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Acadêmico: José Edinaldo de Andrade Turma: 2º. NB Tema: Nosso Direito Penal é um Direito Penal de fato e não de autor. A distinção entre o Direito Penal de fato e Direito Penal de autor não é só uma questão sistemática, mas também e fundamentalmente, política e ideológica. 1. Introdução: O presente trabalho, apresentado como forma de avaliação parcial na disciplina de Direito Penal I do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, tem como objetivo analisar como o ordenamento jurídico brasileiro recepciona as teorias do Direito Penal de fato e Direito Penal do autor e qual o papel político e ideológico de tal escolha para além de um sistema acusatório estatal. Também visa analisar o papel do judiciário brasileiro na construção de um Direito Penal sólido dentro das concepções de um Estado Democrático de Direito, o qual não deve recriminar os sujeitos pela sua personalidade, mas sim reprimi-los pela sua conduta concreta. 2. Os conceitos de Direito Penal de fato e Direito Penal de autor e o Direito Penal brasileiro O sistema penal brasileiro adotou o Direito Penal de fato para caracterizar o crime. Assim, para a responsabilização do indivíduo, o Estado precisa provar, de maneira singularizada, a participação deste no fato que lhe é imputado. Neste aspecto e momento, pouco importa a vida pregressa do indivíduo, importando tão somente comprovar que a conduta deste indivíduo é típica, antijurídica e culpável. Logo, por mais que se tenha a certeza de que o indivíduo tenha cometido tal conduta e por mais criminoso que seja o indivíduo, este somente poderá ser responsabilizado se comprovada a sua participação no ato tido como reprovável. Para o Direito Penal de fato, ninguém pode ser culpado de forma geral, mas somente em relação a um fato ilícito determinado. Alguns doutrinadores, como Roxin (1997, p. 177), defendem que “um ordenamento jurídico que se baseie em princípios próprios de um Estado de Direito liberal se inclinará sempre em direção a um Direito penal do fato”. A base desse princípio encontra-se fundada no Estado de Direito. Entretanto, para a fixação da pena, regime de cumprimento de pena, espécie de sanção, entre outros, o Direito Penal adotou o direito penal de autor1. Neste momento é que, após já ter ocorrido a responsabilização penal do indivíduo, se levará em consideração a vida pregressa do autor (antecedentes), estilo de vida, modo de ser, condições pessoais, assim como o grau de reprovabilidade e consequências do crime por ele cometido. Frise-se, o Direito Penal brasileiro adotou a prática de criminalizar a personalidade do autor e não a sua conduta, mesmo que não se despreze a conduta cometida pela qual está respondendo. 3. Posicionamento doutrinário Em relação ao tema, parte da doutrina tece duras críticas em relação à aplicação do Direito Penal de Autor. Por exemplo, Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 107) se posicionam no sentido de que “ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma forma de ser do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o ser ladrão”. Ainda continuam a crítica, ao afirmar que “um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação” (1997, p. 119 – 120). Resta claro até aqui que o legislador, ao privilegiar o Direito Penal de fato, optou por não tornar possível a tipificação ou sanção do caráter ou modo do indivíduo, não havendo que se falar em julgamento subjetivo da personalidade do ser, mas exclusivamente os seus atos; ainda que algumas disposições legais, sobretudo as já citadas normas que regulam a fixação da pena, regime de cumprimento etc, estejam ligadas a uma concepção do Direito Penal de autor, o que não quer dizer que devam ser aplicadas livres de questionamentos. Conforme define Ferrajoli (2020, p. 406), a conduta da vida pregressa do indivíduo, entre as consideradas em critério de reincidência, “é uma forma de ser mais do que uma forma 1 Tal fato se evidencia ao se analisar o teor do artigo 59 do Código Penal (Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime[...]). de agir, que atua, indevidamente, como um substitutivo da culpabilidade no qual se expressa a atual subjetivação do direito penal. Só que aquela é, da mesma forma que o status social do suspeito, valorada pelo juiz e adstrita ao sujeito julgado não diretamente pela lei, senão por uma sentença constitutiva”. 4. O Direito Penal de autor e seus lastros na jurisprudência Como se observa da vasta jurisprudência brasileira, muitas das decisões contêm verdadeiros julgamentos de valor subjetivo do caráter social do indivíduo e baseadas em elementos como “personalidade inclinada à delinquência”, “personalidade desajustada” ou até mesmo fazendo referências ao perfil psicológico de cunho religioso, isso em suposto atendimento ao disposto no artigo 59 do Código Penal. Veja-se um exemplo: “A gravidade do delito de assalto revela desde logo no agente uma distorção psicológica, rompendo os freios da moral e da religião, procurando o sujeito, num gesto egoísta, na maior parte das vezes, tirar da ociosidade um serviço fácil, violentando pela super-auto confiança o patrimônio alheio.” (JUTACRIM 42/190). Veja-se, ainda, outra decisão no mesmo sentido: “O réu possui péssimos antecedentes criminais (condenações definitivas pelos crimes de roubo majorado - 2ª e 3ª Varas Criminais de Foz do Iguaçu/PR - e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido - 1ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu/PR - cf. fls. 62/72). O histórico de crimes praticados nos últimos 08 anos evidenciam personalidade manifestamente inclinada para a delinquência. Não há elementos para melhor valorar a conduta social do réu. Praticou o delito na condição de evadido da Penitenciária de Foz do Iguaçu/PR, fator que acentua a censurabilidade do crime. Sopesadas essas circunstâncias francamente desfavoráveis, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa. Por força da reincidência (condenação definitiva pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, perante essa 2ª Vara Criminal - cf. fls. 62/72), aumento as penas em 1/6 (um sexto). Diante da confissão espontânea, reduzo as penas em 06 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias- multa. Na falta de outras causas capazes de modifica-las, torno as penas definitivas em 04 (quatro) anos e 09 (nove) meses de reclusão e 185 (cento e oitenta e cinco) dias-multa. Face a condição econômica do réu, fixo o valor do dia-multa no mínimo legal. Em razão da reincidência, o réu iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado”. ((TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1049718-6 - Foz do Iguaçu - Rel.: Desembargador Lidio José Rotoli de Macedo - Unânime - J. 19.09.2013). Não suficiente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES COMETIDO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 6.368/76. PACIENTEDEDICADO À ATIVIDADE CRIMINOSA E À PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO. NATUREZA DA DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. No caso, a pena-base não deve ser fixada no mínimo legal, em razão das circunstâncias judiciais referentes à personalidade do Paciente - "inclinada à delinquência, como habitual naqueles que se envolvem com o tráfico de drogas, restando comprovado o constante envolvimento do réu com o mundo do tráfico através dos depoimentos testemunhais" (fl. 20) - e à espécie da droga apreendida (5 invólucros de cocaína, pesando 2,18g). 2. Diante da declaração de inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90, pelo Supremo Tribunal Federal, para os crimes hediondos cometidos antes da publicação da Lei n.º 11.464/2007, o regime inicial fechado não é obrigatório, devendo-se observar, para a fixação do regime de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal. Precedentes. 3. Tendo em vista a primariedade e bons antecedentes do Paciente, ainda que existam circunstâncias judiciais desfavoráveis (qualidade da droga e habitual comercialização de entorpecentes), no caso, deve ser fixado o regime semiaberto, em estrita obediência ao disposto no art. 33, §§ 2.º e 3.º, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal. 4. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n.° 97.256/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da proibição da conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, prevista no art. 44 da Lei n.º 11.343/2006. 5. Não obstante o afastamento da vedação legal, constata-se que, no caso em apreço, não se mostra adequada a conversão da pena privativa de liberdade em sanções restritivas de direitos, uma vez que o Paciente, conforme observado na sentença condenatória, não preenche os requisitos previstos no art. 44, inciso III, do Código Penal. Precedente. 6. Habeas corpus parcialmente concedido para, mantida a condenação, reformar o acórdão recorrido e a sentença condenatória na parte relativa à dosimetria da pena, reduzindo-se a pena privativa de liberdade do Paciente para 03 anos e 06 meses de reclusão, no regime inicial semiaberto. (HC 180.599/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 07/03/2012). A prática demonstra, indene de dúvidas, que, ainda que se tenha optado pela adoção do Direito Penal de fato pelo legislador, as reiteradas condutas de magistrados quando da valoração da pena, acaba por deturpar tal entendimento, criando uma espécie de sistema misto, onde a personalidade do indivíduo ainda é fator de peso. 5. Conclusão Como já dito, a adoção pelo legislador do Direito Penal de fato é uma das bases de um dito Estado Democrático de Direito, o qual deve ser focado na preservação dos direitos e interesses individuais, não tendo esse Estado o direito de interferir e de mudar a esfera íntima das pessoas, devendo reprimir a operacionalização do Direito Penal de autor. Porém, como afirmam Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 120), “sabemos que, na prática, o sistema penal e seu regime de filtros fazem com que o direito penal de ato não se realize plenamente nenhum país. Sem embargo, uma coisa é constatar esse dado de realidade e outra, muito diferente, é sustentar teorias que não só não tratem de conter ou controlar a deformação do direito penal de ato pela prática do sistema, como também constituam verdadeiras racionalizações justificantes de tais práticas”. Assim, conclui-se que a “distinção entre o Direito Penal de fato e Direito Penal de autor não é só uma questão sistemática, mas também e fundamentalmente, política e ideológica”. Política, porque parte de uma decisão conjunta de legisladores voltados a satisfazer os prazeres e as vontades do Estado. E ideológica, porque visa atender uma visão de determinado grupo sobre o conjunto social externo. Assim, ao admitir no ordenamento jurídico brasileiro o conceito de Direito Penal de fato em detrimento do Direito Penal de autor, busca-se, no íntimo, desvencilhar-se da ideia de um Estado autoritário, dando lugar ao Estado dito democrático. Contudo, pela interpretação dada pelos juristas, os quais fazem a interpretação da Lei no caso concreto, as marcas de um Estado prepotente e altamente dominante ainda persistem e se revelam diariamente nos espelhos da sociedade. 6. Referências FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Direito Penal do autor ou Direito Penal do fato? Disponível em http://www.lfg.com.br. 28 julho. 2009. Acessado aos 08 de dezembro de 2.020. ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Tomo I, Madrid: Civitas, 1997. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral, v. I. 7. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2007.
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