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Diarreia aguda

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José Eduardo Palacio Soares – Bloco Síndromes Pediátricas I – GT2 
DIARREIA AGUDA 
DEFINIÇÃO 
A diarreia aguda (ou gastroenterite) caracteriza-se pela modificação quase sempre brusca do hábito intestinal com: 
• Fezes líquidas ou semilíquidas; e 
• Pelo número aumentado de evacuações 
Pode vir acompanhada de vômito e/ou febre. 
É um processo normalmente autolimitado, cuja duração varia de horas a dias, sendo seu tratamento feito, de maneira 
geral, apenas com medidas de suporte. 
DIARREIA AGUDA PROLONGADA: Prolongamento além de 7 a 10 dias sugere a existência de fatores agregados, 
podendo ser denominada diarreia aguda prolongada. 
DIARREIA AGUDA PERSISTENTE: Quando a duração é superior a 14 dias, com instabilidade hidroeletrolítica e 
comprometimento do estado nutricional, a diarreia é considerada persistente. 
A REPERCUSSÃO CLÍNICA IMEDIATA MAIS SÉRIA DA DIARREIA AGUDA é a desidratação (consequência da importante 
perda de água e eletrólitos pelas fezes). 
A sucessão ou recorrência de episódios agudos nas populações em situações de miséria afeta negativamente o estado 
nutricional, constituindo-se em um dos fatores contribuintes para a instalação e a manutenção da desnutrição 
proteico-energética. 
ETIOLOGIA 
A maior parcela é representada por infecções. 
CAUSAS MAIS COMUNS 
1) BACTÉRIAS: E. coli enteropatogênica; E. coli enteroinvasora; E. coli enterotoxigênica; Shigella; Salmonella, 
Vibrio cholera; Campylobacter jejuni e Yersinia enterocolitica. 
Obs.: Tem sido descritos quadros agudos de colite com fezes sanguinolentas, causados por E.coli entero-
hemorrágica (principalmente por E. coli 0157:H7). 
 
2) VÍRUS: : rotavírus, norovírus, adenovírus. 
 
3) PROTOZOÁRIOS: Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Isospora belli, Cryptosporidium. 
 
4) HELMINTOS: Strongyloides stercoralis, Schistosoma mansoni. 
 
5) CAUSAS ALIMENTARES: Sobrecarga de solutos, alergias, intolerâncias, deficiências enzimáticas, ingestão de 
toxinas pré-formadas. 
 
6) CAUSAS EMOCIONAIS 
 
FISIOPATOLOGIA DOS TIPOS DE DIARREIA 
Em crianças menores, lactentes em particular, o sintoma diarreia pode ser parte de uma resposta geral a infecções 
localizadas em qualquer parte do organismo. 
• DIARREIA INVASIVA: a invasão da mucosa intestinal pelos agentes infecciosos produz a diarreia. 
• DIARREIA SECRETÓRIA: os agentes infecciosos produzem uma toxina que leva ao aumento da secreção de água 
e de eletrólitos na luz intestinal, causando a diarreia. 
Obs.: nesse caso, as bactérias apenas aderem à mucosa intestinal e liberam uma toxina, sem produzir lesão anatômica. 
Produzida por: vibrião colérico e E. coli toxigênica. 
José Eduardo Palacio Soares – Bloco Síndromes Pediátricas I – GT2 
→De maneira geral, o ACOMETIMENTO DO INTESTINO DELGADO caracteriza-se pela presença de fezes copiosas e 
aquosas, enquanto o ACOMETIMENTO DO ÍLEO TERMINAL E DO CÓLON revela-se por fezes com muco e sangue. 
 
Na diarreia por bactérias invasoras (E.coli, Shigella, Salmonella), embora o processo inflamatório se localize 
principalmente nos cólons, admite-se que possa haver, em determinadas circunstâncias, processo secretório no 
intestino delgado. 
 
• DIARREIA OSMÓTICA: é caracterizada pela retenção de líquidos dentro do lúmen intestinal devido à presença 
de solutos osmoticamente ativos não absorvidos, que carreiam a água para dentro da alça intestinal. 
 
-Os vírus têm tropismo para células maduras das vilosidades, cujo acometimento e substituição por células 
imaturas das criptas prejudica a absorção intestinal. 
 
- As células lesadas são também responsáveis pelo fracionamento dos dissacarídeos alimentares por meio das 
dissacaridases. Com a lesão dessas células e consequente diminuição dessas enzimas ocorre a permanência 
de açúcares na luz intestinal, proporcionando a diarreia osmótica. 
 
POSSÍVEIS FATORES CAUSAIS 
MECANISMO INVASIVO: pus, muco e sangue nas fezes, muitas vezes acompanhadas de cólicas e tenesmo (espasmo 
doloroso do esfíncter anal, com desejo urgente de defecar). Se existem outros casos no domicílio, leva a pensar 
em shigelose. 
MECANISMO SECRETOR: quadro não alterado pela supressão da alimentação, com fezes líquidas abundantes, sem 
sangue ou muco. 
MECANISMO OSMÓTICO: ingestão da dieta com alto conteúdo de solutos; em caso de diarreia que melhora com pausa 
alimentar. 
INTOXICAÇÃO ALIMENTAR: aparecimento simultâneo de vários casos de diarreia após ingestão de um mesmo 
alimento. 
Obs.1: Surtos repetidos de diarreia em ambientes com baixo índice de saneamento, principalmente em crianças com 
mecanismos de defesa deprimidos, podem ser devidos à ingestão contínua de alimentos contaminados, nem sempre 
por microrganismos considerados enteropatogênicos. 
Obs.2: Febre lembra processo infeccioso, ainda que possa estar relacionada à desidratação hipertônica em lactentes. 
→A distinção clínica da etiologia de uma diarreia infecciosa é difícil. Muitas vezes, reconhece-se o mecanismo produtor 
(toxigênico ou invasivo), mas não o agente causal. 
 
MECANISMOS DE DEFESA 
Em situações normais, o organismo dispõe de mecanismos de defesa, que, na maioria das vezes, tornam os processos 
infecciosos intestinais autolimitados. 
 
 Tais mecanismos são: Saliva; suco gástrico; peristaltismo intestinal; microbiota intestinal indígena; imunidade 
local e sistêmica; sais biliares; placas de Peyer e válvula ileocecal. 
 Obs.: o sistema reticular do fígado funciona como um “filtro” pós-entérico. 
 
Em prematuros, recém-nascidos, lactentes de baixa idade e desnutridos graves, esses mecanismos não estão 
completamente desenvolvidos, o que facilita a instalação de processos infecciosos e cronificação da diarreia. 
 
→O leite humano, por suas propriedades nutritivas e imunológicas, é a melhor proteção contra infecção entérica no 
primeiro ano de vida, época de maior prevalência, morbidade e mortalidade da doença. 
 
José Eduardo Palacio Soares – Bloco Síndromes Pediátricas I – GT2 
QUADRO CLÍNICO 
SINAIS E SINTOMAS: 
 - Desidratação 
 - Dor abdominal 
 - Hiporexia 
 - Vômitos 
 - Febre 
EXAME FÍSICO: 
- Na inspeção é possível verificar um abdome distendido ou escavado 
- Na palpação, algumas vezes, dor difusa sem defesa 
- Na ausculta abdominal: pode mostrar exagero dos ruídos hidroaéreos 
- Na sucussão abdominal (método diagnóstico que consiste em sacudir o corpo para determinar a presença de 
gás e/ou líquido em uma cavidade ou órgão oco): pode-se perceber o deslocamento de massa líquida, quando há 
sequestro acentuado de líquidos devido a diminuição do peristaltismo. 
- Antropometria: perda de peso 
DIAGNÓSTICO 
O diagnóstico da diarreia aguda é sindrômico na maioria das vezes, isto é, baseado no conjunto de sinais/sintomas 
obtidos pela anamnese e exame físico. 
 
Exames laboratoriais oferecem poucos subsídios se analisados em função de sua utilidade para o tratamento individual 
imediato. 
 
O mais necessário e, na maioria das vezes, o único possível, é o EXAME DE FEZES A FRESCO: pesquisa de parasitas, 
piócitos e sangue. OBS.: A positividade no exame para parasitas indica tratamento específico. 
 
LEUCOGRAMA: pode haver leucocitose com desvio para esquerda, principalmente, nos casos de diarreia bacteriana 
invasiva. 
 
COPROCULTURA: tem valor limitado não apenas por problemas técnicos, mas porque nem sempre a bactéria isolada 
é responsável pelo processo. A semeadura deve ser feita logo após a evacuação ou mediante colheita de fezes no reto, 
pois a shigelas, por ex., sobrevivem apenas minutos no material eliminado. Esse exame é útil para inquéritos 
epidemiológicos. 
 
→ Antes de se firmar o diagnóstico exclusivo de diarreia aguda impõe-se a realização do exame físico completo, já que 
vômitos e diarreia, como sintomas, fazem parte do quadro clínico de várias doenças. 
 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: 
Há 2 situações em que o número de evacuações ou o aspecto das fezes podem levar ao diagnóstico errôneo de 
diarreia: 
 
1) Criança em uso exclusivode leite materno: pode apresentar fezes amolecidas e até mesmo líquidas e 
explosivas, às vezes com muco, várias vezes ao dia, sem repercussões hidroeletrolíticas e nutricionais. 
 
2) Diarreia de fome: frequência aumentada das evacuações, fezes de pequeno volume, amolecidas, 
esverdeadas, de aspecto mucoso, constituídas por descamação e muco. 
- Em nenhum dos dois casos existe distúrbio absortivo ou excesso de secreção intestinal, não se constituindo, 
portanto, em diarreia verdadeira. 
José Eduardo Palacio Soares – Bloco Síndromes Pediátricas I – GT2 
REPERCUSSÃO DA DIARREIA AGUDA INFECCIOSA SOBRE O ESTADO NUTRICIONAL 
Os mecanismos capazes de influir negativamente sobre o estado nutricional são: 
 - Ingestão diminuída de alimentos, capacidade digestiva e absortiva reduzidas, processos catabólicos ligados 
à infecção e perdas de proteínas pelo tubo intestinal. 
A ingestão diminuída de alimentos pode ser devida a: 
• Anorexia, consequente à doença diarreica; 
• Retirada de alimentos ou dietas deficientes como medida terapêutica (fator iatrogênico) ou como hábito 
cultural. 
• Uso de medicamentos: seja pelo efeito sedativo, seja pela ação direta sobre o tubo gastrointestinal. 
Quando não há oferta alimentar, o organismo, para obter a energia necessária para suas atividades metabólicas, utiliza 
gorduras e proteínas corporais, produzindo um balanço nutricional negativo. 
ABORDAGEM TERAPÊUTICA 
→O risco imediato da diarreia aguda é a desidratação e sua correção ou prevenção devem ser medidas terapêuticas 
iniciais. 
→A abordagem terapêutica visa, também, diminuir os efeitos negativos sobre o estado nutricional, com o objetivo de 
evitar o início de um processo de desnutrição ou o seu agravamento (quando este já existir). 
 
 SRO = solução de reidratação oral 
→Deve-se evitar que a diarreia evolua para quadros prolongados, especialmente os relacionados às intolerâncias 
alimentares. 
Obs.: Mais raramente (e isso pode acontecer, principalmente em crianças de baixa idade ou imunodeprimidas), o 
processo diarreico pode prolongar-se pela manutenção da infecção ou por alterações secundárias produzidas por 
esses agentes, principalmente na mucosa intestinal. 
→Algumas medidas podem ser benéficas para a alimentação da criança: ofertar menores volumes e refeições mais 
frequentes, uma vez que, até certo ponto, pode diminuir os efeitos da má-absorção que ocorre no intestino delgado. 
→Deve-se reidratar rapidamente, pois enquanto a criança está desidratada, a aceitação alimentar é ruim. 
→ O leite materno é de extrema importância, pois é um alimento isento de patógenos, apresenta baixa osmolaridade, 
além disso, por conter fatores enzimáticos e imunológicos, ele propicia a recuperação da mucosa intestinal, tanto do 
ponto de vista estrutural quando funcional. 
José Eduardo Palacio Soares – Bloco Síndromes Pediátricas I – GT2 
CONCLUSÃO PRÁTICA: o tratamento dietético deve ser individualizado, pois a prescrição deve variar em função das 
condições de cada um (se está desnutrido ou eutrófico; se é de baixa idade ou uma criança maior) e da intensidade da 
desidratação. 
Por exemplo: Não se deve iniciar a alimentação em crianças que não está em condições de recebê-las (que está 
apresentando vômitos; distensão abdominal ou acidoses importantes). Mas também não se deve retardar a 
alimentação em crianças que estão necessitando disso (desnutridas por ex.). 
→Não deve-se dar alta à criança sem confirmar a correção da dieta, esclarecendo à família sobre os riscos das 
supressões alimentares. 
MEDICAÇÃO SINTOMÁTICA E ANTIMICROBIANA 
→ANTIEMÉTICOS: são, em geral, DESNECESSÁRIOS, pois, a fase de náuseas e vômitos é passageira e regride com a 
reidratação. 
Obs.: por possuírem efeito sedativo, podem prejudicar a execução da reidratação oral. Quando forem usados, a dose 
deve ser única, por via parenteral, de preferência. 
→ANTITÉRMICOS: a febre baixa também pode desaparecer a proporção que a criança se hidrata. Caso necessário 
tratamento, deve-se evitar medicamentos com efeito sedativo. 
→ADSORVENTES INTESTINAIS: NÃO são indicados, pois alguns deles podem dar a falsa impressão de fezes mais 
consistentes, sem que, contudo, haja diminuição na perda de líquidos e de eletrólitos. 
→ANTIESPASMÓDICOS E INIBIDORES DO PERISTALTISMO: não tem indicação, pois inibem o peristaltismo intestinal, 
que é um dos principais mecanismos de defesa. 
→PROBIÓTICOS: (Lactobacillus bifidobacterium e Saccharomyces boulardii) têm demonstrado melhora nos casos de 
diarreia aguda na criança, diarreia do viajante e diarreia induzida por antibióticos. 
Obs.: Parecem reduzir a gravidade e a duração das diarreias viróticas, se utilizados nas primeiras 72 horas do quadro 
diarreico na dose de pelo menos 108 UFC (unidades formadoras de colônia) do probiótico, 2 vezes ao dia durante 3 
dias. Ainda não se justifica a utilização rotineira na diarreia aguda. 
→ANTIBIÓTICOS E QUIMIOTERÁPICOS: não devem ser usados rotineiramente. 
→ ÁCIDO NALIDÍXICO: indicado para quadros disentéricos (cujo agente é a Shigella), quando acometem recém-
nascidos ou lactentes, desnutridos graves ou que cursam com comprometimento do estado geral. 
→ ZINCO: importante para a imunidade intestinal e maturação celular, é benéfico principalmente para crianças 
desnutridas, reduzindo a duração e a gravidade da doença 
→DEVEM SER HOSPITALIZADAS: crianças gravemente desidratadas; com desidratação que se agrava rapidamente, 
mesmo tendo feito reidratação oral; que apresentem vômitos incoercíveis; e portadoras de quadros toxêmicos graves, 
com suspeita de infecção extraintestinal. 
 
PREVENÇÃO 
→VACINA CONTRA O ROTAVÍRUS 
→ ALEITAMENTO MATERNO: melhor medida contra a infecção intestinal no primeiro ano de vida. 
→USO DE ÁGUA CORRENTE PARA LIMPEZA, INGESTÃO DE ÁGUA FILTRADA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO 
HIGIÊNICO DOS ALIMENTOS, DESTINO APROPRIADO PARA FEZES, CUIDADO COM FRALDAS SUJAS E COMBATE ÀS 
MOSCAS E BARATAS 
→LAVAR AS MÃOS

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