Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
25 Módulo: 02 Capítulo: 02 Tema: Imunidade Inata Páginas: 25-46 Livro: Imunologia Curso: Licenciatura em Ciências Biológicas Modalidade: Graduação a Distância Consórcio: Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro – CEDERJ 26 Curso: Licenciatura em Ciências Biológicas Disciplina: Imunologia Conteudista: Dra. Layla Janaína Hissa Borges Profa. Dra. Andrea Cristina Vetö Arnholdt AULA 02 – Módulo 02 TÍTULO: Imunidade Inata RECONHECIMENTO DO ANTÍGENO Nesse tópico você irá conhecer como os microrganismos são identificados pelo sistema imunológico. O reconhecimento do microrganismo, também chamado de reconhecimento antigênico, é sempre o passo inicial de uma resposta imunológica. É necessário reconhecer para depois atacar, portanto devemos pensar que há estruturas nos microrganismos que são reconhecidas por receptores capazes de realizar esse reconhecimento. Já iniciamos essa conversa quando falamos dos PRRs, dos PAMPs e dos DAMPs. Agora veremos quais são essas estruturas e esses receptores. Um dos princípios necessários para o desenvolvimento de organismos multicelulares é a capacidade de discriminar, reconhecer o que é parte de seu próprio organismo (o que em imunologia chamamos de reconhecimento do “self”), e o que não é próprio, que é estranho a este ser multicelular (non self). Independentemente de quão simples ou sofisticada seja a resposta imune em termos dos elementos celulares e moleculares que a compõem, isto é, se ela se passa em invertebrados ou em vertebrados, ela será dotada da capacidade de distinguir entre o que é próprio e o que não é próprio. Alguns elementos que compõem a imunidade dos animais vertebrados superiores, isto é, a partir dos peixes mandibulados, são vistos também em invertebrados, e alguns deles até em plantas, como defensinas! Portanto, do ponto de vista funcional, mecanismos de imunidade observados em diferentes filos refletem analogias ou homologias, as quais resultam das diferentes estratégias que os seres vivos exploram para alcançar o mesmo propósito de preservação individual. Este propósito é alcançado por meio da capacidade de distinguir entre o que é próprio e o que não é próprio. Alguns mecanismos de imunidade observados em animais mais primitivos foram mantidos (conservados) na filogênese. 27 O mesmo princípio de discriminar o próprio do não próprio dota o sistema imune dos vertebrados da possibilidade de distinguir células transformadas (neoplásicas) e eliminá-las, não permitindo que se propaguem e se constituam, por exemplo, em um câncer. Padrões Moleculares Associados aos Patógenos - PAMP O sistema imune inato é capaz de reconhecer estruturas não próprias que estão presentes em patógenos e que não estão presentes no corpo humano. Essas estruturas fazem parte de um padrão molecular, ou seja, um grupo de estruturas que podem ser encontradas em diversos patógenos, como em bactérias, vírus e fungos, e por isso são denominadas como padrões moleculares associados aos patógenos (PAMPs, do inglês “Pathogen-Associated Molecular Pattern”). Essas estruturas são essenciais à sobrevivência do patógeno, como exemplo o RNA de dupla hélice presente em vírus, proteínas como a pilina e a flagelina presentes em bactérias, carboidratos (mananas) presentes em fungos e lipídios presentes na parede celular de bactérias Gram-negativas (como o lipopolissacarídeo LPS) e em bactérias Gram-positivas (ácido lipoteicoico - Figura 6) (Tabela 1). Tabela 2: Exemplos de PAMPs. (Fonte: Livro – Imunobiologia Celular e Molecular, 7ª ed., pág. 57) Tabela 2 – Exemplo de PAMPs 28 Você deve estar se perguntando: “Se o sistema imune inato é capaz de reconhecer PAMPs presentes em bactérias, por que necessitamos muitas vezes do auxílio de antibióticos para combater uma simples infecção de garganta? ”. Patógenos possuem mecanismos de escape, sofrem mutações modificando estruturas que passam a não serem mais reconhecidas pelo sistema imunológico, ou seja, há uma variação antigênica muito comum, por exemplo, no Influenza vírus e no Trypanosoma brucei. Algumas bactérias também são capazes de inibir a fagocitose ou a ação de proteínas do sistema complemento (vide box). Estes processos são conhecidos como evasão da resposta imunológica. Na tabela 3 você observa alguns dos diferentes métodos de evasão por bactérias intracelulares e extracelulares. Sistema Complemento Conjunto de aproximadamente 30 proteínas presentes no soro ou aderidas à superfície celular. Atuam por três vias distintas e são capazes levar à lise do microrganismo e opsonizá-lo, favorecendo o processo de fagocitose. Este sistema será abordado detalhadamente em outra aula. 29 Tabela 3: Mecanismos de evasão imunológica de bactérias extracelulares e intracelulares. (Tabela adaptada de: Livro – Imunologia Celular e Molecular, 7ª ed., pág. 350) Padrões Moleculares Associados a Danos - DAMPs Os padrões moleculares associados a danos (DAMP, do inglês “Damage- Associated Molecular Patterns”) são estruturas residuais de um dano celular que pode ser causado por um patógeno ou não. A liberação de toxinas por patógenos pode destruir algumas células locais gerando fragmentos celulares e a dispersão de conteúdo intracelular, como proteínas. Um simples trauma, uma queimadura ou um processo inflamatório promove a destruição de células liberando DAMPs no local, sendo assim, veja que a formação de DAMPs pode ocorrer por diferentes causas não condicionadas a presença de um agente infeccioso. As proteínas de choque térmico (HSP, do inglês “Heat Shock Proteins”) estão presentes em todas as células de mamíferos e, quando em condições de estresse celular, são liberadas, sendo posteriormente reconhecidas por PRRs, desencadeando uma resposta imune. Quando a célula se rompe derrama no meio extracelular proteínas exclusivamente intracelulares, como a HMGB1, que é uma proteína nuclear. O acúmulo de cristais também pode ser interpretado como sinal de dano. Por exemplo, os cristais de urato monossódico, resultantes da hiperurecemia, acumulam-se nas articulações, causando uma doença chamada como gota, tratada com antiinflamatórios. 30 Receptores de Reconhecimento de Padrões - PRR Os receptores de reconhecimento de padrões pertencem à imunidade inata e permitem o reconhecimento de PAMPs e DAMPs. Esses receptores são diversos e estão presentes na membrana plasmática de fagócitos, na membrana endossômica e no citoplasma, garantindo a defesa contra patógenos extracelulares e intracelulares. Os PRRs são codificados por genes germinativos, ou seja, não há recombinação somática (vide box) como ocorre na imunidade adaptativa. Portanto, a imunidade inata possui um repertório de especificidade restrito e a variabilidade desses receptores é limitada, assim a quantidade de estruturas que o sistema imune inato é capaz de reconhecer é pequena. A imunidade inata é capaz de reconhecer 103 padrões moleculares, enquanto a imunidade adaptativa é capaz de reconhecer 107-1011. Os PRRs presentes na membrana plasmática e nas membranas endossômicas, são responsáveis pelo reconhecimento de patógenos de origem extracelular e intracelular. Os principais são receptores semelhantes a receptores do tipo Toll, os TLRs (do inglês, “Toll-Like Receptors”). Há também os receptores presentes no citoplasma e que reconhecem antígenos intracelulares chamados de receptores semelhantes a NOD, os NLRs (do inglês, “NOD-Like Receptors”) e os receptores semelhantes a RIG, os Recombinação Somática Processo de rearranjo dos genes que codificam para as imunoglobulinas, receptores de linfócitos B e T. Esse processo gera diversidade de receptores e amplia a capacidade de reconhecimento de microrganismos distintos por gerarreceptores com diferentes especificidades de reconhecimento fino de antígenos. 31 RLRs (do inglês, “RIG-Like Receptors”). Vamos estudar mais adiante o grupo desses receptores que são tão importantes para a resposta imune inata. Os fagócitos reconhecem o antígeno direta ou indiretamente, sendo possível o reconhecimento do patógeno através da ligação direta entre o receptor da célula e o patógeno ou de forma indireta, onde o receptor opsônico (receptores de complemento ou de anticorpo) reconhece a opsonina (complemento ou anticorpo) que está ligada ao patógeno. Receptores do tipo Toll O histórico da descoberta dos receptores Toll é bem interessante. Na mosca de frutas (Drosophila melanogaster), foi identificado um grupo de PRRs que foram batizados de receptores Toll. Os receptores Toll, presentes na superfície de células da hemolinfa das drosófilas, reconhecem PAMPs e, por isso, são importantes na defesa destas moscas contra patógenos. Em animais superiores, foram descobertos receptores na superfície de fagócitos similares aos receptores Toll das drosófilas e, por isso, foram batizados de TLR, do inglês Toll-Like Receptors (que quer dizer receptores similares aos receptores Toll). Veja a figura 11 que exemplifica uma única célula contendo, na sua superfície, diferentes tipos de TLRs que reconhecem diferentes PAMPs. Em humanos, pelo menos dez TLRs têm sido descritos, e alguns já têm a sua localização cromossômica identificada. Nesta figura mostramos alguns TLRs presentes na superfície celular. O TLR-2 reconhece peptideoglicanas e lipoproteínas; o TLR-4 reconhece mananas, LPS e flagelinas (vide box); o TLR-5 reconhece flagelina. Os receptores não estão presentes somente na superfície dos fagócitos, mas estão presentes também nas membranas endossômicas como já visto por você nesse capítulo. Observe na figura 11 que alguns TLRs (TLR-3, -7, -8 e -9) são expressos exclusivamente em compartimentos intracelulares como na membrana endossômica, enquanto os TLRs -1, -2, -4, -5 e -6 são expressos na superfície de células dendríticas (DCs), macrófagos, entre outras. 32 Figura 11: Localização dos TLRs em células da imunidade inata. Note a presença dos TLRs na membrana plasmática e na membrana endossômica. (Fonte: Livro – Imunologia Celular e Molecular, 6ª ed., pág. 61) Flagelina Proteína globular constituinte do flagelo bacteriano. O flagelo é um filamento longo presente em algumas bactérias que confere mobilidade às mesmas, direcionando-as, assim, para ambientes favoráveis e afastando-as de ambientes adversos. 33 O reconhecimento desses padrões moleculares pelos TLRs, inicia vias de transdução de sinais que ativarão NF-B, um dos fatores de transcrição gênica, culminando na expressão de genes pró-inflamatórios e antivirais, dessa forma iniciando uma resposta imunológica contra o patógeno. Receptores Semelhantes a NOD - NLRs Os receptores semelhantes a NOD (proteína contendo domínio de oligomerização nucleotídica) estão presentes no citoplasma de diversos tipos celulares e são responsáveis pelo reconhecimento de patógenos intracelulares, por isso sua localização citoplasmática. Existem mais de 20 receptores que compõe essa grande família de proteínas de reconhecimento de padrões. Podemos dividir essa família em três subfamílias: as que possuem o domínio CARD (NOD), as que possuem o domínio Pirina (NLRP) e as que agem através da molécula adaptadora MAVS. A subfamília NOD possui dois componentes conhecidos como NOD1 e NOD2 que reconhecem peptideoglicanas da parede bacteriana. NOD1 é capaz de reconhecer estruturas provenientes de bactérias Gram-negativas enquanto NOD2 é capaz de reconhecer estruturas de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas, sendo liberadas tanto por bactérias intracelulares como extracelulares. NOD2 reconhece principalmente o dipeptídeo muramil, levando, por fim, à ativação de NF-B. A subfamília NLRP é capaz de reconhecer PAMPs e DAMPs intracelulares, sendo composta por um grupo de 14 proteínas que possuem o domínio pirina e, ao reconhecerem produtos microbianos, se dimerizam e se ligam a PYCARD, se ligam a proteínas ASC promovem a clivagem da caspase 1, formando um complexo chamado de inflamassoma. Há também o inflamassoma iniciado pela presença de DNA de dupla hélice (dsDNA) no citoplasma, que será reconhecido pela proteína AIM, que então se liga à ASC e cliva a caspase 1. Por fim, existe um inflamassoma iniciado pelas flagelinas, que são reconhecidas por Naip5, que então se liga a NLRC4, que ativa a caspase 1. Receptores Semelhantes a RIG - RLRs O grupo de receptores semelhantes a RIG (RLRs) possui duas proteínas principais conhecidas como RIG-1 (gene induzível por ácido retinoico I) e MDA5 (proteína 5 associada à diferenciação de melanoma). Ambas as proteínas são responsáveis por reconhecer RNA viral presente no citosol. Tais receptores 34 semelhantes a RIG estão presentes em células imunológicas e em diversas células teciduais, dotando assim a capacidade de células não imunológicas de reconhecerem RNA viral e disparar uma resposta a qual é caracterizada por produção final de Interferon tipo I. Esses receptores reconhecem apenas RNA não-próprio, uma vez que os RNAs de fita simples virais possuem uma cauda trifosfato, garantindo uma resposta contra o vírus preservando o indivíduo. A proteína RIG-1 possui um domínio helicase e um domínio que se liga ao domínio CARD, que faz parte da proteína MAVS presente na membrana externa da mitocôndria, induzindo a sua dimerização que resultará na ativação de NF-B e a expressão de genes de citocinas pró-inflamatórias. Você poderá conhecer mais sobre respostas a vírus em nossa aula de imunidade a infecções. Receptores de Carboidratos Diversos patógenos possuem carboidratos em sua superfície e podem ser reconhecidos por receptores que pertencem à família das Lectinas tipo C. Estes receptores estão presentes como proteínas no sangue e ancorados na membrana de células imunológicas como em células dendríticas e macrófagos. São responsáveis pelo reconhecimento do patógeno auxiliando o processo de fagocitose ou pela transdução de sinais induzindo a produção e secreção de citocinas que poderão ativar uma resposta imune ou amplificá-la. Dessa forma os receptores para carboidratos são PRRs, que reconhecem PAMPs, neste caso, carboidratos exclusivamente presentes em patógenos, como as lectinas entre outras. O nome da família desses receptores de Lectina tipo C (CLR) tem origem no mecanismo de ação desses receptores, que somente reconhecem estas lectinas associadas à Ca2++, por isso são chamadas de Lectinas do tipo C. Existem diversos receptores de carboidratos que pertencem à família das Lectinas tipo C, esses receptores possuem especificidade diferente entre si e conseguem reconhecer carboidratos diferentes tais como glicose, manose, β-glucanas e N-acetilglicosamina. Dois receptores de lectinas chamam a atenção: o receptor de manose (também conhecido como CD206), presente na superfície de macrófagos e células dendríticas, auxiliando no processo de fagocitose; e as Dectinas 1 e 2, presentes na superfície das células dendríticas, que irão reconhecer os carboidratos β-glucanas e oligossacarídeos ricos em manose presentes em leveduras e hifas do fungo Candida albicans, respectivamente. 35 Receptores de Varredura (Scavenger) Os receptores de varredura são estruturalmente diferentes entre si e foram agrupados em oitos classes (classe A-H) e estão presentes em macrófagos. São considerados receptores fagocíticos, reconhecendo lipoproteínas de baixa densidade acetiladas e polímeros aniônicos. Esses receptores são capazes de reconhecer LPS, β- glucanas, proteínas e ácidos nucléicos. Alguns receptores de varredura mais conhecidos são os de classe A: SR-A I, SR-A II, MARCO e o declasse B: CD36. Moléculas solúveis de reconhecimento de padrões e moléculas efetoras O sistema imune inato é capaz de reconhecer antígenos através de receptores presentes na superfície das células e no interior das células que o compõe. Mas isso não é tudo, a imunidade inata também é capaz de reconhecer antígenos através de proteínas solúveis que estão presentes no sangue, essas proteínas são as pentraxinas, as colectinas, as ficolinas, os anticorpos naturais e o sistema complemento. Mas aqui vamos conhecer um pouco sobre os três primeiros, o sistema complemento você poderá explorar mais futuramente na aula “Sistema Complemento”. As moléculas solúveis, também conhecidas como mediadores humorais, atuam na defesa do organismo de quatro modos: 1 – opsonização de antígenos facilitando a fagocitose; 2 – ativação do sistema complemento; 3 – lise direta do patógeno ao inserir- se em sua superfície e 4 - promovendo respostas inflamatórias, tais como a quimiotaxia ou a ativação de mastócitos culminando na liberação de histamina. As pentraxinas são um grupo de proteínas pentaméricas, sendo as principais a proteína C-reativa (CRP) e a amiloide sérica (SAP). São capazes de reconhecer diversas bactérias e fungos se ligando a fosforilcolina e a fosfatidiletanolamina, respectivamente. Ainda ativam a via clássica do sistema complemento se ligando a C1q. Você já deve ter observado em seu exame de sangue ou de um familiar a dosagem de proteína C-reativa, não é mesmo? Pois bem, por muito tempo estas proteínas foram chamadas de APPs (proteínas de fase aguda), dentre elas a proteína C-reativa. Esta tem sua síntese aumentada no fígado quando a imunidade inata está combatendo uma infecção e as citocinas IL-1 e IL-6 produzidas por macrófagos induzem a produção da CRP pelo fígado. Assim o seu médico solicita a dosagem para averiguar indícios de infecção e inflamação agudas. As colectinas compreendem a MBL, (do inglês “Mannose-Binding Lectin”) que se liga à manose formando complexos pentaméricos; a SP-A e a SP-D (proteínas surfactantes pulmonares) podem formar trímeros ou hexâmeros. A MBL pode atuar de 36 duas formas, opsonizando bactérias e assim facilitando o processo de fagocitose pelos fagócitos ou ainda ativando a cascata do sistema complemento conhecida como via das lectinas. As proteínas surfactantes (SP-A e SP-D) estão presentes nos alvéolos pulmonares, opsonizando antígenos no local, dessa forma facilitando a fagocitose por macrófagos alveolares. Os receptores e as moléculas envolvidas nesta cascata de ativação você conhecerá melhor na aula sobre “Sistema Complemento”. As ficolinas são proteínas semelhantes às colectinas, mas não possuem domínio de lectina tipo C. São capazes de reconhecer o ácido lipoteicoico, que é um dos constituintes da parede celular de bactérias Gram-positivas. Dentre as moléculas solúveis que fazem parte da imunidade inata estão os anticorpos naturais. Mas ora, anticorpo não é algo exclusivo da imunidade adaptativa? Quando pensamos em anticorpos o nosso primeiro pensamento é: que células os produzem? E sim, são os linfócitos B que produzem anticorpos e essas células pertencem à imunidade adaptativa e não à imunidade inata. Então, por que estamos falando sobre anticorpos na imunidade inata? Bem, não estamos falando de quaisquer anticorpos, estamos falando dos anticorpos naturais, isso significa que eles estão naturalmente presentes no nosso corpo. Estes anticorpos são gerados em resposta a lipídeos ou glicolipídeos (como lisofosfatidilcolina e fosforilcolina) presentes em micro- organismos que compõem a nossa microbiota. A microbiota de cada indivíduo é formada a partir do seu parto, do contato com a mãe e outras pessoas, através da dieta, e até os 3 anos de idade ela sofre alterações e é capaz de modular o sistema imune. Assim, os anticorpos naturais são formados em resposta a estes estímulos, e caso microrganismos invasores apresentem moléculas como estas, os anticorpos naturais serão capazes de iniciar uma resposta imune nas superfícies de contato com o meio externo onde se localizam, como pele e mucosas. Além disso, os anticorpos naturais nos auxiliam na preservação do próprio, da integridade do nosso organismo. Você já parou para pensar a origem dos anticorpos que reconhecem as hemácias de um doador de sangue não compatível? Você sabe que se um paciente receptor receber uma transfusão de sangue não compatível o mesmo poderá vir a óbito, não é mesmo? Sim, a reação imunológica na defesa do próprio é intensa, isso se deve aos anticorpos naturais do tipo IgM que reconhecem antígenos do complexo ABO. Chamamos estes antígenos resultantes deste complexo de aglutinogênios. Este complexo de genes autossômicos faz com que sejam expressas diferentes glicosiltransferases gerando os glicolipídeos A e B. Se em heterozigose, estas enzimas serão expressas em codominância e as aglutininas A e B serão expressas na superfície das nossas hemácias. Porém, ambos, A e B, são dominantes sobre O. Esta expressão ocorre já na 5ª-6ª semana de vida intrauterina e o feto já produz anticorpos contra os antígenos que 37 são ausentes em suas hemácias. Assim, se o sangue do doador for do tipo A, ele possuirá anticorpos naturais do tipo anti-B. Se o doador for sangue tipo B, irá possuir anticorpos naturais do tipo anti-A. Se for do tipo AB não irá possuir anticorpos naturais contra o complexo ABO, sendo chamado de receptor universal. Já o indivíduo O é assim chamado de doador universal por não expressar aglutinogênios A ou B. Sei que parece muito complicado agora, mas quando estudarmos como são formados os nossos linfócitos T e B, entenderemos melhor. Agora que você já conhece os principais receptores e moléculas presentes na imunidade inata, observe o resumo presente na tabela 4. Contudo, há muitos outros, e você poderá buscá-los em artigos de revisão ou, se desejar, solicitar algumas indicações ao mediador da sua disciplina. 38 Tabela 4: Receptores e moléculas de reconhecimento padrão. (Figura adaptada de: Livro – Imunologia Celular e Molecular, 7ª ed., pág. 59) A IMUNIDADE INATA NO PROCESSO INFLAMATÓRIO. A imunidade inata participa de eventos importantes no corpo, não somente da defesa contra o patógeno, mas também de eventos que são capazes de recuperar Tabela 4 - Receptores e Moléculas de Reconhecimento Padrão. Receptores de Reconhecimento Padrão Presentes em Células C3b 39 danos causados por patógenos ou por traumas. Isso lhe remete a algo? Um pequeno acidente, como um tombo, uma batida na maçaneta da porta ou algo do tipo pode quase que instantaneamente deixar o local traumatizado roxo, não é mesmo? Isso se deve ao rompimento de capilares sanguíneos e, por consequência, ao extravasamento de sangue para o tecido; há também a ruptura de células locais causando destruição do tecido devido à presença de enzimas intracelulares que são liberadas na ruptura celular. Esse processo nada mais é que um evento de necrose. Dependendo da intensidade e da extensão do acidente, dentro de 1 a 2 semanas o hematoma não é mais visível e o local não doi mais, ou seja, o tecido está recuperado. Mas se há várias células rompidas e conteúdo intracelular disperso no local, como o corpo “arruma essa bagunça” e reorganiza o tecido lesionado? Estamos falando de um processo imunológico chamado de inflamação. Este processo também ocorre quando uma infecção se estabelece no organismo, embora ocorram particularidades em cada uma das situações. Iremos falar melhor destes eventos e diferenças no capítulo onde abordaremos as infecções causadas pelos diversos patógenos aos quais somos expostos. Por ora, vamos desmistificar o processo inflamatório. Sim, a inflamação não é o vilão do nosso corpo, pelo contrário, o processo inflamatório é ummecanismo de defesa que é composto por elementos da imunidade inata, mas note que isso não impede que os elementos da imunidade adaptativa participem de reações imunológicas, a fim de devolver ao organismo seu equilíbrio, ou seja, mantê-lo saudável. É importante sabermos que a inflamação pode ocorrer independentemente da presença de um microrganismo patogênico no local, um bom exemplo é um hematoma causado por um tombo, se não houve arranhão, não houve rompimento da pele, portanto a barreira anatômica está preservada e aquele local não entrou em contato com agentes patogênicos, certo? Mas, mesmo assim, o processo inflamatório irá ocorrer para reparar o tecido danificado e remover os restos celulares no local lesionado. O processo inflamatório começa com alterações vasculares que irão proporcionar o recrutamento de mais células para o local inflamado. Essas alterações vasculares são as responsáveis pelos sintomas de calor, vermelhidão, dor e inchaço na região lesionada. As alterações vasculares compreendem o aumento da permeabilidade vascular e a vasodilatação. O aumento da permeabilidade vascular permite que células imunológicas deixem o vaso sanguíneo por um processo chamado diapedese, já citado aqui neste capítulo, e migrem até o tecido lesionado. As principais células envolvidas na inflamação aguda são os neutrófilos e os macrófagos que fagocitam restos celulares e/ou de microrganismos, no caso de infecção. A vasodilatação proporciona a passagem 40 de um volume de sangue maior na região e, portanto, de mais células imunológicas. Esses dois eventos são possíveis devido à ação de mediadores inflamatórios como a histamina liberada por mastócitos, também presentes no tecido conjuntivo da derme e nas mucosas que revestem nosso corpo. Além das células imunológicas que participam diretamente dos processos de fagocitose, outras células como as células epiteliais e do endotélio vascular secretam proteínas que sinalizam o estado alterado do tecido, chamando outras células a participar do processo inflamatório. Estas proteínas são chamadas de quimiocinas, e pertencem a uma classe de citocinas que criam um gradiente quimiotático indicando onde deve ocorrer a diapedese das células recrutadas. Citocinas são moléculas secretadas, responsáveis pela comunicação entre células. Veremos em outros capítulos as principais citocinas do sistema imune, quando são secretadas e quais os resultados dessa sinalização. Ocorre também a ativação do Sistema Complemento (SC), já citado aqui também e que veremos em uma aula especialmente dedicada a ele. Durante a inflamação as proteínas C3a e C5a do SC são capazes de se ligarem a receptores presentes na superfície de mastócitos e desencadearem a liberação de mediadores inflamatórios, como a histamina, para o meio extracelular. Essas proteínas também são chamadas de anafilatoxinas (vide box), ou seja, também são quimioatrativas e, portanto, participam do processo de quimiotaxia, atraindo células para o local da infecção e/ou inflamação. Anafilatoxinas Proteínas C3a, C4a e C5a do sistema complemento, que atuam como quimioatraentes, participam do processo de quimiotaxia no processo inflamatório. Ligam-se à superfície de mastócitos promovendo a liberação de histamina que promove aumento da permeabilidade vascular favorecendo à diapedese. 41 CARACTERÍSTICAS DA IMUNIDADE INATA X IMUNIDADE ADAPTATIVA O primeiro aspecto diz respeito ao tempo em que ambas começam a atuar no curso da resposta imune como um todo, ou seja, a resposta inata se inicia minutos após o organismo ter sido invadido por um patógeno, por exemplo. Já a resposta adaptativa demora dias para se manifestar, uma vez que processos de reconhecimento e apresentação antigênica e ativação de linfócitos T e de linfócitos B são necessários. O segundo aspecto está relacionado ao tamanho do repertório de ambos os tipos de resposta, sendo o repertório da imunidade adaptativa bem maior do que o da imunidade inata. O terceiro aspecto diz respeito à capacidade de memória, que é propriedade exclusiva da imunidade adquirida. A imunidade inata é a primeira linha de defesa de um organismo, quando as barreiras epiteliais e químicas são vencidas por um agente infeccioso, é a imunidade inata que irá prontamente combater o patógeno. Seu início ocorre a partir do minuto da infecção até algumas horas. Os elementos inatos como células e proteínas estão presentes no nosso corpo de maneira constitutiva, ou seja, não é necessário que um agente infeccioso adentre seu corpo para que essas células inatas ou proteínas do sistema imune inato sejam produzidas. Esses componentes já se encontram em nosso organismo mesmo antes da infecção por um agente ou de possíveis injúrias teciduais. Por isso, a imunidade inata é considerada a primeira linha de defesa do sistema imunológico, pois possui componentes inatos. Embora esses componentes estejam prontos para combater uma possível infecção, a resposta inata pode ser amplificada. O que queremos dizer com isso, caro leitor, é que a partir da infecção do organismo diversas células e proteínas irão combater o agente infeccioso, mas além disso, irão também promover a produção de mais proteínas antimicrobianas e de citocinas que são capazes de ativar a proliferação de diversos tipos celulares, inclusive de células da imunidade adaptativa. Observe na figura 12 e na tabela 5 as principais diferenças entre a imunidade inata e adaptativa. 42 Figura 12: Tempo de ativação da imunidade inata e adaptativa. A imunidade inata é a primeira linha de defesa e é ativada no momento da infecção. A imunidade adaptativa é ativada a partir do tempo de 12 horas de infecção. (Fonte: Livro – Imunologia Celular e Molecular, 7ª ed., pág. 3) Tabela 5 – DIFERENÇAS ENTRE IMUNIDADE INATA E ADAPTATIVA INATA ADAPTATIVA CARACTERÍSTICAS Especificidade Possui especificidade limitada. Os receptores são específicos somente para PAMPs e DAMPs Possui especificidade ilimitada. Os receptores são altamente específicos contra todos os antígenos Diversidade Limitada; receptores gerados pela codificação da linhagem germinativa Grande; receptores gerados por recombinação somática Memória Não possui células de memória Sim. Apresenta linfócitos B e T de memória. Tempo para iniciar a resposta 0 a 12 horas. A partir de 12 horas Resposta repetida à infecção secundária* Idêntica a resposta primária* Mais rápida que a resposta primária e mais especifica, com afinidade aumentada COMPONENTES Barreiras Anatômica, físico-química, outras. Linfócitos no epitélio e anticorpos secretados na mucosa. Celulares Fagócitos e células Natural Killer Linfócitos B e T Receptores Celulares Receptores de Reconhecimento Padrão (PRRs) Receptores de linfócitos B (BCR) e T (TCR) Humorais (proteínas presentes no sangue) Sistema Complemento, pentraxinas, ficolinas anticorpos naturais e outras. Anticorpos * Infecção primária é o primeiro contato do indivíduo com determinado antígeno, enquanto a infecção secundária é o segundo contato do indivíduo com o mesmo antígeno da infecção primária. O mesmo procede para resposta primária e secundária, a resposta primária ocorre na infecção primária e a resposta secundária ocorre na infecção secundária. Tabela 5: Diferenças entre a imunidade inata e a imunidade adaptativa. (Fonte: Livro – Imunologia Celular e Molecular) 43 ATIVIDADE A Sindrome de Chediak-Higashi é uma desordem clínica autossômica recessiva rara e severa, caracterizada por albinismo óculo-cutâneo, disfunção plaquetária e atrofia progressiva do sistema nervoso central. A síndrome é causada por uma mutação na proteínaCHS1 que é responsável pela formação e tráfego de vesículas. Sabemos o quão importante é a função das células fagocíticas na defesa do próprio. As células de pacientes portadores da síndrome apresentam algumas anormalidades, como falha no processo de fusão da vesícula fagocítica com a vesícula lisossomal, organelas e grânulos gigantes, entre outros. De acordo com os seus conhecimentos obtidos na aula, você é capaz de relacionar que a síndrome afeta diretamente a imunidade inata por afetar as células fagocíticas, desse modo elabore sua resposta descrevendo as possíveis consequências negativas da síndrome na resposta imune inata. RESPOSTA 8 linhas A mutação na proteína CHS1 acarreta falha na fusão do fagossomo com o lisossomo, portanto a eficiência da destruição do microrganismo pela fagocitose fica comprometida, a principal consequência é a suscetibilidade do paciente a infecções. CONCLUSÃO Estamos chegando ao fim da nossa aula. Isso mesmo! Agora você já conhece as principais características e mecanismos de atuação da imunidade inata, a primeira linha de defesa do nosso corpo. Você conquistou um grande passo nessa disciplina conhecendo novos conceitos que serão empregados nas aulas futuras. A imunologia é uma ciência extremamente interessante e podemos notar o quão coordenadamente o sistema imunológico atua, com tamanha capacidade em nos defender contra os patógenos e manter nosso organismo em equilíbrio. Você aprendeu muito, mas ainda há diversos eventos interessantes para estudarmos. Vamos lá! Vamos construindo todo o passo a passo juntos! 44 RESUMO O sistema imunológico é constituído por uma grande e complexa rede de elementos celulares e humorais. Coordenadamente, atuam de maneira regulada protegendo o corpo contra eventuais infecções e outras alterações que perturbem o equilíbrio saúde x patologia. O sistema imunológico é classificado, didaticamente, em imunidade inata e adaptativa, cada qual com suas características, tais como: tempo de atuação distintos, tipos celulares, especificidade de reconhecimento, células e receptores. A imunidade inata é a primeira linha de defesa e se inicia logo após a invasão do corpo pelo antígeno. Os elementos humorais, tais como defensinas, colectinas, pentraxinas e proteínas do sistema complemento, atuam na defesa em conjunto com as células da imunidade inata. Podemos destacar como fagócitos neutrófilos e macrófagos, que atuam contra antígenos extracelulares, e as células NK, que atuam contra antígenos intracelulares (vírus, bactérias intracelulares e células neoplásicas). As células da imunidade inata reconhecem estruturas chamadas de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) e padrões moleculares associados a danos (DAMPs), através dos receptores presentes em sua superfície denominados receptores de reconhecimento de padrões (PRRs). Os principais mecanismos efetores da imunidade inata são a fagocitose do antígeno, a lise do antígeno ou do patógeno através da liberação de peptídeos antimicrobianos, NETs e algumas enzimas, e a opsonização do antígeno, por proteínas do complemento e anticorpos naturais, seguida de fagocitose. Processos inflamatórios ocorrem e, após uma gama diversificada de eventos, tendem a reparar o tecido lesionado e/ou conter a infecção. Caro leitor, tenha em mente que a imunidade inata é capaz de ativar a imunidade adaptativa através da apresentação de antígenos para os linfócitos B e T, assim amplificando e direcionando a resposta imunológica contra o invasor. O envolvimento da resposta adaptativa tem por objetivo conter danos provocados pelos processos inflamatórios exacerbados, eliminando o patógeno ou possíveis modificações celulares, como no caso de injúria tecidual ou da presença de células neoplásicas. Lembremos sempre que, apesar de suas características particulares, imunidade inata e a imunidade adaptativa atuam em conjunto! 45 INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, estudaremos as células e os órgãos que compõem o sistema imune dos vertebrados superiores. Você verá quão fantástica é a estrutura organizacional e a especialização de algumas células que compõem esse sistema fascinante. Aguarde! REFERÊNCIAS ABBAS, Abul K., LICHTMAN, A. H., PILLAI, Shiv. Imunologia Celular e Molecular. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. 545. BORREGAARD, Niels. Neutrophils, from Marrow to Microbes. Immunity 33, November 24, 2010. BRINKMANN, Volker., ZYCHLINSKY, Arturo. Neutrophil extracellular traps: Is immunity the second function of chromatin? J. Cell Biol. Vol. 198 No. 5, 773–783. BROWN, Gordon D., Dectin-1: a signalling non-TLR pattern-recognition receptor. Nature reviews immunology. Volume 6. January. 2006. 33 - 43. FAUCI, Anthony S., MAVILIO, Domenico., KOTTILIL, Shyam. Nk cells in hiv infection: Paradigm for protection or targets for ambush. Nature reviews | immunology volume 5 | november 2005. 835-843. FLANNAGAN, Ronald S., JAUMOUILL´E, Valentin, GRINSTEIN, Sergio. The Cell Biology of Phagocytosis. Annu. Rev. Pathol. Mech. Dis. 2012. 7:61–98 GANZ, Tomas. Defensins: antimicrobial peptides of innate immunity. Nature Reviews. September 2003 | volume 3. 710 – 720. HUDNALL, S. David. Hematology: A Pathophysiologic Approach. 1ª Edição. Philadelphia: Elsevier, 2011. KANASHIRO, Milton Masahuko. Imunidade: propriedades gerais. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Fundação Consórcio Cecierj, 2010. Vol. 24-43. KOLACZKOWSKA, Elzbieta., KUBES, Paul. Neutrophil recruitment and function in health and inflammation. Nature reviews | immunology volume 13 | march 2013. 159- 175. MURPHY, Kenneth., JANEWAY Jr, Charles A., TRAVERS, Paul., WALPORT, Mark., MOWAT, Allan, WEAVER, Casey T. Janeway´s Imunobiology. 8ª Edição. New York: Garland Science, 2011. 868. SHARROCK, J.. Natural Killer Cells and Their Role in Immunity. EMJ Allergy & Immunology, 2019;4[1]:108-116. 46 TORTORA, Gerard J., FUNKE, Berdell R., CASE, Christine L. Microbiologia. 10ª Edição. Porto Alegre: Artmed, 2012. 934. VIVIER, Eric., UGOLINI, Sophie., BLAISE, Didier., CHABANNON, Christian., BROSSAY, Laurent. Targeting natural killer cells and natural killer T cells in cancer. Nature reviews immunology. Volume 12. april 2012. 239-252. WITKO-SARSAT, Véronique, RIEU, Philippe, DESCAMPS-LATSCHA, Béatrice, LESAVRE, Philippe, HALBWACHS-MECARELLI, Lise. Neutrophils: Molecules, Functions and Pathophysiological Aspects. Biology of disease. Vol. 80, No. 5, p. 617, 2000.
Compartilhar