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Autora: Profa. Andréa Somolanji Vanzelli Genética Aplicada à Atividade Motora Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Professora conteudista: Andréa Somolanji Vanzelli Formada em Educação Física pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Fez especialização em Treinamento Físico Personalizado pela UniFMU, mestrado em Educação Física pela Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da mesma instituição. Seus estudos durante o mestrado e o doutorado focaram nos efeitos do treinamento físico em parâmetros moleculares associados ao funcionamento do coração de camundongos com doença cardíaca, dando início ao seu interesse pelo campo da Genética e Biologia Molecular. Leciona as disciplinas de Fisiologia do Exercício e Atividade Motora aplicada a Populações Especiais na Universidade Paulista – UNIP, onde está desde 2013. Nessas disciplinas, é possível estabelecer relações com a genética e associá‑la à prática de exercícios físicos. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Z13 Zacariotto, William Antonio Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William Antonio Zacariotto ‑ São Paulo: Editora Sol. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2‑006/11, ISSN 1517‑9230. 1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título 681.3 ? Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Carla Moro Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Sumário Genética Aplicada à Atividade Motora APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 ORGANIZAÇÃO DO GENOMA HUMANO ...................................................................................................9 1.1 Ácidos nucleicos ................................................................................................................................... 10 1.2 Os cromossomos ................................................................................................................................... 10 1.2.1 Funcionamento dos Genes ................................................................................................................. 12 1.3 Divisão celular ....................................................................................................................................... 14 1.3.1 Mitose .......................................................................................................................................................... 14 1.3.2 Meiose ......................................................................................................................................................... 14 1.4 Replicação do DNA .............................................................................................................................. 15 1.5 Mecanismos de regulação da expressão gênica e proteica ................................................ 16 1.5.1 O RNA .......................................................................................................................................................... 17 1.5.2 Síntese da proteína ................................................................................................................................ 20 1.5.3 Proteoma .................................................................................................................................................... 24 1.6 Conceito de genótipo e fenótipo ................................................................................................... 24 2 HERANÇA GENÉTICA ...................................................................................................................................... 25 2.1 Predisposição genética ....................................................................................................................... 28 2.1.1 Genética de populações e variabilidade genética ..................................................................... 28 2.1.2 Polimorfismos e mutações .................................................................................................................. 29 2.1.3 Pool gênico ................................................................................................................................................ 34 2.1.4 Fatores raciais e sua relação com o alto rendimento esportivo .......................................... 34 3 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA NA OBESIDADE E DIABETES .......................................... 35 3.1 Obesidade ................................................................................................................................................ 36 3.1.1 Determinantes da obesidade ............................................................................................................. 37 3.1.2 Controle do peso corporal ................................................................................................................... 38 3.1.3 Fatores genéticos .................................................................................................................................... 39 3.2 Hereditariedade e diabetes ............................................................................................................... 44 4 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES ............................. 48 4.1 Hipertensão arterial............................................................................................................................. 49 4.1.1 Sistema renina angiotensina aldosterona .................................................................................... 51 Unidade II 5 CAPACIDADES MOTORAS E GENÉTICA E FORÇA MUSCULAR ....................................................... 57 5.1 Adaptações neurais e morfológicas (hipertrofia muscular) ................................................ 57 6 CAPACIDADES MOTORAS E GENÉTICA; CAPACIDADE AERÓBIA .................................................. 63 6.1 Conceitos iniciais .................................................................................................................................. 63 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 6.2 atores genéticos .................................................................................................................................... 65 7 FATORES GENÉTICOSRELACIONADOS AO DESEMPENHO ESPORTIVO ...................................... 65 7.1 Relação entre treinamento e genética ........................................................................................ 66 7.2 Perfis poligênicos favoráveis ao desempenho esportivo ..................................................... 68 7.3 Uso de informações genéticas para prescrição de exercício, detecção e promoção de atletas ............................................................................................................................................................... 72 8 DOPING GENÉTICO E ÉTICA ......................................................................................................................... 73 7 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 APRESENTAÇÃO A disciplina Genética Aplicada à Atividade Motora visa discutir aspectos básicos de organização, estrutura, funcionamento e regulação do genoma humano, assim como conceitos básicos em genética humana. Discute mecanismos de mutação que originam a variabilidade genética humana e a aplicação de conceitos evolutivos que sustentam teorias sobre como o sedentarismo causa doenças crônicas. Além disso, debateremos a hereditariedade e as principais variantes genéticas associadas à susceptibilidade de doenças crônicas relacionadas à inatividade física, de componentes da aptidão física e do desempenho esportivo, assim como, limitações metodológicas de estudos e perspectivas para o futuro da área de Educação Física. Apresentaremos, portanto, alguns conceitos básicos em genética humana, bem como sua aplicação à área de Educação Física e Esporte, discutindo, com isso, a influência da genética humana sobre o desempenho físico e esportivo, aptidão física e saúde. A interação dessas áreas tem ganhado cada vez mais importância e é fundamental para o profissional de Educação Física na atualidade. INTRODUÇÃO Alguns conceitos de biologia e até mesmo de genética podem ser lembrados nas primeiras disciplinas do curso de Educação Física ou, adentrando em um passado próximo, no Ensino Médio. Nesta disciplina, vamos relembrar como se organiza o genoma humano, como os genes funcionam e são regulados e discutir o significado de herança genética. A partir desses conceitos, ficará mais fácil entender a relação da genética com o sedentarismo e o aparecimento de doenças crônicas, assim como do diabetes, da obesidade e das doenças cardiovasculares. No que diz respeito ao rendimento esportivo, após estudarmos os conceitos básicos em genética, teremos elementos para nos aprofundar e discutir como a genética pode afetar a capacidade aeróbia, a força e outras capacidades físicas. Por fim, debateremos sobre o doping genético e a ética envolvida nas ferramentas genéticas associadas ao esporte. 9 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Unidade I 1 ORGANIZAÇÃO DO GENOMA HUMANO A maior parte da informação genética eucariótica está armazenada no DNA encontrado no núcleo da célula e compactada nos cromossomos. Nos seres humanos, existe também uma pequena quantidade nas mitocôndrias. Observação A célula eucariótica, como podemos ver na figura a seguir, é mais complexa e surgiu depois da procariótica. Possui membrana ao redor do núcleo e núcleo bem definido, além de várias organelas. Célula eucariótica Núcleo Figura 1 – Estrutura básica da célula eucariótica Um gene é uma parte da molécula do DNA que carrega uma informação específica e serve como molde para fazer uma molécula de RNA. Os seres humanos possuem dezenas de milhares de genes dentro do núcleo. Esses genes, como dito acima, são partes do DNA, que, por sua vez, atua como um manual de instruções para todo e qualquer organismo, fornecendo sua história e criando um projeto para manter, construir células e transmitir as características dessas células às futuras gerações. As instruções são entendidas em códigos através de sequências repetitivas de nucleotídeos identificados por suas bases nitrogenadas (adenina, citosina, guanina e timina) (STRACHAN; READ, 2013). Cada conjunto funcional de informações é chamado de gene e codifica 10 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I essas sequências designando a transcrição do RNA e, depois, a tradução para proteína que nos dá nossas características físicas (fenótipo). 1.1 Ácidos nucleicos DNA e RNA são ácidos nucleicos muito parecidos quanto à sua estrutura. Ambos são moléculas grandes, com cadeias principais bem longas e repletas de complexos de fosfato e açúcar de carbono de maneira alternada. Presa a cada açúcar se encontra uma base nitrogenada, como na figura a seguir. O açúcar é uma desoxirribose contida no ácido desoxirribonucleico (DNA) e uma ribose contida no ácido ribonucleico (RNA). Diferentemente dos resíduos de açúcar e fosfato, as bases de uma molécula de ácido nucleico variam. A sequência de bases identifica o ácido nucleico e determina sua função. No DNA encontramos: Adenina (A), Citosina (C), Guanina (G) e Timina (T). No RNA também existem quatro tipos de bases nitrogenadas, mas a Timina é substituída pela Uracila (U). P P P P P P 0 0 0 0 0 0 1’ 1’ 1’ 1’ 1’ 1’ 2’ 2’ 2’ 2’ 2’ 2’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 4’ 4’ 4’ 4’ 4’ 4’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ A G T T C A Bases nitrogenadas Ligações de hidrogênio Açúcar (Desoxirribose) Fosfato Figura 2 – Representação químico‑estrutural das bases nitrogenadas no DNA 1.2 Os cromossomos O genoma humano representa todo o complemento do material genético em uma célula humana. Ainda há discordâncias sobre o sequenciamento completo do genoma, mas os estudiosos concordam que o número total de pares de bases determina o tamanho do genoma. 11 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Nos seres humanos, o DNA está complexado em uma variedade de proteínas estruturais e regulatórias, estruturadas em cromossomos. Vários tipos de proteínas ajudam a comprimir o DNA sem danificá‑lo. O DNA se enrola em formato de hélice (helicoidiza) ao redor de proteínas chamadas histonas, formando uma estrutura de “contas em um colar” (LEWIS, 2004). A conta é chamada de nucleossomo, que representa a unidade fundamental para empacotamento do DNA dentro do cromossomo. Figura 3 – Representação esquemática do DNA enrolado em proteínas chamadas histonas Os cromossomos contêm, portanto, em sua estrutura, um terço de DNA, um terço de proteínas histonas e um terço de outros tipos de proteína de ligação ao DNA. Ao conjunto de material cromossômico dá‑se o nome de cromatina. O genoma distribuído entre os 23 pares de cromossomos, cada um deles repetidos indefinidamente, confere nossas diferenças individuais e únicas. Cada organismo possui a sua sequência de DNA organizadas de maneira individual e específica, por isso, cada ser humano é diferente um do outro. Na concepção, um conjunto completo proveniente da mãe (22 cromossomos mais um cromossomo sexual) une‑se a um conjunto completo do pai (22 cromossomos mais um cromossomo sexual), resultando em um descendente com 46 cromossomos. As estruturas em forma de hélice do DNA possuem cópia fiel das instruções para quase todos os aspectos do nosso ser. Esses aspectos representam como nossos genes refletem no nosso corpo físico, textura, cor etc. (COOPER, 2001). Essas características representam genótipo e fenótipo, que serão vistos mais adiante. 12 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I XX22212019 181716151413 1211109876 54321 Figura 4 – Cromossomos humanos em pares numerados, ordenados do maior (cromossomo 1) ao menor. Os cromossomos mostrados são de uma mulher, de modo que há 22 pares de autossomos e dois cromossomos X 1.2.1 Funcionamento dos genes Um gene é aunidade fundamental da hereditariedade, ou seja, um par de fatores herdado de nossos pais. Uma cópia de um gene (chamada alelo) especificando cada característica é herdada de cada um dos pais, como se vê na figura a seguir. Já os cromossomos são carregadores de genes. A maioria das plantas e animais superiores são diplóides, ou seja, possuem duas cópias de cada cromossomo. Na formação das células germinativas (o espermatozoide e o óvulo) existe apenas um tipo de divisão celular; assim, somente um membro de cada par de cromossomos é transmitido para cada célula‑filha. Muitos dos princípios da hereditariedade genética foram deduzidos por Gregor Mendel. Observando resultados do cruzamento de ervilhas, Mendel estudou a herdabilidade de várias características, como cor das sementes, e conseguiu imaginar como se dava a transmissão entre as gerações. 13 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Meiose Fertilização Embrião Espermatozoide Óvulo Haploide Diploide Células diploides contêm duas cópias de cada cromossomo A meiose dá origem a gametas haploides contendo somente um membro de cada par cromossômico. A fertilização resulta na formação de um embrião diploide, contendo cromossoomos originados de ambos os pais. Figura 5 – Cromossomos em meiose e fertilização Saiba mais O livro a seguir discute genética de maneira bem ilustrada e lúdica: SCHULTZ, M. Genética e DNA em quadrinhos. São Paulo: Blucher, 2011. 14 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I 1.3 Divisão celular 1.3.1 Mitose Na divisão celular chamada mitose que ocorre na maioria das células, uma célula genitora se divide em duas células‑filhas para criar novas células. Ambas carregam o mesmo conjunto de informações genéticas que é dado pela estrutura detalhada do DNA dentro de cada célula. A replicação dessas moléculas e a sua distribuição para cada célula‑filha garantem a continuidade das características celulares a cada divisão. Os processos envolvidos no ciclo celular se dão em três fases (KAPIT; MACEY; MEISAMI, 2016): • Interfase Nesta fase, a célula aumenta em massa por meio da síntese de várias substâncias, incluindo a cópia exata do DNA. A parte da interfase na qual é feita a cópia do DNA é a fase S, precedido por dois intervalos, chamados G1 e G2 respectivamente. Durante a fase S, os centrossomos também duplicam. • Mitose: o DNA é replicado e movido Após a fase G2, a célula entra em mitose, quando os conjuntos replicados de DNA migram para extremidades opostas da célula até seu estágio final, no qual ocorre a divisão em duas células. A mitose começa quando as moléculas de DNA que foram desenoveladas na Interfase se enovelam novamente na forma de cromossomos. Cada cromossomo se divide em duas partes iguais chamadas de cromátides. Cada cromátide contém uma cópia do DNA duplicado. Enquanto isso, o envoltório nuclear começa a degenerar e os centrossomos migram para extremidades opostas para formar a estrutura de microtúbulos chamada fuso. Cada cromossomo alinha‑se com o equador da célula. Os microtúbulos puxam as cromátides para direções opostas. Finalmente, as cromátides, em ambas as extremidades da célula, começam a se desenrolar e se tornarem indistintas, enquanto um novo envoltório nuclear se forma em torno de cada um dos conjuntos de cromátides. • Citocinese: a célula se divide Este é o estágio final. A divisão do citoplasma se dá à proporção que se desenvolve um sulco, tornando‑se mais e mais profundo, até a célula original ser partida em duas e os núcleos das filhas, formados durante a mitose, englobados por células separadas. Nesse ponto, as células‑filhas entram no estágio G1 da interfase, completando o ciclo. 1.3.2 Meiose Outro tipo de divisão celular é a chamada meiose, que origina quatro células haploides a partir de uma célula diploide. Existe, portanto, uma redução do número cromossômico da célula, o que é um importante fator para a conservação cromossômica das espécies. Quando ocorre a fecundação, ou seja, o encontro de dois gametas, o número de cromossomos da espécie se restabelece. 15 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA A meiose ocorre em duas etapas separadas por um curto intervalo, chamado intercinese. Em cada etapa, encontramos as fases estudadas na mitose. 1.4 Replicação do DNA A replicação do DNA tem como objetivo transmitir a informação genética idêntica para uma nova célula formada. A replicação ocorre de maneira semiconservativa, ou seja, cada uma das moléculas formadas conserva uma das cadeias a qual teve origem. Além disso, é iniciada em alguns locais específicos, as chamadas bolhas ou forquilhas de replicação, onde as duplas fitas de DNA se desenrolam, o que, geralmente, ocorre de forma bidirecional, a partir de cada origem de replicação. A fidelidade da replicação é muito grande, com uma média de apenas um erro por bilhão de nucleotídeos incorporados após a síntese e correção de erros durante e imediatamente após a replicação. A replicação do DNA envolve três fases diferentes: • iniciação; • ampliação ou alongamento; • término. O DNA começa a ser sintetizado pela extensão de extremidade 3’ do RNA primer ou iniciador, uma cadeia curta de nucleotídeos que se liga ao filamento molde para formar um segmento de ácido nucleico duplex. A partir daí, a fita molde irá orientar qual dos quatro nucleosídeos trifosfatados será adicionado. As duas fitas possuem uma orientação antiparalela, o que significa que a fita molde para a síntese de DNA tem orientação oposta à fita de DNA que está sendo sintetizada (GRIFFITHS et al., 2016). A síntese do DNA é catalisada pela enzima DNA‑polimerase. Ela utiliza um único sítio ativo para catalisar a síntese do DNA. O pareamento correto das bases é necessário para que a DNA‑polimerase catalise a adição do nucleotídeo. Ambas as fitas do DNA são sintetizadas juntas na forquilha de replicação, com orientação antiparalela. Durante o processo de replicação, as pontes de hidrogênio são catalizadas e os nucleosídeos livres unem‑se a elas, respeitando sempre a regra do emparelhamento: Adenina‑Timina, Citosina‑Guanina. À medida que se encaixam nas cadeias do DNA, vão formando duas novas cadeias, obedecendo a regra da replicação semiconservativa. 16 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Filamentos moldes 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ Sen tido da sín tese Sentido da síntese Figura 6 – Replicação do DNA 1.5 Mecanismos de regulação da expressão gênica e proteica A replicação do DNA conserva a informação e faz com que cada nova célula tenha várias informações importantes para seu funcionamento. A célula, então, usa parte dessa informação recebida para produzir proteínas. Nesse processo, inicialmente, ocorre à transcrição, em que uma determinada parte da sequência de DNA é copiada de um cromossomo em uma molécula de RNA complementar a um filamento da dupla hélice de DNA, como vemos na figura a seguir. Posteriormente, ocorre o processo de tradução, no qual se usa a informação copiada em um RNA para produzir uma proteína especifica através da organização e da junção dos aminoácidos especificados. A associação dos eventos de transcrição e tradução é chamada de expressão gênica. Lembrete A transcrição é o processo no qual o DNA é utilizado por uma RNA polimerase como molde para formar o RNA. A tradução é o processo no qual o RNA mensageiro é utilizado para produzir uma proteína. 17 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA DNA RNA 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ Figura 7 – Síntese de RNA a partir de DNA 1.5.1 O RNA Apesar da sequência de nucleotídeos no DNA especificar a ordem de aminoácidos nas proteínas, isso não indica que opróprio DNA direcione a síntese de proteínas. De fato, isso não ocorre, uma vez que o DNA está contido no núcleo das células eucarióticas e a síntese de proteínas acontece no citoplasma. Portanto, o RNA é necessário para transportar a informação genética do DNA para sítios de síntese de proteínas (os ribossomos), como é possível notar na figura a seguir (COOPER, 2001). 18 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Célula animal Mitocôndria Centríolo Peroxissomo Núcleo Nucléolo Membrana plasmática Complexo de Golgi Ribossomos Citoesqueleto Lisossomo Retículo endoplasmático liso Retículo endoplasmático rugoso Figura 8 – Estrutura das células animais O RNA é diferente do DNA por se apresentar com uma única fita, por seu componente de açúcar ser uma ribose e não desoxirribose e também por apresentar uma base pirimídica Uracila (U) em vez de timina (T). Purinas Adenina (A) Guanina (G) Citosina (C) Timina (T) Uracil (U) Ribose 2’‑Desoxirribose Uridina 5’‑monofosfato (UMP)Uridina Pirimidinas Açúcares Nucleosídeo Nucleotídeo Figura 9 – Componentes dos ácidos nucleicos. Os ácidos nucleicos contêm bases purina e pirimidina ligadas a açucares fosforilados 19 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Entretanto, nem a mudança do açúcar nem a substituição de U por T altera o pareamento de bases. Assim, a síntese de RNA pode ser facilmente direcionada por um molde de DNA. Adicionalmente, uma vez que o RNA se localiza primariamente no citoplasma, ele aparecia como um lógico intermediário para transportar informações do DNA para os ribossomos. Essas características do RNA sugeriram uma via para o fluxo de informação genética, que é conhecido como dogma central da biologia molecular: DNA → RNA → Proteína A) Replicação DNA DNA RNA mRNA Proteína Proteína Ribossomo Ribossomo (síntese do DNA) Transição (síntese do RNA) Tradução (síntese proteica)B) Transferência de informação entre moléculas biológicas Figura 10 – A) Dogma central demonstrando fluxo de informações entre moléculas biológicas. Seta circular representa a replicação do DNA; a seta reta central representa a transcrição do DNA em RNA; e a seta à direita, a tradução do RNA em proteína. B) Esboço mais detalhado, demonstrando como os dois filamentos da dupla‑hélice de DNA são replicados de modo independente, como são desassociados para a transcrição e como o RNA mensageiro (RNAm) é traduzido em uma proteína no ribossomo Assim, sabe‑se que o RNA é sintetizado a partir de moldes de DNA, e a proteína é sintetizada a partir de moldes de RNA. Devido a sua função de transferir informações, o RNA que serve como molde para codificar proteínas e chamado de RNA mensageiro. Eles são transcritos a partir de uma enzima chamada RNA polimerase, que estimula a síntese de RNA a partir do DNA (COOPER, 2001). Depois de transcrito todo o gene, o RNA polimerase chega a uma sequência de bases terminal que estimula sua interrupção e seu desligamento do molde de DNA. Porém, existem sequências de bases transcritas que não codificam proteínas e que devem ser removidas. Essas sequências são chamadas de íntrons. Uma enzima chamada spliceossomo reconhece esses íntrons e os remove; em seguida, emenda o restante das sequências de éxons. Além do RNA mensageiro, existem mais dois tipos; o RNA ribossomal, componente dos ribossomos, e o RNA transportador, que serve como adaptadores que alinham os aminoácidos no molde de DNA. 20 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Exemplo de aplicação O ser humano tem aproximadamente 26.000 genes. Reflita sobre como o ser humano, com seu cérebro complexo e sistema imunológico bem desenvolvido, pode apresentar apenas o dobro de genes dos vermes cilíndricos, por exemplo. A resposta tem relação com os mecanismos que permitem a codificação de mais de 100.000 proteínas no organismo humano. 1.5.2 Síntese da proteína Nossas proteínas, mais do que qualquer outra macromolécula, determinam quem e o que somos. Elas são as enzimas responsáveis pelo metabolismo celular, incluindo a síntese de DNA e RNA e são os fatores reguladores necessários para a expressão do programa genético. A versatilidade das proteínas como moléculas biológicas é manifestada na diversidade de formas que elas podem assumir. Além disso, mesmo após a síntese, as proteínas podem ser modificadas em uma diversidade de modos por meio da adição de moléculas que conseguem alterar sua função. As proteínas são sintetizadas de moldes de RNA. Os RNAs mensageiros (RNAm) são lidos na direção de 5´ para 3´e se movimentam até que o códon de início seja reconhecido; as cadeias de peptídeos são sintetizadas da extremidade amina para a carboxila terminal. Cada aminoácido contém 3 bases (um códon) no RNAm. Os mecanismos básicos da síntese proteica são os mesmos em todas as células; a tradução é realizada nos ribossomos, com os RNA transportadores (RNAt) servindo como adaptadores entre o molde de RNAm e os aminoácidos que estão sendo incorporados à proteína. A síntese proteica, dessa forma, envolve interações entre três tipos de moléculas (moldes de RNAm, RNAt e RNA ribossomais), além de várias proteínas que são necessárias para a tradução (COOPER, 2001). O processo de tradução se inicia com o aminoácido metionina, usualmente codificado por AUG, e se divide em três estágios: iniciação, alongamento e terminação. Iniciação 5’ 3’ Alongamento Direção do movimento do ribossomo Terminação Ribossomo liga–se ao mRNA no códon de iniciação Quando o códon de parada é encontrado, o polipeptídeo é liberado e o ribossomo dissocia‑se Cadeia polipeptídica alonga pela adição sucessiva de aminoácidos Figura 11 – Visão geral da tradução 21 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Passo 1: iniciação • função – posicionamento do primeiro RNAt no sítio P do ribossomo; • ligação de RNAt especial denominado iniciador; • primeiro peptídeo é a metionina; • subunidade ribossomal grande liga o complexo, formando ribossomo funcional; • processo requer no mínimo dez proteínas. Iniciação da tradução em eucariotos Fatores de iniciação + GTP Met‑tRNAi Subunidades 40S Subunidade 40S com componentes da iniciação Complexo de iniciação 80S Met Met Met ATP ADP+Pi Subunidade 60S Fatores de iniciação Cap AUG AUG AUG AUG 5’ Figura 12 – O complexo de iniciação se forma na extremidade 5´do RNAm, a seguir, faz uma varredura no sentido da extremidade 3´ à procura de um códon de início. O reconhecimento do códon de início aciona a montagem do ribossomo completo e a dissociação dos fatores de iniciação (não mostrados na figura). A quebra de ATP fornece energia para direcionar o processo de varredura 22 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Passo 2: alongamento • ligação de RNA transportador associado a um fator proteico e aminoácido em sítio ativo específico no ribossomo (sítio A); • translocação entre sítios ativos permite que ribossomo se mova três nucleotídeos ao longo do RNAm, deixando outro sítio ativo pronto para adição de um novo aminoácido. Complexo ternário O aminoacil‑tRNA se liga ao sítio A A ligação peptídica se forma O aminoacil‑tRNA se liga ao sítio A O tRNA sai do sítio E Translocação EF‑G Pi EF‑Tu EF‑Tu GTP GTP E P A Figura 13 – Etapas no alongamento da tradução. Um complexo ternário (RNAt, aminoácido e EF‑Tu) composto por um aminoacil‑RNAt ligado a um fator EF‑Tu se liga ao sítio A, quando o seu aminoácido se une à cadeia de polipeptídeos em crescimento, um fator EF‑G se liga ao sítio A enquanto “empurra” os RNAt e seus códons do RNAm para os sítios E e P Passo 3: terminação • alongamento continua até que um códon de parada(UAA, UAG ou UGA) seja inserido em sítio ativo (sítio A) do ribossomo. 23 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Término da tradução 5’ 5’ E P A E P A 3’ RF1 RF1 Clivagem do peptidil‑tRNA 3’ Figura 14 – A tradução é encerrada quando fatores de liberação reconhecem os códons de parada no sítio A do ribossomo Regulação da tradução Um dos mecanismos de regulação da tradução é a ligação de proteínas repressoras que bloqueiam a tradução para as sequências específicas do RNAm. Por exemplo, a regulação da síntese de ferritina, uma proteína que guarda o ferro dentro da célula. A tradução do RNAm da ferritina é regulada pela quantidade de ferro: haverá maior síntese da ferritina se a quantidade de ferro disponível também for maior. Essa regulação acontece por uma proteína, que, na ausência de ferro, se liga a uma sequência não traduzida do RNAm da ferritina, bloqueando sua tradução. Na presença de ferro, o repressor deixa de se ligar ao elemento de resposta ao ferro no RNA e a tradução da ferritina é capaz de prosseguir. A atividade geral de tradução pode ser regulada pela modificação de fatores de iniciação. 24 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I 1.5.3 Proteoma O proteoma é definido como o conjunto completo de proteínas de um organismo, órgão, tecido ou célula. Proteoma é enriquecido por dois processos celulares: recomposição alternativa do pré‑RNAm e modificação pós‑tradução das proteínas. A recomposição alternativa do RNAm possibilita que um gene codifique mais de uma proteína. As proteínas são compostas com domínios funcionais e frequentemente codificadas por diferentes éxons. Portanto, a recomposição alternativa do RNAm pode levar à síntese de diversas proteínas (denominadas isoformas). Outros eventos pós‑tradução também são importantes para a formação do proteoma. Todas as proteínas sintetizadas, antes de se tornarem, de fato, funcionais, necessitam se dobrar adequadamente, e os aminoácidos de algumas proteínas precisam ser quimicamente modificados. O dobramento correto da proteína permite sua atividade enzimática, sua capacidade de se ligar ao DNA e seus papeis estruturais dentro da célula. A questão, portanto, é entender como as proteínas se dobram corretamente na célula. A resposta parece estar relacionada ao auxílio das chaperonas, uma classe de proteínas encontrada em todos os organismos. O mecanismo, embora não compreendido complemente, parece se dar pela entrada das proteínas recém‑sintetizadas em uma câmara na máquina de dobramento, o que proporciona um ambiente eletricamente neutro, dentro do qual a proteína consegue se dobrar. Observação Éxons são regiões codificantes do RNAm e íntrons são regiões não codificantes. Estão relacionados a uma etapa muito importante do processo de transcrição dos eucariontes, denominada splicing. Nesse processo, os íntrons são recortados e eliminados. 1.6 Conceito de genótipo e fenótipo Na primeira década do século XX, havia uma preocupação em relação às variações presentes entre os indivíduos de uma população e o papel delas nos processos evolutivos (MARTINS, 2007). A partir dos resultados de seus experimentos de seleção em linhagens puras de feijão, Wilhelm Ludvig Johannsen (1857-1927) compreendeu que as características de qualquer indivíduo eram influenciadas por dois motivos: hereditariedade e ambiente (WANSCHER, 1975 apud DELLA JUSTINA et al., 2010). Com os resultados dos experimentos e de seus estudos, Johannsen sentiu a necessidade de propor novos termos e conceitos relacionados aos fatores que promovem a variação. 25 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Figura 15 – Johannsen em uma palestra, mostrando a distribuição de tamanho de feijões O pesquisador recomendou que o termo gene deveria ser usado como uma unidade de cálculo, uma unidade funcional, e não como uma estrutura morfológica como o cromossomo. Já o genótipo é a soma de todos os genes. Todas as características de organismos, distinguíveis por análise e observação direta da aparência ou através de medidas, são caracterizadas como fenótipo (DELLA JUSTINA et al., 2010). Dois indivíduos podem ter o mesmo genótipo, mas desenvolver fenótipos diferentes, o que dificulta a afirmação de que ambos têm o mesmo genótipo. Um exemplo poderia ser dois irmãos gêmeos que fossem criados em ambientes diferentes. Um poderia ter a pele mais escura pelo efeito da radiação ou outras diferenças devido à influência ambiental. Portanto, chamamos de genótipo a composição genética de um organismo, e fenótipo o conjunto de características desenvolvidas que estão codificadas no conjunto de nossos genes. 2 HERANÇA GENÉTICA Os padrões de herança genética são regulares e previsíveis, mas esse conhecimento só foi possível com os experimentos iniciais feitos com ervilhas por Gregor Mendel em 1865, que introduziu o conceito inicial que temos atualmente sobre gene. Até então, acreditava‑se que os espermatozoides e os ovócitos continham amostra das essências dos pais. Na concepção, isso se misturava e passava para seus filhos. Essa ideia fazia algum sentido, uma vez que os filhos apresentavam características de ambos os genitores. Entretanto, sabe‑se que os filhos nem sempre são uma mistura exata e intermediária dos seus pais. 26 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Os experimentos de Mendel mostraram justamente essas ideias. Ele usou ervilhas com características diferentes, cultivando‑as por dois anos para ter certeza de que eram de linhagem pura. Estabeleceu, então, duas linhagens puras para cor de flor: plantas com flores púrpuras e plantas com flores brancas. Todas que nasceram do cruzamento das linhagens puras com flores púrpuras apresentavam, portanto, flores púrpuras, e das linhagens puras com flores brancas apresentavam somente flores brancas. Cada par das linhagens de plantas de Mendel podia apresentar diferenças de característica, uma diferença contrastante entre duas linhagens de organismos (ou dois organismos) (GRIFFITHS et al., 2016). Figura 16 – Características escolhidas por Mendel para seus estudos sobre hereditariedade em ervilhas Os fenótipos contrastantes para uma determinada característica são os pontos de partida para qualquer análise genética. As linhagens (ou indivíduos) diferentes representam formas diferentes que a característica pode ter, chamadas fenótipos. Lembrete Fenótipo, derivado do grego, significa “a forma que é apresentada”. Nos primeiros experimentos depois de obter as linhagens puras, Mendel polinizou a planta de flores púrpuras com pólen de plantas de flores brancas, que eram, portanto, chamadas de geração parental. Surpreendentemente, todas as plantas resultantes do cruzamento tinham flores de cor púrpura. Essa geração foi chamada de primeira geração filial (F1). Outras gerações advindas do cruzamento das gerações anteriores foram criadas e chamadas, portanto, de F2, F3 e assim por diante. Na geração F1, todos os cruzamentos produziram plantas com flores púrpura, independente de como era feito o cruzamento. Nesse caso, a herança não era a mistura de cores. 27 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Na segunda geração (F2), algumas das plantas apresentaram flores brancas, ressurgindo, portanto, essa cor de flor no cruzamento. Mendel resolveu contar quantas plantas para cada fenótipo (cor da flor) apareceram nessa geração, o que resultou em: • 705 plantas de flor púrpura; • 224 plantas de flor branca. Notou, então, que 705 púrpuras para 224 brancas era quase exatamente a proporção 3:1, o que obteve também como resultados de todos os outros pares de diferenças. Para definir os resultados, Mendel usou otermo dominante e recessivo para descrever esse fenômeno. O fenótipo púrpuro é dominante em relação ao branco, e o fenótipo branco é recessivo em relação ao púrpuro. Do cruzamento das duas linhagens puras (púrpuras e brancas), toda a geração F1 apresentou a mesma característica (flores púrpuras), portanto, o fenótipo parental que é expresso em tais indivíduos da F1 é, por definição, o fenótipo dominante. A comprovação da hipótese de dominância e recessividade nos vários experimentos efetuados por Mendel levou, mais tarde à formulação da sua primeira lei: “cada característica é determinada por dois fatores que se separam na formação dos gametas, onde ocorrem em dose simples”�, isto é, para cada gameta masculino ou feminino, encaminha‑se apenas um fator. Mendel continuou seus cruzamentos e estudou também a transmissão combinada de duas ou mais características. Em um de seus experimentos, por exemplo, foram considerados ao mesmo tempo cor da semente, que pode ser amarela ou verde, e a textura da casca da semente, que pode ser lisa ou rugosa. Com base nesse e em outros experimentos, Mendel sugeriu a hipótese de que, na formação dos gametas, os alelos para a cor da semente (Vv) segregam‑se independentemente dos alelos que condicionam a forma da semente (Rr). De acordo com isso, um gameta portador do alelo V pode conter tanto o alelo R como o alelo r, com igual chance, e o mesmo ocorre com os gametas portadores do alelo v (GRIFFITHS et al., 2016). Observação Alelo representa cada uma das formas que um gene pode apresentar e que determina características diferentes, ou seja, são as formas alternativas de um mesmo gene. Uma planta duplo‑heterozigota VvRr formaria, de acordo com a hipótese da segregação independente, quatro tipos de gameta em igual proporção: 1 VR; 1 Vr; 1 vR; 1 vr. Mendel concluiu que a segregação independente dos fatores para duas ou mais características era um princípio geral, constituindo uma segunda lei da herança, ou lei da segregação independente, posteriormente chamada segunda lei de Mendel: “os fatores para duas ou mais características segregam‑se no híbrido, distribuindo‑se independentemente para os gametas, onde se combinam ao acaso”. 28 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I 2.1 Predisposição genética A predisposição genética é uma propriedade genética que influencia o fenótipo de um indivíduo dentro de uma espécie ou população sob a influência de condições ambientais. A seguir discutiremos conceitos sobre a genética de populações e a variabilidade genética. 2.1.1 Genética de populações e variabilidade genética A genética de populações é uma parte da genética que estuda a distribuição de genes em um grupo de indivíduos da mesma espécie (chamado população), portanto, analisa a quantidade e a distribuição da variação genética nas populações e as forças que controlam essa variação. Para entendermos melhor a utilização desse campo da genética, devemos lembrar que ela envolve muitas questões relacionadas ao que a sociedade vive atualmente. Por exemplo, a análise do risco de um casal ter um filho com uma doença genética ou a análise do DNA de suspeitos de um crime. Além disso, questões históricas, como a relação de espécies umas com as outras, são muito relevantes nesse campo (GRIFFITHS et al., 2016). A genética tem suas origens no início do século XX quando geneticistas começaram a estudar como as leis de Mendel poderiam ser estendidas para compreender as variações dentro de populações inteiras de organismos. Embora as leis de Mendel expliquem como os genes são transmitidos dos pais para a descendência nos casos de cruzamentos controlados, essas leis não explicam por completo como acontece a transmissão de genes de uma geração para a próxima em populações naturais, nas quais nem todos os indivíduos produzem descendência e nem toda a descendência sobrevive. Atualmente, por meio de ferramentas e métodos apropriados, é possível observar diretamente as diferenças entre as sequências de DNA dos indivíduos em todo seu genoma, além de medir essas diferenças em grandes amostras de indivíduos em muitas espécies. Na genética de populações, um locus é simplesmente um local no genoma; ele pode ser um sítio de nucleotídeo único ou um segmento de muitos nucleotídeos. O tipo mais comum de variação que se pode observar entre os indivíduos em um locus é uma diferença no nucleotídeo presente em um sítio de nucleotídeo único, seja adenina, citosina, guanina ou timina. Esses tipos de variantes são denominados polimorfismos de nucleotídeo único (SNP). Lembrete Polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) é um tipo de variação que se observa em um sítio de nucleotídeo único. 29 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Filamento 1 Filamento 1 Cópia 2 Cópia 1 Filamento 2 Filamento 2 Figura 17 – Exemplo de polimorfismo de nucleotídeo único 2.1.2 Polimorfismos e mutações Mutações e polimorfismos são duas alterações genéticas frequentes. As mutações são representadas pela substituição de bases, alterações na organização ou no tamanho das sequências, dentre outros processos. Essas alterações estão associadas à frequência de alelos heterozigotos presentes em menos de 2% da população. Os polimorfismos genéticos são variações na sequência de DNA que podem criar ou destruir sítios de reconhecimento de enzimas de restrição e parecem estar associados a apenas uma base. A frequência de alelos heterozigotos para o polimorfismo genético ocorre em mais de 2% da população. Algumas dessas alterações ocorrerão em sequências não codificadoras do gene, que na maioria dos casos não terão efeito em suas funções; outras ocorrerão em sequências codificadoras, levando à produção de proteínas defeituosas (BRASILEIRO‑FILHO; GUIMARÃES; BOGLIOLO, 1998). Sem essas alterações, todos os genes ocorreriam apenas em uma forma, pois não existiriam alelos. Portanto, os organismos não seriam capazes de evoluir e adaptar‑se às mudanças ambientais. Tradicionalmente, as mutações envolvem alterações na molécula de DNA, podendo ocasionar mudanças no fenótipo. No entanto, as alterações cromossômicas numéricas e estruturais também podem induzir alterações fenotípicas herdáveis. Simplificadamente, uma mutação gênica ocorre em decorrência de substituições em pares de bases. Tais substituições originam mutações pontuais. Como consequência da substituição de um par de bases, a sequência de aminoácidos de uma proteína pode ser alterada. 30 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Lembrete Qualquer alteração no DNA pode representar também uma alteração na expressão da proteína. Caso essa mudança altere a atividade bioquímica da proteína, poderá também interferir no fenótipo. Este é o caso da hemoglobina na anemia falciforme e da insulina na diabetes, em que um aminoácido da proteína foi trocado devido à substituição de um par de bases de um gene. Além disso, a substituição do par de bases pode mudar o códon original para um códon finalizador, resultando em término precoce da síntese de uma proteína. Sempre que bases forem adicionadas ou deletadas, ocorre uma mudança de matriz de leitura, alterando a composição dos aminoácidos de toda a proteína. Por outro lado, devido à redundância do código genético, nem todas as alterações de pares de leitura da fita bases levam a um aminoácido alterado na proteína. Logo, quando as mutações não promovem efeitos no fenótipo, são chamadas de mutações silenciosas. Elas podem ser identificadas através da comparação de sequências de pares de bases entre genes normais e mutantes. Observação Um exemplo de mutação pontual é a anemia falciforme, ou siclemia, causada por uma alteração na cadeia β da hemoglobina, decorrente da substituição de uma adenina por uma timina (transversão) no sexto códon do gene. Através dessa mutação pontual,o códon GAA transforma‑se em GTA, provocando substituição do ácido glutâmico pela valina na cadeia polipeptídica. 2.1.2.1 Polimorfismos de nucleotídeo único Os polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) são os mais comuns encontrados no genoma. A maioria dos SNP normalmente apresenta apenas dois alelos, por exemplo A e C. Os SNP são considerados SNP comuns em uma população se o alelo menos comum ocorre a uma frequência de aproximadamente 5% ou superior. Os SNPs em relação aos quais os alelos menos comuns ocorrem a uma frequência inferior a 5% são considerados raros. Nos seres humanos, existe um SNP comum aproximadamente a cada 300 a 1000 pares de bases no genoma. É claro que existe um número muito maior de SNP raros. Os SNPs ocorrem dentro de genes, incluindo éxons, íntrons e regiões reguladoras. Veja os quadros abaixo: 31 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Quadro 1 SNP em regiões codificadoras de proteínas Sinônimos Se os diferentes alelos codificam o mesmo aminoácido Não sinônimos Se os dois alelos codificam aminoácidos diferentes Sem sentido Se um alelo codifica um códon de fim, e o outro, um aminoácido Portanto, por vezes é possível associar um SNP a uma variação funcional nas proteínas e a uma alteração associada ao fenótipo. Os SNP localizados fora de sequências codificadoras são denominados SNP não codificadores (ncSNP). Veja quadro a seguir: Quadro 2 SNP não codificadores Silenciosos Não apresentam efeitos sobre função gênica e fenótipo ncSNP podem ser úteis quando utilizados como marcadores fluxo gênicos entre populações Após descoberta dos SNP, pode ser determinado o genótipo (composição alélica) de diferentes indivíduos na população para cada SNP. Os microarranjos de DNA são uma tecnologia amplamente utilizada para essa finalidade. Ao longo da última década, geneticistas evolutivos descreveram em detalhes extraordinários como as alterações genéticas possibilitaram que as populações humanas se adaptassem às condições de vida em diferentes partes do globo. Esse trabalho revelou que três fatores foram importantes na moldagem de variantes gênicas que ocorrem em diferentes populações humanas. São eles: • patógenos, tais como malária ou varíola; • condições climáticas locais, incluindo radiação solar, temperatura e altitude; • dieta, como as quantidades relativas de carne, cereais ou laticínios ingeridos. Vejam o caso de uma adaptação à altitude: com o objetivo de colonizar a cordilheira dos Andes, alguns espanhóis se estabeleceram no alto de algumas montanhas, formando cidades nos lugares mais remotos. Logo perceberam que havia algum problema que os impedia de gerar filhos, o que não ocorria com os índios que estavam adaptados a essas condições. Diferentemente dos índios, os espanhóis estavam apresentando a doença crônica da montanha (DCM), uma condição causada pela incapacidade em obter oxigênio suficiente do ar rarefeito das montanhas. Condição muito semelhante ocorreu no Tibete, colonizado há mais de 3000 anos. Os tibetanos eram muito mais adaptados às altitudes do que outra população chamada de chineses Han. 32 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Para compreender essa adaptação, uma equipe de geneticistas comparou os tibetanos aos chineses em mais de 500.000 SNP (polimorfismo de nucleotídeo único) ao longo do genoma. Uma vez que eles são relacionados de maneira próxima, espera‑se que cada variante ocorra aproximadamente na mesma frequência em ambos os grupos. Se a variante estiver associada à melhora da saúde em altas elevações, a sua frequência teria aumentado entre os tibetanos ao longo das muitas gerações, visto que os tibetanos tiveram mais filhos sobreviventes dos que aqueles sem a variante. A seleção natural de Charles Darwin estaria atuando. Quando analisadas as variações, o SNP em um gene especifico (EPAS1) chamou a atenção por ocorrer em 87% dos tibetanos e em 9% dos chineses. Lembrete Segundo Darwin, os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances de sobrevivência do que os menos adaptados, deixando um número maior de descendentes. Os tibetanos são geneticamente adaptados à vida em atitudes elevadas Figura 18 – Uma jovem mulher tibetana. A inserção demonstra a localização do Tibete na Ásia 33 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Tibetanos apresentam uma variante especial do gene EPAS1 22212019181716151413121110987654321 Cromossomo 9 8 7 6 5 4 Va lo r d o te st e es ta tís tic o EPAS1 Figura 19 – Os 22 cromossomos humanos são arranjados da esquerda para a direita. O eixo Y (vertical) demonstra os resultados de um teste estatístico sobre a possibilidade de existir uma diferença significativa na frequência de SNP entre os tibetanos e chineses Han. Cada pequeno ponto representa um dos SNP que foram testados. Os SNP acima da linha vermelha horizontal são significativamente diferentes. Apenas os SNP no gene EPAS1 demonstram diferença significativa Tais resultados sugerem que essa variação genética no gene EPAS1 está envolvida com a melhor adaptação dos tibetanos à altitude. Vale ressaltar que esse gene regula a quantidade de eritrócitos que nossos corpos produzem. Regula também a quantidade de eritrócitos em resposta ao nível de oxigênio em nossos tecidos. Quando temos uma anemia, por exemplo, baixamos a contagem de eritrócitos; o EPAS1 pode sinalizar para o corpo a necessidade de produzir mais eritrócitos. Situação similar ocorre quando um indivíduo que mora em um ambiente de baixa altitude se desloca para outro de alta altitude: há a sinalização e o consequente aumento na produção de eritrócitos. Nesse caso, o sangue fica sobrecarregado com o aumento de eritrócitos, que pode levar à hipertensão pulmonar e formação de coágulos sanguíneos, condições subjacentes a DCM. No caso dos tibetanos, a hipótese é que a variação no gene EPAS1 pode ter deixado de sinalizar o aumento dos eritrócitos e, ao mesmo tempo, proporcionado outro mecanismo de adaptação ao ar rarefeito, pois os níveis de eritrócitos desses indivíduos mantêm‑se relativamente normais. 34 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Observação A genética evolutiva fornece ferramentas para documentar como variações gênicas que proporcionam um efeito benéfico podem aumentar em frequência em uma população e tornar a população mais bem‑adaptada ao ambiente em que vivem. 2.1.3 Pool gênico Pool gênico é um conceito fundamental para o estudo da variação genética nas populações: ele é a soma de todos os alelos nos membros reprodutivos de uma população em uma determinada ocasião. Podemos descrever a variação em uma população em termos das frequências genotípicas e alélicas. Frequência genotípica é calculada simplesmente dividindo o número de vezes que determinado genótipo aparece pelo total de indivíduos na população. Por exemplo, imaginemos que temos uma população de rãs, cada uma das quais carregando dois alelos no locus autossômico A. Apenas contando, determinamos que existem 5 homozigotos A/A, oito heterozigotos A/a e três homozigotos a/a. o tamanho da amostra é 16. Nesse caso, para determinar a frequência do genótipo A/A, dividimos 5 por 16, assim teremos 0,31. De maneira mais simples, nas frequências alélicas contamos o total de alelos A e dividimos pelo total. 2.1.4 Fatores raciais e sua relação com o alto rendimento esportivo As diferenças raciais no somatótipo podem afetar o desempenho nos esportes. Os velocistas e os saltadores em altura da raça negra, por exemplo, possuem membros mais longos e quadris mais estreitos que seus congêneres brancos. De uma perspectiva mecânica, um velocista negro com o tamanho das pernas e braços idêntico a um velocista branco possui um corpo mais leve, mais baixo e mais esbeltopara a corrida. Isso poderia conferir mais potência para esse atleta (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Outras diferenças no fenótipo de atletas entre raças podem estar envolvidas no desempenho esportivo. Mais adiante, discutiremos cada uma das variáveis genéticas que podem interferir no fenótipo e, consequentemente, no desempenho esportivo dos atletas. Observação Somatótipo é uma teoria que dividiu a estrutura do ser humano em: endomorfia (adiposidade), mesomorfia (muscularidade) e ectomorfia (magreza), definindo determinadas características físicas que diferenciam essas estruturas. 35 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA 3 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA NA OBESIDADE E DIABETES Já é conhecido que o estilo de vida ativo tem uma relação positiva com o estado de saúde da maioria dos indivíduos de uma população (AKBARTABARTOORI; LEAN; HANKEY, 2008). Além disso, observa‑se que a prática de atividades físicas regularmente (em níveis moderados ou altos) está associada a menores riscos de doenças crônicas, especialmente, síndrome metabólica, obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares (CHURILLA; FITZHUGH, 2009). Ao contrário dessas observações, indivíduos na população geral tendem a adotar cada vez mais estilos de vida menos ativos ou sedentários. Uma pesquisa recente mostrou que aproximadamente 31,1% dos adultos do mundo são fisicamente inativos, com variações de 17% na Ásia e até 43% na América, por exemplo. Além disso, aproximadamente 80% dos adolescentes entre 13‑15 anos não alcançam os valores recomendados de atividade física diária (HALLAL et al., 2012). 0.0 20 30 40 50 60 70 80 0.5 1.0 1.5 2.0 inactive BMI>=30 active BMI>=30 active BMI<25 Age (years) Pr ed ic te d CH D ris k ov er 1 0 yr (l og ) inactive BMI<25x Figura 20 – Relação do risco de desenvolvimento de doença cardíaca em 10 anos com a idade em indivíduos sedentários e ativos, obesos ou magros (eixo y: doença cardiovascular predita em 10 anos (log); eixo x: idade (anos) A atividade física pode ser historicamente definida como “qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos que resultam em gasto de energia” (CASPERSEN, 1985 apud SANTOS et al., 2012). Essa definição, porém, pode ser simplista para definir os modelos de movimento corporal humano que estão relacionados à saúde. 36 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I A relação que se faz recentemente é que a inatividade física associada ao comportamento sedentário pode envolver uma predisposição genética (BRAY et al., 2009). Porém, embora significativa, a influência familiar sugere muitos questionamentos quanto aos possíveis efeitos genéticos e/ou culturalmente transmitidos, além das diferentes exposições a esses efeitos entre as gerações. Embora pesquisas no domínio da epidemiologia genética tenham apresentado influência genética baixa a moderada na variância total dos diferentes fenótipos da atividade física, envolvendo, também, o comportamento sedentário, esses resultados são amplamente divergentes e, em sua maioria, baseados na transmissão de características entre duas gerações, no mesmo núcleo familiar. Esses dados não conseguem representar isoladamente a contribuição de fatores genéticos associados ao comportamento sedentário e inatividade física, pois outros vários fatores podem interferir, assim como a influência do ambiente e comportamento (RANKINEN et al., 2009 apud CHAVES et al., 2010). Os fatores ambientais partilhados no seio de cada família, quando não controlados, podem se tornar fatores de interferência da influência genética na variabilidade dos níveis de AF e sedentarismo. Em pesquisa recente, Chaves et al. (2010) analisaram a relação da transmissão genética dos níveis de atividade física em três gerações e chegaram à conclusão de que fatores genéticos podem contribuir entre 15 a 40% para a variabilidade total dos fenótipos da atividade física e comportamento sedentário, considerada influência baixa a moderada. Fatores ambientais não transmitidos correspondem à maior contribuição na determinação desses fenótipos. Lembrete Grande parte dos estudos tem mostrado baixa correlação entre a prática de atividade física e variáveis genéticas. Portanto, parece plausível considerar que a maior influência para o comportamento sedentário tem relação com fatores ambientais e comportamentais. 3.1 Obesidade A obesidade é definida como uma doença multicausal associada aos efeitos do acúmulo excessivo de gordura corporal (WHO, 1998). Sua prevalência vem crescendo em níveis alarmantes tanto em países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento, sendo considerado um problema de saúde pública. Isso se deve, dentre outras coisas, ao fato de a obesidade estar relacionada a múltiplos fatores e causas. Além disso, associa‑se a várias outras comorbidades, tais como alterações metabólicas, dificuldades respiratórias e no aparelho locomotor (MONTEIRO; CONDE, 1999; DIAS et al., 2007). A obesidade também é considerada um fator de risco para enfermidades como dislipidemias, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer (KAC; VELÁSQUEZ‑MELÉNDEZ, 2003; ANJOS, 2006). 37 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Doenças articulares Apneia do sono Diabetes Obesidade mórbida Câncer Infarto Dislipidemias Hipertensão Colecistite Incontinência urinária Insuficiência cardíaca Figura 21 – Relação da obesidade com outras doenças ou comorbidades O diagnóstico da obesidade é realizado a partir do parâmetro estipulado pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1999): o body mass index (BMI), ou índice de massa corporal (IMC), obtido a partir da relação entre peso corpóreo (kg) e estatura (m²) dos indivíduos. A partir desse parâmetro, são considerados obesos os indivíduos cujo IMC encontra‑se num valor igual ou superior a 30 kg/m². Tabela 1 – Diagnóstico de obesidade através do IMC e sua associação com os riscos à saúde IMC Classificação Risco 18,5 – 24,99 Eutrofia Médio 25,00 – 29,99 Sobrepeso Aumentado 30,00 – 34,99 Obesidade classe I Moderado 35,00 – 39,99 Obesidade classe II Severo > 40,00 Obesidade classe III Muito severo Adaptada de: World... (2005). 3.1.1 Determinantes da obesidade De maneira bem simplificada, podemos dizer que a obesidade resulta de um desequilíbrio entre o gasto e a ingestão de energia. No entanto, os mecanismos que levam a esse fenótipo são bem mais complexos. Fatores genéticos desempenham papel importante de ação permissiva para os fatores ambientais e, em alguns casos, podem ser decisivos para o desenvolvimento da obesidade (NEGRÃO; PEREIRA‑BARRETO, 2005). Outros fatores também podem influenciar o surgimento da doença, como idade, sexo, metabolismo de repouso, oxidação lipídica, metabolismo do tecido adiposo e do músculo esquelético, atividade nervosa simpática, dentre outros (PERUSSE, 2002). 38 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Saiba mais A obesidade vem crescendo em níveis alarmantes. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA (ABESO). Mapa da obesidade. São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/atitude‑saudavel/ mapa‑obesidade>. Acesso em: 12 jan. 2017. De maneira geral, as pessoas têm se alimentado mal e gasto cada vez menos energia com atividades físicas. A má alimentação inclui a ingestão de alimentos mais gordurosos e mais energéticos (BRAY; POPKIN, 1998) e se deve a vários fatores, incluindo o aumento no tamanho das porções e o marketing da indústria alimentícia. 3.1.2 Controle do peso corporal Antes de nos ater aos fatores genéticos, é importante entender comose dá o controle do padrão alimentar normal, que vão depender de interações neurais e hormonais. Algumas regiões do hipotálamo podem ser consideradas importantes para o controle do balanço energético. Nessas regiões há importantes peptídeos, como NPY (neuropeptídio Y) e outros, que são liberados para aumentar ou diminuir a ingestão de alimentos e manter a homeostase; seus sinalizadores são a insulina e a leptina. Uma das consequências da má alimentação associada à obesidade é um aumento da glicemia, que inicialmente pode levar à hiperinsulinemia; com o quadro crônico, isso poderá resultar em resistência à insulina e, possivelmente, diabetes tipo 2. Observação Hiperinsulinemia se caracteriza pelo aumento da concentração da insulina na corrente sanguínea. 39 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Homeostasia glicêmica Diabetes Resistência à ação da insulina Figura 22 – A quebra da homeostasia (equilíbrio) glicêmica, de maneira crônica, resulta em resistência à ação da insulina e possivelmente Diabetes 3.1.3 Fatores genéticos Devido ao crescente quadro da obesidade mundial, cada vez mais pesquisadores têm tentado entender os mecanismos da obesidade e, com isso, vários trabalhos são desenvolvidos, incluindo aqueles que tentam entender a relação dos fatores genéticos. Nessa direção, a teoria da economia energética vem sendo apontada como possível contribuinte para o desenvolvimento da obesidade. Segundo a teoria, em situações de déficit de energia, como ocorreu com nossos antepassados, o organismo aciona uma série de mecanismos metabólicos adaptativos que buscam promover a redução no gasto energético como estratégia de sobrevivência. Essa adaptação leva o organismo a um novo ponto de equilíbrio, em que o gasto e a ingestão energética são inferiores ao normal. Esse novo equilíbrio, contudo, revela‑se frágil, e um aumento na ingestão de alimentos ricos em energia química pode levar a um ganho de peso, principalmente na forma de gordura, consequência do aumento da eficiência metabólica adquirida (ANJOS, 2006). Carboidratos Proteínas Gorduras Figura 23 – Tipos de transformação entre moléculas que são possíveis. Seres humanos são capazes de transformar proteínas e carboidratos em lipídeos, e proteínas em carboidratos. Não somos capazes de transformar carboidratos ou lipídeos em proteínas nem de fabricar carboidratos a partir de lipídeos Estima‑se que a herança genética possa responder por 24 a 40% da variância no IMC por determinar diferenças em fatores como taxa de metabolismo basal, resposta à superalimentação e outros. Acredita‑se que as mudanças de comportamento alimentar e os hábitos de vida sedentários atuando sobre genes que predispõem os indivíduos à obesidade sejam o determinante principal do crescimento da obesidade no mundo. 40 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I É bem possível, portanto, que a obesidade surja como a resultante de fatores que envolvam múltiplas respostas genéticas complexas (fatores poligênicos) e um ambiente obesogênico. O chamado mapa gênico da obesidade humana (SNYDER et al., 2004) está em processo constante de evolução, à medida que se identificam novos genes associados com a obesidade. A maior sobrevivência dos indivíduos obesos e a influência das reservas de gordura na fertilidade em situações de falta de alimentos podem ter sido, em parte, responsáveis por uma seleção natural de pessoas com tendência à obesidade. A importância genética na identificação das causas da obesidade tem sido foco de pesquisa em todo o mundo. A identificação e sequenciamento do gene ob, que codifica a proteína leptina, e a descoberta de que o defeito nesse gene parece ser a simples causa da obesidade em camundongos ob/ob têm gerado considerável interesse no estudo da genética da obesidade (ZHANG et al. 1994 apud PEREIRA; FRANCISCHI; LANCHA‑JUNIOR, 2003). Figura 24 – Camundongo homozigoto para a mutação no gene que codifica a leptina (camundongo ob/ob). Camundongos ob/ob, assim como os animais com mutação no receptor de leptina (camundongos db/db), apresentam obesidade extrema, por sentirem muita fome e redução do gasto de energia, também apresentam diabetes, hipotireoidismo e hipogonadismo hipogonadotrofico. Essas mesmas disfunções são observadas em humanos deficientes em leptina e em seu receptor A leptina (do grego leptos, ou magro) é uma proteína composta por 167 aminoácidos e possui uma estrutura semelhante às citocinas, do tipo interleucina 2 (IL‑2); é produzida principalmente no tecido adiposo e seu pico de liberação ocorre durante a noite e nas primeiras horas da manhã. Atua no controle da ingestão alimentar, aumentando a saciedade e estimulando os neurônios do hipotálamo no sistema nervoso central. A ação da leptina no sistema nervoso central (hipotálamo) em mamíferos promove a redução da ingestão alimentar e o aumento do gasto energético, além de regular a função neuroendócrina e o metabolismo da glicose e de gorduras. Ela é sintetizada também na glândula mamária, músculo esquelético, epitélio gástrico e trofoblasto placentário (FRIEDMANN; HALAAS, 1998). 41 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA A expressão da leptina pode aumentar em resposta à ação da insulina ou por glicocorticoides (como o cortisol, por exemplo). Além disso, citocinas pró‑inflamatórias ou quadros infecciosos também podem influenciar o aumento da expressão da leptina. Opostamente, o hormônio testosterona, a exposição ao frio e as catecolaminas reduzem a síntese de leptina. Associadamente, situações de estresse impostas ao corpo, como jejum prolongado e exercícios físicos intensos, provocam a diminuição dos níveis circulantes de leptina. A quantidade de leptina liberada no plasma está relacionada parcialmente à quantidade de tecido adiposo no organismo. Indivíduos obesos apresentam um aumento do número de células adiposas, o que significa uma maior quantidade de RNAm ob encontrada em seus adipócitos do que em sujeitos com peso considerado normal (MAFFEI et al., 1995 apud ROMERO; ZANESCO, 2006). Entretanto, a concentração sérica de leptina não é dependente somente do tamanho do tecido adiposo, uma vez que a redução de 10% do peso corporal provoca diminuição de cerca de 53% de leptina plasmática, sugerindo que outros fatores, além da adiposidade tecidual, estão envolvidos na regulação de sua produção (SANDOVAL; DAVIS, 2003 apud ROMERO; ZANESCO, 2006). Quadro 3 – Influência de fatores orgânicos e ambientais nos níveis de leptina Situações Níveis de leptina Ganho de peso Aumentados Insulina Aumentados Glicocorticoides Aumentados Infecções agudas Aumentados Citocinas inflamatórias Aumentados Perda de peso Diminuídos Jejum Diminuídos Estimulação adrenérgica Diminuídos Hormônio do crescimento (GH) Diminuídos Hormônio tireoidiano Diminuídos Melatonina Diminuídos Fumo Diminuídos Fonte: Friedmann; Halaas (1998) apud Romero; Zanesco (2006, p. 87). Como já foi mencionado, a leptina aumenta a saciedade. Isso acontece através da inibição da formação de neuropeptídios relacionados ao apetite, como o neuropeptídio Y e também o aumento de peptídeos anorexígenos. Mesmo assim, os indivíduos obesos apresentam níveis aumentados de leptina (cerca de 5 vezes mais que os indivíduos magros), o que indica que a ação da leptina pode estar diminuída no obeso, podendo indicar resistência à ação da leptina, semelhante ao que acontece com os indivíduos diabéticos em relação à insulina. 42 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I Problema nos receptores Leptina Hipotálamo Neuropeptideo y Peptídeos anorexigenos Tecido adiposo Figura 25 – Gênese da obesidade em humanos Apesar do crescente número de estudos, existem poucas evidências sugerindoque algumas populações são mais susceptíveis à obesidade somente por atribuições genéticas. Portanto, as causas da obesidade parecem ter muito mais relação com fatores ambientais do que genéticos (JEBB, 1999). Genética Fatores ambientais e comportamentais Figura 26 – Causas da obesidade Apesar disso, algumas pesquisas com filhos adotados e gêmeos (CHAGNON; PÉRUSSE; BOUCHARD, 1997), assim como de associação genética, confirmam que existe uma influência genética para o risco de obesidade. Avanços científicos recentes têm tentado realizar um mapeamento genético para identificar genes que se correlacionem com a obesidade. Em uma das últimas atualizações, em 2005, identificou‑se 425 genes ou biomarcadores que possuem relação direta ou indireta com a obesidade (RANKINEN et al., 2006). Alguns genes, assim como aqueles que regulam a expressão de proteínas desacopladoras, leptina (como já mencionado), receptores de leptina, receptores adrenérgicos, proteínas ligadoras de ácidos graxos e receptores ativados por proliferador de peroxissoma, modulam o controle do metabolismo energético e podem ser afetados por dieta e atividade física (DWIVEDI; SAHAI; MIRKIN, 2007). 43 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA Em paralelo, em alguns outros estudos, por exemplo, tenta‑se explicar porque alguns indivíduos não conseguem perder peso adequadamente quando submetidos a programas de exercícios físicos. Alguns deles, embora ainda controversos, relacionam os polimorfismos de genes associados à lipólise com a perda de peso desses indivíduos (CORELLA et al., 2005; DERAM et al., 2008; KIM et al., 2004). Observação Lipólise refere‑se ao processo de degradação das gorduras. Nesse processo, triglicérides são degradados em ácidos graxos e glicerol. Segundo Luglio (2016), em uma revisão publicada recentemente, a relação da obesidade com aspectos genéticos, no que se associa às diferenças individuais na oxidação de gordura, não somente contribui para o desenvolvimento da obesidade, como também complica o tratamento de perda de peso. Esses estudos mostram, tanto em humanos quanto em animais, que modificações genéticas relacionadas à oxidação de ácidos graxos têm impacto na perda de peso e no risco de obesidade. Alguns polimorfismos nos genes que codificam CD36, CPT, ACS e FABP podem se relacionar com a obesidade por regular a atividade enzimática ou influenciar diretamente a oxidação de gordura. Porém, apesar das especulações, ainda existem controvérsias e pontos a esclarecer. Alguns estudos ainda precisam ser reproduzidos. No quadro a seguir estão as principais funções das proteínas citadas. Quadro 4 – Exemplo de polimorfismos em proteínas associadas à oxidação de gordura que podem estar relacionadas à obesidade ACS Acil‑CoA Sintetase, enzima importante que parece estar envolvida tanto na lipogênese quanto no processo de oxidação da gordura. Também pode alterar secreção de insulina e transporte de glicose (Coleman et al, 2002 apud Luglio, 2016). CD36 É uma proteína transportadora de lipídeos que está envolvida em muitos processos celulares incluindo a oxidação de gorduras. É expressa em vários tecidos, como tecido adiposo, intestinal e no endotélio vascular. Estudos se mostram em relação a influência do polimormismo na obesidade. FABP Proteína ligadora de ácido graxo. Vários estudos genéticos relacionam‑se ao ganho de peso, mas existe ainda baixa correlação entre a variação genética dessa proteína e obesidade. Necessidade de mais estudos. CPT Carnitina Palmitoil transferase. Auxilia a entrada de lipídeos na mitocôndria da célula. Vários estudos mostram associação das variações genéticas com a obesidade. Aceita‑se atualmente que os genes desempenham um papel colaborativo e permissivo no desenvolvimento da obesidade e que os fatores ambientais interagem para levar à obesidade. Como diz George Bray, “a genética carrega a arma e o ambiente aperta o gatilho”. Vale lembrar também que uma variação genética que predisponha a um fenótipo de maior risco pode associar‑se a maior probabilidade de complicações metabólicas. A tendência a depositar gordura na região abdominal visceral, por exemplo, pode ser geneticamente determinada, conforme demonstrado em estudos com gêmeos monozigóticos (PERUSSE; BOUCHARD, 2000). 44 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 Unidade I 3.2 Hereditariedade e diabetes Diabetes mellitus não é uma única doença, mas um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que apresenta em comum a hiperglicemia, resultante de defeitos na ação da insulina, na secreção de insulina ou em ambas. A classificação atual do diabetes mellitus baseia‑se na etiologia e não no tipo de tratamento, portanto, os termos “DM insulinodependente” e “DM insulinoindependente” não devem ser utilizados na classificação do diabetes. A classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Associação Americana de Diabetes (ADA) engloba quatro classes: DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos específicos de DM e DM gestacional. Há ainda duas categorias, referidas como pré‑diabetes, que são a glicemia de jejum alterada e a tolerância à glicose diminuída. Essas categorias não são entidades clínicas, mas fatores de risco para o desenvolvimento de DM e doenças cardiovasculares (DCV) (SBD, 2016). Classificação etiológica do diabetes mellitus • DM1 — autoimune — idiopático • DM2 — outros tipos específicos de DM • DM gestacional No diabetes mellitus tipo 1, os indivíduos têm destruição das células beta do pâncreas que levam a uma deficiência de insulina, classe subdivida em tipos 1A e 1B. Quanto ao subtipo 1A, resultado da destruição autoimune de células beta pancreáticas com consequente deficiência de insulina, estima‑se que seja encontrado de 5 a 10% dos casos de DM. Observação As células beta‑pancreáticas são células endócrinas nas ilhotas de Langherans do pâncreas. Elas são responsáveis por sintetizar e secretar o hormônio insulina, que regula os níveis de glicose no sangue. O desenvolvimento do DM tipo 1A envolve fatores genéticos e ambientais. É uma condição poligênica, na maioria dos casos, e os principais genes envolvidos estão no sistema do antígeno leucocitário humano (HLA) classe II. Esses alelos podem promover o desenvolvimento da doença ou proteger o organismo contra ela (ERLICH; VALDES, NOBLE, 2008). Alguns fatores do ambiente que interagem com os fatores genéticos podem colaborar para essa destruição autoimune, dentre 45 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 26 /0 1/ 20 17 GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA eles estão: algumas infecções virais, fatores nutricionais (por exemplo, introdução precoce de leite bovino), deficiência de vitamina D e outros. A taxa de destruição das células beta é variável e, em geral, mais rápida entre as crianças. A forma lentamente progressiva ocorre em adultos, conhecida como diabetes autoimune latente do adulto (Lada, acrônimo em inglês de latent autoimune diabetes in adults). No Diabetes tipo IB ou idiopático, como o nome sugere, não se sabe exatamente a causa para seu desenvolvimento. Os indivíduos com esse tipo de DM podem desenvolver cetoacidose e apresentar graus variáveis de deficiência de insulina. Lembrete Cetoacidose é um estado de acidose metabólica causada por altas concentrações de cetoácidos, um produto do metabolismo de lipídeos. É mais apresentado por diabéticos tipo 1, quando o fígado quebra a gordura em resposta a uma necessidade percebida pela dificuldade da quebra de glicose. Pode ocorrer também após um jejum prolongado. O Diabetes tipo 2 é a forma verificada em 90 a 95% dos casos de diabetes. Esse subtipo se caracteriza, principalmente, por defeitos na ação e secreção da insulina (ação nos receptores, por exemplo). A resistência à insulina e o defeito na função das células beta estão presentes já na fase
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