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Patrícia Miranda- MEDICINA Pode-se inferir que o adequado funcionamento do intestino dependerá do equilíbrio da função dos diferentes tipos de células epiteliais de sua mucosa, da microbiota presente em sua luz, da integridade da mucosa, do conteúdo intraluminal, das células imunocompetentes e da sua neuromusculatura. • Absorção de líquidos: O aporte de líquidos para o intestino intestino corresponde a aproximadamente 10 L/dia, provenientes de fontes variadas, como: ingesta, saliva, suco gástrico, secreções biliopancreáticas e o próprio suco entérico. A maior parte é absorvida no jejuno, junto com os nutrientes, de forma que apenas cerca de 1 a 1,5 L de líquidos chega ao cólon. Destes, 10%, ou 100 a 150 mL, serão eliminados com as fezes. Uma redução de apenas 1% na capacidade de absorção será suficiente para causar diarreia. • Osmolaridade da luz intestinal A direção do fluxo passivo de um líquido entre compartimentos contíguos que se comunicam é determinada pela osmolaridade dos conteúdos desses compartimentos, e acontece sempre daquele de menor osmolaridade para o de maior osmolaridade, de forma a manter o equilíbrio entre os dois ambientes. Caso se saia das experiências da física, em que são utilizados ambientes inertes, para a fisiologia dos seres vivos, essa dinâmica pode sofrer interferências de fatores fisiológicos que complementam a transferência passiva, transferindo líquidos ou sólidos de forma ativa, mantendo, no entanto, a finalidade de equilíbrio entre os meios. Esse mecanismo fica evidente nos casos de diarreia provocados pela ingestão de açúcares não absorvíveis, como manitol, lactulose etc. • Mucosa intestinal Desde o esfíncter inferior do esôfago até o ânus, o trato gastrointestinal é revestido por uma única camada contínua de células que servem como limite entre os meios externo e interno do corpo humano. Sua função de barreira é imprescindível para a manutenção da saúde, uma vez que está em contato permanente com microrganismos próprios da microbiota intestinal e com inúmeros agentes ambientais ingeridos. Sua integridade funcional é fundamental para evitar que esses agentes atravessem a barreira epitelial, evitando o início ou a perpetuação de processos inflamatórios mucosos. Características físicas, como a exiguidade do espaço intercelular, e funcionais, como a secreção de imunoglobulinas, muco, defensinas, e outros produtos antimicrobianos, mantêm o equilíbrio dessa relação. A diarreia poderá decorrer da alteração dessa estrutura por processos inflamatórios agudos e crônicos. • Sistema nervoso entérico Esta quase autônoma porção do sistema nervoso é composta pelo plexo mientérico e pelas camadas neuronais da mucosa e submucosa. Sua função é mediada por neurotransmissores como peptídio intestinal vasoativo (VIP), somatostatina, norepinefrina, neuropeptídio Y, serotonina, acetilcolina e outros, regulando a função do músculo liso, o transporte de íons através da mucosa e os processos absortivo e Síndrome diarreica Patrícia Miranda- MEDICINA secretor, além de funções endócrinas, da modulação do sistema imune e do controle do fluxo sanguíneo local. Portanto, alterações na sua estrutura anatômica, assim como deficiência ou hipersecreção de substâncias exócrinas ou endócrinas, inibidoras ou estimuladoras de suas funções, poderão provocar sintomas diarreicos. • Flora intestinal O intestino humano é o habitat de uma variada flora bacteriana, composta por mais de 500 espécies. O número de células bacterianas na luz intestinal corresponde a aproximadamente 10 vezes o total de células eucariontes presentes no corpo humano. Habitualmente, há uma relação de simbiose, importante tanto para a saúde da mucosa como para a modulação do sistema imune. A troca de material genético entre microrganismos, assim como alterações na camada protetora de muco que reveste a mucosa intestinal, podem transformar bactérias comensais em patógenos, desencadeando quadros de enterites de intensidade variável. O uso de antibióticos pode afetar bactérias comensais e poupar possíveis bactérias patogênicas resistentes, também causando grandes transtornos. É possível, ainda, que modificações nos mecanismos de defesa do trato alimentar proximal ao intestino possam propiciar sua colonização por bactérias patogênicas, alterando a flora intestinal de forma desfavorável ao organismo humano. Exemplo disso é a elevação do pH gástrico, tanto por atrofia da mucosa gástrica como pelo uso de medicamentos que bloqueiam a secreção ácida, notadamente os inibidores da bomba de prótons. Essa modificação no microambiente gástrico, considerado fator importante na eliminação de grande parte dos inúmeros microrganismos que ingerimos, favorecerá a colonização da cavidade gástrica e o supercrescimento bacteriano no intestino, desde o duodeno. • Motilidade intestinal Apesar da crença disseminada de que os episódios de diarreia são consequência da aceleração do trânsito intestinal, isso não é comprovado cientificamente na maioria dos quadros diarreicos. Apenas em algumas situações específicas, como na diarreia funcional, nas diarreias causadas por doenças endócrinas (hipertiroidismo, síndrome carcinoide, vipoma) e na síndrome do intestino irritável com diarreia, a aceleração do peristaltismo intestinal tem papel proeminente na fisiopatologia dos quadros diarreicos. Definição e classificação das diarreias A diarreia é um sintoma/sinal caracterizado por dois componentes principais: aumento do número de evacuações (mais de três vezes ao dia) e diminuição da consistência. Um terceiro componente, o peso (mais de 200g/dia), pode ser considerado, porém, é difícil avaliação na clínica diária. ESCALA FECAL DE BRISTOL STOOL CHART As diarreias podem ser classificadas, basicamente, de duas maneiras: quanto ao tempo de evolução, em agudas e crônicas, e quanto à etiologia, em infecciosas e não infecciosas. A classificação quanto ao tempo é definida pela duração do sintoma, sendo consideradas diarreias agudas aquelas com duração de até 15 dias, e diarreias crônicas quando os sintomas duram mais de 30 dias. O intervalo entre 15 e 30 dias é Patrícia Miranda- MEDICINA considerado, por alguns, diarreia persistente, enquanto outros preferem classificar a diarreia que dura mais de 15 dias como crônica. Uma vez que o tempo é fator determinante das diarreias agudas e crônicas, toda diarreia crônica começa como um quadro de diarreia aguda, insidiosa ou exuberante, e, dependendo da regressão espontânea ou da resposta a medidas terapêuticas utilizadas, poderá se prolongar até caracterizar uma diarreia crônica. O agente/fator etiológico será indicativo da maior ou menor probabilidade de evolução crônica. Outra forma de classificação das diarreias, baseada no mecanismo fisiopatológico mais importante, separa-as em quatro tipos: osmóticas, secretoras, exsudativas e motoras. Etiologia A etiologia das diarreias infecciosas e não infecciosas é extremamente variável, tendo, cada uma, características fisiopatogênicas e clínicas específicas. • Diarreias infecciosas (Agudas) Vírus: inúmeros agentes virais podem desencadear quadros diarreicos. Há, no entanto, um grupo que tem predileção pelo tubo digestivo. São transmitidos por água contaminada ou de pessoa para outra, estando associadas a surtos epidêmicos. Os mais prevalentes são: rotavírus, norovírus e citomegalovírus. As diarreias virais manifestam-se em um contexto de gastroenterite aguda, com fezes aquosas, tendo como característica importante a presença de vômitos, com duração habitualmente curta (máximo de 72 horas). A infecção pelo citomegalovírus pode se apresentar, no entanto, como forma persistente (entre 15 e 30 dias) e disentérica. Bactérias: são a segunda causa mais frequentedas diarreias agudas, após os vírus. As características individuais das mais prevalentes são: - Campylobacter: bactéria Gram-negativa, em espiral, que pode se apresentar sob a forma cocoide quando em ambiente hostil. A espécie mais frequentemente associada a gastroenterites é o Campylobacter jejuni, seguida pelo Campylobacter coli. Os fatores de risco mais importantes são a ingestão de água e alimentos (aves domésticas) contaminados. Patrícia Miranda- MEDICINA Manifesta-se por febre, dores abdominais em cólica e diarreia, com duração habitual do quadro diarreico de 2 a 3 dias. A dor abdominal pode se prolongar por mais alguns dias. O aspecto das fezes varia de aquoso a sanguinolento, dependendo da intensidade da infecção e do tempo de enfermidade. Uma característica importante é a possibilidade de desencadear a síndrome de Guillain- Barré, o que acontece em 1 de cada 1.000 indivíduos infectados. https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a- z/guillain-barre. - Clostridium difficile: bactéria Grampositiva, responsável por 15 a 20% dos casos de diarreia secundária ao uso de antibióticos e de praticamente todos os casos de colite pseudomembranosa. Inicialmente considerado microrganismo habitualmente presente no intestino de indivíduos saudáveis. Produz toxinas (A e B) que provocam aumento da permeabilidade intestinal e destruição das células epiteliais colônicas. Manifesta-se sob a forma de diarreia aquosa em indivíduos com história de uso recente de antibióticos (3 ou mais dias). Pode ser grave o suficiente para por em risco a vida do paciente. - Clostridium perfringens: bactéria Grampositiva, anaeróbica, geralmente em forma de esporos. É abundante no meio ambiente, ocorrendo com frequência no intestino humano. Transmitida, geralmente, por alimentos contaminados, como carnes e maioneses. Bloqueia a absorção de água através de enterotoxinas, provocando diarreia aquosa. -Escherichia coli: bastonete Gram-negativo, não formador de esporos, flagelado. É transmitida por alimentos e água contaminados com fezes humanas ou de animais, raramente podendo ocorrer transmissão pessoa a pessoa. Atuam por meio da produção de enterotoxinas, que estimulam a secreção de cloro e reduzem a absorção de sódio, e de citotoxinas, que agridem o epitélio intestinal, alterando sua estrutura. As características da diarreia dependem do sorotipo. - Salmonella: bastonete Gram-negativo, transmitido por ovos, aves domésticas, leite e outros alimentos contaminados. A S. typhimurium está intimamente relacionada com gastroenterites, enquanto a S. typhi está mais relacionada a efeitos sistêmicos tóxicos (febre tifoide). Produz enterotoxinas que estimulam secreção de cloro, e invadem a mucosa, ativando eventos inflamatórios. Manifesta-se inicialmente por diarreia aquosa, seguida de diarreia sanguinolenta. - Shigella: bastonete Gram-negativo, transmitido por via fecal-oral e por meio de alimentos e água contaminados. Produz enterotoxina potente, além de penetrar nas células colônicas, provocando degeneração do epitélio e inflamação da lâmina própria, o que resulta em descamação e ulceração. Os sintomas surgem após um período de incubação de um a dois dias. A fase inicial, de enterite, manifesta-se por diarreia aquosa, seguida por colite, com diarreia mucossanguinolenta. Fungos: - Candida albicans: fungo comensal, presente habitualmente no trato gastrointestinal. Torna-se patogênico em situações específicas que envolvem imunodepressão, uso de corticosteroides e uso de antibióticos. Possivelmente causa diarreia por inibição da lactase. Produz enzima proteolítica que degrada a mucina. A diarreia secundária a essa infecção é aquosa e, às vezes, explosiva. https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/guillain-barre https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/guillain-barre Patrícia Miranda- MEDICINA Protozoários - Cryptosporidium: transmitido por meio da ingestão de oocistos presentes em água e alimentos contaminados, podendo ser transmitido também de uma pessoa para outra e de um animal para uma pessoa. Tem ação predominantemente secretora, mas pode se associar a atrofia vilositária e infiltrado inflamatório da lâmina própria. Desencadeia diarreia aquosa, que pode ser prolongada. - Giardia lamblia: protozoário flagelado, binucleado, é um dos parasitas intestinais mais comuns em todo o mundo. Sua transmissão ocorre a partir da ingestão de cistos em água contaminada, podendo ser transmitido de uma pessoa para outra em lugares com más condições de higiene. A patogênese ainda não é completamente entendida, mas sabe-se que pode provocar destruição da borda em escova das células epiteliais, assim como induzir resposta imune do hospedeiro. Infestações maciças podem resultar em má absorção, tanto pelas lesões da mucosa como, em algumas situações, pelo impedimento mecânico da absorção de nutrientes provocada pelo revestimento da mucosa em decorrência da enorme quantidade do protozoário. A apresentação clínica varia de ausência de sintomas a diarreia aquosa. Pode se tornar crônica, causando má absorção e perda de peso. - Entamoeba histolytica: espécie patogênica do gênero Entamoeba, é transmitida por meio da ingestão de cistos maduros a partir de água, alimentos ou mãos contaminadas. Produz enzimas proteolíticas que provocam ulcerações, hemorragia e, até mesmo, perfuração. A infestação por esse protozoário pode não ter qualquer manifestação clínica aparente, mas pode se manifestar como quadro de amebíase invasiva intestinal, com colite disentérica, apendicite, megacólon tóxico e ameboma, e extraintestinal (peritonite, abscesso hepático e outras). Nematoide - Strongyloides stercoralis: a infestação por esse helminto acontece por meio da penetração de larvas filariformes através da pele. Em situações especiais, como constipação intestinal, alterações da motilidade intestinal e moléstia diverticular dos cólons, a permanência da larva rabditiforme por tempo prolongado no intestino pode favorecer sua evolução para larvas filariformes, iniciando um ciclo de infestação interna, a autoinfecção. Essa condição pode estar exacerbada em indivíduos imunocomprometidos, o que pode ocasionar hiperinfecção, quadro clínico grave, frequentemente fatal. • Diagnostico da diarreia aguda O pleomorfismo etiológico, fisiológico e clínico da diarreia exige do médico que atende aos pacientes portadores dessa manifestação clínica um conhecimento profundo da epidemiologia e da fisiopatologia de seus agentes desencadeantes, de forma a poder fazer um diagnóstico clinico com maiores chances de acerto. Antes disso, é necessário classificar a diarreia em aguda e crônica, o que definirá a abordagem inicial A grande maioria das diarreias agudas é autolimitada, com tendência à regressão espontânea, exigindo apenas tratamento sintomático. A tentativa de definição etiológica deve ser limitada à interpretação dos dados epidemiológicos e clínicos, que permitirão hipóteses diagnósticas acuradas o bastante para servirem de guia às medidas terapêuticas. Como em todo exercício diagnóstico em medicina, os primeiros passos serão uma boa história clínica e o exame físico. Na Patrícia Miranda- MEDICINA avaliação de um paciente com diarreia algumas questões são importantes na coleta dos dados da história: Tempo de evolução Como enfatizado anteriormente, uma evolução maior que 15 ou 30 dias, caracterizando quadros persistentes ou crônicos, mudará a abordagem diagnóstica, uma vez que esses casos necessitam de uma investigação complementar mais ampla, diferentemente dos quadros de diarreia aguda. - Diarreias tóxicas: surgem entre 4 e 24 horas após a ingestão do alimento contaminado por toxinas de bactérias como Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens e Bacillus cereus, e tendem a regredir logo após a eliminaçãoda toxina, entre 1 e 2 dias após seu início. - Diarreia infecciosas: ocorrem 48 horas ou mais após a contaminação. São mais frequentemente secundárias a infecções virais, porém, podem ser causadas por bactérias ou protozoários. A duração das diarreias virais não costuma ser maior que 3 a 4 dias, ao passo que as bacterianas podem evoluir por até 7 dias. Quadros diarreicos que duram mais de 1 semana devem levantar a suspeita de infecção por protozoários. - Diarreias funcionais: ao contrário das diarreias orgânicas, as funcionais apresentam características como duração maior que três meses (Roma III), ausência de sintomas ou sinais de alarme como perda de peso significativa, são intermitentes e não costumam acontecer durante a noite. Características físicas das evacuações Consistência, presença de sangue ou muco, volume, número, presença de gordura- diarreias secundárias a doenças do delgado costumam sem aquosas e volumosas, apresentando risco maior de desidratação. Ao contrário, nas diarreias secundárias a colites as fezes são de pequeno volume e podem apresentar muco ou sangue, o que será sugestivo de infecção por microrganismo com potencial invasivo (Campylobacter, E. coli, Shigella e V. parahemolyticus). Presença de gordura nas fezes sugere doença disabsortiva. Presença de outros sintomas: Febre, náusea, vômitos, dor abdominal – a febre é sugestiva de doença infecciosa, mais frequentemente viral. Já a presença de vômitos deve servir de alerta para a maior probabilidade de desidratação, uma vez que aumenta a perda de líquidos, ao mesmo tempo que prejudica a reposição oral. Além disso, vômitos sem diarreia ou com diarreia mínima são sugestivos de etiologia viral. A presença de dor abdominal torna pouco provável o diagnóstico de diarreia funcional. Dados epidemiológicos Contatos, viagens, uso de medicamentos, refeições em ambientes que não o domicílio, ingestão de alimentos crus, principalmente frutos do mar (ostras). - História de contato com indivíduo portador de sintomas semelhantes há mais de 48 horas sugere doença infecciosa. Relatos de epidemias na região de domicílio do paciente podem direcionar o diagnóstico. - Diarreia do viajante: A intensa mobilização propiciada pelos meios de transporte tem submetido cerca de 50 milhões de indivíduos de países desenvolvidos aos riscos inerentes à falta de saneamento básico dos países em desenvolvimento. O consumo de água e alimentos contaminados com bactérias, vírus e parasitas geram mudanças de planos de viagem. Consumo aumentado de bebidas alcoólicas durante o passeio pode adicionar mais fatores de risco, principalmente nos indivíduos do sexo masculino, uma vez que Patrícia Miranda- MEDICINA pode causar “desinibição” dos hábitos alimentares ou a alteração da mucosa intestinal. Os agentes etiológicos mais frequentes da diarreia do viajante, como grupo, são as E. coli diarreiogênicas. Viagens a países tropicais tornam os indivíduos mais suscetíveis de adquirir patologias específicas dessas regiões, como esquistossomose, amebíase, giardíase e outras helmintíases intestinais. A diarreia do viajante não exige, no entanto, o contato com agentes infecciosos ou toxinas para ser desencadeada. A ingestão de alimentos exóticos, totalmente fora dos padrões de alimentação do indivíduo, pode ter como consequência um quadro diarreico que tem como característica a curta duração (24 a 48 horas), com resolução espontânea. - O hábito dos indivíduos de ambientes urbanos de frequentar restaurantes é fator importante no aumento dos casos de diarreia, seja pela “libação” alimentar no restaurante, seja pela má conservação, pelo aproveitamento de restos de alimentos, pelas más condições de higiene do ambiente ou, ainda, pelo excesso de temperos. - Inúmeros medicamentos são associados a quadros diarreicos, com fisiopatologia que varia desde inibição da absorção de gorduras até o desencadeamento de colites microscópica e pseudomembranosa. Antecedentes patológicos pessoais: Alergias (gastroenterites eosinofílicas), diabete melito (neuropatia diabética), doenças pancreáticas (má absorção), intolerância à lactose (diarreia osmótica), hipertiroidismo (hiperperistaltismo), infecção pelo HIV (imunodepressão), cirurgias digestivas mutilantes, como colectomias, gastrectomias e ressecções do intestino delgado (diminuição da superfície absortiva). Antecedentes patológicos familiares: história de doenças neoplásicas, doença intestinal inflamatória ou doença celíaca na família devem servir de alerta para a possibilidade desses diagnósticos, dependendo dos demais dados clínicos apresentados. A análise dessas características permitirá uma hipótese diagnóstica com grau de acurácia adequado. Estes dados servirão, inicialmente, apenas para prover o paciente de algumas informações sobre a possível etiologia de seu quadro clínico, uma vez que, salvo em raras exceções, a diarreia aguda exige apenas tratamento de suporte, enquanto se aguarda sua resolução espontânea. Como exemplo, podem-se utilizar os dados epidemiológicos e clínicos para sugerir que a etiologia de um quadro de diarreia é secundário à infecção viral. Assim, se os sintomas são de uma gastroenterite aguda, em que as manifestações digestivas altas, como náuseas e vômitos, estão presentes e são proeminentes, quando há um período de incubação de mais de 14 horas, quando o quadro clínico dura apenas até 72 horas, quando não há sinais sugestivos de infecção bacteriana, como fezes sanguinolentas, dor abdominal severa, e quando estão ausentes evidências epidemiológicas como viagens e uso de antibióticos, pode-se sugerir infecção viral como agente etiológico. É evidente que essa forma de apresentação não é exclusiva das infecções virais, porém, está associada a vírus em 75% dos casos. O exame físico do paciente com diarreia é útil, principalmente para avaliar a severidade dos sintomas. A avaliação do nível de desidratação através do turgor da pele, da frequência cardíaca e da mensuração da pressão arterial em decúbito e sentado é o mais importante dado a ser colhido, uma vez que ditará a necessidade, ou não, da hidratação venosa. O exame do abdome avaliará distensão e Patrícia Miranda- MEDICINA sensibilidade abdominais. Vale lembrar, ainda, que patologias inflamatórias do tubo digestivo apresentam manifestações extraintestinais que poderão ser identificadas durante o exame físico. Fazem parte dessas manifestações as lesões oculares como irites, iridociclites e ceratoconjuntivites, eritema nodoso, pioderma gangrenoso, artrites e ulcerações aftoides, associadas à síndrome de Behçet e às doenças intestinais inflamatórias (retocolite ulcerativa inespecífica e doença de Crohn). Achados inflamatórios articulares são também associados a infecções por Y. enterocolitica e C. jejuni, como parte da síndrome de Reiter. O paciente com diarreia aguda deve, portanto, ser abordado inicialmente com tratamento sintomático e seguimento cuidadoso da evolução dos sintomas. Poderão ser solicitados alguns exames complementares no caso de manifestações mais severas, do agravamento progressivo, apesar das medidas adotadas, ou naqueles com mais de 48 horas de duração dos sintomas, sem sinais de arrefecimento, para avaliar o quadro hematológico: hemograma, níveis do sódio e potássio séricos, ureia e creatinina. Podem-se considerar exceção os casos de diarreia sanguinolenta, que poderão merecer investigação etiológica precoce. Ademais, quando necessários solicitar exames direcionados para hipóteses levantadas • Diarreias não infecciosas (Diarreias crônicas) As diarreias não infecciosas são também secundárias a um sem número de etiologias diferentes. A lista das diarreias não infecciosas de origem intestinal é encabeçada por dois distúrbios classificados como funcionais.A persistência de quadro de diarreia por mais de 4 semanas, ou por mais de 2 semanas para alguns, caracteriza a diarreia crônica. Ao contrário da diarreia aguda, a permanência dos sintomas por tanto tempo poderá exigir investigação cuidadosa de forma identificar o agente etiológico, permitindo, assim, abordagem terapêutica específica. A coleta dos dados da história e o exame físico, como descritos para a diarreia aguda, são essenciais. Poderão ser suficientes para orientar abordagem terapêutica empírica, sem a necessidade de qualquer exame complementar. O aspecto das fezes, por exemplo, poderá servir como guia na formulação das hipóteses diagnósticas: - Diarreia crônica sanguinolenta: apesar de poder ser secundária a infecções bacterianas por Shigella, Salmonella, C. difficile, E. coli e outras, essa forma de apresentação está, mais provavelmente, Patrícia Miranda- MEDICINA relacionada à doença intestinal inflamatória. - Diarreia crônica não sanguinolenta: pequena probabilidade de infecção bacteriana mais comum. A investigação deve ser direcionada para G.lamblia e C.difficile. Os exames complementares utilizados na investigação da diarreia podem ser separados em dois grupos, os inespecíficos e os específicos. Os primeiros têm como finalidade avaliar as alterações gerais decorrentes da diarreia, sugerir a possibilidade de doença infecciosa ou direcionar o diagnóstico para doença orgânica ou funcional: Hemograma: poderá sugerir infecção bacteriana, quando há desvios à esquerda. Infecções crônicas podem cursar, no entanto, apenas com neutrofilia, sem o desvio à esquerda. Algumas infecções podem se apresentar com neutropenia, como a Salmonelose (febre tifoide), assim como as infecções por E. coli, Yersinia e Campylobacter. A eosinofilia pode estar associada a enterites eosinofílicas e a parasitoses como a estrongiloidíase. Anemia poderá sugerir processo crônico ou sangramento oculto. Trombocitose em portadores de doença intestinal inflamatória (doença de Crohn e RCUI) serve de alerta para doença ativa e risco de complicações tromboembólicas. Ureia e creatinina: a avaliação da função renal no paciente com quadros de diarreia intensos é imprescindível, uma vez que a desidratação poderá causar insuficiência renal de intensidade variável e, se não tratada a tempo, irreversível. Sódio e potássio séricos: a secreção ativa ou passiva de líquidos para a luz intestinal determinada pela diarreia provoca desequilíbrios hidroeletrolíticos que exigem correção por via oral ou infusão venosa. Albumina sérica: diarreia crônica associada à má absorção pode provocar a queda dos níveis séricos dessa proteína calprotectina fecal – a calprotectina corresponde a 60% do conteúdo protéico citoplasmático dos polimorfonucleares neutrófilos. Seus níveis plasmáticos aumentam 5 a 40 vezes na presença de processos infecciosos ou inflamatórios, com níveis ainda mais elevados nas fezes. (6 vezes os níveis plasmáticos). Seus níveis fecais são determinados pela ELISA, com valor superior da normalidade de 50 mcg/g. É importante na distinção entre processos funcionais e processos inflamatórios, sugerindo a presença destes últimos quando acima de 100 mcg/g. Valores elevados indicam fortemente a presença de doença orgânica, porém, valores dentro da normalidade não determinam a presença de doença funcional, uma vez que doenças orgânicas nas quais não há ativação dos polimorfonucleares neutrófilos, como a doença celíaca e o carcinoma do cólon, podem ter resultados negativos. Os exames específicos são direcionados pelas hipóteses diagnósticas aventadas durante a coleta dos dados da história e do exame físico. Patrícia Miranda- MEDICINA
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