Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS- CAMPUS III COMUNICAÇÃO SOCIAL / JORNALISMO EM MULTIMEIOS RAFHAEL NOBRE DA SILVA RODRIGUES JORNAL RIVALE: DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O PROGRESSO NO TEMPO DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE SOBRADINHO Juazeiro - BA Março de 2020 RAFHAEL NOBRE DA SILVA RODRIGUES JORNAL RIVALE: DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O PROGRESSO NO TEMPO DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE SOBRADINHO Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade do Estado da Bahia como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo em Multimeios. Sob a orientação da Professora Edonilce da Rocha Barros. Juazeiro, BA Março de 2020 R696j Rodrigues, Rafhael Nobre da Silva Jornal Rivale: discurso jornalístico sobre o progresso no tempo da construção da Barragem de Sobradinho / Rafhael Nobre da Silva Rodrigues. Juazeiro-BA, 2020. 73 fls.: il. Orientador(a): Profª. Drª. Edonilce da Rocha Barros. Inclui Referências TCC (Graduação - Comunicação Social - Jornalismo em Multimeios) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus III. 2020. 1. Jornalismo. 2. Barragem de Sobradinho. 3. Análise do discurso. 4. Progresso. 5. Jornal Rivale. I. Rocha, Edonilce da Rocha. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. III. Título. CDD: 070.4 RAFHAEL NOBRE DA SILVA RODRIGUES JORNAL RIVALE: DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O PROGRESSO NO TEMPO DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE SOBRADINHO Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade do Estado da Bahia como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo em Multimeios. Sob a orientação da Professora Edonilce da Rocha Barros. Professora Dr.ª Edonilce da Rocha Barros Presidente da Banca – Orientadora Professora Dr.ª Maria Rita do Amaral Assy Membro Professora M.ª Teresa de Jesus Leonel Membro Juazeiro, BA Março de 2020 À servidora Valdecy Gonçalves Sales (em memória) pelo carinho prestado no início da graduação e conversas regadas a bons cafezinhos na sede do Núcleo de Pesquisa e Extensão da UNEB – Campus III Juazeiro. Aos filhos e filhas das antigas cidades inundadas (Casa Nova, Sento-Sé, Remanso e Pilão Arcado), que por força do Estado, foram obrigados a se retirarem dos seus espaços de referência e identidade para dar lugar ao grande lago de Sobradinho. A todos que contribuíram direta ou indiretamente em minha formação acadêmica. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que contribuíram no decorrer desta jornada, em especial: A Deus, pelo dom da vida e por se fazer presente nela. A minha família, em especial, a minha mãe Sueli Nobre, ao meu pai Adaltro José Rodrigues e ao meu irmão Rodrigo Nobre, pelo empenho e dedicação prestados a mim durante a graduação e em toda minha trajetória até aqui. A minha tia Nildete Nobre, pelas ligações afáveis diretamente de Salvador/BA. A professora e amiga Andrea Cristiana Santos pelos conselhos e incentivo nos caminhos da pesquisa. A minha orientadora Prof. Edonilce da Rocha Barros e seu papel fundamental na elaboração deste trabalho. Aos meus amigos, Charles Gleydson, Adriana Rezende e Victor Gledson pelos conselhos e auxílio prestados. Aos amigos que a UNEB me presentou, Camila Santana, Fernando Alves, Thiago Santos, e especialmente a Vagner Gonçalves, pelo companheirismo no percurso acadêmico e nas relações de vida. A Mayane Santos, Renilson da Silva e demais colegas, o meu agradecimento pelo período que estivemos juntos na produção deste TCC. Passamos tardes empolgantes no laboratório de informática do Campus III, que tornaram a elaboração deste trabalho mais leve, tranquila, com boas doses de sorrisos. Aos funcionários da UNEB, em especial a Cirilo e Lucílio, que indiretamente contribuíram na produção deste material. Enfim, a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste sonho... Muito obrigado. RESUMO Este trabalho teve como objetivo geral analisar o discurso jornalístico promovido pelo jornal Rivale no tempo da construção da Barragem de Sobradinho na década de 1970. O lócus da pesquisa foi o Arquivo Maria Franca Pires, localizado no Departamento de Ciências Humanas, UNEB, Campus III, tomando como documento base o referido jornal. O Rivale foi considerado como fragmento para entender sua relação com o passado numa perspectiva de micro história da comunicação. Para isso, foi realizada uma pesquisa documental a fim de se investigar como as práticas jornalísticas mediadas por rituais de imparcialidade colaboraram na divulgação da ideia de progresso e no silenciamento das questões sociais e econômicas. Assim, o jornal Rivale foi pensado a partir da definição de rastro, o que permite, que, as mensagens do passado cheguem ao presente e sejam interpretadas pelo pesquisador em sua dimensão narrativa. Para interpretação dos dados, utilizou-se da análise do discurso, pensando o jornal, os indivíduos e a exterioridade social como fatores fundamentais para as formações discursivas. Essa perspectiva foi importante para perceber como este veículo de imprensa, que circulou no município baiano de Juazeiro no período de 1972 a 1980, contribuiu na divulgação dos impactos sociais e econômicos relacionados à obra de construção da barragem. A pesquisa demonstrou que o jornal foi um veículo que funcionou como aparelho ideológico do Estado. O jornal utilizava-se de uma retórica discursiva que representava os interesses das elites locais e do poder do Estado, apesar da ambivalência do discurso jornalístico promovido pelo jornal Rivale, representado pelas vozes de alguns colunistas articuladores e cronistas como Walter Dourado, Ermi Ferrari e o Bispo Dom José Rodrigues. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo. Barragem de Sobradinho. Análise do Discurso; Progresso; Rivale. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................7 1.1 O CONTEXTO DO SURGIMENTO DO RIVALE ..................................................7 1.2 O RIVALE E O PROJETO DE MODERNIZAÇÃO DA IMPRENSA LOCAL ......8 1.3 O RIVALE COMO PORTA VOZ DO PROGRESSO.............................................10 1.4 BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DAPESQUISA.......................................12 1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO..............................................................................15 2 O DESENVOLVIMENTISMO NO RIVALE.........................................................16 2.1 O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO..........................................................16 2.2 O DESENVOLVIMENTISMO E O JORNAL RIVALE ........................................19 2.3 O RIVALEE O DISCURSO DA OBJETIVIDADE................................................24 3 O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O PROGRESSO NO JORNAL RIVALE..........................................................................................................................27 3.1 RIVALE E A DEFESA DA BARRAGEM ..............................................................27 3.2 WALTER DOURADO E A RETÓRICA DO PROGRESSO..................................28 4 ERMI FERRARI – O CRONISTA DA ESPERANÇA...........................................39 4.1 ENTRE A DEFESA DA NAVEGAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM...................................................................................................................39 4.2 ERMI FERRARI E A NAVEGAÇÃO NO SÃO FRANCISCO..............................42 4.3 ERMI ESTAVA CERTO SOBRE A NAVEGAÇÃO?............................................53 5 DOM JOSÉ RODRIGUES NA CONTRAMÃO DA RETÓRICA DO “PROGRESSO” ............................................................................................................54 5.1 O BISPO CRONISTA EM DEFESA DOS POBRES...............................................54 5.2 RESPOSTA À CARTA DE 04 DE MAIO DE 1979................................................61 5.3 RESPOSTA À CARTA DE 13 DE JUNHO DE 1979..............................................61 5. 4 O BISPO E O RIVALE............................................................................................64 6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES .............................................................................66 REFERÊNCIAS .........................................................................................................70 7 1 INTRODUÇÃO 1.1 O CONTEXTO DO SURGIMENTO DO RIVALE. O ano é 1977. Neste ano, a barragem de Sobradinho já estava em fase final de conclusão e as cidades de Remanso, Pilão Arcado, Sento-Sé e Casa Nova já tinham sido transplantadas para novos espaços, para dar lugar às águas do lago. Nesse mesmo período, era lançado o sucesso “Sobradinho”, da dupla Sá e Guarabyra1. A música, que fez parte do disco “Pirão de Peixe com Pimenta” retratou em seus versos o adeus do povo aos seus lugares, tendo que ir embora para não ser engolido pelas águas do lago a ser formado com a construção da barragem: “Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-Sé. Adeus Pilão Arcado. Vem o rio te engolir. Debaixo d'água, lá se vai a vida inteira, por cima da cachoeira, o gaiola vai subir. Vai ter barragem no salto do Sobradinho e o povo vai-se embora, com medo de se afogar”. (SÁ; GUARABYRA; 1977). Esse foi um dos legados deixados pela construção da barragem de Sobradinho na vida de 12 mil famílias que entre os anos de 1975 e 1980, foram obrigadas pelo Estado através da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) a se retirarem dos seus espaços de convivência, referência e sociabilidade para dar lugar ao grande lago de Sobradinho2, que atingiu os quatro municípios baianos, referenciados no refrão da música de Sá e Guarabyra acima destacado. Inicialmente criada para regularizar o fluxo de água necessário para gerar energia na Usina de Paulo Afonso, a barragem de Sobradinho3 fez parte da política desenvolvimentista assumida pelo governo militar na década de 1970, cuja retórica discursiva consistia em levar o “progresso” às regiões menos desenvolvidas do país (ESTRELA, 2004, p.93). Nesse mesmo período, grandes projetos hidrelétricos foram incentivados, dos quais se inserem além de Sobradinho, a construção das usinas de Itaipu (central hidrelétrica na fronteira entre o Brasil e o Paraguai) e Itaparica, na Bahia. 1 Conhecidos pelo “rock rural”, estilo que incorporou influências do rock e da música country anglo- saxônicas, com uma linguagem poética que retratava os problemas do campo. 2 Segundo Costa (1990), o lago artificial de Sobradinho tem 4.214 Km², 350 km de extensão e 10 a 40 km de largura e capacidade de armazenar 34 bilhões de metros cúbicos de água. 3 Localizada no Submédio do São Francisco, na cidade de Sobradinho, na Bahia, a 556 Km de Salvador/BA e a 50 km de Juazeiro, também no estado baiano. https://pt.wikipedia.org/wiki/Folk-rock https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_country https://pt.wikipedia.org/wiki/Anglo-sax%C3%B4nico https://pt.wikipedia.org/wiki/Anglo-sax%C3%B4nico 8 De acordo com Estrela (2004), o Governo Federal por meio do Ministério de Minas e Energia avaliava que a região apresentava desenvolvimento econômico inexpressivo, devido aos períodos prolongados de estiagem e pela existência de terras áridas. Contudo, além da perspectiva da obra de promover o progresso econômico, as ações do Estado, segundo Rabelo4 (2014), almejavam conectar o país à economia internacional, à custa de empréstimos, reforçando o discurso nacionalista e mantendo o controle político em negociação com as elites locais. É nesse contexto de transformações socioespaciais na região que surgiu o jornal Renovação e Integração do Vale - Rivale. Criado em março de 1972 por membros da sociedade juazeirense como o economista Flávio Luiz Ribeiro Silva, o agrônomo Jorge Khouri Hedaye e o médico Paganini Nobre Mota, o jornal se consolidou entre a comunidade local como o percursor da “nova etapa da imprensa interiorana” (RABELO, 2014). No contexto da imprensa de Juazeiro, Bahia, o Rivale era o único jornal que circulava na cidade após a interrupção da Tribuna do Povo, em 1964, e o Esporte (1967), periódico editado por José Diamantino Assis (SANTOS, 2016). Ao ser criado, o jornal RIVALE se destacou como o único periódico criado no contexto da ditadura militar, de modernização da imprensa local, o que o colocou no rumo da profissionalização. 1.2 O RIVALE E O PROJETO DE MODERNIZAÇÃO DA IMPRENSA LOCAL. Nos dez anos que esteve em circulação, o Rivale se tornou um dos principais veículos de comunicação do Vale do São Francisco, especialmente no polo Juazeiro- BA/Petrolina-PE, sendo o principal jornal a dar visibilidade às questões relacionadas à construção da barragem de Sobradinho. O periódico surgiu em meio às transformações tecnológicas que mudaram o modus operandi das redações, com características de uma qualidade técnica mais elaborada se comparado aos jornais locais como o Pharol (1915-1989) e o Tribuna do Povo (1957-1964), que circularam nas cidades de Petrolina-PE e Juazeiro-BA. 4 Elson de Assis Rabelo é pesquisador colaborador do Museu Afro-Brasileiro, da Universidade Federal da Bahia. Professor Adjunto 3 do Colegiado de Artes Visuais e do Curso de Licenciatura em História - Convênio PRONERA, da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Coordenador Institucional do DINTER em Artes Visuais UFRJ/UNIVASF. Graduado em História pela Universidade Federal do Piauí, Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. 9 Tais transformações são decorrentes de um processo que começou na década de 1950, quando iniciou um processo de modernização da imprensa com mudanças que perpassaram o campo social, político e cultural (RIBEIRO, 2007). Dessa maneira, as transformações que aconteceram na sociedade brasileira também deixaram marcas que transformaram a mídia, cujos processos tecnológicos e editoriais, segundo a autora, colocaram-na no rumo da profissionalização. Assim, o jornalismo brasileiro passou a assumir um caráter empresarial depois da ascensão do capitalismo e do modelo de desenvolvimento nacional adotado pelo Estado. A busca pela modernização do jornal pode ser verificada na utilização de recursos gráficos, produção de cadernos especiais, além do uso de imagens ilustrativas e de uma melhor organização na forma como eram dispostas as notícias. Desde a cobertura da política aos aspectos cotidianos dos juazeirenses e petrolinenses, ao predomínio de notíciaseconômicas, diversos assuntos ganharam destaque nos dez anos que o jornal esteve em circulação. Mas a temática ligada à construção da barragem de Sobradinho foi predominante. A linha editorial do Rivale fazia referência à defesa do progresso e das políticas públicas desenvolvimentistas para as cidades de médio porte5, como se observa no exemplo abaixo, publicado na décima edição do jornal de 15 de julho de 1972, em comemoração aos 94 anos de emancipação política da cidade de Juazeiro. O surto de desenvolvimento que Juazeiro vem atravessando nos últimos anos, consolidando sua posição de município líder da região do São Francisco, foi a principal razão para o surgimento do RIVALE. É lógico que precisávamos de um órgão capaz de levantar a bandeira do nosso progresso, porta-voz dos anseios da população da região, levando a todos os recantos da Pátria a mensagem de um povo empenhado na construção do futuro” (RIVALE, 1972, ed. 10, p.1). Dessa forma, foi possível verificar que o Rivale demonstrou ser fortemente ligado aos interesses das elites políticas desde a sua criação. Contudo, tal discurso adotado pelo veículo procurava incorporar processos de modernização e profissionalização do campo jornalístico, que buscou construir sua autonomização em 5 No ano de 1970, a cidade de Juazeiro tinha poucos mais de 61 mil habitantes. Dados do Anuário Estatístico do Brasil a respeito da população juazeirense- Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=720 10 relação ao discurso literário e político predominante na fase inicial da imprensa brasileira, como analisado por Ana Paula Goulart Ribeiro (2010). Nesse sentido, os jornais começaram a ser pensados como um lugar neutro, sendo reconhecido como um “gênero de estabelecimento de verdades”, como defende Ribeiro (2010), não circunscrito ao literário e ao artigo de fundo, gênero opinativo predominante no início do século XX. O jornalismo adotou práticas discursivas advindas, sobretudo, do jornalismo norte-americano como os paradigmas da objetividade e imparcialidade que foram incorporados pelos jornais brasileiros a partir dos anos 1950. As técnicas jornalísticas norte-americanas estimularam a adoção de restrições formais, como o estilo sintético no formato das notícias, a incorporação do lead; o que fez aumentar a comunicabilidade das mensagens, e as colunas assinadas por influentes colunistas e cronistas. 1.3 O RIVALE COMO PORTA VOZ DO PROGRESSO Com base nas investigações realizadas no projeto de iniciação científica “A construção da Barragem de Sobradinho e o debate público no Jornal Rivale (1972- 1980)”, constatou-se que na maioria dos conteúdos veiculados pelo periódico, há um alinhamento à defesa da construção da Barragem de Sobradinho. Em contrapartida, constatou-se também a presença de um interdiscurso interpelado por alguns cronistas como Walter Dourado, Ermi Ferrari e o bispo da diocese de Juazeiro, Dom José Rodrigues, que trazem questionamentos sobre as questões sociais e econômicas circunscritos à obra. Apesar de o jornal veicular nas vozes destes colaboradores as discussões voltadas às questões socioeconômicas, são evidentes as tentativas de silenciamento ou supressão das questões mais urgentes. Nesse sentido, infere-se que o jornal tenha atuado como aparelho simbólico, como define Bourdieu (2003, p. 15), ao mencionar que o “poder simbólico” é um tipo de poder, invisível, irreconhecível, transfigurado e legitimado, capaz de produzir efeitos reais na vida das pessoas e que só é exercido por aqueles que dominam os sistemas simbólicos (a arte, a cultura, a religião, a língua, o discurso). Esses sistemas, na visão do autor, podem ser estruturantes e estruturados. Os sistemas simbólicos como estruturas estruturantes tratam os universos simbólicos como instrumentos de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, ou seja, na designação nos modos de agir, de operar ou de executar na vida dos 11 indivíduos (BOURDIEU, 2003, p.8). Já os sistemas simbólicos como instrumentos estruturados se constituem como a base efetiva para a ação dos instrumentos estruturantes. Bourdieu ainda considera que estes “sistemas simbólicos só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados” (2003, p.9). Assim, o poder simbólico se reverbera por meio desses sistemas simbólicos que se constituem como elementos de construção da realidade, que tendem a estabelecer uma ordem, um sentido sobre o mundo. De acordo com Bordieau (2003), as relações de comunicação são sempre relacionadas às relações de poder, pois elas “cumprem sua função política de instrumento de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica)” (p.11). Assim, como o jornal estava alinhado à defesa da construção da barragem, é de se considerar que o periódico atuou como aparelho ideológico do Estado para dar legitimidade social à construção da Barragem de Sobradinho, tendo como base a narrativa do progresso (o discurso). Identificou-se formas de silenciamento ou naturalização das questões sociais e econômicas circunscritas à obra como no destaque abaixo, divulgado no Caderno Especial que o jornal produziu no ano de 1973, intitulado “Sobradinho em debate”. O jornal declarou: É verdade que algumas cidades irão desaparecer para dar lugar a um grande lago formado pelas águas represadas. Mas a coisa não é tão drástica como se anuncia. As providências cabíveis e humanas estão sendo tomadas para que ninguém fique desabrigado ou prejudicado (RIVALE, 1973, ed.30, p.1). Percebe-se que o periódico reconhece a questão das inundações, mas trata a problemática com naturalidade, como um problema de pequena importância. O Estado, na concepção do periódico, ao mesmo tempo em que causava os danos à população ribeirinha, buscava tomar as “providências cabíveis”, para minimizar os impactos na vida da população. Este movimento de supressão e invisibilidade das populações ribeirinhas e das questões ligadas à obra podem ser observados na produção retórica do jornal em outros momentos. Por isso importa construir uma análise que aborde os processos micro e macrossociais relacionados às práticas jornalísticas (SANTOS, 2016), abordando a trajetória do Rivale na divulgação das temáticas relacionadas à construção da barragem. 12 Nesse sentido, os textos não podem ser interpretados sem pensar a relação contextual dos sujeitos políticos e da população, inclusive os impactos socioeconômicos que possivelmente foram invisibilizados na retórica discursiva do Rivale. Por isso, se justifica a escolha da análise do discurso como método para o entendimento dos “ditos e não ditos”, como ressalta a pesquisadora Marialva Barbosa (2010) ao abordar os procedimentos metodológicos no estudo da história dos meios de comunicação. Para ela, é necessário compreender a história como um processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos, silêncios que dizem mais do que qualquer forma de expressão. Neste sentido, a questão posta para esta pesquisa foi: De que forma o discurso jornalístico no Rivale pode ter provocado o silenciamento das questões socioeconômicas envolvidas na construção da barragem de Sobradinho? Assim, para dar conta da questão posta, delineou-se como objetivo geral analisar o discurso jornalístico promovido pelo jornal Rivale no período da construção da Barragem de Sobradinho. Assim sendo, nos propomos a: 1) analisar a contribuição dos dois cronistas e um articulista na promoção do debate público; 2) investigar como as produções jornalísticas abordavam as questões circunscritas à obra; e 3) identificar as formas de silenciamento das questões sociais e econômicas na narrativa jornalística. 1.4BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA PESQUISA. As bases teórico-metodológicas deste estudo ancoram-se nas pesquisas do tipo quali-quatitativa. Ela é quantitativa, “porque constitui suas raízes no pensamento positivista lógico, enfatizando o raciocínio dedutivo, as regras da lógica e os atributos mensuráveis da experiência humana” (SILVEIRA; CORDONA, 2009, p.33) e qualitativa porque se preocupa com os aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e na explicação da dinâmica das relações sociais (BARBOSA, 2005, p.32)”. Num primeiro momento, foram realizados um levantamento sistemático acerca do veículo de comunicação e suas principais características, de acordo com o que recomendam Marialva Barbosa e Marcos Morel (2005). Esse levantamento foi realizado a partir da produção de inventários, onde foram identificados o nome dos profissionais que trabalhavam ou colaboraram com o periódico; número de páginas, editorias; 13 identificação de imagens; existência de anúncios publicitários; tipificação das mensagens conforme o conteúdo; leitores, distribuição e vendagem. Essas investigações se centraram em analisar as edições correspondentes aos anos de 1973, 1975, 1976 e 1979. A escolha pelo ano de 1973 representa o marco inicial da construção da barragem de Sobradinho, com a chegada do maquinário e dos trabalhadores de todo Brasil à região. 1975 e 1976 representam o período intermediário e é marcado por visitas de autoridades e marcos importante na construção como a festa de despedida realizada em Remanso, que seria inundada pelas águas do São Francisco e a abertura das comportas para a passagem do rio em julho de 1976. Já 1979 representa o marco final da construção e início das operações com o acionamento da primeira turbina geradora de energia no mês setembro deste mesmo ano. É importante ponderar a enorme quantidade de jornais avaliados. Dos anos delimitados, foram 139 periódicos que passaram por um processo minucioso de análise. Se não tivéssemos delimitado os anos, a concretização deste trabalho seria impossível, já que o número de edições do Rivale disponíveis no Acervo Maria Franca Pires supera com facilidade trezentas edições. Diante disso, este trabalho seguiu orientações metodológicas que compreendeu a abordagem qualitativa a partir da dimensão dos rastros e dos fragmentos no contexto de uma microhistória da comunicação (SANTOS, 2016). Nesta perspectiva, os produtos comunicativos estabelecem uma intrínseca relação do texto com o seu referente, como afirma Marialva (2010a;2010b). Para a autora, essa relação produz rastro, o que permite que as mensagens do passado possam chegar até o presente, podendo ser interpretados pelo pesquisador em sua dimensão narrativa como ações de comunicação. Michel de Certeau (2008) também aborda essa questão ao considerar que os rastros também podem ser compreendidos dentro de um quadro conceitual de uma escrita da história. Para o historiador, o conhecimento histórico é um fazer-se, uma operação, que organiza procedimentos próprios ao objeto analisado e seus métodos de pertinência. Conforme orienta Lowenthal (1998), os fragmentos são artefatos que nos chegam ao presente pelo conjunto de materiais produzidos em um passado e em determinadas condições. Estes fragmentos do passado trazem um discurso ideológico por isso nesse estudo, utilizamos a Análise do Discurso a partir das obras de Fiorin 14 (1988), Brandão (1994) e Carvalho (2012), tomando como base a exterioridade social6 como marca fundamental para o entendimento das formações discursivas e ideológicas. Nesse sentido, a análise do discurso, segundo Brandão (1994), deve ser pensada considerando as dimensões apontadas por (MAINGUENEAU, 1987 apud BRANDÃO, 1994, p. 17). O quadro das instituições em que o discurso é produzido, as quais delimitam fortemente a enunciação; Os embates históricos, sociais, etc. que se cristalizam no discurso; O espaço próprio que cada discurso configura para si mesmo no interior de um interdiscurso. Assim, as formações discursivas são compreendidas como o espaço no qual os “enunciados são formados e reformulados para reforçar uma ideia” (BRANDÃO, 1994, p.46). Entende-se ainda que se faz necessário uma reflexão mais ampla da linguagem, que leva em consideração o fato de que ela é uma instituição social que compartilha ideologias e serve como mediação entre os homens. Vale salientar que alguns estudos foram desenvolvidos por pesquisadores na região de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, como os de Amaral (2019), Magalhães (2018), Rabelo (2014), Santos (2016) e Santos (2018). Tais estudos tematizam a questão da Barragem de Sobradinho nas diversas linhas de análise, desde a história à comunicação. Por isso, a importância em ressaltá-los. Tais investigações, realizadas no projeto de pesquisa, precisavam ser ampliadas para um trabalho de conclusão de curso, justamente por sua importância no campo de estudos da história da Imprensa no vale do São Francisco. O tema da construção da barragem de Sobradinho já foi utilizado como temática norteadora em outras produções acadêmicas, mas o que se pretende investigar está no campo do jornalismo e, portanto, tem seu caráter de ineditismo. Nesse sentido, pesquisar o debate público promovido por um jornal juazeirense no contexto da construção da barragem de Sobradinho, investigando como as produções jornalísticas baseadas nos princípios de imparcialidade e na retórica do “progresso” pode ter gerado silenciamento das questões sociais e econômicas, constitui-se numa produção inédita na região. Por essas razões, julga-se crucial dar continuidade a esta 6 Na perspectiva francesa, segundo Brandão, a linguagem passar a ser um fenômeno que deve ser estudado não só em relação ao seu sistema interno, como também enquanto formação ideológica, que se manifesta através de uma competência socioideológica (BRANDÃO, 1994. P.17). 15 pesquisa iniciada no projeto de iniciação científica, produzindo um material que contribua para o campo de estudos da história da imprensa no Vale do São Francisco. 1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) está dividido em seis partes. Na primeira é apresentada a temática da pesquisa, expondo uma breve contextualização, a problemática, os caminhos metodológicos, assim como os objetivos geral e específicos. Na segunda parte é analisado o contexto social no qual o jornal Rivale estava inserido, compreendendo a exterioridade social, que influi na compreensão das formações discursivas e ideológica, a partir da ideia de que elas são produzidas por alguém, num determinado lugar. A terceira parte analisa o discurso ambivalente referente à construção da Barragem de Sobradinho e como eles são apresentados nas páginas do Jornal Rivale, principalmente a partir da visão de articulistas. Nesta parte, em especial, debruça-se na análise do discurso de Walter Dourado para compreender como o debate público promovido pelo jornal, a partir dele, foi dimensionado. A quarta parte analisa a retórica discursiva interpelada por outro cronista, Ermi Ferrari, no intuito de compreender seu posicionamento ambivalente a respeito da obra. A quinta parte debruça-se na análise do discurso interpelado pelo bispo da diocese de Juazeiro, Dom José Rodrigues. Sem dúvida, a participação do bispo na divulgação dos impactos promovidos pela obra foi fundamental. A sexta e última parte traz a trajetória do jornal na divulgação da temática ligada à construção da Barragem de Sobradinho, a partir da retórica do progresso. 16 2. O DESENVOLVIMENTISMO E O JORNAL RIVALE 2.1 O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTISMO Terminada a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento econômico tornou-se ideia central no cenário internacional e o estadode “subdesenvolvimentismo” de parte dos países era algo que precisava ser superado. Nesse sentido, “as sociedades deveriam crescer economicamente e entrar na “modernidade” ou fracassar” (OLIVEIRA, 2018, p. 317). Nesse contexto, explorar os recursos naturais disponíveis e utilizá-los para projeto de desenvolvimento se tornou o foco dos países subdesenvolvidos como o Brasil. Por isso a exploração hidrelétrica foi fortemente promovida pelo Estado Brasileiro a partir da década de 1940. Como destaca Oliveira (2018, p. 318) “o desenvolvimentismo foi a ideologia econômica que criou a base para o projeto de industrialização no Brasil desde os anos 1940, com o objetivo de superar o atraso e a pobreza no país” Esse projeto era baseado na ideia de industrializar o país com a participação direta do Estado, através de financiamentos em setores estratégicos, como o setor elétrico. Esse pensamento surgiu desde o período do governo de Getúlio Vargas, se estendendo-se ao período do governo de Juscelino Kubitscheck e se perpetuando até meados dos anos 1980, período final da ditadura militar brasileira. Ainda de acordo com Oliveira (2018), a ditadura militar consolidou o modelo estatal de geração hidrelétrica a partir de reformas institucionais e da autonomia dada a Eletrobrás. Assim, esse tipo de política desenvolvimentista, pautado na construção de barragens e no impulsionamento do setor elétrico brasileiro, constituía em práticas “essenciais ao projeto econômico do regime e sua consequente legitimação, como assim ressalta Oliveira (2018, p.334): . Durante a ditadura, houve a construção de 61 grandes barragens hidrelétricas que aumentaram a capacidade instalada de 4.894 MW a 37.437 MW entre 1964 e 1985, e a eletrificação residencial, que chegou a 75% em 1985 contra somente 45% em 1970. O chamado milagre econômico (1969-1973) influenciou no aumento da demanda energética, influenciado pelo aumento rápido do Produto Interno Brasileiro (PIB). Nesse contexto, o governo militar aproveitando-se do percurso favorável da 17 economia brasileira, colocando-se na posição de financiador de grandes projetos faraônicos, com o intuito de garantir sua legitimidade nas esferas do poder. Como define Oliveira (2018, p. 335): Nesse período, e particularmente durante a presidência de Emílio Médici (1969-1974), o regime não se absteve de usar o crescimento econômico e os grandes projetos para se legitimar no comando do país. Na imprensa e na televisão, as palavras de ordem ‘Brasil Potência’ e ‘Para frente Brasil’ eram repetidas em um frenesi nacionalista como forma de promover o projeto político do governo militar. Conforme Rabelo (2014), em fevereiro de 1972, o presidente Emilio Garrastazu Médici lançou o Projeto para o Vale do São Francisco, o Provale. Mas a base desse projeto vem desde a década de 1940, quando se criou duas instituições na região que são bases para o desenvolvimentismo que o Estado queria implantar no Nordeste brasileiro. O primeiro projeto foi a criação da Comissão do Vale do São Francisco (CVASF), com fundo permanente de 1% das receitas do país, e atribuição de cuidar da educação, transportes, agricultura e regularização do Rio para a navegação; o segundo projeto foi a criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), responsável pelos investimentos em eletrificação na região. É nesse período que se iniciam as obras da barragem de Paulo Afonso. A CVSF foi sucedida pela Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), criada pelo decreto-lei 292, de 28 de fevereiro de 1967, numa reestruturação institucional que mudou as bases de sua política, afirmando que Era também um redirecionamento das práticas de intervenção, que iria focar muito mais na agricultura irrigada, e descurar, por exemplo, da navegação, dada a predominância dos transportes rodoviários no país desde o final dos anos 1950 (RABELO, 2014, p. 108). A Suvale foi sucedida pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), criada em 16 de julho de 1974 pela Lei 6.088. A Codevasf procurou fomentar e executar, no âmbito de sua influência, o objetivo do Governo Federal, na linha do “progresso” da região, utilizando-se dos recursos hídricos com a criação dos chamados Projetos de Irrigação - zonas agrícolas doadas ou compradas por agricultores, chamados colonos. Em 06 de janeiro de 2000, a Codevasf teve sua área de https://pt.wikipedia.org/wiki/16_de_julho https://pt.wikipedia.org/wiki/1974 18 atuação ampliada para a bacia do rio Parnaíba, incorporando à sua sigla o vale do Parnaíba, sendo denominada a partir de então de Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Assim, o Provale, o grande Projeto para o progresso regional, surgiu com a finalidade de reunir e materializar os projetos das diferentes instituições, com vistas ao desenvolvimento efetivo, que foram abandonados antes do regime militar. É nesse contexto que surgiu o projeto de construção da barragem de Sobradinho. Mas, de acordo com o jornal Rivale, a ideia de construir Sobradinho é antiga e vem desde o governo Jânio Quadros. Na edição de número 207, do ano de 1976, o periódico destaca na coluna “Sobradinho é notícia” um bilhete escrito por Jânio Quadros, na época em que era presidente da república. O Rivale o define como “homem de vassouras” e informa que ele desejava transferir os equipamentos de Três Marias para Sobradinho. O jornal transcreve o seguinte: Recomendar ao Superintendente da CVSF conceder prioridade absoluta a conclusão do projeto técnico da Barragem de Sobradinho, ao recondicionamento das máquinas necessárias, para início da obra em começo d e1962”. 2º- Recomendar, logo orçada a obra, igualmente o entendimento do Superintendente, com o Diretor Executivo da Sudene e Sr. Ministro da Viação ou diretor geral do DNOCS, para elaboração com o Sr. Ministro da Fazenda do esquema financeiro de empreendimento. 3º- Determinar aos mesmos órgãos disciplinares no Orçamento de 1962, a parte dos recursos que caberá a cada contribuir, ou seja 50% para a CVSF e 25% para a SUDENE, das despesas. 4º- Decidir logo concluído e orçado o projeto, se sua construção será feira administrativamente ou se em regime de concorrência pública como ocorreu em Três Marias (RIVALE, 1976, ed. 207, p. 3). Constata-se que o projeto Sobradinho era pensando desde o período de Jânio, ou seja, antes mesmo da tomada de poder por parte dos militares em 1964. O jornal ainda ressaltou nesta edição, que a barragem, antes da sua construção, passou por uma série de “desvantagens e bruscas paradas decorrentes de mudanças da política governamental”, não mencionado em hipótese nenhuma, a mudança na conjuntura política depois da “Revolução”, como era encarada pelo Rivale, as comemorações do 31 de março. O jornal, em seguida questiona: “Será que se ele não tivesse renunciado, Sobradinho teria sido construído 10 anos antes?” Deixou assim, a critério dos seus leitores a análise e resposta da questão. 19 O projeto Sobradinho foi criado para regularizar o fluxo de água necessário para gerar energia na Usina de Paulo Afonso, e fez parte do projeto desenvolvimentista assumido pelo governo militar na década de 1970. De acordo com De Souza (2007) a obra [...] foi decidida, junto com tantas outras grandes obras de infraestrutura, nos gabinetes do governo militar, sem consultar o povo, sem maiores preocupações com o meio ambiente ou com os impactos negativos que o represamento do Rio São Francisco poderia produzir no futuro. Sobrava dinheiro no mercado internacional para empréstimos para os países em desenvolvimento e os planejadores oficiais da pátria tinham centenas de projetos faraônicos prontos para serem colocados em prática. Alguma autoridade com o peito cheio de medalhas tomou a decisãoe disse ‘faça-se’. Ninguém questionava uma ordem dessas naquela época (DE SOUZA, 2007, p.1). Como ninguém questionava, é importante ressaltar o papel da imprensa nas divulgações dos projetos desenvolvimentistas, o que fez gerar forte legitimidade social. Em Juazeiro, norte da Bahia, apreende-se a importante participação do Rivale nesse processo. Tendo como base a retórica do progresso, o periódico foi indispensável nas divulgações relacionadas à construção da barragem, principalmente a partir da coluna “Sobradinho é notícia”, que abordaremos posteriormente. 2.2 O DESENVOLVIMENTISMO E O JORNAL RIVALE Desde que iniciou suas atividades no ano de 1972, o Rivale se posicionava atento às questões sociais consideradas mais urgentes, se lançando como o porta-voz dos anseios da população. Nesse mesmo período, o jornal já justificava que seu surgimento só foi possível, em razão do surto de desenvolvimento que Juazeiro atravessava nos últimos anos e que por causa disso, se fazia necessário ter um veículo capaz de ser o porta-voz do “progresso”, fato que pode ser observado na décima edição do periódico de 15 de julho de 1972, em comemoração aos 94 anos de emancipação política da cidade de Juazeiro: O surto de desenvolvimento que Juazeiro vem atravessando nos últimos anos, consolidando sua posição de município líder da região do São Francisco, foi a principal razão para o surgimento do RIVALE. É lógico que precisávamos de um órgão capaz de levantar a bandeira do nosso progresso, porta-voz dos anseios da população da região, 20 levando a todos os recantos da Pátria a mensagem de um povo empenhado na construção do futuro (RIVALE, 1972, ed.10, p.1). A bandeira do progresso é latente e era o conceito associado pelo periódico ao desenvolvimento dos municípios de médio porte. A própria linha editorial fazia referência à defesa do progresso e das políticas públicas desenvolvimentistas, assumidas pelo Governo Militar durante a década de 1970. Figura 1 - Caderno especial “Sobradinho em debate” (30ª edição do Rivale) Fonte: Arquivo Maria Franca Pires – UNEB/DCH III. 21 A produção de cadernos especiais dava enfoque a estas políticas desenvolvimentistas, ao progresso e à construção da barragem de Sobradinho, tida pelo Rivale como “a redentora do Nordeste”. Para exemplificar, o caderno especial “Sobradinho em Destaque”, com 10 páginas, foi distribuído na 30ª edição, de 15 de abril do ano de 1973. No texto de abertura, o jornal destaca que o caderno especial está circulando para tratar do tema ligado à barragem de Sobradinho. Observa-se que o jornal recorre à narrativa do progresso para dar ênfase à obra, naturalizando e invisibilizando a situação dos ribeirinhos, como no exposto abaixo: É verdade que algumas cidades irão desaparecer para dar lugar a um grande lago formado pelas águas represadas. Mas a coisa não é tão drástica como se anuncia. As providências cabíveis e humanas estão sendo tomadas para que ninguém fique desabrigado ou prejudicado (RIVALE, 1973, ed. 30, p1). Este movimento de supressão e invisibilidade das populações ribeirinhas pode ser observado na produção retórica do jornal em outros momentos. Voltando a análise do caderno especial, observa-se que esta intenção de invisibilizar o modo de vida ribeirinho e também esteve presente no relatório enviado em 14 de junho de 1972 pelo engenheiro responsável da construção da barragem, Eunápio Peltier de Queiroz, ao Presidente das Centrais Elétricas Brasileiras S/A, Mário Penna Bhering. Tal relatório de teor “confidencial” ganhou os destaques Rivale depois de ter sido lido na integra pelo Deputado Estadual Jayro Sento-Sé na Assembleia Legislativa da Bahia em 5 de abril de 1973. No relatório são analisados os aspectos gerais da obra, além das características geográficas e sociais da região de Juazeiro. Ao se referir à população ribeirinha, o engenheiro argumenta que o habitante da região, especificamente o rural, é “extremamente pobre e subdesenvolvido”, condicionado ao rio: O ‘barranqueiro’ é o homem totalmente condicionado ao rio que tudo lhe dá. Vive isolado e auto-suficiente. Analfabeto, sem usufruir qualquer benefício de comunicações de massas, seus contatos humanos restritos ao seu próprio nível, com os vizinhos e nas feiras, - sua mentalidade não pode evoluir, considerando-se primitivo, sem poder aquisitivo, sem aspirações, conformado e dominado pelo pavor 22 ao desconhecido. Assim, agarram-se ao rio que lhe assegura a sobrevivência e às crenças que o confortam. – Além de tudo, com justa razão, profundamente sentimental para com o seu rio, por afeição, - O VELHO CHICO. Socialmente é, pois, um ser desvinculado, cultural e economicamente, do resto país”. (RIVALE, 1973, ed. 30, p5). De fato, o discurso de Peltier de desqualificação do barranqueiro e de seu modo de vida tradicional, foi constituído na tentativa retórica de dar legitimidade a outro discurso: ao do capitalismo e suas transformações. Negar a existência do ribeirinho, atrelando-lhe a figura de um ser quase “desprezível”, é dar legitimidade a ideia de progresso, suscitada pelo Estado a partir da construção da barragem de Sobradinho. Na concepção de Dupas (2007, p. 5), “a legitimação econômica permite ao sistema de dominação adaptar-se às novas exigências de racionalidade”. Para isso, se faz necessário uma despolitização da grande massa: “Com a opinião pública perdendo sua função política, surge a ideologia do progresso técnico, no qual ciência e técnicas assumem o papel de garantidores da inevitável redenção” (DUPAS, 2007, p. 5). Nesse sentido, é possível verificar que Peltier ao desqualificar o ribeirinho e seu modo de vida, em seu discurso, estava constituindo a estratégia de fazer a opinião pública se render ao discurso do Estado, como garantidor do “progresso” e das “boas novas”. O ideário de progresso, defendido pelos agentes desse Estado, políticos e suscitado no Rivale, também pode ter promovido a despolitização da grande massa, o que gerou uma forte tendência de legitimação social, coadunada com as falas do poder local, via suas representações políticas. Como Peltier representava a figura do Estado, era socialmente compreendido como um técnico (entra aí o conceito técnico x científico supracitado anteriormente) de vasto conhecimento sobre o assunto, sendo lhe atribuído à figura de alguém que sabe o que faz garantidor da “inevitável redenção” supracitada por Dupas (2007). O pensamento do engenheiro Peltier de Queiroz foi reproduzido por representantes das elites locais em outras ocasiões. Em artigo assinado na edição 52, de 15 e 16 de setembro de 1973, por Hailton Alves da Silva, o ribeirinho foi representado como alguém que tinha medo da obra e não estava preparado para receber os impactos favoráveis do “progresso” decorrente da magnitude do empreendimento, como observado no trecho em destaque 23 De há muito tem sido um dos motivos que vem se constituindo um bicho de sete cabeças, mormente para os ribeirinhos que choram, pranteiam, quando pensam em abandonar seus velhos berços que os viram nascer e iriam para lugares outros por se determinar. Com efeito, Sobradinho nos trará ciclópicos benefícios, entretanto, muitos obscurecem isso, particularmente, os habitantes das margens sanfranciscanas, dizem inclusive que esta ‘barragem desgraçada’ vem nos matar, e não só a nós, como aos nossos bichinhos. Dou-lhe razões, pois não estão preparados para receber este benefício, e por que não esta dádiva (RIVALE, 1973, ed. 52, p.11). No trecho em destaque, apreende-se que o autor estava ciente do temor da população com os impactos da obra e o possível deslocamento da população para outras regiões, como a Serra do Ramalho, próximo a Bom Jesus da Lapa, 700 km distante da barragem. ConformeCosta (1990), o trabalho de convencimento das famílias a serem realocadas iniciou em 1974, mas até maio de 1977 apenas 1013 famílias das 4.000 tinham aceitado sair dos seus espaços territoriais de referência. Ao se fazer a leitura do texto, fica evidente o menosprezo à cultura ribeirinha e a relação da população com seu espaço territorial e de referência social, com os seus costumes e tradições. A intenção do autor foi demonstrar um alinhamento com o discurso das Forças do Estado e da ideia de progresso, representado no discurso do engenheiro Eunápio e na retórica discursiva do jornal, para valorizar aspectos como a captação de recursos para região, como pode ser observado no trecho em destaque: Nós, no entanto, já temos um certo grau de conhecimento, reconhecemos categoricamente que os frutos do progresso hão de brotar deste empreendimento que está convulsionando e atraindo a atenção nacional. Comprová-lo-emos mais tarde (RIVALE, 1973, ed. 52, p.11). Neste sentido, é preciso compreender a função do jornal como aparelho ideológico do Estado para reforçar os interesses políticos e consolidar a política desenvolvimentista propagada pelo governo militar a partir da ideia de “progresso” que na definição de Dupas (2007), não passa de um discurso hegemônico de parte dominante das elites e se constitui em [...] um mito renovado por um aparelho ideológico interessando em nos convencer que a história tem um destino certo e glorioso - que dependeria mais da omissão embevecida das multidões do que da sua vigorosa ação e da crítica de seus intelectuais (DUPAS, 2007, p. 77). 24 Analisando a conjuntura política da época verifica-se que o Rivale colaborou para reproduzir as políticas desenvolvimentistas propagadas pelo regime militar, cuja retórica do “progresso” se constituiu como uma estratégia enunciativa para defender ou justificar o modelo de governo vigente. Essa estratégia enunciativa se constituía na naturalização dos impactos circunscritos à obra, bem como na tentativa retórica de deslegitimar o modo de vida tradicional do ribeirinho. Enfim, o discurso interpelado pelo Rivale o caracteriza como responsável por gerar silenciamento ou naturalização das questões mais urgentes. Justamente por isso é que os textos não podem ser interpretados sem pensar a relação contextual dos sujeitos políticos. 2.3 O RIVALE E O DISCURSO DA OBJETIVIDADE Ao seguir a tendência de modernização e profissionalização do jornalismo brasileiro, o Rivale passou a se preocupar em atrelar sua imagem a de um jornal neutro, preocupado com os fatos e com as verdades, como pode ser observado no texto encontrado no caderno especial intitulado “Sobradinho em Destaque”, de 15 de abril do ano de 1973: “As explicações que o povo espera, a verdade que merece ser analisada, as conclusões que devem ser sacadas, tudo isto em farto material. Você encontra neste caderno especial”. (RIVALE, 30 ª edição, 1973, p1). Inferiu-se que havia um interesse da organização de legitimar o periódico como um veículo imparcial ou desapaixonado. Na edição de número 35, por exemplo, publicada em 20 de maio de 1973, o jornal deu destaque ao requerimento interpelado pelo Deputado Luís Prisco Viana. Tal requerimento foi aprovado pela Comissão de Minas e Energia e convocou o engenheiro responsável pelas obras de construção da Barragem de Sobradinho, Eunápio Peltier de Queiroz para prestar esclarecimentos relacionados à construção da barragem. No requerimento, o deputado citou o Rivale como órgão representativo na região ao publicar regularmente aspectos da construção da barragem. Em nota, o jornal reiterou: “Justifica-se esta referência ao nosso jornal pelo fato, já por todos conhecido, de que verdadeiramente fazemos imprensa séria, objetiva e, sobretudo desapaixonada” (RIVALE, 35 ª edição, 1973, p1). 25 No editorial intitulado “Mais uma etapa vencida”, na última edição do ano de 1979, o Rivale destacou que o ano representou mais uma etapa vencida de lutas para entregar semanalmente (aos sábados), “um jornal com as notícias de interesse da comunidade, compromissado com a verdade, com o equilíbrio e com a imparcialidade”. Como afirma Rabelo (2014): Desde os meses iniciais de 1972, RIVALE se relaciona com as questões políticas, como o lançamento do Provale, mas, como é próprio à definição histórica de regras no discurso da imprensa, buscava ajustar sua linguagem, no sentido de procurar demonstrar imparcialidade, não demonstrar filiação partidária, mas sem deixar de demarcar a mudança que se dizia ser perceptível [...] (RABELO, 2014, p.109). Apesar de identificar um discurso ambivalente, reverberado por alguns colaboradores que partem para a defesa das populações ribeirinhas e manutenção da navegação, é notório publicações que partem para a defesa do projeto, que incluem a regularização do rio e a ampliação da irrigação a partir da criação do lago. Rabelo (2014, p. 110) ressalta que faces distintas do problema podem ser encontradas, mas de modo geral, os enunciados, a seleção de temas e a forma como eram publicadas as colunas e notícias reverberam uma posição favorável à obra, “uma tônica dominante da imprensa”. Entende-se que a matéria-prima do jornalismo - a notícia – é resultado de processos complexos de interação entre os agentes sociais, os jornalistas, as fontes e a sociedade. Por isso, é que se considera que os meios de comunicação, particularmente os preocupados em divulgar informação jornalística, não podem ser mais entendidos como reflexo da realidade ou como veículos detentores de “verdades” e “fatos” objetivos, mas como participantes ativos na construção da realidade social, como recomendam os estudos estruturalistas e interacionistas (TRAQUINA, 2004, p.28). Nesse sentido, é necessário compreender que os paradigmas de objetividade e imparcialidade, suscitado pelo jornal Rivale para dar legitimidade social à sua atividade jornalística não passa de um mito ainda reverberado por muitas outras organizações de imprensa atualmente. Para a jornalista Naíma Saleh (2018, p.2), na verdade, “a 26 imparcialidade não existe, mas é falsamente promovida a custo de uma intencionalidade velada”. E é essa intencionalidade que será abordada nas partes seguintes deste trabalho. 27 3. O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O PROGRESSO NO RIVALE 3.1 RIVALE E A DEFESA DA BARRAGEM A tendência de alinhamento do jornal à defesa da construção da barragem de Sobradinho, com base na retórica do progresso foi verificada nas 139 edições do Rivale. Esse posicionamento editorial é percebido principalmente na coluna " Sobradinho é notícia”, que o jornal manteve desde o ano de 1973, com notas informativas sobre o andamento das obras, as desocupações, a construção das novas cidades, pagamento das indenizações, as visitas dos engenheiros e outras autoridades, bem como os investimentos na produção e geração de energia do sistema CHESF. Como afirma Rabelo (2014, p. 105): Em diferentes momentos, mas com ênfase, quando da proximidade dos aniversários da obra, a coluna informa com boa dose de disfarce dos conflitos, a respeito dos “entendimentos amigáveis para a desapropriação e relocação de propriedades e benfeitorias. Esses “entendimentos amigáveis” suscitados por Rabelo podem ser notados no destaque abaixo, retirado da edição de número 143, do ano de 1975 do periódico: [...] as relocalizações e indenizações marcham gradativamente sobretudo no ponto de vista das aceitações, pois existem os discordantes que sem dúvida, depois de verificados ‘in totum’ o imóvel e mesmo uma melhoria de preço, terminam entregando e passando a escritura de venda (RIVALE, 1975, ed. 143, p.4). Sobre o trabalho realizado peloCIRES/Sobradinho, setor de indenizações da CHESF, ainda nesta edição, o jornal destacou que o sistema de indenizações da Companhia merece elogios, “pois ninguém que possui posses de terra e deseje indenizações, sai de lá contrariado”. O jornal ainda complementou: “É, pois, de grande realce, interpretar os desejos de um eficiente projeto, como o que ora estamos apreciando em execução” (RIVALE, 1975, Ed. 143, p.4). Percebe-se que a forma como é descrita a questão das indenizações, subtende-se que a CHESF em ato de bondade, ofertava um valor maior ao imóvel, muito acima do que ele valia de fato. Quanto às adjetivações suscitadas é possível observar um apreço pelo projeto considerado “eficiente” e uma tentativa retórica de promover a imagem da CHESF, o que nos faz inferir um discurso de naturalização do processo de indenizações, 28 como se todo o processo fosse feito de forma pacífica. Mas não foi bem assim. A coluna “Diocese em Foco” contesta a propaganda oficial, principalmente neste aspecto. Mais isso é algo que será abordado posteriormente no capítulo cinco. Em contrapartida, os inventários também revelaram outras vozes discursivas, representadas nas colunas de Ermi Ferrari, Walter Dourado e o bispo da Diocese de Juazeiro, Dom José Rodrigues Lima, seja para discutir a construção da obra, os impactos à navegação, bem como a questão das indenizações. E por que estes articulistas são considerados importantes? Porque nos permitem identificar ambivalências discursivas presentes no jornal, contrapondo o discurso massificante de forte legitimidade social como foi o da construção da Barragem de Sobradinho. 3.2 WALTER DOURADO E A RETÓRICA DO PROGRESSO. Desde as primeiras publicações do jornal, Walter Dourado se colocou disponível para acompanhar as discussões em torno da obra na coluna “Histórias, Tradições, Comentários e Sugestões”. O primeiro texto é intitulado “Celeuma em torno da barragem de Sobradinho”, datado do ano de 1972. No ano de 1973, nas edições 47 e 48, ele retornou ao tema com o artigo “A bacia fluvial do São Francisco e a barragem de Sobradinho”. Para esta pesquisa, foi crucial entender como o cronista discutiu os impactos socioeconômicos da obra para a região, questionando em determinados momentos se o projeto era o mais recomendado para as condições socioespaciais da região. Na edição 47 do Rivale, Walter iniciou sua argumentação afirmando que não costuma entrar em “seara alheia”, mas “a grande significação social dos problemas que envolvem a construção das barragens” - aqui ele não especifica a barragem de Sobradinho - dão-lhe o direito de tecer comentários em torno do assunto. Para o autor, o uso, a utilização, o tratamento e as transformações a serem feitas nas bases fluviais obedeciam a alguns acordos e convenções de âmbito internacional. Walter destacou que “o rio São Francisco abrange o envolvimento desta ordem” e o decreto número 3.749, de 1867, “faculta franca navegação internacional até Penedo, no Baixo Rio”. O cronista afirmou que, o que concerne ao aproveitamento da queda d´água, foram estabelecidas algumas normas para conciliar os interesses dos diversos 29 “Estados interessados”, sem prejuízos para as atividades particulares ou da comunidade em geral. Esta determinação foi prevista, em 1965, quando uma comissão de Estudos dos Jurisconsultos para o Comitê Jurídico Latino-Americano elaborou um projeto que aconselhava a realização de um exame para analisar a questão do aproveitamento dos sistemas fluviais, estabelecendo recomendações que envolviam obras de sentido agrícola e industrial. Dentre as recomendações, Walter ressaltou o item 4 que afirma que: “essa utilização não deve prejudicar a navegação, nem causar prejuízos substanciais”. Ao trazer essa discussão, Walter Dourado tinha consciência da importância econômica da navegação local e os interesses da elite política com a formulação de novos projetos para a região como a implantação dos projetos de irrigação que utilizariam a água do rio. Segundo Rabelo (2014), grupo de vozes concorrentes ao Projeto de Sobradinho eram veiculados no jornal juazeirense, entre eles estão o que defendiam as vantagens da obra, incluindo a regularização da vazão do rio; a agricultura irrigada a partir da criação do lago artificial, e outros grupos preocupados com a manutenção da navegação e a situação da população atingida. Nestes artigos, Walter se mostra porta-voz de um desses grupos. Ao citar que existem normas e diretrizes internacionais, Walter enviesou por um caminho de defesa a um projeto transparente, que não prejudicasse a navegação na região. Ele salientou que algumas considerações precisavam ser analisadas, “a fim de esclarecer algo obscuro, quanto à execução do Projeto da Barragem de Sobradinho”. O articulista julgava que não havia possibilidade de criar um plano unilateral, em detrimento de outros fatores e necessidades, e que cabia ao Governo, o exame e estudo necessários, como escreveu na 47a edição, de 11 e 12 de agosto de 1973: Porque cabe ao Governo examinar os projetos e guiar o estudo no sentido de que favoreçam todos os setores. No caso da Barragem de Sobradinho, os três aspectos: a) Aproveitamento da força hidráulica; b) formação de um sistema de irrigação; c) continuidade da navegação. É necessário, pois, que haja planejamento coordenado, sempre que estiver em jogo os interesses empresariais, das empresas públicas ou privadas, no sentido do aproveitamento dos cursos d´água, cachoeiras (RIVALE, 1973, ed. 47, p 8). 30 Na 48ª edição, de 18 e 19 de agosto, Walter continuou a reflexão, salientando que todo planejamento é atributo do Governo da União. O cronista defendeu que, em princípios econômicos sadios, “deve-se considerar que a melhoria das condições de vida é perfeitamente compatível com os conceitos de liberdade política e do direito de propriedade”, mas salientou que não se deve aceitar transformações que não coadunem com o conceito de “progresso e desenvolvimento com base na solidariedade humana”. Para o historiador não haveria progresso se a construção da obra trouxesse impactos negativos aos setores sociais, principalmente os vinculados aos interesses da manutenção da navegação. Mas, como visto nas edições analisadas, a linha editorial do jornal considerava que a obra atendia a lógica do desenvolvimento regional. Neste sentido, é preciso compreender a função do jornal como aparelho ideológico do Estado para reforçar os interesses políticos e consolidar a política desenvolvimentista propagada pelo governo militar a partir da ideia de “progresso” que, para Dupas (2007), se constitui como “o mito renovado por um aparato ideológico interessado em convencer que a história tem destino certo e glorioso”. Analisando a conjuntura política da época é de se apreender que o Rivale colaborou para reproduzir as políticas desenvolvimentistas propagadas pelo regime militar, cuja retórica do “progresso” se constitui como uma estratégia enunciativa para defender ou justificar o modelo de governo vigente. Na década de 1970, no contexto da política desenvolvimentista, se opor a narrativa do progresso não era uma atitude comum, e muitas vezes difícil. Joseph Bandeira, poeta juazeirense, pertencente à classe política intelectualizada local suscitou na edição 167, de 15 de novembro de 1975, versos que demonstram os anseios do progresso na vida dos ribeirinhos: Cresce um lamento no seio do povo... cresce um lamento! A ele, junto minha voz sentindo-a, neste momento. Acentuada de mágoa, funda e remansosa mágoa! Porque aceito o que está feito. Concordo onimodamente com o que me exige o progresso e glorifico o futuro da região sanfranciscana, mesmo com o sacrifício das cidades atingidas pelas águas que serão represadas na terrível...barragem... de Sobradinho... Tenhoos olhos no futuro. Vejo as indústrias chegando. Pesados investimentos da grande empresa privada. E mais oportunidades de trabalho a quem precisa. E a terra se povoando, se cosmopolitizando, turistas nos procurando o clima se transformando melhorando nossa vida (RIVALE, 1975, ed. 167 p. 5). 31 Há um reconhecimento da situação desesperadora das populações atingidas que é sufocada com a esperança dos desdobramentos que a obra trará para a região. Se opor ao projeto da barragem de Sobradinho era delicado naquele momento, principalmente pela legitimidade social que o projeto conseguiu graças ao papel da Imprensa. No contexto de ditadura militar, então, era mais difícil ainda: Como define Rabelo (2014) A margem de enunciação de Joseph Bandeira era, portanto, delicada, tendo em vista que, tratando-se de um projeto do regime militar, com uma ampla legitimidade social construída pelos discursos de engenheiros, de políticos e da imprensa, e com pouca possibilidade de crítica, a construção era celebrada junto com seus desdobramentos no sentido do esperado desenvolvimento do Vale, mesmo que o poeta quisesse fazer coro aos lamentos (RABELO, 2014 p. 107). Talvez Walter Dourado tenha passado pela mesma situação. Por isso, destacamos sua coluna por evidenciar algumas vozes minoritárias que não tinham ganhado visibilidade no discurso jornalístico. Na coluna, Dourado chegou a definir seu pensamento como possível “devaneio”, mas com a intenção de ressaltar para os executores da obra “pontos nevrálgicos” na questão do aproveitamento do potencial energético do Rio São Francisco. Walter Dourado trouxe questionamentos inclusive sobre novas possibilidades de aproveitamento do curso do rio, preservando a relação do ribeirinho e o pertencimento ao território. Em de seus questionamentos ele pergunta: “Não seria possível a formação do lago fora do leito do rio?’’ Walter presume que sim, retomando o questionamento: “E por que não se preferiu desta forma, menos prejudicial aos interesses dos ribeirinhos?”. Walter posteriormente estimulou o leitor a refletir o motivo de tantas variações no projeto, mudanças e indecisões. Para consolidar sua linha argumentativa, Walter parafraseou um comentário do professor Vasconcelos Sobrinho, em entrevista para a revista Realidade no ano de 1972, defendendo que com base nas condições ecológicas da região, uma superbarragem como a de Sobradinho seria inconveniente, devido aos altos índices de evaporação. Ele argumentou ainda que o ideal seria a construção de barragens médias, pois assim, não estariam sujeitas a grandes perdas com a evaporação, como observado no destaque abaixo: 32 A solução, então, seria uma série de barragens médias que limitando os reservatórios praticamente à calha do rio, não estarão sujeitas à grandes perdas por evaporação e manterão a vazão do rio em condições ideais durante os meses de estio (RIVALE, 1973, ed. 48, p.8). O colunista concluiu que, desde o início, acompanhou as discussões em torno da obra, e avaliou que o Programa Especial para o Vale do São Francisco (Provale) poderia utilizar o rio para três fins – Navegação, Irrigação e energia. Nestas mesmas edições, dois artigos de Ermi Ferrari foram encontrados que demonstravam uma preocupação com os modos de vida das populações que viviam às margens do rio São Francisco, como os beradeiros e barraqueiros. Assim, o pensamento de Walter Dourado representava grupos locais interessados em discutir a construção da Barragem de Sobradinho, preservando, principalmente, a navegação do rio São Francisco. Walter retomou a questão em 1975, na edição 163, mais uma vez na coluna de sua autoria intitulada “História, Tradições, Comentários e Sugestões”. O cronista destacou a realização do 1º Seminário da Bacia do S. Francisco, e tratou nesta edição sobre o tema da “Energia de Paulo Afonso, os planos de eletrificação e a economia do Vale”. Uma tentativa retórica de tratar da problemática do desenvolvimento regional, “procurando despertar atenções para nossas prementes necessidades” (RIVALE, 1975, Ed. 163, p. 8). Na verdade, Walter demonstrou aqui, um anseio que ele já tinha apresentado em 1973, como explicitado anteriormente. O “plano de eletrificação do Nordeste” foi apresentado como tese oficial do Brasil na reunião internacional realizada em Madri nos dias 5 a 9 de junho do ano de 1960. Ele destacou que o referido plano ensejou a oportunidade de ampliar os estudos sobre o assunto, com providências objetivas de explorar de modo definitivo fontes energéticas oriundas da força hidráulica da Cachoeira de Paulo Afonso. Desse modo, iniciou-se um planejamento e exploração do setor pela CHESF, que foi criada em 1945 e organizada de modo definitivo a partir do ano de 1947. O plano, segundo o autor, visava suprir as necessidades de consumo das populações carentes de força e luz com ênfase na eletrificação rural, para efeito de regar terras situadas às margens do rio São Francisco, fomentando assim a industrialização e as atividades agropecuárias. Walter afirmou ainda que o referido plano foi executado a partir de 1959 por etapas sucessivas que compreende o sistema Leste (Salvador e Recife) e os sistemas 33 regionais (Cariri, Fortaleza, Rio Grande do Norte, São Francisco, Senhor do Bonfim). Interessa a ele o sistema Regional de Senhor do Bonfim e o São Francisco que foram destinados a suprir a região Ribeirinha do Rio São Francisco nos estados de Pernambuco e Bahia. Previa-se inicialmente a instalação de uma linha de tronco de 132 KV (quilovolt), partindo de Cabrobó e também a instalação de redes de distribuição em seis cidades. As cidades seriam Cabrobó, Boa Vista, e Petrolina, em Pernambuco, e Casa Nova, Remanso e Pilão Arcado, na Bahia. Walter Dourado ainda esclareceu que um projeto anterior originado na Câmara dos Deputados pretendia trazer a energia de Salvador até a cidade de Senhor do Bonfim, onde se implantaria a subestação abaixadora para distribuição a outras cidades circunvizinhas como é o caso de Juazeiro. Esse plano foi abandonado, substituído por outro, com linhas gerais do primeiro. O cronista finalizou afirmando que a região ribeirinha foi prejudicada, paralisando a continuidade dos serviços pela margem esquerda do rio, a partir de Cabrobó, passando por Petrolina para servir aos três municípios baianos citados. Mais tarde, a fim de suprir a necessidade de luz e força em Petrolina, deliberou-se pela construção de linha de transmissão atravessando o São Francisco, proveniente da estação abaixadora de Juazeiro. O sistema São Francisco, segundo o Walter, ficou representando “letra morta”. Em seguida, o cronista afirmou que o potencial energético produzido no São Francisco através de sua “portentosa” cachoeira, esteve a serviço de outras plagas, ou outros interesses – que ele não menciona quais. “Alega-se sempre a pequena rentabilidade desta região, que permanece prejudicada por essa espoliação”. Ou seja, na concepção de Walter, a região ribeirinha sempre esteve “abandonada” nos planos de eletrificação do Estado. Ao citar, “os prejuízos”, há um tom de indignação no cronista. Sem citar a barragem de Sobradinho, Walter Dourado defendeu que uma nova estrutura social e econômica poderia ser criada compatível com a civilização moderna, como pode ser verificado no destaque abaixo: Os nossos barranqueiros desfrutarão certamente dos privilégios decorrentes da implantação de nova estrutura social e econômica, quando será criada a nova mentalidade e métodos de ação compatíveis com a civilização moderna. Pena é que o sacrifício a que se 34 submeterão os habitantes da gleba sanfranciscana possa perdurar, porquanto, segundo cálculos dos entendidos nos próximos 20 anos, recursos da energia hidráulica serão substituídos pela energia nuclear (RIVALE, 1975, ed.163, p.4). Percebe-se que Walter Dourado mais uma vez trouxe críticas ao projeto que se instalava. Nota-se que há um reconhecimento de que “uma nova estrutura social e econômica” seria proporcionada com a obra, bem como do sacrifício a que os barranqueiros seriam submetidos. Suspeita-se também que o cronista chega a considerar “desnecessário” o sacrifício que se impôs às populações atingidas, já que na concepção do cronista, outas fontes de geração de energia, como a nuclear, estava por vir. Por isso suspeitamos que Walter Dourado concordava em parte, com os planos de eletrificação proporcionados pelo projeto, mas não com a forma como ele estava sendo executado, prejudicando os ribeirinhos e principalmente a navegação. Na edição seguinte de número 164, baseado ainda no primeiro Seminário da Bacia Sanfranciscana que aconteceu no Grande Hotel de Petrolina/PE, o cronista afirmou que a realização do evento merecia louvores pela iniciativa interpelada pela Comissão da Bacia do São Francisco e pela Câmara Federal. Isso porque na visão dele, foram permitidas críticas contundentes ao governo e seus organismos específicos, valendo tais manifestações desfavoráveis às providências governamentais, como verdadeiros protestos às desigualdades, desajustes, inadaptações de leis e regulamentos aplicados no sentido de resolver problemas e dirimir questões ao bem-estar da coletividade. O cronista ainda destacou que embora possa admitir críticas desfavoráveis a este ou àquele processo, não é lícito desencorajar iniciativas como esta (de realização do seminário), “útil e oportuna”. Walter ainda reconhece que até agora ninguém foi contemplado com os benefícios diretos – aqui ele se refere à barragem, e isso lhe dá, em sua concepção, o direito de reclamar “melhor tratamento”. Pautando agora suas preocupações com a questão dos ribeirinhos, Walter Dourado presume que as novas cidades ofertariam melhor tratamento às populações atingidas pela construção da Barragem de Sobradinho. Sua coluna destacou que [...] A nova estrutura decorrente da criação de novas cidades possibilitará melhor tratamento às laboriosas populações que se aglomerarão em torno do lago, porquanto habitantes das margens do rio da unidade Nacional não deseja se afastar muito dos locais onde 35 nasceram, viveram e viram morrer seus antecedentes. (RIVALE, 1975, ed. 164, p.6). Em seguida, o autor defendeu que “cumpre aos poderes tomarem os anseios, as angústias e os justos desejos desta população digna de melhor sorte” e que se tome em consideração as proposições apresentadas no Seminário para proveito “do bem-estar do homem sofredor do Nordeste”. Ele concluiu com uma frase de efeito: “as providências não poderão mais sofrer adiamento. Urge medidas enérgicas, concretas”. Walter parece mudar de perspectiva ou de ponto de vista em relação à barragem de Sobradinho na edição de número 316 de 1979 depois que chuvas torrenciais provocaram inundações na sede e no interior do munícipio de Juazeiro. Na coluna “História, tradições, comentários e sugestões,”, o cronista retoma a temática do Rio São Francisco e da Barragem de Sobradinho no intuito de esclarecer, segundo ele, sobre as enchentes e a situação das cidades ribeirinhas após a construção da barragem de Sobradinho, as possíveis consequências e as providências que o poder público precisa adotar. Justificando que não tem vocação para futurólogo, porém, valendo-se da sua experiência e vivências no Vale (o colunista já morou na cidades das margens dos rios Pirapora, São Francisco e Januária, no estado de Minas e em Paratinga, Barra do Rio Grande, Casa Nova antiga e agora Juazeiro, no estado da Bahia), teceu comentário a sobre a problemática do Rio, sem pretensões de apresentar formas técnicas, credencial que segundo o próprio autor, ele não possui. Walter reconheceu que as enchentes e inundações de cidades ribeirinhas sempre foram uma constante na vida do vale e isso só acontecia devido à “imprevidência” dos habitantes, que constroem suas cidades à beira do rio, quando existia a possibilidade de construí-las equidistante, ou seja, longe do alcance das enchentes. Citando a cidade de Juazeiro, Walter informou que as primeiras edificações foram feitas na antiga passagem do juazeiro, no antigo Horto Florestal, no intuito de facilitar a realização do intercâmbio de mercadorias para outras cidades. Já com referência a segurança da Barragem de Sobradinho, Walter declarou: [...] Somos de opinião que não há perigo de qualquer espécie, visto como ela foi feita com técnica e segurança absoluta. Por outro lado, corroborando a opinião do Dr. Eunápio, julgamos que, se não fora a 36 barragem, a cidade de Juazeiro já estaria em começo de ser inundada (RIVALE, 1979, ed. 316, p.5). A coluna “Sobradinho é notícia” destaca nesta mesma edição que a CHESF Projeto Sobradinho, atendendo uma solicitação da Prefeitura Municipal de Juazeiro e da Comissão de Defesa Civil, fechou as comportas da barragem de Sobradinho para a reconstrução da Barragem de São Geraldo, que não suportou a cheia da Lagoa do Carmo, no bairro São Geraldo, em Juazeiro. Essa solicitação foi atendida num domingo, no dia 11 fevereiro de 1979, a zero hora e constituiu numa medida preventiva para impedir que a cidade fosse invadida pelas águas do rio São Francisco em outro momento. O Rivale destacou que essa medida foi uma demonstração de que a barragem não estava com nenhum problema de vazamento ou fissura como “boa parte dos maliciosos tem propalado7”. O jornal destaca ainda que Se houvesse algum problema com a barragem, não haveriam condições de serem fechadas as comportas, pois inevitavelmente os vazamentos e fissuras propalados seriam aumentados diante da pressão do grande volume d´agua que o reservatório começou a deter desde o momento de fechamento da barragem (RIVALE, 1979, ed. 316, p.4). O Rivale mencionou que a imprensa do país ainda continuava divulgando informação de que a enchente estava sendo motivada pela Barragem de Sobradinho, quando, na verdade, o que estava causando a enchente, segundo o Rivale, eram as chuvas torrenciais que caíram nas cabeceiras do São Francisco. Quando se compreende que a Imprensa do país suscitava a ideia de que a barragem de Sobradinho tinha relação com as enchentes, como descreveu o Rivale na coluna “Sobradinho é notícia” na página 4, e logo depois nota-se o posicionamento de Walter Dourado quando este declara na página 5 da mesma edição que a barragem nada tem a ver com as enchentes, é de se suspeitar que Walter tenha sido interlocutor do Rivale para defender um posicionamento que talvez não seja dele, mas da organização ao qual fez parte. Como destaca Benetti (2008) o sujeito do discurso é um sujeito disperso e desencontrado”, ou seja: 7 O mesmo que “divulgado”. 37 O indivíduo ao falar, assume uma posição determinada, de onde deve falar naquele contexto de produção. Isso quer dizer que o mesmo individuo, cindido em diversos sujeitos, move-se entre diversas posições de sujeito. A mesma regra vale para o indivíduo que ler (BENETTI, 2008, p. 118). Figura 2 – Edição 316 do Rivale: O Rio São Francisco e a Barragem de Sobradinho. (Coluna de Walter Dourado) Fonte: Arquivo Maria Franca Pires – UNEB/DCH III. 38 Nesse sentido, é possível presumir que Walter ao assumir esse posicionamento de afirmação de que a Barragem nada tinha a ver com as enchentes em Juazeiro, trouxe uma posição pré-determinada, ou seja, uma posição editorial do próprio Rivale. Como o mesmo mencionou em sua coluna não ser futurólogo, utiliza-se do fato de ter morado em outras cidades ribeirinhas do São Francisco, para possivelmente justificar sua mudança de posicionamento. Mas como o sujeito pode se mover entre diversas posições de outros sujeitos, ou discursos,
Compartilhar