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síndrome diarreica

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Patrícia Miranda- MEDICINA 
 
 
Pode-se inferir que o adequado 
funcionamento do intestino dependerá do 
equilíbrio da função dos diferentes tipos de 
células epiteliais de sua mucosa, da 
microbiota presente em sua luz, da 
integridade da mucosa, do conteúdo 
intraluminal, das células 
imunocompetentes e da sua 
neuromusculatura. 
 
• Absorção de líquidos: 
O aporte de líquidos para o intestino 
intestino corresponde a aproximadamente 
10 L/dia, provenientes de fontes variadas, 
como: ingesta, saliva, suco gástrico, 
secreções biliopancreáticas e o próprio suco 
entérico. A maior parte é absorvida no 
jejuno, junto com os nutrientes, de forma 
que apenas cerca de 1 a 1,5 L de líquidos 
chega ao cólon. Destes, 10%, ou 100 a 150 
mL, serão eliminados com as fezes. 
Uma redução de apenas 1% na capacidade 
de absorção será suficiente para causar 
diarreia. 
 
• Osmolaridade da luz intestinal 
A direção do fluxo passivo de um líquido 
entre compartimentos contíguos que se 
comunicam é determinada pela 
osmolaridade dos conteúdos desses 
compartimentos, e acontece sempre 
daquele de menor osmolaridade para o de 
maior osmolaridade, de forma a manter o 
equilíbrio entre os dois ambientes. 
Caso se saia das experiências da física, em 
que são utilizados ambientes inertes, para a 
fisiologia dos seres vivos, essa dinâmica 
pode sofrer interferências de fatores 
fisiológicos que complementam a 
transferência passiva, transferindo líquidos 
 
 
 
 
ou sólidos de forma ativa, mantendo, no 
entanto, a finalidade de equilíbrio entre os 
meios. Esse mecanismo fica evidente nos 
casos de diarreia provocados pela ingestão 
de açúcares não absorvíveis, como manitol, 
lactulose etc. 
 
• Mucosa intestinal 
Desde o esfíncter inferior do esôfago até o 
ânus, o trato gastrointestinal é revestido 
por uma única camada contínua de células 
que servem como limite entre os meios 
externo e interno do corpo humano. Sua 
função de barreira é imprescindível para a 
manutenção da saúde, uma vez que está em 
contato permanente com microrganismos 
próprios da microbiota intestinal e com 
inúmeros agentes ambientais ingeridos. Sua 
integridade funcional é fundamental para 
evitar que esses agentes atravessem a 
barreira epitelial, evitando o início ou a 
perpetuação de processos inflamatórios 
mucosos. Características físicas, como a 
exiguidade do espaço intercelular, e 
funcionais, como a secreção de 
imunoglobulinas, muco, defensinas, e 
outros produtos antimicrobianos, mantêm 
o equilíbrio dessa relação. A diarreia poderá 
decorrer da alteração dessa estrutura por 
processos inflamatórios agudos e crônicos. 
 
• Sistema nervoso entérico 
Esta quase autônoma porção do sistema 
nervoso é composta pelo plexo mientérico 
e pelas camadas neuronais da mucosa e 
submucosa. Sua função é mediada por 
neurotransmissores como peptídio 
intestinal vasoativo (VIP), somatostatina, 
norepinefrina, neuropeptídio Y, serotonina, 
acetilcolina e outros, regulando a função do 
músculo liso, o transporte de íons através 
da mucosa e os processos absortivo e 
Síndrome diarreica 
 
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secretor, além de funções endócrinas, da 
modulação do sistema imune e do controle 
do fluxo sanguíneo local. Portanto, 
alterações na sua estrutura anatômica, 
assim como deficiência ou hipersecreção de 
substâncias exócrinas ou endócrinas, 
inibidoras ou estimuladoras de suas 
funções, poderão provocar sintomas 
diarreicos. 
 
• Flora intestinal 
O intestino humano é o habitat de uma 
variada flora bacteriana, composta por mais 
de 500 espécies. O número de células 
bacterianas na luz intestinal corresponde a 
aproximadamente 10 vezes o total de 
células eucariontes presentes no corpo 
humano. 
Habitualmente, há uma relação de 
simbiose, importante tanto para a saúde da 
mucosa como para a modulação do sistema 
imune. A troca de material genético entre 
microrganismos, assim como alterações na 
camada protetora de muco que reveste a 
mucosa intestinal, podem transformar 
bactérias comensais em patógenos, 
desencadeando quadros de enterites de 
intensidade variável. O uso de antibióticos 
pode afetar bactérias comensais e poupar 
possíveis bactérias patogênicas resistentes, 
também causando grandes transtornos. É 
possível, ainda, que modificações nos 
mecanismos de defesa do trato alimentar 
proximal ao intestino possam propiciar sua 
colonização por bactérias patogênicas, 
alterando a flora intestinal de forma 
desfavorável ao organismo humano. 
Exemplo disso é a elevação do pH gástrico, 
tanto por atrofia da mucosa gástrica como 
pelo uso de medicamentos que bloqueiam 
a secreção ácida, notadamente os 
inibidores da bomba de prótons. 
Essa modificação no microambiente 
gástrico, considerado fator importante na 
eliminação de grande parte dos inúmeros 
microrganismos que ingerimos, favorecerá 
a colonização da cavidade gástrica e o 
supercrescimento bacteriano no intestino, 
desde o duodeno. 
• Motilidade intestinal 
Apesar da crença disseminada de que os 
episódios de diarreia são consequência da 
aceleração do trânsito intestinal, isso não é 
comprovado cientificamente na maioria dos 
quadros diarreicos. Apenas em algumas 
situações específicas, como na diarreia 
funcional, nas diarreias causadas por 
doenças endócrinas (hipertiroidismo, 
síndrome carcinoide, vipoma) e na 
síndrome do intestino irritável com diarreia, 
a aceleração do peristaltismo intestinal tem 
papel proeminente na fisiopatologia dos 
quadros diarreicos. 
 
Definição e classificação das 
diarreias 
A diarreia é um sintoma/sinal caracterizado 
por dois componentes principais: aumento 
do número de evacuações (mais de três 
vezes ao dia) e diminuição da consistência. 
Um terceiro componente, o peso (mais de 
200g/dia), pode ser considerado, porém, é 
difícil avaliação na clínica diária. 
ESCALA FECAL DE BRISTOL STOOL CHART 
As diarreias podem ser classificadas, 
basicamente, de duas maneiras: quanto ao 
tempo de evolução, em agudas e crônicas, e 
quanto à etiologia, em infecciosas e não 
infecciosas. A classificação quanto ao tempo 
é definida pela duração do sintoma, sendo 
consideradas diarreias agudas aquelas com 
duração de até 15 dias, e diarreias crônicas 
quando os sintomas duram mais de 30 dias. 
O intervalo entre 15 e 30 dias é 
 
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considerado, por alguns, diarreia 
persistente, enquanto outros preferem 
classificar a diarreia que dura mais de 15 
dias como crônica. 
 
Uma vez que o tempo é fator determinante 
das diarreias agudas e crônicas, toda 
diarreia crônica começa como um quadro 
de diarreia aguda, insidiosa ou exuberante, 
e, dependendo da regressão espontânea ou 
da resposta a medidas terapêuticas 
utilizadas, poderá se prolongar até 
caracterizar uma diarreia crônica. O 
agente/fator etiológico será indicativo da 
maior ou menor probabilidade de evolução 
crônica. 
 
Outra forma de classificação das diarreias, 
baseada no mecanismo fisiopatológico mais 
importante, separa-as em quatro tipos: 
osmóticas, secretoras, exsudativas e 
motoras. 
 
Etiologia 
A etiologia das diarreias infecciosas e não 
infecciosas é extremamente variável, tendo, 
cada uma, características fisiopatogênicas e 
clínicas específicas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
• Diarreias infecciosas 
(Agudas) 
 
Vírus: inúmeros agentes virais podem 
desencadear quadros diarreicos. Há, no 
entanto, um grupo que tem predileção pelo 
tubo digestivo. São transmitidos por água 
contaminada ou de pessoa para outra, 
estando associadas a surtos epidêmicos. 
Os mais prevalentes são: rotavírus, 
norovírus e citomegalovírus. 
As diarreias virais manifestam-se em um 
contexto de gastroenterite aguda, com 
fezes aquosas, tendo como característica 
importante a presença de vômitos, com 
duração habitualmente curta (máximo de 
72 horas). A 
infecção pelo citomegalovírus pode se 
apresentar, 
no entanto, como forma 
persistente 
(entre 15 e 30 dias) e 
disentérica. 
 
Bactérias: são a segunda causa mais 
frequentedas diarreias agudas, após os 
vírus. As características individuais das mais 
prevalentes são: 
 
- Campylobacter: bactéria Gram-negativa, 
em espiral, que pode se apresentar sob a 
forma cocoide quando em ambiente hostil. 
A espécie mais frequentemente associada a 
gastroenterites é o Campylobacter jejuni, 
seguida pelo Campylobacter coli. Os fatores 
de risco mais importantes são a ingestão de 
água e alimentos (aves domésticas) 
contaminados. 
 
 
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Manifesta-se por febre, dores abdominais 
em cólica e diarreia, com duração habitual 
do quadro diarreico de 2 a 3 dias. A dor 
abdominal pode se prolongar por mais 
alguns dias. O aspecto das fezes varia de 
aquoso a sanguinolento, dependendo da 
intensidade da infecção e do tempo de 
enfermidade. Uma característica 
importante é a possibilidade de 
desencadear a síndrome de Guillain- Barré, 
o que acontece em 1 de cada 1.000 
indivíduos infectados. 
 
https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-
z/guillain-barre. 
- Clostridium difficile: bactéria 
Grampositiva, responsável por 15 a 20% dos 
casos de diarreia secundária ao uso de 
antibióticos e de praticamente todos os 
casos de colite pseudomembranosa. 
Inicialmente considerado microrganismo 
habitualmente presente no intestino de 
indivíduos saudáveis. 
Produz toxinas (A e B) que provocam 
aumento da permeabilidade intestinal e 
destruição das células epiteliais colônicas. 
Manifesta-se sob a forma de diarreia 
aquosa em indivíduos com história de uso 
recente de antibióticos (3 ou mais dias). 
Pode ser grave o suficiente para por em 
risco a vida do paciente. 
 
- Clostridium perfringens: bactéria 
Grampositiva, anaeróbica, geralmente em 
forma de esporos. É abundante no meio 
ambiente, ocorrendo com frequência no 
intestino humano. 
Transmitida, geralmente, por alimentos 
contaminados, como carnes e maioneses. 
Bloqueia a absorção de água através de 
enterotoxinas, provocando diarreia aquosa. 
 
-Escherichia coli: bastonete Gram-negativo, 
não formador de esporos, flagelado. 
É transmitida por alimentos e água 
contaminados com fezes humanas ou de 
animais, raramente podendo ocorrer 
transmissão pessoa a pessoa. Atuam por 
meio da produção de enterotoxinas, que 
estimulam a secreção de cloro e reduzem a 
absorção de sódio, e de citotoxinas, que 
agridem o epitélio intestinal, alterando sua 
estrutura. 
As características da diarreia dependem do 
sorotipo. 
- Salmonella: bastonete Gram-negativo, 
transmitido por ovos, aves domésticas, leite 
e outros alimentos contaminados. A S. 
typhimurium está intimamente relacionada 
com gastroenterites, enquanto a S. typhi 
está mais relacionada a efeitos sistêmicos 
tóxicos (febre tifoide). Produz enterotoxinas 
que estimulam secreção de cloro, e 
invadem a mucosa, ativando eventos 
inflamatórios. 
 
Manifesta-se inicialmente por diarreia 
aquosa, seguida de diarreia sanguinolenta. 
 
- Shigella: bastonete Gram-negativo, 
transmitido por via fecal-oral e por meio de 
alimentos e água contaminados. Produz 
enterotoxina potente, além de penetrar nas 
células colônicas, provocando degeneração 
do epitélio e inflamação da lâmina própria, 
o que resulta em descamação e ulceração. 
 
Os sintomas surgem após um período de 
incubação de um a dois dias. A fase inicial, 
de enterite, manifesta-se por diarreia 
aquosa, seguida por colite, com diarreia 
mucossanguinolenta. 
 
Fungos: 
- Candida albicans: fungo comensal, 
presente habitualmente no trato 
gastrointestinal. 
Torna-se patogênico em situações 
específicas que envolvem imunodepressão, 
uso de corticosteroides e uso de 
antibióticos. 
Possivelmente causa diarreia por inibição 
da lactase. Produz enzima proteolítica que 
degrada a mucina. 
 A diarreia secundária a essa infecção é 
aquosa e, às vezes, explosiva. 
 
https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/guillain-barre
https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/guillain-barre
 
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Protozoários 
- Cryptosporidium: transmitido por meio da 
ingestão de oocistos presentes em água e 
alimentos contaminados, podendo ser 
transmitido também de uma pessoa para 
outra e de um animal para uma pessoa. Tem 
ação predominantemente secretora, mas 
pode se associar a atrofia vilositária e 
infiltrado inflamatório da lâmina própria. 
Desencadeia diarreia aquosa, que pode ser 
prolongada. 
 
- Giardia lamblia: protozoário flagelado, 
binucleado, é um dos parasitas intestinais 
mais comuns em todo o mundo. Sua 
transmissão ocorre a partir da ingestão de 
cistos em água contaminada, podendo ser 
transmitido de uma pessoa para outra em 
lugares com más condições de higiene. A 
patogênese ainda não é completamente 
entendida, mas sabe-se que pode provocar 
destruição da borda em escova das células 
epiteliais, assim como induzir resposta 
imune do hospedeiro. 
Infestações maciças podem resultar em má 
absorção, tanto pelas lesões da mucosa 
como, em algumas situações, pelo 
impedimento mecânico da absorção de 
nutrientes provocada pelo revestimento da 
mucosa em decorrência da enorme 
quantidade do protozoário. A apresentação 
clínica varia de ausência de sintomas a 
diarreia aquosa. Pode se tornar crônica, 
causando má absorção e perda de peso. 
 
- Entamoeba histolytica: espécie patogênica 
do gênero Entamoeba, é transmitida por 
meio da ingestão de cistos maduros a partir 
de água, alimentos ou mãos contaminadas. 
Produz enzimas proteolíticas que provocam 
ulcerações, hemorragia e, até mesmo, 
perfuração. 
A infestação por esse protozoário pode não 
ter qualquer manifestação clínica aparente, 
mas pode se manifestar como quadro de 
amebíase invasiva intestinal, com colite 
disentérica, apendicite, megacólon tóxico e 
ameboma, e extraintestinal (peritonite, 
abscesso hepático e outras). 
 
Nematoide 
- Strongyloides stercoralis: a infestação por 
esse helminto acontece por meio da 
penetração de larvas filariformes através da 
pele. Em situações especiais, como 
constipação intestinal, alterações da 
motilidade intestinal e moléstia diverticular 
dos cólons, a permanência da larva 
rabditiforme por tempo prolongado no 
intestino pode favorecer sua evolução para 
larvas filariformes, iniciando um ciclo de 
infestação interna, a autoinfecção. Essa 
condição pode estar exacerbada em 
indivíduos imunocomprometidos, o que 
pode ocasionar hiperinfecção, quadro 
clínico grave, frequentemente fatal. 
 
• Diagnostico da diarreia 
aguda 
 
O pleomorfismo etiológico, fisiológico e 
clínico da diarreia exige do médico que 
atende aos pacientes portadores dessa 
manifestação clínica um conhecimento 
profundo da epidemiologia e da 
fisiopatologia de seus agentes 
desencadeantes, de forma a poder fazer um 
diagnóstico clinico com maiores chances de 
acerto. 
Antes disso, é necessário classificar a 
diarreia em aguda e crônica, o que definirá 
a abordagem inicial 
 
A grande maioria das diarreias agudas é 
autolimitada, com tendência à regressão 
espontânea, exigindo apenas tratamento 
sintomático. A tentativa de definição 
etiológica deve ser limitada à interpretação 
dos dados epidemiológicos e clínicos, que 
permitirão hipóteses diagnósticas acuradas 
o bastante para servirem de guia às 
medidas terapêuticas. 
 
Como em todo exercício diagnóstico em 
medicina, os primeiros passos serão uma 
boa história clínica e o exame físico. Na 
 
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avaliação de um paciente com diarreia 
algumas questões são importantes na 
coleta dos dados da história: 
 
Tempo de evolução 
Como enfatizado anteriormente, uma 
evolução maior que 15 ou 30 dias, 
caracterizando quadros persistentes ou 
crônicos, mudará a abordagem diagnóstica, 
uma vez que esses casos necessitam de uma 
investigação complementar mais ampla, 
diferentemente dos quadros de diarreia 
aguda. 
 
- Diarreias tóxicas: surgem entre 4 e 24 
horas após a ingestão do alimento 
contaminado por toxinas de bactérias como 
Staphylococcus aureus, Clostridium 
perfringens e Bacillus cereus, e tendem a 
regredir logo após a eliminaçãoda toxina, 
entre 1 e 2 dias após seu início. 
 
- Diarreia infecciosas: ocorrem 48 horas ou 
mais após a contaminação. São mais 
frequentemente secundárias a infecções 
virais, porém, podem ser causadas por 
bactérias ou protozoários. A duração das 
diarreias virais não costuma ser maior que 3 
a 4 dias, ao passo que as bacterianas podem 
evoluir por até 7 dias. Quadros diarreicos 
que duram mais de 1 semana devem 
levantar a suspeita de infecção por 
protozoários. 
 
- Diarreias funcionais: ao contrário das 
diarreias orgânicas, as funcionais 
apresentam características como duração 
maior que três meses (Roma III), ausência 
de sintomas ou sinais de alarme como perda 
de peso significativa, são intermitentes e 
não costumam acontecer durante a noite. 
 
Características físicas das evacuações 
Consistência, presença de sangue ou muco, 
volume, número, presença de gordura- 
diarreias secundárias a doenças do delgado 
costumam sem aquosas e volumosas, 
apresentando risco maior de desidratação. 
Ao contrário, nas diarreias secundárias a 
colites as fezes são de pequeno volume e 
podem apresentar muco ou sangue, o que 
será sugestivo de infecção por 
microrganismo com potencial invasivo 
(Campylobacter, E. coli, Shigella e V. 
parahemolyticus). 
Presença de gordura nas fezes sugere 
doença disabsortiva. 
 
Presença de outros sintomas: 
Febre, náusea, vômitos, dor abdominal – a 
febre é sugestiva de doença infecciosa, mais 
frequentemente viral. Já a presença de 
vômitos deve servir de alerta para a maior 
probabilidade de desidratação, uma vez que 
aumenta a perda de líquidos, ao mesmo 
tempo que prejudica a reposição oral. Além 
disso, vômitos sem diarreia ou com diarreia 
mínima são sugestivos de etiologia viral. A 
presença de dor abdominal torna pouco 
provável o diagnóstico de diarreia 
funcional. 
 
Dados epidemiológicos 
Contatos, viagens, uso de medicamentos, 
refeições em ambientes que não o 
domicílio, ingestão de alimentos crus, 
principalmente frutos do mar (ostras). 
- História de contato com indivíduo 
portador de sintomas semelhantes há mais 
de 48 horas sugere doença infecciosa. 
Relatos de epidemias na região de domicílio 
do paciente podem direcionar o 
diagnóstico. 
 
- Diarreia do viajante: A intensa mobilização 
propiciada pelos meios de transporte tem 
submetido cerca de 50 milhões de 
indivíduos de países desenvolvidos aos 
riscos inerentes à falta de saneamento 
básico dos países em desenvolvimento. O 
consumo de água e alimentos 
contaminados com bactérias, vírus e 
parasitas geram mudanças de planos de 
viagem. 
Consumo aumentado de bebidas alcoólicas 
durante o passeio pode adicionar mais 
fatores de risco, principalmente nos 
indivíduos do sexo masculino, uma vez que 
 
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pode causar “desinibição” dos hábitos 
alimentares ou a alteração da mucosa 
intestinal. 
 
Os agentes etiológicos mais frequentes da 
diarreia do viajante, como grupo, são as E. 
coli diarreiogênicas. 
 
Viagens a países tropicais tornam os 
indivíduos mais suscetíveis de adquirir 
patologias específicas dessas regiões, como 
esquistossomose, amebíase, giardíase e 
outras helmintíases intestinais. 
A diarreia do viajante não exige, no entanto, 
o contato com agentes infecciosos ou 
toxinas para ser desencadeada. A ingestão 
de alimentos exóticos, totalmente fora dos 
padrões de alimentação do indivíduo, pode 
ter como consequência um quadro 
diarreico que tem como característica a 
curta duração (24 a 48 horas), com 
resolução espontânea. 
 
- O hábito dos indivíduos de ambientes 
urbanos de frequentar restaurantes é fator 
importante no aumento dos casos de 
diarreia, seja pela “libação” alimentar no 
restaurante, seja pela má conservação, pelo 
aproveitamento de restos de alimentos, 
pelas más condições de higiene do 
ambiente ou, ainda, pelo excesso de 
temperos. 
- Inúmeros medicamentos são associados a 
quadros diarreicos, com fisiopatologia que 
varia desde inibição da absorção de 
gorduras até o desencadeamento de colites 
microscópica e pseudomembranosa. 
 
Antecedentes patológicos pessoais: 
Alergias (gastroenterites eosinofílicas), 
diabete melito (neuropatia diabética), 
doenças pancreáticas (má absorção), 
intolerância à lactose (diarreia osmótica), 
hipertiroidismo (hiperperistaltismo), 
infecção pelo HIV (imunodepressão), 
cirurgias digestivas mutilantes, como 
colectomias, gastrectomias e ressecções do 
intestino delgado (diminuição da superfície 
absortiva). 
 
Antecedentes patológicos familiares: 
história de doenças neoplásicas, doença 
intestinal inflamatória ou doença celíaca na 
família devem servir de alerta para a 
possibilidade desses diagnósticos, 
dependendo dos demais dados clínicos 
apresentados. 
 
A análise dessas características permitirá 
uma hipótese diagnóstica com grau de 
acurácia adequado. 
Estes dados servirão, inicialmente, apenas 
para prover o paciente de algumas 
informações sobre a possível etiologia de 
seu quadro clínico, uma vez que, salvo em 
raras exceções, a diarreia aguda exige 
apenas tratamento de suporte, enquanto se 
aguarda sua resolução espontânea. Como 
exemplo, podem-se utilizar os dados 
epidemiológicos e clínicos para sugerir que 
a etiologia de um quadro de diarreia é 
secundário à infecção viral. Assim, se os 
sintomas são de uma gastroenterite aguda, 
em que as manifestações digestivas altas, 
como náuseas e vômitos, estão presentes e 
são proeminentes, quando há um período 
de incubação de mais de 14 horas, quando 
o quadro clínico dura apenas até 72 horas, 
quando não há sinais sugestivos de infecção 
bacteriana, como fezes sanguinolentas, dor 
abdominal severa, e quando estão ausentes 
evidências epidemiológicas como viagens e 
uso de antibióticos, pode-se sugerir 
infecção viral como agente etiológico. 
 
É evidente que essa forma de apresentação 
não é exclusiva das infecções virais, porém, 
está associada a vírus em 75% dos casos. 
 
O exame físico do paciente com diarreia é 
útil, principalmente para avaliar a 
severidade dos sintomas. 
 
A avaliação do nível de desidratação através 
do turgor da pele, da frequência cardíaca e 
da mensuração da pressão arterial em 
decúbito e sentado é o mais importante 
dado a ser colhido, uma vez que ditará a 
necessidade, ou não, da hidratação venosa. 
O exame do abdome avaliará distensão e 
 
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sensibilidade abdominais. Vale lembrar, 
ainda, que patologias inflamatórias do tubo 
digestivo apresentam manifestações 
extraintestinais que poderão ser 
identificadas durante o exame físico. Fazem 
parte dessas manifestações as lesões 
oculares como irites, iridociclites e 
ceratoconjuntivites, eritema nodoso, 
pioderma gangrenoso, artrites e ulcerações 
aftoides, associadas à síndrome de Behçet e 
às doenças intestinais inflamatórias 
(retocolite ulcerativa inespecífica e doença 
de Crohn). Achados inflamatórios 
articulares são também associados a 
infecções por Y. enterocolitica e C. jejuni, 
como parte da síndrome de Reiter. 
 
O paciente com diarreia aguda deve, 
portanto, ser abordado inicialmente com 
tratamento sintomático e seguimento 
cuidadoso da evolução dos sintomas. 
 
Poderão ser solicitados alguns exames 
complementares no caso de manifestações 
mais severas, do agravamento progressivo, 
apesar das medidas adotadas, ou naqueles 
com mais de 48 horas de duração dos 
sintomas, sem sinais de arrefecimento, para 
avaliar o quadro hematológico: 
hemograma, níveis do sódio e potássio 
séricos, ureia e creatinina. Podem-se 
considerar exceção os casos de diarreia 
sanguinolenta, que poderão merecer 
investigação etiológica precoce. 
 
Ademais, quando necessários solicitar 
exames direcionados para hipóteses 
levantadas 
• Diarreias não infecciosas 
(Diarreias crônicas) 
As diarreias não infecciosas são também 
secundárias a um sem número de etiologias 
diferentes. 
A lista das diarreias não infecciosas de 
origem intestinal é encabeçada por dois 
distúrbios classificados como funcionais.A persistência de quadro de diarreia por 
mais de 4 semanas, ou por mais de 2 
semanas para alguns, caracteriza a diarreia 
crônica. Ao contrário da diarreia aguda, a 
permanência dos sintomas por tanto tempo 
poderá exigir investigação cuidadosa de 
forma identificar o agente etiológico, 
permitindo, assim, abordagem terapêutica 
específica. 
 
A coleta dos dados da história e o exame 
físico, como descritos para a diarreia aguda, 
são essenciais. 
 
Poderão ser suficientes para orientar 
abordagem terapêutica empírica, sem a 
necessidade de qualquer exame 
complementar. O aspecto das fezes, por 
exemplo, poderá servir como guia na 
formulação das hipóteses diagnósticas: 
- Diarreia crônica sanguinolenta: apesar de 
poder ser secundária a infecções 
bacterianas por Shigella, Salmonella, C. 
difficile, E. coli e outras, essa forma de 
apresentação está, mais provavelmente, 
 
Patrícia Miranda- MEDICINA 
relacionada à doença intestinal 
inflamatória. 
 
- Diarreia crônica não sanguinolenta: 
pequena probabilidade de infecção 
bacteriana mais comum. A investigação 
deve ser direcionada para G.lamblia e 
C.difficile. 
Os exames complementares utilizados na 
investigação da diarreia podem ser 
separados em dois grupos, os inespecíficos 
e os específicos. Os primeiros têm como 
finalidade avaliar as alterações gerais 
decorrentes da diarreia, sugerir a 
possibilidade de doença infecciosa ou 
direcionar o diagnóstico para doença 
orgânica ou funcional: 
 
 Hemograma: poderá sugerir infecção 
bacteriana, quando há desvios à esquerda. 
Infecções crônicas podem cursar, no 
entanto, apenas com neutrofilia, sem o 
desvio à esquerda. Algumas infecções 
podem se apresentar com neutropenia, 
como a Salmonelose (febre tifoide), assim 
como as infecções por E. coli, Yersinia e 
Campylobacter. A eosinofilia pode estar 
associada a enterites eosinofílicas e a 
parasitoses como a estrongiloidíase. 
 
Anemia poderá sugerir processo crônico ou 
sangramento oculto. Trombocitose em 
portadores de doença intestinal 
inflamatória (doença de Crohn e RCUI) serve 
de alerta para doença ativa e risco de 
complicações tromboembólicas. 
 
 Ureia e creatinina: a avaliação da função 
renal no paciente com quadros de diarreia 
intensos é imprescindível, uma vez que a 
desidratação poderá causar insuficiência 
renal de intensidade variável e, se não 
tratada a tempo, irreversível. 
 
 Sódio e potássio séricos: a secreção ativa 
ou passiva de líquidos para a luz intestinal 
determinada pela diarreia provoca 
desequilíbrios hidroeletrolíticos que exigem 
correção por via oral ou infusão venosa. 
 
 Albumina sérica: diarreia crônica associada 
à má absorção pode provocar a queda dos 
níveis séricos dessa proteína calprotectina 
fecal – a calprotectina corresponde a 60% 
do conteúdo protéico citoplasmático dos 
polimorfonucleares neutrófilos. Seus níveis 
plasmáticos aumentam 5 a 40 vezes na 
presença de processos infecciosos ou 
inflamatórios, com níveis ainda mais 
elevados nas fezes. (6 vezes os níveis 
plasmáticos). Seus níveis fecais são 
determinados pela ELISA, com valor 
superior da normalidade de 50 mcg/g. É 
importante na distinção entre processos 
funcionais e processos inflamatórios, 
sugerindo a presença destes últimos 
quando acima de 100 mcg/g. Valores 
elevados indicam fortemente a presença de 
doença orgânica, porém, valores dentro da 
normalidade não determinam a presença 
de doença funcional, uma vez que doenças 
orgânicas nas quais não há ativação dos 
polimorfonucleares neutrófilos, como a 
doença celíaca e o carcinoma do cólon, 
podem ter resultados negativos. 
Os exames específicos são direcionados 
pelas hipóteses diagnósticas aventadas 
durante a coleta dos dados da história e do 
exame físico. 
 
 
 
 
 
Patrícia Miranda- MEDICINA

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