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1 2 Mídias: novas e tradicionais A partir deste, ponto podemos questionar se as empresas ligadas à produção midiática evoluíram em termos de mercado, de forma a aproveitar todo este cenário de possibilidades abertas pelo processo de globalização. A resposta é sim, tanto que a década de 90 e mesmo os primeiros anos do século XXI foram marcados por uma sucessão de compras e fusões entre as empresas transnacionais de mídia. Podemos pontuar como exemplo o processo de fusão empresarial que aconteceu em 2000 entre as empresas AOL e Time-Warner. A movimentação de ações foi da ordem de US$ 350 bilhões e, juntas, as referidas empresas passaram a um faturamento de US$ 30 bilhões ao ano. Certo que, após alguns anos, o grupo passou por diversas crises, principalmente com o final trágico do que ficou conhecido como a bolha das empresas de internet, mas, mesmo com os erros empresariais cometidos, o caso específico da fusão entre empresas da nova mídia e da mídia tradicional foi simbólico. Wilson Dizard Júnior (2000) estabelece, em seu livro A Nova Mídia, o seguinte aspecto emblemático: Essas fusões redefiniram o setor americano de comunicações. Contudo, elas foram apenas o começo de um deslocamento em direção a um novo padrão para o setor. Combinar informação multimídia e produção de entretenimento sob o teto de uma única empresa foi a primeira parte da nova estratégia (DIZARD Jr, 2000, p.35). O fato denota o rentável investimento que as empresas de mídia se tornaram, daí a tendência de estender suas operações. Na realidade, as grandes corporações de mídia transformaram-se em um dos principais poderes do mundo, verdadeiros agentes internacionais, pelo próprio valor comercial de tais empresas, pela forma como veiculam seus produtos midiáticos e atingem, em maior ou menor grau, os grupos de formadores de opinião sociais. A influência da mídia na sociedade contemporânea, os processos de fusões empresariais no campo da mídia e a ampliação das possibilidades de 3 atuação no mercado posicionaram papéis de agentes de influência midiáticos para as empresas que atuam no setor da comunicação. Dessa forma, configuram-se como elementos de grande importância, derivantes de um cenário global que a tecnologia da comunicação, principalmente aquela que decorre a partir da verdadeira revolução provocada pela tecnologia digital, acabou por provocar. Esse fato nos leva à necessidade de estudar o que Ignácio Ramonet (2001), em seu livro: A Tirania da Comunicação, observou: “A atual revolução digital tem como principal efeito fazer convergir os diferentes sistemas de sinais para um sistema único: texto, som, imagem podem agora expressar-se em bits” (2001, p.75). O que Ignácio Ramonet quer dizer com os elementos: texto, som e imagem? Trata-se dos elementos que compõem as diversas áreas de desenvolvimento e atuação dos mass media – o texto como base principal para a mídia impressa; som e imagem, como itens principais para produção audiovisual da mídia eletrônica. Hoje, tais elementos podem “se expressar através de bits”, pois foram aproximados e colocados lado a lado a partir da tecnologia digital, em um fenômeno denominado, por vezes, de convergência midiática ou por convergência digital. O fenômeno da convergência midiática ou digital pode ser compreendido a partir da facilitação criada pela tecnologia baseada no código binário. Nesse sentido, houve uma digitalização dos conteúdos: o que antes era bastante departamentalizado e circunscrito em sua própria realidade enquanto mídia, em termos de produção, exibição e distribuição, agora se aproxima. Rompem-se as barreiras e as fronteiras entre uma mídia e outra, mesmo porque transpor tais obstáculos tornou-se uma simples questão de transposição para o software correto. Retornando ao livro A Nova Mídia, de Wilson Dizard Júnior, temos a apresentação de um interessante posicionamento. Uma discussão focada em mídia tradicional e nova. A nova mídia representada por computadores multimídia, discos laser, CD-ROM, fac-símiles de última geração, bancos de dados portáteis, livros eletrônicos, redes de videotexto, telefones inteligentes, satélites de transmissão direta e internet com multimídia, de acordo com o autor. 4 Todos esses novos meios disponíveis no mercado, segundo o autor, possuem um elemento comum, o que o próprio Wilson Dizard Junior chama de “computadorização”, ou seja, a utilização da esfera digital da mídia, fato que garante limites tecnológicos mínimos para a produção midiática, conforme já foi observado em termos de produção, distribuição e exibição dos mesmos. Assim, algumas transformações se operam de maneira acentuada na sociedade contemporânea. As adaptações técnicas, políticas e as econômicas. Para o fator técnico, observa-se a adaptação dos produtos midiáticos tradicionais à digitalização, fato que os torna, inclusive, mais interativos. O elemento político se faz presente através da desregulamentação promovida por vários estados, justamente para aproveitamento técnico disponível e sua utilização. Por fim, as alterações econômicas, tanto no setor midiático quanto no restante da economia: formação de grandes conglomerados de mídia e, ao mesmo tempo, novas empresas de pequeno porte, que representam uma espécie de produção inovadora, descentralizada e com vários aspectos organizacionais que promovem a agilidade profissional nesse campo de atuação. Casos de sucesso empresarial que têm como base a revolucionária tecnologia digital podem ser contemplados. Como a história da Microsoft e mesmo do Google, criado em 1998, extremamente recente enquanto história empresarial de sucesso, mas que atualmente se configura como a quarta marca mais valiosa do mundo, segundo o site Interbrand, em sua pesquisa de 2010. Confira a seguir a tabela com as dez marcas mais valiosas do planeta: Posição* Marca US$m Índice 1/1 Coca-Cola 70,452 2% 2/2 IBM 64,727 7% 3/3 Microsoft 60,895 7% 4/7 Google 43,557 36% 5/4 G.E. 42,808 -10% 6/6 McDonald’s 33,578 4% 7/9 Intel 32,015 4% 5 8/5 Nokia 29,495 -15% 9/10 Disney 28,731 1% 10/11 HP 26,867 12% *A referência de posição se dá a partir do lugar ocupado em 2010 em relação a 2009. Adaptado de: www.interbrand.com (Acesso em: 17 abr. 2010) É interessante uma visita a esse site norte-americano de pesquisa e consultoria para a área de gestão estratégica de marcas e marketing; nele se pode conferir o relatório com as cem marcas globais mais bem posicionadas em termos de patrimônio de marca (brand equity). O que se pode perceber, a partir da tabela adaptada acima, é que marcas tradicionais de nosso cotidiano se apresentam presentes no ranking. Que a maior parte delas está ligada à questão da tecnologia e inovação. Desse fato podemos concluir que o fator tecnológico, ponto central do que discutimos em relação ao processo de convergência digital (ou midiática), se apresenta com forte posicionamento global, mesmo entre as marcas que compõem o mercado geral. O que hoje nos parece tradicional e imutável pode, em poucos anos, sofrer grandes alterações estruturais e de posicionamento. Vamos explicar esse fator de mudanças em relação ao nosso paradigma histórico, à composição das empresas ligadas à mídia e que, portanto, afetam a nossa cultura, comportamento e formas de relacionamento; a partir do cenário midiático norteamericano, com base nos apontamentos feitos por Wilson Dizard Junior (2000), em A Nova Midia, no qual o autor traça, em detalhes, as alterações provocadas pela tecnologia digital em relação aos formatos tradicionais de mídia (impressa e eletrônica) e nas novas mídias (já de base digital). Vamos então a esse panorama. Para a áreade mídia eletrônica, temos como representativo uma das primeiras grandes crises para o setor no mercado norte-americano. Segundo o autor, a década de 90 representou um momento de crise para as grandes redes de televisão aberta nos Estados Unidos. NBC, ABC e CBS tiveram suas audiências superadas pelo crescimento da televisão a cabo. Como exemplo, http://www.interbrand.com/ http://www.interbrand.com/ 6 vislumbra-se que, já em 1998, a audiência combinada dessas três grandes redes não chegavam a 50% e, mesmo em horário nobre, os canais de televisão a cabo obtêm audiência superior (DIZARD Jr., 2000, p.19). A mídia impressa também sofreu o impacto gerado pela introdução das novas tecnologias digitais e as decorrentes alterações do comportamento dos clientes em relação ao consumo de informações e entretenimento. Para esse novo cenário se constatou que o índice de leitura de jornais diários por adultos, que na década de 40 era de 78%, no início do século XXI caiu para menos de 60% (DIZARD Jr., 2000, p.20). Nessa mesma época se constatou que, no mercado norte-americano, já havia vários jornais explorando as possibilidades da internet, mais precisamente 160 títulos diferentes; entretanto, apenas uma dessas empresas apresentava lucratividade em termos de expansão para o novo formato: o The Wall Street Journal Interactive Edition, que contava com 150.000 assinantes (DIZARD Jr., 2000, p.30). Para os canais ou empresas que representam as possibilidades mercadológicas abertas pela nova mídia temos o seguinte cenário: no livro redigido por Bill Gates em 1995, A Estrada do Futuro, já se previam laptops do tamanho de carteiras ligados a bancos de dados para obter informações. Esse acesso sob demanda a informações e ao entretenimento vai exigir a adaptação das empresas de comunicação clássicas ou, na pior das hipóteses, sua extinção. As empresas que não entenderem esse cenário de mercado e não se movimentarem para aproveitar tais oportunidades poderão aparecer, na história das práticas e cases administrativos, como empresas míopes em termos de marketing (DIZARD Jr., 2000, p.21). Nesse cenário a internet é, realmente, o grande e inovador suporte tecnológico, que garante as mais profundas mudanças no mercado midiático. Se na virada do século a quantidade de computadores pessoais no mundo era da ordem de 300 milhões, em 2008 este número bateu e superou a casa do 1 bilhão. Nesse mesmo sentido exponencial houve a expansão da rede da internet. Para se ter uma ideia aproximada de tal fenômeno, podemos verificar alguns 7 dados de crescimento, comparando o início da década de 90 com o início do século XXI, um período de dez anos, portanto. A partir dos dados relacionados por Wilson Dizard Jr. (2000, p.26), constatamos que, em 1990, dos 93,3 milhões de domicílios nos Estados Unidos, 21,9 milhões possuíam computadores pessoais (o que abre um índice de 23,5% de domicílios com computador). Entretanto, ainda se referindo ao ano 1990, apenas 3,2 milhões de computadores possuíam modem (14,6% do total de domicílios com computadores e 3,4% dos domicílios nos Estados Unidos), fato que já configurava um freio em relação ao acesso à internet. Na mesma pesquisa, constatou-se que a penetração dos serviços de internet nos lares norte-americanos chegava a ínfimos 1,7% do total de domicílios em 1990. Se avançarmos praticamente uma década, e demarcarmos o ano inicial do século XXI, portanto 2001, já visualizaremos um paradigma de expansão acentuada para esse cenário. Em 2001, havia 104,2 milhões de domicílios nos Estados Unidos; desse total, 51,5 milhões possuíam computadores (abre um índice de 49,4% de domicílios com computador). Ainda a partir do ano de 2001, 92,2% desses computadores já estavam equipados com modem (47,5 milhões de computadores). Dessa forma, já no início do século XXI, 39 milhões de computadores estavam ligados à internet nos Estados Unidos (75,7% dos domicílios com computadores). Assim, a penetração dos serviços de internet aos lares norte-americanos saltou para 37,4% (DIZARD Jr, 2000, p.26). Através da seguinte tabela, teremos uma melhor observação dos dados apresentados: Penetração de serviços de internet nos lares norte-americanos Ano Domicílios Computadores % Modens % On- line 1990 93,3 21,9 23,5 3,2 3,4 1,7 2001 104,2 51,5 49,4 47,5 45,6 37,4 Adaptado de: Dizard Jr. (2000, p.26) 8 Esse cenário nos traz a percepção de uma grande alteração comportamental. A expansão de uma mídia, no caso a internet, significa o encolhimento de outra ou outras, pois o tempo de exposição na internet tem aumentado, ao passo que diminui o tempo de exposição às demais mídias disponíveis. Em 2010, o instituto de pesquisa norteamericano Forrester indicou que o norte-americano já dedica o mesmo tempo semanal à internet em relação à televisão. Nos últimos cinco anos, enquanto o nível de horas semanais dedicadas a assistir televisão permaneceu o mesmo, o tempo dedicado à navegação na internet subiu 121%, segundo o instituto. Esse rápido crescimento posiciona a internet como um forte fator econômico, devido às possibilidades que a plataforma abre ao e-commerce e, também, a uma maior quantidade de pessoas propensas a participar das compras on-line, ano a ano. A internet é o prático caminho para o ciberespaço e, além disso, o software que vai pegar carona em todas as faixas da nova autoestrada da informação eletrônica – sistemas de telefone, televisão a cabo, TV aberta e canais de satélite. Os meios de comunicação de massa constituem apenas uma pequena parte de uma indústria da informação, que é cada vez mais dependente das ferramentas de distribuição da internet para entregar seus produtos (DIZARD Jr., 2000, p.25). Como exemplo podemos citar a empresa norte-americana AT&T, ligada à área de telefonia, que, numa visão estratégica de marketing, e mesmo sendo representante da mídia tradicional, desenvolveu: “Planos de se tornar provedor líder de voz, internet e serviços de vídeo, distribuição pela própria estrutura ou pelas linhas de cabo TCI”, isso já em 1998 (DIZARD Jr., 2000, p.28). Bem, como estamos vinculados a área acadêmica, não poderíamos deixar de questionar e opinar a respeito da questão de formação e capacitação das pessoas que almejam seguir carreira profissional em alguns dos setores de mídia. O fato principal é que o futuro profissional deverá passar por um processo de adequação ao aparato tecnológico inovador, que está em constante mudança 9 e atualização e, ainda, tentar ocupar seu espaço em um mercado com fortes características de expansão e mutação, com o intuito de se ajustar profissionalmente às áreas de produção e distribuição da informação e entretenimento. Uma das poucas certezas com que os profissionais de mídia podem contar no futuro é que estarão constantemente lidando com o impacto das mudanças tecnológicas e com a intensificação da demanda por maior envolvimento intelectual e habilitação acadêmica (DIZARD Jr., 2000, p.21). Nesse sentido, na busca por capacitação em termos acadêmicos, principalmente a titulação de especialista ou cursos de MBA’s, a atualização no campo da informática e a busca pela proficiência em línguas estrangeiras devem ser uma constante. A partir desse cenário de evolução tecnológica, de adaptações profissionais e, sobretudo, de análise mercadológica para posicionamento empresarial, vamos trabalhar o tópico seguinte a partir das adaptações que se efetivam no campo da cultura em relação à expansão da influência da mídia. Mídia e Cultura ou Cultura da Mídia? A partir do desenvolvimento apresentado pelos veículos de comunicação de massa e sua interação com a sociedade, de modo a gerar uma grande influência, percebeu-se a necessidade de se desenvolver estudos teóricos quepontuassem o tamanho e os porquês de tal intervenção. Foi assim que, a partir do início do século XX, várias pesquisas sobre a influência da mídia na sociedade e na cultura frutificaram. Nesta unidade, propõe-se o foco no conceito de cultura da mídia sugerido pelo norteamericano Douglas Kellner (2001), em seu livro A Cultura da Mídia, como conceito e posicionamento adotados a priori para análise da interface mídia e cultura. 10 Um aspecto que se evidencia na obra de Kellner, ao instaurar a definição de cultura da mídia, é o resgate de um outro conceito, de viés crítico, estabelecido por uma corrente teórica que, na área dos estudos teóricos de comunicação de massa, ficou conhecida como Escola de Frankfurt, caracterizada especialmente por sua posição crítica ao processo de produção cultural sob a égide do sistema e modo capitalistas. Trata-se do conceito de Indústria Cultural. Este foi desenvolvido por dois autores frankfurtianos: Max Horkheimer e Theodor Adorno, em 1947, conforme se evidencia na citação a seguir: O termo Indústria Cultural foi originalmente concebido por Theodor Adorno (1903/1969) e Max Horkheimer (1895/1973), autores do livro A Dialética do Esclarecimento, publicado em 1947. Trata-se de um conceito que evidencia um viés crítico da sociedade de massas sob o contexto da corrente teórica da comunicação que ficou conhecida como “Escola de Frankfurt” (Teoria Crítica). Deve-se esta denominação ao início de seus trabalhos no Instituto de Pesquisa Social, criado em 03/02/1923, vinculado à Universidade de Frankfurt. Do qual Max Horkheimer assumiu a direção após 1930, dedicando-se a uma análise questionadora dos valores do capitalismo moderno (CAMPOS, 2006b, p.106). Através da definição de Indústria Cultural, os teóricos da Escola de Frankfurt evidenciavam que a produção artística e cultural na atualidade é organizada sob moldes das relações capitalistas, fato que atende aos padrões sociais, ideológicos e econômicos de tal regime e o reproduz. Nesse sentido, a própria produção cultural do ser humano se transforma em mercadoria e se adapta aos moldes da economia de mercado. Todo esse processo é chamado de Indústria Cultural e serve, segundo os teóricos já citados (Adorno e Horkheimer), como uma forma de dominação e perpetuação do regime capitalista e sua forma de dominação. 11 Os teóricos da Escola de Frankfurt sofreram críticas por seu posicionamento extremamente contrário à produção cultural inserida nos moldes contemporâneos de produção e adaptados às tecnologias disponíveis na atualidade. As críticas advêm de um posicionamento um tanto quanto rigoroso adotado por esses teóricos, depois questionado por correntes teóricas que se desenvolveram adiante. A principal evidência passível de crítica posterior no conceito de Indústria Cultural é que nem tudo é dominação econômica e cultural, nem sempre as atitudes adotadas pelos veículos de comunicação de massa determinam e estabelecem os mecanismos de dominação. Este questionamento foi apresentado por Maraisa Lessa (2004) no artigo Indústria Cultural e Cultura da Mídia: Da Modernidade à Lógica Cultural Pós-Moderna: Um dos questionamentos básicos para a produção teórica em comunicação seria como traçar um viés crítico às produções midiáticas na pós-modernidade sem incorrer em um posicionamento polarizado como a dos frankfurtianos em relação à Indústria Cultural. Faz-se necessário, então, perceber como um conceito advindo de uma escola de tradição marxista faz-se tão presente em nossa realidade impregnada pelas regras de mercado (...) A cultura da mídia produzida e direcionada às massas é, portanto, fruto de uma indústria cultural estabelecida através de grandes conglomerados de comunicação e formatada através de suportes tecnológicos cada vez mais sofisticados. Entretanto, Kellner chama atenção para este fator multifacetário, não se pode se restringir ao antigo discurso entre direita e esquerda. Socialismo e capitalismo não mais embatem entre si na disputa política e ideológica. Ao contrário, percebe-se uma incorporação dos discursos progressistas e conservadores no cenário midiático. Os meios de comunicação de massa passam a ser o palco de discussões e tendências sociais, produz-se à socialização, rivaliza-se com outras instituições sociais tradicionais deste cenário, mas também se produzem questionamentos (LESSA, 2004, p.10). 12 A forte presença dos meios de comunicação de massa no cotidiano das pessoas acontece a partir da ocupação do tempo livre dos indivíduos com atividades que os distanciem do trabalho. À medida que as massas se predispõem a disponibilizar maior parte de seu tempo às atividades midiáticas aumentam o valor, em termos de importância, e a influência dos veículos de comunicação de massa na sociedade contemporânea. Tal influência e penetração determinam o modo de vida atual, que muitos autores pontuam como a sociedade do espetáculo, o planeta mídia e outras definições que demonstram a transformação do mundo e da produção cultural em uma espécie de matriz midiática, ou seja, envolvida e dependente da produção cultural mediada pelos veículos de comunicação de massa. Fato também evidenciado por Kellner: À medida que a importância do trabalho declina, o lazer e a cultura ocupam cada vez mais o foco da vida cotidiana e assumem um lugar significativo. Evidentemente, devemos trabalhar para auferir os benefícios da sociedade de consumo (ou para herdar riquezas suficientes), mas supõe-se que o trabalho esteja declinando em importância numa era em que, segundo se alega, os indivíduos obtêm mais satisfação do consumo de bens e das atividades de lazer do que das atividades laboriosas (KELLNER, 2001, p.29). O posicionamento adotado por Kellner ao propor o conceito de cultura da mídia não parte de uma questão ingênua de negar os processos de dominação e exercício da ideologia dominante. Ao contrário, o autor admite e considera o fator de manipulação a partir da mídia. Na última década também surgiram novas tecnologias que mudaram os padrões da vida cotidiana e reestruturaram poderosamente o trabalho e o lazer. As novas tecnologias do computador substituíram muitos empregos e criaram muitos novos, oferecendo novas formas de acesso à informação e à comunicação com outras pessoas e propiciando as alegrias de uma nova esfera pública informatizada. As novas tecnologias da mídia e da informática, porém, são ambíguas e podem ter efeitos 13 divergentes. Por um lado, proporcionam maior diversidade de escolha, maior possibilidade de autonomia cultural e maiores aberturas para intervenções de outras culturas e ideias. No entanto, também propiciam novas formas de vigilância e controle, em que os olhos e sistemas eletrônicos instalados em locais de trabalho funcionam como encarnação do Grande Irmão. As novas tecnologias da mídia também propiciam poderosas formas de controle social por meio de técnicas de doutrinação e manipulação mais eficientes, sutis e ocultas. Na verdade, sua simples existência já cria a possibilidade de minar as energias políticas e de manter as pessoas bem guardadas dentro dos confins de seus centros de entretenimento doméstico, distante do tumulto das multidões e dos locais de ação política de massa (...) Enquanto a cultura da mídia, em grande parte, promove os interesses das classes que possuem e controlam os grandes conglomerados dos meios de comunicação, seus produtos também participam dos conflitos sociais entre grupos concorrentes e veiculam posições conflitantes, promovendo, às vezes, forças de resistência e progresso. Consequentemente, a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentesdentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem (KELLNER, 2001, p. 26,27). Para explicar melhor esse posicionamento teórico, cabe salientar que Douglas Kellner (2001) vislumbra a presença dos veículos de comunicação de massa na sociedade contemporânea como um palco midiático onde acontecem as discussões sociais em termos de exercício da hegemonia e da resistência, grupos sociais que, através da mídia, conseguem veicular suas produções que ora são extremamente críticas ao sistema estabelecido, ora estão altamente integradas ao processo de dominação. Tais possibilidades acontecem por causa da necessidade de os veículos de comunicação de massa permanecerem em 14 constante busca pela audiência e, a partir dessa necessidade, abrirem espaços para vários posicionamentos, inclusive das minorias sociais. Muitos críticos propuseram com correção que o conceito de ideologia se estendesse e passasse a abranger teorias, ideias, textos e representações que legitimem interesses de forças dominantes em termos de sexo e raça, bem como de classe. Dessa perspectiva, fazer crítica da ideologia implica criticar ideologias sexistas, heterossexistas e racistas tanto quanto a ideologia da classe burguesa capitalista. Tal crítica da ideologia é multicultural, discernindo um espectro de formas de opressão de pessoas de diferentes raças, etnias, sexo e preferência sexual e traçando os modos como as formas e os discursos culturais ideológicos perpetuam a opressão. A crítica multicultural da ideologia exige levar a sério as lutas entre homens e mulheres, feministas e antifeministas, racistas e antirracistas, gays e antigays, além de muitos outros conflitos, que são considerados tão importantes e dignos de atenção quanto os conflitos de classe o são pela teoria marxista. Partese assim do pressuposto de que a sociedade é um grande campo de batalha, e que essas lutas heterogêneas se consumam nas telas e nos textos da cultura da mídia e constituem o terreno apropriado para um estudo crítico da cultura da mídia (KELLNER, 2001, p.79). Em termos de aproximação e foco teórico referente à cultura da mídia deve- se, portanto, eleger produções advindas de mídias específicas, no sentido de desenvolver exercícios passíveis de análise em termos de cultura da mídia das obras selecionadas. Esta proposta de estudo visa evidenciar os fatores ideológicos que constituem a construção do discurso e da narrativa dos produtos midiáticos. Por fim, ao se desenvolver tal exercício a respeito da aplicabilidade do conceito de cultura da mídia, ter-se-á como foco demonstrar como tais produções, ligadas ao lazer e ao entretenimento, acabam por se consolidar enquanto instrumentos de discussão de amplas questões sociais nesse palco de debates contemporâneos que a mídia se tornou. 15 A análise das produções midiáticas deve focar as posições sociais, em termos de hegemonia e resistência, e como são representadas no palco midiático. Tais posicionamentos podem se mostrar bastante explícitos e realmente ilustrar pontos diferenciados em termos culturais e sociais perante a sociedade e através da mídia e da sua presença na sociedade atual. Como exemplo prático, para aplicação desse posicionamento teórico, podemos eleger filmes de produção estrangeira (norte-americana, por exemplo) ou mesmo filmes nacionais e verificar quais possuem uma visão mais integrada ao processo e quais se estabelecem de uma maneira crítica à configuração da sociedade como um todo, nas várias instâncias de análise, conforme proposto por Kellner. Trata-se de um exercício bastante interessante que podemos adotar em nosso dia a dia, como forma de perceber o embate entre forças de hegemonia e resistência que se configura perante nossos olhos, no palco midiático. O Contexto Brasileiro: Reflexos a Partir do Cenário Mundial Com base em tudo que foi apresentado até o momento, em relação ao contexto histórico, midiático e cultural, procuraremos, a partir deste tópico, evidenciar o contexto brasileiro e os reflexos da política econômica das comunicações no cenário nacional. Com este intuito que devemos focar na obra Mídia: Teoria e Política, de Venício A. de Lima (2001),em que o autor justamente foca o cenário de concentração global e os reflexos no Brasil. De início, cabe ressaltar o processo de convergência e concentração midiática que já abordamos anteriormente, mas que é pontualmente abordado por Venício A. de Lima (2001, p.93): No cenário da globalização contemporânea, a consequência mais evidente da convergência tecnológica no setor de comunicações é a enorme e sem precedentes concentração da propriedade, que provoca a consolidação e a emergência de um reduzido número de megaempresas mundiais. Ademais, a onda internacional liberalizante de privatizações e desregulamentação, acelerada depois da aprovação do 16 telecommunications act americano, em fevereiro de 1996, vem provocando uma avalanche de aquisições, fusões e joint ventures envolvendo estados nacionais, bancos, grandes empreiteiras e empresas transnacionais privadas, estatais e mistas. Nesses termos, a atuação empresarial no setor de mídia também acompanha o cenário mundial de concentração de propriedade; entretanto, com algumas características peculiares que envolvem a própria evolução da mídia nacional. No que tange á formação dos grandes grupos de mídia nacionais temos, em paralelo a esse processo: 1. Concentração de propriedade. 2. Controle por grupos familiares. 3. Controle por grupos religiosos. 4. Controle por grupos políticos. Vamos então evidenciar cada um desses elementos, a começar pela questão das estratégias desenvolvidas para concentração de propriedade. De modo geral, identificam-se três procedimentos básicos: a integração horizontal, a integração vertical e a propriedade cruzada; todas as possibilidades definidas abaixo a partir do que pontua Venício A. de Lima: Sobre a integração horizontal, observa: “Trata-se da oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor. O melhor exemplo desse tipo de concentração no Brasil continua a ser a televisão, paga ou aberta” (LIMA, 2001, p.98). Como exemplo desse processo, podemos inserir a seguinte tabela de comparação entre as redes de Televisão aberta em operação no país. Os dados apresentados datam de 2000, ano em que as operações através da mídia televisão no Brasil completaram 50 anos: 17 Comparação Entre as Redes de TV Aberta Redes Participação Afiliadas Alcance Audiência Globo 32 113 99,96% 58% SBT 10 97 78,60% 21% Bandeirantes 12 68 61,70% 5% Record 21 47 44,20% 10% Adaptado de Lima (2001, p.100) Já os procedimentos empresariais que caracterizam o processo de integração vertical se concentram nos âmbitos específicos da produção e distribuição dos bens midiáticos: Trata-se da integração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição. Por exemplo, um único grupo controla desde os vários aspectos da produção de programas de televisão até a sua veiculação, comercialização e distribuição. Nessa área, o melhor exemplo continua a ser a produção de telenovelas. Estudo já clássico sobre esse processo produtivo revelou como a Rede Globo possui os estúdios de gravação e mantém, sob contrato permanente, os autores, os atores e toda a equipe de produção (roteiristas, diretores de programação, cenógrafos, figurinistas, diretores de TV, editores, sonoplastas, etc.). Além disso, um exemplo paradigmático de sinergia empresarial, a Rede Globo exibe a novela em sua rede de televisão, comercializa a novela para outros países, a trilha sonora por meio de gravadora própria e divulga o pacote por sua rede de TV, seus jornais, revistas, emissoras de rádio, etc.(cf. ORTIZ et alli, 1989, Apud LIMA, 2001, p.101). A propriedade cruzada incorpora vários tipos de mídia no setor de comunicação de massa sob o controle de um mesmo grupo empresarial. 18 Trata-se da propriedade, pelo mesmo grupo, de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. Por exemplo: TV aberta, TV por assinatura (a cabo, MMDS ou via satélite-DTH), rádio, revistas, jornais e, mais recentemente, telefonia (fixa, celular e móvel, via satélite), provedores de internet, transmissão de dados, etc. Alguns dos principais conglomerados de comunicação no Brasil se consolidaram, como se sabe, por meio da propriedade cruzada na área dos mass media (jornais, revistas, rádio e televisão) (LIMA, 2001, p.101). Apesar de todo esse processo de concentração de propriedade e formação de grandes conglomerados de mídia, que controlam o setor e são uma espécie de reflexo do panorama mundial, no Brasil observa-se outro fator de concentração da mídia, que é anterior, em termos históricos, a todo esse cenário global. Nesse sentido, o fato preponderante foi a presença da ditadura militar, em termos de controle político do país e da percepção de que o controle sobre os processos de comunicação de massa era uma questão de soberania nacional. Tanto que, mesmo a Constituição brasileira de 1988, em seu formato original, no artigo 222, ainda proibia a participação de estrangeiros na formação do capital societário das empresas que pleiteavam explorar mercadologicamente os canais de radiodifusão. Reforça ainda essa visão de controle o fato de as frequências de rádio e os canais de televisão também serem posicionados como concessões do governo a grupos específicos. Todo esse panorama configurou os grupos de mídia nacionais como empresas de domínio familiar e com fortes laços com os grupos políticos regionais. Podemos observar essa peculiaridade nacional, em termos de propriedade empresarial para o setor da comunicação de massa no Brasil, através da tabela que se apresenta a seguir, a qual referencia, por sobrenome, especialmente conhecidos, os grupos familiares presentes na radiodifusão brasileira. 19 Grupos Familiares na Radiodifusão Brasileira Família Canais TV Rádios Marinho 32 20 Saad 12 21 Abravanel 10 - Sirotski (S) 20 20 Câmara (C-O) 08 13 Daou (N) 05 04 Zahran (MT) 04 02 Jereissati (NE) 01 05 Adaptado de Lima (2001, p.106) Às oito famílias acima listadas na área de radiodifusão (que atuam em outras formas de mídia impressa e eletrônica), devem ser acrescidos os seguintes seis grupos familiares que também controlam as comunicações no Brasil: Civita (Abril); Mesquita (grupo OESP); Frias (grupo Folha); Nascimento Brito (Jornal do Brasil); Martinez (CNT); e Levy (Gazeta Mercantil). Estimativa feita por Nuzzi (1995) indicava que cerca de 90% da mídia brasileira eram controlados por apenas 15 grupos familiares (LIMA, 2001, p.106). Outro aspecto da constituição das empresas ligadas aos mass media no Brasil diz respeito à presença de grupos políticos que controlam parte dos canais de televisão e emissoras de rádio no país. O cenário é fruto de um exercício de poder por parte dessa verdadeira bancada midiática, presente em várias instâncias de poder no cenário político nacional. Um processo que se constata e posiciona a formação de um verdadeiro coronelismo de base eletrônica e midiática em várias regiões. Políticos que exercem seu poder e recebem poder a partir da posse da concessão para exploração dos mass media que foi outorgada ou renovada pelo governo federal. 20 O quadro referencial abaixo aponta a presença de elites políticas na mídia nacional, em termos de participação das concessões de rádio e televisão, uma projeção para o cenário nacional e para alguns Estados. Elites Políticas na Mídia Nacional (1994) Total Brasil Políticos % Televisão 302 94 31,12 Rádio 2.908 1.169 40,19 Adaptado de: Lima (2001, p.107) Distribuição por Estados Bahia 50% Pernambuco 44% Minas Gerais 33% São Paulo 20% Fonte: Lima (2001, p.108) De acordo com diversas fontes (JORNAL DO BRASIL, 1994; FERNANDES, 1998; LOBATO, 1995; e MOTTER, 1994), existem Estados onde é notória a presença de políticos no controle das comunicações. São frequentemente mencionados: (1) no Norte e Nordeste, os Estados da Bahia (grupo de Antonio Carlos Magalhães); Maranhão (grupo de José Sarney); Rio Grande do Norte (grupo de Aluízio Alves); Sergipe (grupos de Albano Franco e João Alves); Pará (grupo de Jader Barbalho); Roraima (grupo de Rômulo Villar Furtado); Alagoas (grupo de Collor de Melo); Pernambuco (grupo de Inocêncio de Oliveira); e (2) no Sul, os Estados de São Paulo (grupo de Orestes Quércia); e Paraná (grupos de Paulo Pimentel e José Carlos Martinez). 21 Outra forma de avaliar o envolvimento de políticos profissionais com as comunicações no Brasil é verificar quantos daqueles que possuem vínculo direto com a mídia concorrem como candidatos aos diferentes mandatos públicos. A revista Carta Capital fez um desses levantamentos imediatamente antes das eleições gerais de 1998 (FERNANDES, 30/09/1998) e divulgou uma relação minuciosa dos principais candidatos aos cargos em disputa no país. Os candidatos que estavam à frente nas pesquisas eleitorais para os pleitos majoritários – governadores e senadores – em pelo menos 13 Estados eram políticos vinculados à área de mídia. Isso ocorria em Roraima, Pará, Amapá, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Acre, Rondônia, Mato Grosso, São Paulo, Sergipe, Bahia e Alagoas (LIMA, 2001, p.108). Por fim, cabe apresentar mais uma das peculiaridades da composição societária da mídia nacional, a participação das igrejas como players no cenário dos mass media. Apesar de constituir uma tendência recente, parece obter um acentuado e acelerado crescimento em termos de presença na radiodifusão. O quadro abaixo nos permite visualizar essa importante questão: Presença das Igrejas na Radiodifusão Igrejas TV Repetidoras Rádios Universal 21 47 80 Católica 4 178 190 Batista - - 100 Adventista do Sétimo Dia 1 - 21 Evangelho Quadrangular 1 - 4 22 Renascer em Cristo 1 - 6 Fonte: Lima (2001, p.111) Paralelamente à globalização, desenvolve-se no Brasil um processo único e de implicações significativas para o setor de comunicações. Refiro-me ao enorme crescimento da participação das igrejas, sobretudo na mídia eletrônica, isto é, na televisão e no rádio. A década de 90 marca o início dessa tendência, simbolizada pela compra da TV Record do Grupo Silvio Santos pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 1990, e pela entrada em funcionamento da Rede Vida de Televisão, ligada à Igreja Católica, em 1995. Como ocorre em relação a qualquer outro dado, não é tarefa fácil reunir informações sobre o crescimento de interesse e da participação das igrejas no setor de comunicações. Todavia, o pouco disponível revela números impressionantes: em 1994 a Rede Record se restringia ao Estado de São Paulo, a algumas regiões do Rio de Janeiro e às áreas metropolitanas de Belo Horizonte e Manaus. No final de 1998, a Record levava sua imagem a praticamente todo o país – cerca de 90% do território nacional – no mesmo nível, portanto, das redes SBT e Bandeirantes. Por outro lado, a Rede Vida, em pouco mais de dois anos de funcionamento, já alcançava cerca de 500 cidades brasileiras e estava presente na oferta de canais das duas principais distribuidoras de TV paga do país (LIMA, 2001, p.111). Para finalizar este breve cenário da constituição política e econômica dos mass media no Brasil, com foco nos processos de radiodifusão (rádio etelevisão), devese pontuar que tais veículos sempre serviram ao exercício de poder político no país. No caso da televisão, principalmente, percebemos grandes investimentos durante o governo militar, com o intuito de se garantir um 23 processo midiático de integração nacional, fato que abriu espaço para a formação das grandes redes de televisão, na conformação que estão na atualidade e, também, da aproximação dos grupos de interesse que estavam, de certa forma, atrelados ou alinhados à ideologia militar. O padrão de influência e exercício do poder permanece mesmo com a abertura à democracia.