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7 OPRESSÕES, DISCRIMINAÇÕES E PRECONCEITOS NO AMBIENTE DE TRABALHO Cheron Zanini Moretti A partir de suas experiências ou de situações que tenha tomado conhecimento, responda: 1) Quais são as opressões/discriminações/preconceitos que tu consideras serem mais comuns no ambiente de trabalho? 2) Como o trabalhador ou a trabalhadora deveria agir nestas situações, neste ambiente? 3) Quais são os possíveis danos que essas atitudes podem trazer ao trabalhador/a e à sua organização? Neste capítulo do livro, o tema central a ser problematizado e estudado é o das opressões, discriminações e preconceitos no ambiente de trabalho. A sociedade em que vivemos estabelece hierarquias que se expressam fundamentalmente na sua divisão de classe, mas também através de outras formas específicas de opressões, como as de gênero e as de raça e etnia, além de haver manifestações de preconceitos e discriminações às pessoas por sua orientação sexual, por alguma deficiência, por sua opção religiosa, por sua idade e até mesmo por seus posicionamentos políticos. Essas, e outras mais, podem ser identificadas no ambiente de muitas organizações e têm consequências nas relações cotidianas e interpessoais, seguramente. Há uma diferença entre conceitos, que, ainda que aparentemente possam ser usados como sinônimos, possuem distinções que nos parecem importantes de compreender, tanto em sua manifestação como em suas finalidades. A proposta não é encerrá-los em determinações, mas abrir debates e estabelecer relações em que a filosofia e a sociologia, como ciências problematizadoras da realidade, possam contribuir na reflexão sobre as organizações e os ambientes de trabalho. Aqui apresentamos notas introdutórias que podem contribuir ao debate central. De um modo geral, podemos compreender a opressão enquanto manifestação das relações de dominação; ela é concreta e acontece entre pessoas que fazem parte de grupos distintos, e se caracteriza pelo estabelecimento de hierarquias que beneficiam, necessariamente, um grupo em detrimento do outro. Em outras palavras: a opressão identifica a posição dos sujeitos na sociedade e, especificamente, tem seus reflexos nas organizações e no ambiente laboral. De acordo com Julian Boal (2013), a palavra opressão refere-se ao lugar central da injustiça enquanto fundamento da nossa sociedade. Se observarmos bem e se fizermos uso da pergunta como ferramenta problematizadora sobre o termo opressão, não prescindiríamos das seguintes: a) como poderíamos compreender as relações de classe? Possivelmente, não as compreenderíamos sem buscar entender o capitalismo como modo de produção.1 b) E as relações de raça e etnia? Possivelmente, não a compreenderíamos sem as relações de poder e de colonialidade2 estabelecidas na dominação. c) E as relações entre os homens e mulheres? Já estas relações não poderiam ser compreendidas fora da dominação patriarcal3. Como dito inicialmente, há também uma distinção entre preconceito e discriminação. O preconceito nada mais é do que o juízo que fazemos antecipadamente sobre um grupo social, um indivíduo ou mesmo um acontecimento. É a forma como pensamos diante de situações, grupos e pessoas que não conhecemos de fato. Já a discriminação é a manifestação de nossa visão social de mundo diante destas situações, pessoas ou grupos; é o preconceito sendo colocado em prática. A discriminação atua sob a lógica da distinção, da separação e da diferenciação em função dos juízos pré- estabelecidos no preconceito.4 As opressões, os preconceitos e as discriminações atingem a dignidade do outro e da outra para, então, atuar sobre ela. É interessante perceber que o/a opressor/a, ao negar a dignidade do outro/a, está negando a sua própria. De acordo com Paulo Freire (2002), a desumanização do oprimido implica, também, na desumanização do opressor. “Não é possível pensar um projeto de sociedade democrático, justo, fraterno se não sou 1 Modo de produção é a forma de organização socioeconômica própria a uma determinada etapa de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. Segundo Marx (1982), o modo de produção capitalista é, essencialmente, a relação entre duas classes sociais em que uma (a burguesia, dona dos meios de produção) explora a outra (a trabalhadora), que tem como propriedade, unicamente, sua força de trabalho que é vendida. 2 De acordo com Aníbal Quijano (2005), a colonialidade é entendida como um elemento que sustenta a imposição racial/étnica como padrão de poder e que opera nos planos materiais e subjetivos da existência social cotidiana e da escala societal. 3 O patriarcado é um dos espaços de exercício de poder masculino e que encontra lugar nas mais diversas formações e relações sociais, e também nos conteúdos culturais. É, propriamente, antagonismo de gênero afirmado no domínio dos homens sobre as mulheres, de acordo com seus interesses. Conforme Lagarde (2005) o patriarcado inferioriza e discrimina as mulheres porque a sociedade de classes encontra nesta opressão a reprodução do sistema social e cultural em seu conjunto. Esta opressão se expressa e se funda nas desigualdades econômicas, políticas, sociais e culturais (LAGARDE, 2005). 4 Os campos do saber que melhor se ocupam desses conceitos são a sociologia e a psicologia. Não faremos uma revisão bibliográfica sobre os termos, porém indicamos o capítulo intitulado O conceito de homofobia na perspectiva dos Direitos Humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação, de Roger Raupp Rios (2007), no livro organizado por Fernando Pocahy (2007). capaz de reconhecer o outro como outro e aceitar o outro em sua experiência de vida, em sua diferença em relação a mim” (TROMBETA, 2010, p. 35). Por isso, o reconhecimento do outro/a, ou seja, da alteridade, é fundamental no processo de libertação e na construção de uma sociedade justa. A libertação é um projeto intersubjetivo porque ninguém liberta ninguém, assim como ninguém se liberta sozinho: os homens e as mulheres se libertam no diálogo e na relação ética que estabelecem. O ambiente laboral não está isolado do mundo, é parte desta sociedade, ou seja, não está isento da reprodução desses mecanismos de controle, de sujeição e de desumanização que criam diferenciações hierárquicas por gênero, classe, raça e etnia, idade, orientação sexual, entre outras. Portanto, é nesse sentido que recuperamos as questões iniciais, propostas neste capítulo em forma de exercício. 7.1 Opressões, preconceitos e discriminações mais comuns no ambiente de trabalho As situações de opressões, preconceitos e discriminações, no Brasil, têm um caráter estruturante na reprodução da desigualdade social. As mais comuns dizem respeito às de classe, gênero, raça e etnia, entre outras. As discriminações podem ser manifestadas de diferentes formas: verbalmente, por definição e diferenciação de cargos e incumbências, bem como por diferenças salariais, por exemplo. Outras vezes, as relações de dominação e hierarquização se dão através de assédios, entre os mais comuns estão o moral e o sexual. Especialmente na combinação entre as opressões de gênero e raça/etnia percebemos a perversidade de exclusão que estrutura nossa sociedade. Essas relações são muitas vezes naturalizadas no ambiente de trabalho e se demonstram difíceis de serem combatidas porque são negadas ou invisibilizadas. Alguns dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)5 são importantes para demonstrar as desigualdades que encontramos no mercado de trabalho e que se manifestam nos ambientes organizacionais. Considera-se que, ainda que a taxa de participação das mulheres tenha aumentado, a presença de homens é superior. Além disso, a presença de mulheres pobres e com baixa escolaridade é bem menor do que a de escolarizadas, o que resulta na participaçãode muitas delas no mercado informal de trabalho. Ou seja, as ocupações femininas continuam concentrando-se nos segmentos mais precários deste mercado. De acordo com o IBGE, 51,2% das mulheres encontram- 5 Para consultar dados atualizados, acesse: http://www.ibge.gov.br/home/. http://www.ibge.gov.br/home/ se trabalhando na informalidade e 11,6% das mulheres que possuem alguma ocupação ou não têm rendimentos ou trabalham apenas para o próprio consumo, muitas delas sem receber nem sequer remuneração. Das ocupações apontadas pelo IBGE, as mulheres são maioria em espaços que envolvem administração pública e nos serviços domésticos. Apesar de as mulheres possuírem escolaridade maior do que a dos homens, o IBGE aponta que elas recebem apenas 70% sobre a remuneração masculina, sendo que o número de famílias lideradas por mulheres aumentou consideravelmente: em 37,4%, em 2012. Mas o que chama a atenção é o trabalho não remunerado, a conhecida dupla jornada de trabalho, ou seja, o acumulo do trabalho doméstico, relativo ao mundo privado, após a jornada de trabalho formal. A manutenção da divisão sexual do trabalho, especialmente, ajuda a reforçar a ideia de que o trabalho exercido pelos homens tem maior valor porque não está definido pelo espaço privado. A coparticipação, entre homens e mulheres, em tudo que diz respeito à vida familiar é ainda muito baixa. Em 2006, o IBGE identificou através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) que as mulheres trabalham 58 horas semanais, o equivalente a 13 horas a mais do que os homens, considerando as horas dedicadas ao trabalho formal e as dedicadas às tarefas domésticas. Além disto, a mesma pesquisa apontou que a quantidade de mulheres que ocupam cargos e responsabilidades de chefia é baixa: apenas 23% estão nestes postos. A naturalização da condição feminina e a sua redução aos papéis de cuidado e proteção desvaloriza a relevância de seu trabalho na economia. A aliança patriarcado- capitalismo, o primeiro como sistema de opressão e o segundo como sistema de exploração, reafirma o seu papel subordinado na sociedade. Algumas profissões, então, são reconhecidas como sendo específicas de mulheres porque sugerem determinadas habilidades que seriam próprias do gênero feminino. Assim, se justificam salários mais baixos e mal remunerados, porque, supostamente, não são trabalhos que requerem treinamentos e técnicas mais complexas do que aquelas reconhecidas como inatas. O trabalho docente é um desses: é ocupado majoritariamente por mulheres e imediatamente é identificado como uma extensão e complementação das atividades exercidas em âmbito privado. No Brasil, não se pode negar a relação direta entre a feminização das profissões e a sua desvalorização no mercado de trabalho. E são muitas as situações de discriminação sofridas pelas mulheres nos ambientes organizacionais. Para alguns cargos de executivos, por exemplo, não se contratam mulheres ou negros; a justificativa, ainda que não seja explícita, é pelo fato de achar que elas/eles não são capazes de assumir determinados cargos de gestão. E, no caso de serem contratados, o salário designado para o exercício da função fica abaixo da média que recebem homens brancos heterossexuais. Isso se explica pela ordem hierárquica estabelecida na sociedade de classes e se expressa em piadas machistas, que propagam uma visão de que as mulheres são incapazes para determinadas profissões e funções no ambiente organizacional. Embora sejam piadas, suas repercussões têm efeitos concretos. As mulheres, sobretudo as mulheres negras, são as mais afetadas nessas relações desiguais, embora também sejam bastante afetados os negros e as pessoas cuja orientação sexual é diferente da heterossexual. As desigualdades de gênero relacionadas ao mundo do trabalho tiveram destaque no relatório Progresso das Mulheres do Mundo 2008/2009, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem).6 As diferenças salariais entre homens brancos e mulheres negras são de quase 75%, realidade que persistiu no relatório do biênio seguinte. As mulheres negras, no Brasil, representam aproximadamente 20% da população economicamente ativa (PEA), ou seja, correspondem a uma parcela significativa de trabalhadoras, mais de quinze milhões de mulheres, que são atingidas pela dupla discriminação (de gênero e raça), que as coloca em situação de desvantagem em todos os indicadores sociais e, também, do mercado de trabalho.7 Estabelecido pela Organização das Nações Unidas, em convenção de 1979, o relatório sobre a eliminação de todas as formas de discriminação8 contra a mulher persiste à naturalização das desigualdades entre os gêneros. Nos empregos formais, apenas uma mulher a cada oito pode chegar ao exercício de altos cargos. Ter a possibilidade de ocupar postos que tenham responsabilidades de comando é ainda mais difícil: apenas uma mulher a cada quarenta possui cargos desse tipo. O Brasil teve aprovado seu Estatuto da Igualdade Racial,9 em que se ratifica o interesse em atender o disposto na Convenção nº 111 (Emprego e Profissão), de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesta convenção, se considera que 6 Entidade ligada à ONU. 7 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2003, as mulheres representam 43% da População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil e os negros (de ambos os sexos) representam 46%. Somados, correspondem a aproximadamente 70% da PEA (60 milhões de pessoas). Dados que praticamente não se alteraram na primeira década dos anos 2000. 8 “Discriminação contra a mulher significa toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto o resultado de prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou o exercício pela mulher, independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos políticos, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”. (Convenção da ONU de 1979, Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher). 9 Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. toda discriminação constitui violação de direitos enunciados na Declaração Universal de Direitos Humanos, e compreende o termo “discriminação” como a) toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou tratamento no emprego ou profissão, conforme pode ser determinado pelo País-membro concernente, após consultar organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e outros organismos adequados. (CONVENÇÃO N. 111, s/ano, p. 149). A questão, no entanto, é a de que, do ponto de vista legal, há instrumentos disponíveis para encaminhar a eliminação das diferenças de participação dos negros e das negras no mercado de trabalho, assim como nos demais espaços sociais. A política afirmativa de cotas nas universidades públicas representa um importante avanço nas reparações de desigualdades historicamente construídas em nosso país. Também existe um preconceito muito grande em relação à idade dos trabalhadores e das trabalhadoras. É frequente a relação que se faz entre idade e mercado de trabalho. Pessoas acima dos quarenta anos que estão fora dele já são consideradas velhas para ingressar nele, ou já não “servem” para determinadas ocupações. Consequentemente, se gera, a partir daí, uma desvalorização das experiências e também do salário. A mesma diferenciação salarial atinge homens e mulheres que não possuema heterossexualidade como identidade afetiva. Os gays, as lésbicas, os/as bissexuais e as pessoas que assumem outras identidades sexuais também sofrem muito preconceito. Além de serem estereotipadas, como forma de discriminação, elas são muitas vezes hostilizadas em função da homofobia que existe em nossa sociedade. Essa discriminação se manifesta de tantas maneiras que acabou por estabelecer áreas de atuação profissional específicas para essas pessoas, formando verdadeiros “nichos” que tendem a colocá-las em trabalhos precários ou mesmo informais. A heterossexualidade, imposta como norma das relações afetivas e identitárias, não aceita o exercício de certas profissões por homossexuais. Como exemplo, podemos citar a de professor, sobretudo nas séries iniciais. De acordo com Chung (1995), o principal argumento seria o de que os gays, os homens principalmente, poderiam persuadir outras pessoas, entre elas as crianças, a “aceitar e a acreditar que a orientação sexual minoritária é normal”. O senso comum e o preconceito expresso na justificativa da “persuasão” atribuída aos/as homossexuais inverte o polo da opressão. Para algumas empresas, tem sido mais “cômodo” dizer que esse perfil não condiz com o cargo disponível. Trata-se, obviamente, de um ataque direto aos direitos humanos. É comum, também, identificarmos ou mesmo vivermos algumas das discriminações já no processo seletivo para alguma empresa. Ainda que menos recorrente que em outros tempos, ainda se vê uma “pré-seleção” por idade, aparência e orientação sexual nos anúncios de empregos ou nas etapas subsequentes a uma seleção. Dentro dos ambientes organizacionais, observa-se que o preconceito e a consequente discriminação têm levado os e as homossexuais a demissões, sanções, retaliações e à exclusão social, de acordo com Silva (2010). Parte das atitudes discriminatórias surgem dos próprios colegas de trabalho que se afastam ou que reproduzem o preconceito em forma de discriminação por não quererem ter confundidas sua própria sexualidade e afetividade. As piadas são as formas mais recorrentes de manifestação das discriminações e preconceitos homofóbicos. Para resguardarem-se do ambiente hostil, muitas pessoas tendem a manter em segredo a sua orientação sexual ou mesmo a negar a sua homossexualidade para não identificarem-se como “grupo” e, consequentemente, sofrerem algum tipo de retaliação profissional. Sabe-se que os ambientes organizacionais tendem a ser conservadores, como reflexo da própria sociedade em que vivemos, porém se espera que ela mesma produza políticas que visem a superar essa condição. Para algumas empresas, a “gestão para diversidade” tem o objetivo de aumentar a produtividade através de um ambiente de trabalho harmonioso, criativo, “moralmente destacado”, sem fazer a discussão sobre a orientação sexual no ambiente de trabalho e os processos de subalternização neles implicados (MICKENS, 1994), ou seja, faz-se a discussão e se gesta de acordo com os interesses próprios da organização e não a partir das identidades diversas do conjunto de trabalhadores e trabalhadoras. 7.2 Organização por local de trabalho, sindicalismo e legislação Para reverter a situação de opressão a que as pessoas estão submetidas e às práticas discriminatórias a que estão expostas é importante começarmos com a “democratização da questão”, reconhecendo abertamente que isso ocorre com as pessoas, além de partir para uma mudança de comportamento dos indivíduos, das comunidades, do ambiente de trabalho e da sociedade (FERREIRA, 2000). A lógica do sistema é a de inverter quaisquer situações de opressão a que o trabalhador e a trabalhadora estejam submetidos. Há diferentes perspectivas para agir diante das situações. No caso das opressões, escutar os movimentos sociais que debatem as suas especificidades e garantir políticas públicas decorrentes são ações importantes para afirmar as identidades dos sujeitos que sentem os impactos da opressão e da discriminação. A organização da classe através de suas categorias de trabalho garante e protege direitos. Uma das possíveis formas de lidar com as diferentes situações de opressão, preconceito e discriminação é se organizando localmente no trabalho. A organização no local de trabalho lida com a construção de alternativas próprias e comuns, consolidando laços de solidariedade e identidade de classe. Além disto, estes espaços contribuem para a apropriação dos elementos jurídicos e das ferramentas legais disponíveis para encaminhamentos futuros. O diálogo e a relação com o sindicato de trabalhadores é fundamental para assessoria e orientação jurídica, afinal esta é a entidade que representa o conjunto de trabalhadores e de trabalhadoras de sua categoria e é possível que em muitas delas funcionem secretarias específicas que formulam e problematizam as opressões dirigidas às minorias que sofrem preconceitos e discriminações nos ambientes das organizações. Os mecanismos legais estão estabelecidos e assegurados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) (por meio da Convenção n. 111, de 1958), pela Constituição Federal Brasileira/CF (1988) e pela Consolidação das Leis do Trabalho/CLT (1943) e devem servir de base a garantir o direito humano de igualdade. Sabemos, no entanto, que as mudanças devem ser estruturais (para a erradicação das desigualdades em todos os âmbitos), mas também subjetivas, ou seja, devem considerar a forma como pensam e, logo, como concretamente agem as pessoas. O Estatuto da Igualdade Racial, por exemplo, caminha na direção de acabar com o preconceito e discriminação racial e étnica existente na sociedade brasileira. Traçado difícil quando a sociedade tem introjetada a compreensão de que se vive em uma democracia racial. Ao contrário, o Estatuto ratifica os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil se faz signatário porque entende que a desigualdade baseada na raça e na etnia se mantém como lógica de diferenciação e hierarquização de nossa sociedade. A própria Constituição Federal fixa o respeito à dignidade humana, a eliminação de toda desigualdade social e distinção baseada na raça e na etnia, no sexo, na idade e em outras formas de discriminação. No Brasil, como sabemos, há uma justiça especializada no mundo do trabalho, assim como há a Justiça Comum, e ambas são competentes para processar e julgar os atos contrários à legalidade e aos princípios de Direitos Humanos. A título de exemplos: 1) de acordo com a o artigo 7º, inciso XXX da CF, se proíbe a diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; 2) na CLT, os artigos 5º e 461º proíbem a discriminação por motivo de sexo; 3) o inciso XLII, do artigo 5º da CF, define que a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão; 4) já seu artigo 7º, inciso XXX, assegura aos trabalhadores em geral a proibição de ato discriminatório por motivo de cor; 5) também, na CF de 1988, o artigo 7º, inciso III, determina que a discriminação pelo estado civil é violação ao preceito constitucional (a mulher é uma das maiores vítimas desse preconceito, uma vez que ela, quando casada, tem maiores possibilidades para a maternidade); 6) a Lei 9.029/95 prevê o direito à intimidade da mulher; constituem crime as práticas discriminatórias de exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez, de adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem indução à esterilização genética, promoção ou controle de natalidade; 7) o artigo 7º, inciso XXXI da CF, proíbe qualquer ato discriminatório no tocante à salário e a critérios de admissão de um trabalhador ou trabalhadora com deficiência. No mundo do trabalho, para além da punição, é importante atentarmos para o resgate da dignidadedaqueles e daquelas que sofreram com atos discriminatórios, porque suas consequências se dão em muitas ordens, entre elas, as materiais e as psicológicas. A transformação de nossos currículos programáticos, tornando, por exemplo, obrigatório o tratamento do tema de Direitos Humanos, poderia ser uma alternativa concreta para o conjunto da sociedade. Mas, de todas as formas, não se pode perder de vista as reparações de danos e mesmo a reintegração ao posto de trabalho, quando essa medida for cabível. Os assédios moral e sexual, por exemplo, são uma realidade no ambiente organizacional e se utilizam do poder e da hierarquização entre as pessoas para obter vantagens de diferentes ordens. Embora ainda que no Brasil não se tenha uma legislação específica para tratar desses casos, eles podem ser julgados conforme estabelece o artigo 483º da CLT e o direito à isonomia consagrado na CF. Há um trabalho significativo dos sindicatos contra a prática dos assédios, principalmente o moral, nos ambientes de trabalho. Este é “um debate novo sobre um fenômeno antigo”, que envolve humilhação e coação, que afetam psicologicamente a vítima. O assédio moral, ou violência moral, expõe os trabalhadores e/ou as trabalhadoras a situações de constrangimento em seu exercício de funções. Caracteriza- se por ser repetitivo, antiético e intencional, produzido por parte de alguém que tenha cargo de chefia ou que exerça poder em relação à pessoa que está sob sua subordinação. A desqualificação da vítima é deliberada e tem a intenção de neutralizá-la, no que se referes ao poder, e pode-se dizer que se trata de um processo disciplinador, na medida em que “domestica” e aliena. Nestes casos, as mulheres são as maiores vítimas, mas também são as que mais buscam ajuda médica ou psicológica, e também as que mais verbalizam sobre o assunto em seu próprio grupo de trabalho e que, algumas vezes, solicitam ajuda. No entanto, este seu movimento não é fácil, dado seu estado de fragilidade e a relação de subalternidade em que se encontra. Estamos fazendo referência a uma situação de violência, na qual muitas vezes não se encontra apoio para encaminhar a denúncia. 7.2.1 Sobre os danos Inegavelmente que os maiores prejudicados são os trabalhadores em situação de discriminação. As empresas e os meios organizacionais e corporativos, quando julgados, podem perder recursos materiais em decorrência de indenizações decorrentes de sua responsabilidade diante dos atos discriminatórios. Quais são os outros possíveis danos a que podem sofrer? (Esta é uma das questões que apresentamos inicialmente e que deve ser problematizada junto ao professor ou a professora que lhes acompanha na realização desta disciplina). É necessário, ainda, afirmar que não é preciso que um trabalhador ou trabalhadora viva diretamente uma das tantas situações de opressão, preconceito ou discriminação para que ele possa tomar consciência crítica ou solidarizar-se com quem quer que esteja na situação de desvantagem na relação hierárquica estabelecida. A ação prática depende da busca de alternativas possíveis, cabíveis e viáveis a partir do seu lugar, como a organização por local de trabalho, por exemplo. Observamos que as organizações, de um modo geral, tendem a reproduzir uma determinada visão social de mundo que oprime em suas múltiplas formas, já que é reflexo de uma sociedade individualista, de mercado, cuja lógica preponderante é a de subalternização e coisificação do trabalhador e da trabalhadora. As opressões são obstáculos à igualdade e impedem as sociedades de organizarem-se de outra maneira. Promover a igualdade e o trabalho digno para todos, mulheres e homens, sem distinção de raça, religião, deficiência, idade ou orientação sexual é um meio de avançar em outra direção. Essas observações parecem contraditórias às teorias organizacionais, porém podemos nos apoiar nas teorias críticas do campo da administração para identificar na autonomia dos trabalhadores e trabalhadoras a base concreta de suas experiências de auto-organização, como meio de busca de alternativas (MISOCZKY; ANDRADE; 2005). Não podemos ignorar, por mais imersos que estejamos no meio corporativo e organizacional, que são estes os responsáveis legais e diretos pelas situações de preconceito e discriminação. Portanto, é seu dever aplicar as recomendações legais sobre o direito à igualdade no mundo do trabalho, a fim de combater as diferentes manifestações de imposição hierárquica de poder baseado na distinção de raça e etnia, gênero, idade, deficiência, orientação sexual, credo religioso e posicionamento político. Por outro lado, cabe também ao Estado promover a igualdade através de políticas concretas de reparação sócio-histórica e também de educação integral de cada um e cada uma. As transformações em nossa sociedade devem ser estruturais, do mesmo modo que devem ser acompanhadas de programas nacionais de promoção do trabalho digno, tendo em consideração as necessidades específicas dos diferentes grupos. Outra forma de reparação dos danos é através do fortalecimento e do respeito às convenções coletivas de trabalho e aos códigos de conduta. Logo, a retirada de direitos não contribui para que se alcancem as igualdades desejadas. Retomando No início deste capítulo, apresentamos três questões que deveriam ser respondidas antes da leitura integral do texto. Sugere-se que você as responda novamente e que compare as formulações iniciais com as que fez após a leitura detida destas páginas. Como anunciado, a abordagem que realizamos sobre a temática tem embasamento sociológico e filosófico, aproximando-se das teorias críticas da administração, em alguma medida. Aprendemos um pouco mais sobre as compreensões sobre opressão (sistema de imposição e diferenciação hierárquica), preconceito e discriminação. Ainda, nos detivemos em como se sustentam as diferenças por gênero, orientação sexual, raça e etnia no mundo do trabalho e como a legislação brasileira ratifica as convenções internacionais pela erradicação das desigualdades e injustiças no mundo do trabalho. No entanto, na medida em que identificamos várias situações de discriminações (entre as que vivemos diretamente ou as que soubemos existir ocorrências no âmbito das organizações), percebemos que as leis por si só não garantem todas as transformações necessárias. Como reprodução de uma determinada visão social de mundo, as corporações, as empresas e as organizações tendem a reproduzir as opressões, os preconceitos e as discriminações existentes na sociedade. Nossa argumentação problematiza a organização por local de trabalho como alternativa de superação da situação de discriminação existente, defende a livre associação dos trabalhadores/as em sindicatos na busca por justiça, apoio legal e garantia de direitos, e deixa uma lacuna em aberto: como você se portaria na condição de alguém que exerce um papel de liderança, em qualquer meio organizacional, e que tomasse conhecimento de situações discriminatórias? Quais meios buscaria, para além dos apresentados, para superar estas situações? Qual a importância, para a organização, de oferecer tratamento a estes casos? Referências ABRAMO, Laís. Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro. Ciência e cultura: v. 58, n. 4, São Paulo, out/dez, 2006. BARSTED, Leila Linhares; PITANGUY, Jacqueline. O Progresos das Mulheres no Brasil 2003-2010. Rio de janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres, 2011. BOAL, Julian. Notas para uma definição de opressão. Disponível em: <http://institutoaugustoboal.org/2012/03/20/opressao-artigo-de-julian-boal/>. Acesso em: junho de 2013. BRASIL. Estatuto da igualdade racial: Lei nº 12.288, de 20 julho de 2010. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010. CHUNG, Y. Barry. Career decision making of lesbian, gay and bisexual individuals.The Career Developmen tQuarterly, v. 44, n. 2, p. 178-186, dez. 1995. DIEESE. A situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000. São Paulo: DIEESE, 2012. CONVENÇÃO N. 111 apud FERRAZ, Fabiana Kelly; RAW, Flávia Pimenta. 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