/OEBPS/Text/B9788535288575000546_2.xhtml#bib0060 médico anterior à colecistectomia planejada e necessitam de intervenção cirúrgica. A terapia inicial não cirúrgica é ainda uma opção viável para pacientes que apresentam uma fase de evolução demorada e deve ser decidida individualmente. Como o processo inflamatório ocorre na porta hepática, a conversão precoce para a colecistectomia aberta deve ser considerada quando a delineação da anatomia não está clara ou quando a intervenção cirúrgica não pode ser feita por via laparoscópica. No caso de inflamação substancial, uma colecistectomia parcial, cortando a vesícula transversalmente no infundíbulo com cauterização da mucosa remanescente (técnica de Thorek), é aceitável para evitar lesão do colédoco. Alguns pacientes apresentam colecistite aguda, mas têm risco cirúrgico proibitivo. Para esses pacientes, a drenagem percutânea da vesícula deve ser considerada. Frequentemente realizada sob orientação de ultrassonografia sob efeito de anestesia local com alguma sedação, este tipo de procedimento pode funcionar como uma medida contemporizadora drenando a bile infectada. A drenagem percutânea possibilita melhora nos sintomas e da fisiologia, autorizando a postergação da colecistectomia para 3 a 6 meses, mas sob observação médica. Em pacientes com drenos de colecistostomia, quando a fluoroscopia mostra um ducto cístico patente, o dreno de colecistostomia pode ser removido e a decisão para colecistectomia ser determinada pela capacidade do paciente de tolerar intervenção cirúrgica. COLEDOCOLITÍASE A coledocolitíase, ou cálculo no ducto biliar comum, é classificada pelo seu ponto de origem. Cálculos primários no colédoco surgem inicialmente no ducto biliar comum e cálculos secundários passam da vesícula para o colédoco. A coledocolitíase primária é usualmente de cálculos pigmentares marrons, que são uma combinação de pigmentos biliares precipitados e colesterol. Os cálculos marrons são mais comuns nas populações asiáticas e estão associados a uma infecção bacteriana no ducto biliar. A bactéria secreta uma enzima que hidrolisa a bilirrubina glucorinídea para formar bilirrubina livre, quando então se precipita. A maior parte das litíases do colédoco encontradas nos Estados Unidos são secundárias, têm origem na vesícula biliar e são denominadas cálculos residuais do colédoco quando achadas em um período de 2 anos após a colecistectomia. Muitos cálculos do colédoco são clinicamente silenciosos e podem ser identificados por uma colangiografia, se realizada rotineiramente durante a colecistectomia. Sem dor ou um quadro de funções hepáticas anormais, uma situação em que a colangiografia seletiva não é realizada, 1% a 2% dos pacientes apresentam cálculo residual após a colecistectomia. Quando realizada rotineiramente, a colangiografia intraoperatória identifica coledocolitíase em aproximadamente 10% de pacientes assintomáticos, sugerindo que a maior parte dos casos de coledocolitíase permanece clinicamente silenciosa. Quando não é clinicamente silencioso, o cálculo no colédoco pode apresentar sintomas que vão de cólica biliar a manifestações clínicas de icterícia obstrutiva, tais como colúria, icterícia na esclerótica e acolia fecal. A icterícia com coledocolitíase é mais provável de ser dolorosa, pois o começo da obstrução é agudo, causando rápida distensão do ducto biliar e irritação das fibras que causam a dor. A febre, um sintoma comum, pode estar associada à dor no quadrante superior direito e icterícia, uma constelação chamada de tríade de Charcot. Esta tríade sugere colangite ascendente que, se não tratada, pode evoluir para choque séptico. Acrescida de hipotensão e alterações no estado mental, com evidência de choque de origem biliar, a tríade de Charcot é conhecida como pêntade de Reynolds. Diagnóstico Na vigência de coledocolitíase, alterações das funções hepáticas são comuns, mas não são sensíveis e/ou específicas e, com a superinfecção, uma leucocitose também pode ocorrer. A ultrassonografia pode mostrar coledocolitíase ou apenas dilatação do ducto biliar. Em pacientes com cólica biliar, cálculos ou icterícia, o colédoco dilatado (> 8 mm) representa forte indício de coledocolitíase, ainda que cálculos no ducto comum não sejam detectados por meio de uma ultrassonografia. Mesmo sem sintomas de cólica biliar, uma dilatação do colédoco, sem a visualização da presença de cálculos, sugere coledocolitíase. A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é altamente sensível e específica para coledocolitíase (Fig. 54-26) e geralmente pode ser terapêutica por remover os cálculos dos ductos em aproximadamente 75% dos pacientes durante o primeiro procedimento e em 90% com a repetição da CPRE. Durante o procedimento endoscópico, uma esfincterotomia é realizada seguida por uma varredura com balão para a remoção dos cálculos residuais, porém este procedimento apresenta uma taxa de complicação de 5% a 8%. As indicações de CPRE pré-operatória antes da colecistectomia incluem colangite, pancreatite biliar, experiência limitada do cirurgião na exploração do ducto comum e pacientes com múltiplas comorbidades. Alternativamente, a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) é altamente sensível (> 90%) com quase 100% de especificidade para o diagnóstico de cálculos no colédoco (Fig. 54-27). Como um exame não invasivo, a CPRM proporciona uma imagem precisa da árvore biliar, mas, na vigência de coledocolitíase, não enseja solução terapêutica. Um colangiograma normal por CPRM elimina a necessidade de CPRE. Entretanto, uma coledocolitíase identificada por CPRM requer intervenção por meio de outros métodos. Visto muitos cirurgiões não terem experiência na realização da exploração laparoscópica do ducto biliar, muitos recorrem a CPRM pré-operatória para determinar a necessidade de CPRE pré-operatória para limpeza ductal.6 Com a inexperiência na exploração do ducto comum, a coledocolitíase encontrada na colangiografia durante colecistectomia laparoscópica necessitará de CPRE pós- operatória, e a pequena hipótese de que o método endoscópico não consiga limpar o ducto biliar termina na necessidade de reoperação. Tratamento Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595150461/epub/OEBPS/Text/B9788535288575000546_1.xhtml#f0135 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595150461/epub/OEBPS/Text/B9788535288575000546_1.xhtml#f0140 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595150461/epub/OEBPS/Text/B9788535288575000546_2.xhtml#bib0075 A esfincterotomia endoscópica com extração de cálculos é efetiva para o tratamento da coledocolitíase. No contexto pré-operatório, pode eliminar os cálculos ductais, e quando não é bem-sucedida na remoção de todos os cálculos, irá alterar a tomada de decisões intraoperatória. Razões comuns para o fracasso da terapia endoscópica incluem cálculos grandes, cálculos intra-hepáticos, cálculos múltiplos, anatomia gástrica ou duodenal alterada, cálculos impactados ou divertículos duodenais. A esfincterotomia com extração de cálculos não elimina o risco de doença litiásica biliar recorrente. Quando tratadoscom CPRE e esfincterotomia, quase 50% dos pacientes têm recorrência dos sintomas de doença do trato biliar se não tratados também com colecistectomia.7 Mais de um terço destes pacientes eventualmente irá necessitar de colecistectomia, sugerindo que a mesma deva ser indicada a pacientes que apresentam coledocolitíase. Curiosamente, pacientes mais idosos (> 70 anos), têm um taxa de apenas 15% de recorrência dos sintomas, então a colecistectomia deve ser indicada seletivamente para essa população de pacientes. Exploração laparoscópica do ducto biliar comum No momento da colecistectomia, uma colangiografia intraoperatória ajuda a identificar a coledocolitíase. Uma exploração laparoscópica do ducto biliar comum pode ser realizada como uma tentativa de tratar a doença litiásica do trato biliar em um único cenário, sem a necessidade de um procedimento e de uma anestesia adicional. O acesso ao ducto comum com um coledocoscópio de pequeno calibre é realizado via ducto cístico ou mediante uma incisão separada no próprio colédoco. Na abordagem transcística, o cístico é dilatado e um colangioscópio flexível é introduzido para baixo no interior do ducto biliar comum. Para uma abordagem transcística em caso de um cístico fino, este pode ser dilatado com um dilatador flexível introduzido por um guia, utilizando-se a técnica de Seldinger. Dado o ângulo de junção do cístico no colédoco, os cálculos no ducto hepático comum acima da junção do cístico não são acessíveis através da via transcística. Outras contraindicações da abordagem transcística incluem um ducto curto, friável, cálculos numerosos (mais que oito), no ducto biliar comum, e cálculos grandes (> 1 cm), que seriam difíceis ou impossíveis de se extrair por um orifício no cístico. Em qualquer uma destas situações, uma incisão separada pode ser feita no colédoco, sendo a única contraindicação a de um ducto comum fino que pode tornar-se estenosado ao ser suturado. Muitos estudos mostram a alta taxa de sucesso da exploração laparoscópica transcística do ducto biliar comum para coledocolitíase. Exploração aberta do colédoco Com o uso crescente dos métodos endoscópicos e laparoscópicos, a frequência de exploração aberta do colédoco tem diminuído. A exploração aberta deve ser utilizada quando os métodos laparoscópicos e endoscópicos não são factíveis para retirar cálculos no colédoco, ou quando é necessária drenagem biliar concomitante. A exploração aberta traz uma baixa morbidade (8% a 15%) e mortalidade (1% a 2%), com uma baixa taxa de cálculos residuais (< 5%). Os cálculos impactados na ampola de Vater se apresentam como um problema difícil para CPRE e exploração do colédoco. Quando são feitas tentativas sem sucesso https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788595150461/epub/OEBPS/Text/B9788535288575000546_2.xhtml#bib0080 para remover cálculos impactados na vigência de uma árvore biliar não dilatada, uma esfincteroplastia transduodenal pode prover uma drenagem. Em um cenário similar, mas com a árvore biliar dilatada, a drenagem da árvore biliar mediante uma coledocoenterostomia pode ser bem-sucedida. As duas opções para drenagem são as de coledoduodenostomia e uma coledocojejunostomia em Y de Roux. A junção com o duodeno pode ser realizada rapidamente com uma única anastomose. Essa disposição anatômica continua possibilitando acesso endoscópico a toda a árvore biliar. A desvantagem dessa abordagem é que o ducto biliar distal à anastomose não drena bem e pode coletar debris que obstruem a anastomose ou o ducto pancreático dilatado, um processo conhecido como sump syndrome. A técnica de anastomose ao jejuno em Y de Roux oferece drenagem excelente da árvore biliar sem o risco de sump syndrome, mas não possibilita avaliação endoscópica futura da árvore biliar. Cálculos intra-hepáticos, que são quase sempre uniformemente pigmentados de castanho, representam um desafio de tratamento diferente dos cálculos secundários do ducto biliar comum. Relativamente incomuns no Ocidente quando comparados com populações asiáticas, esses cálculos tendem a ocorrer especialmente em pacientes com estase da árvore biliar, tais como aqueles com estenose, parasitos, cistos coledocianos ou colangite esclerosante. Como esses cálculos coletam em sítios acima da obstrução, a abordagem trans-hepática para colangiografia é geralmente mais bem-sucedida. Cateteres de drenagem percutânea são deixados no local e dilatados progressivamente para realizar extração percutânea de cálculos intra-hepáticos. O tratamento em longo prazo de cálculos intra-hepáticos deve ser cuidadosamente relacionado com a doença, mas frequentemente requer hepaticojejunostomia para melhor drenagem biliar. O uso liberal da coledoscopia no momento do procedimento de drenagem assegura a remoção de todos os cálculos presentes. Esta abordagem possibilita uma taxa de depuração dos cálculos de mais de 90%. Metabolismo: CÁLCULOS BILIARES Cálculos de colesterol QUADRO CLÍNICO DIAGNÓSTICO TRATAMENTO Colecistite Crônica Diagnóstico Tratamento Colecistite Aguda Litiásica Diagnóstico Tratamento Diagnóstico (1) Tratamento (1) Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada Exploração laparoscópica do ducto biliar comum Exploração aberta do colédoco
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