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filosofia 03 - cursinho COC

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Capítulo 3
Da � loso� a helenística à � loso� a moderna .. 226
Exercícios Propostos ........................................ 248
Módulo 5
Escolas � losó� cas 
helenísticas e � loso� a medieval ................ 248
Módulo 6
Caracterização inicial da � loso� a
moderna e racionalismo ............................... 253
Gabarito dos Exercícios Propostos................ 258
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3 Da filosofia helenística à filosofia moderna
1. As escolas filosóficas helenísticas
As últimas décadas do século IV a.C. assinalaram amplas 
transformações sociais, políticas e culturais no antigo mun-
do grego. Um acontecimento simbolicamente expressivo foi 
a supressão das cidades helênicas independentes, efetivada 
no ano de 338, sob o jugo do domínio macedônico. Com a con-
solidação do império de Alexandre Magno, geograficamente 
estendido sobre diferentes sociedades da Antiguidade, a Gré-
cia, antes caracterizada como um conjunto de comunidades 
cívicas autônomas, converteu-se em território pertencente a 
um poder central exercido sobre civilizações diversas.
A pólis, essencialmente constituída pela cidadania, dei-
xou de ser a medida da vida humana para os gregos. Os cida-
dãos, antes politicamente articulados em relações participa-
tivas, transformaram-se em súditos, submetidos a decisões 
impostas pelo núcleo do poder imperial. O poder político verti-
calizou-se ou, em termos incisivos, verificou-se o desapareci-
mento da política, entendida, em sua acepção originariamente 
helênica, como esfera cívica de igualdade entre os cidadãos. 
Eliminaram-se as assembleias como espaços deliberativos de 
diálogos, debates e conflitos, protagonizados pela cidadania.
Sob o ponto de vista cultural, os historiadores definem 
essa etapa como helenismo, constituído pela difusão dos 
valores gregos nas demais sociedades incorporadas ao 
poder imperial, bem como pela assimilação, entre os he-
lênicos, de princípios culturais das civilizações orientais. 
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A cultura helenística exprime uma nova realidade social, em 
que se interpenetram elementos socioculturais clássicos 
da Grécia com aspectos socioculturais do Antigo Oriente.
Os historiadores da cultura convencionaram 
designar de helenismo as atividades culturais de-
senvolvidas no período transcorrido entre a mor-
te de Alexandre Magno, em 323 a.C., e o fim da 
República Romana, em 31 a.C., quando Augusto 
(vencedor da batalha de Actium, em 27 a.C.) tor-
na-se imperador de Roma. A designação refere-se 
à presença dominante da língua e da cultura gre-
gas em todo o mundo conhecido, numa difusão 
sem precedentes cuja causa inicial foi a convicção 
de Alexandre, aluno de Aristóteles, de que, por seu 
intermédio, a Grécia deveria cumprir uma missão 
civilizatória sobre todos os povos da Terra. [...] 
Embora o termo helenismo pareça indicar apenas 
a hegemonia da cultura grega, na realidade, expri-
me a comunicação intensa entre as criações cultu-
rais helênicas e as orientais enquanto submetidas 
e um mesmo e único poder central [...].
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: as escolas 
helenísticas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 13.
Dessa forma, comparativamente às filosofias da época clás-
sica, as teses filosóficas helenísticas têm sentido mais cosmo-
polita, ultrapassando a tradicional dicotomia da cultura helênica, 
que divide hierarquicamente a humanidade entre gregos, con-
siderados superiores, e bárbaros, classificados como inferiores. 
Esse viés filosófico cosmopolita é consoante à fragilização das 
distinções culturais entre diferentes civilizações, agora reunidas 
sob o mesmo poder administrativo e envolvidas pela chamada 
cultura helenística.
Essas relevantes transformações suscitam modificações 
de conteúdo no âmbito da especulação filosófica. Afinal, a 
atividade filosófica grega, de sua origem pré-socrática à sua 
época clássica, com os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles, 
desenvolve-se no horizonte da cidade-Estado. O surgimento 
da pesquisa filosófica em torno do cosmos relaciona-se com 
a instauração das comunidades cívicas na Grécia Antiga, e a 
projeção das temáticas humanas para o plano principal da 
filosofia corresponde à ampliação e ao aprofundamento da 
cidadania, especialmente na democracia ateniense. Assim, a 
reflexão antropológica das teorias filosóficas clássicas refe-
rencia-se nos seres humanos como cidadãos – os sistemas 
filosóficos de Platão e de Aristóteles, por exemplo, compreen-
dem a natureza humana e sua realização ética no universo 
das relações sociopolíticas. Na dissolução helenística da 
equação entre humanidade e cidadania, portanto, modifica-
ram-se os parâmetros da problematização filosófica.
Em um contexto de anulação prática das relações socio-
políticas delineadas pela participação cívica, as interrogações 
filosóficas das escolas de pensamento helenísticas desloca-
ram-se do cidadão para o indivíduo, examinando seus recur-
sos internos em sua capacidade de neutralizar as hostilida-
des do mundo externo, de atingir a felicidade a despeito das 
adversidades de sua realidade exterior. Com a destituição do 
valor cívico da humanidade, modificaram-se os referenciais 
das pesquisas éticas, reduzindo seu teor político e ingressan-
do na dimensão subjetiva das individualidades. No lugar do 
ser humano compreendido primordialmente como cidadão, 
emergiu o ser humano concebido, sobretudo, como indivíduo.
Império Greco-Macedônico
Alexandria
Alexandria
Alexandria
Alexandria
Alexandria
Pasárgada
Persépolis
Susa
Alexandria
Alexandria
Alexandria Babilônia
Alexandria
Arion
Alexandria
Patala
Alexandria
Samarcanda
ÁSIA MENOR
SÍRIA
FENÍCIA
PÉRSIA
BACTRIANA
SOGDIANA
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MACEDÔNIA
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CáucasosMar Negro
Mar Mediterrâneo
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Golfo Pérsico
OCEANO ÍNDICO0 300 km
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Império de Alexandre
As conquistas de Alexandre lançaram as bases da cultura helenística.
Em linhas gerais, os sistemas filosóficos helenísticos discriminaram os saberes em áreas rigidamente articuladas: 
lógica, física e ética. A lógica, sob a perspectiva dessas escolas filosóficas, dedicava-se ao problema do conhecimen-
to, estudando as relações entre sensações, raciocínios e retórica na produção de relatos verdadeiros sobre a realidade. 
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A física versava sobre a totalidade da natureza e o conjunto 
dos fenômenos naturais, e a ética dedicava-se à busca ra-
cional da felicidade pelos seres humanos.
No tocante aos estudos físicos, as escolas helenísticas 
são materialistas, não excedem a natureza em busca de 
princípios explicativos incorpóreos; a saber, nesses siste-
mas filosóficos, não encontramos nenhum conceito reco-
nhecidamente metafísico, similar às ideias platônicas ou ao 
primeiro motor aristotélico. Aspecto igualmente importante 
para a compreensão da física helenística é a constatação de 
que o conhecimento da natureza constitui-se como condi-
ção necessária para a ética, ou seja, as regras para a vida 
virtuosa situam-se na racionalidade da natureza: possuem 
determinação natural. A felicidade, segundo os filósofos he-
lenistas, consiste na existência humana em conformidade 
com a natureza.
Em que pesem esses pontos comuns, porém, não se 
deve reduzir os sistemas explicativos helenísticos a uma 
concepção filosófica unificada. As diferenças entre cinismo, 
epicurismo, estoicismo e ceticismo, escolas de pensamen-
to do período, são tão significativas quanto os aspectos que 
as assemelham entre si.
A. O cinismo
A origem do cinismo precede a época helenística, uma 
vez que a atitude filosófica cínica foi inaugurada no século 
V a.C., por Antístenes (444-365 a.C.). Admirador de Sócrates,esse filósofo recolheu a proposta socrática de forma bastan-
te singular: renunciou ao modo de vida aristocrático e assu-
miu uma existência despojada, contestando abertamente 
os valores e as práticas sociais. Entretanto foi com seu dis-
cípulo, Diógenes de Sínope (404-323 a.C.), que a filosofia 
cínica tornou--se amplamente conhecida.
Acerca de Diógenes, constam algumas narrativas revela-
doras do conteúdo do cinismo. Um desses relatos afirma que 
esse filósofo habitualmente, em plena luz do dia, caminha-
va com uma lanterna por regiões movimentadas de Atenas, 
anunciando estar em busca do verdadeiro homem. Por que 
Diógenes circulava persistentemente entre diferentes seres 
humanos, buscando a autêntica humanidade? Quem era, 
afinal, o homem por ele procurado? Por que nenhum dos in-
divíduos encontrados era verdadeiramente um ser humano?
Na realidade, essa atitude de Diógenes contém uma de-
núncia radical à vida em sociedade. De acordo com seu pon-
to de vista, os seres humanos, arrebatados pelos valores, 
pelas normas e pelos costumes sociais, distanciaram-se 
de sua natureza propriamente humana. Perguntando pelo 
genuíno ser humano, o cínico criticava incisivamente o con-
junto de convenções sociais que, conforme o seu ponto de 
vista, contrariam a natureza da humanidade. Não se tratava 
simplesmente de recusar as instituições vigentes, propon-
do sua substituição por outras normas sociais, mas sim de 
uma absoluta rejeição da artificialidade imanente à vida em 
sociedade. Diógenes condenou a propriedade privada de 
bens, a valorização das riquezas materiais, o poder político, 
as relações familiares, os saberes intelectuais, ou seja, tudo 
aquilo que, na concepção do cinismo, afasta o ser humano 
de sua natureza.
Exemplar a esse respeito é outro suposto episódio da vida 
de Diógenes. Consta que o imperador Alexandre Magno rece-
beu notícias sobre o extravagante modo de vida desse cínico.
Impressionado com as informações, Alexandre solicitou 
ser conduzido à sua presença e o encontrou descansando 
sob o sol. Diante dele, colocou-se à disposição para auxiliá-
-lo, perguntando sobre o desejo dele e sobre o que poderia 
lhe oferecer para satisfazê-lo. A resposta de Diógenes ao 
governante do Império resumiu a atitude filosófica cínica: 
“Afasta-te do meu sol”.
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As atitudes atribuídas a Diógenes são congruentes com 
a recusa cínica da artificialidade da vida social. Consta 
que esse filósofo, coerentemente a seu desapego de bens 
materiais, morou, durante certo tempo, em um barril.
Sob o prisma cínico, as convenções sociais instituem um 
largo repertório de elementos supérfluos, que, contrariando a 
natureza humana, inviabilizam a felicidade dos seres huma-
nos. O que é, então, a vida humana em conformidade com sua 
natureza? É o exercício contínuo da liberdade na realização 
das necessidades puramente animais dos seres humanos. 
Sendo assim, a autonomia e a felicidade dos seres humanos 
exigem a eliminação da artificialidade da existência social, 
reconduzindo a humanidade à sua plena natureza.
A etimologia da palavra cinismo revela plenamente a 
recusa dessa atitude filosófica aos valores fixados pela 
vida em sociedade. O termo cínico é proveniente do grego 
kynikos, cujo significado é “como um cão”. Sua utilização 
na nomeação desses filósofos destaca precisamente o 
relevo que estes concedem à natureza humana em sua 
animalidade, no sentido de que o indivíduo poderia levar 
uma vida sem bens materiais, utilizando, semelhante-
mente a um cão, apenas o necessário à sobrevivência. 
Dessa forma, o cinismo pode ser legitimamente definido 
como uma atitude anti-intelectual e, em sentido mais abran-
gente, como uma filosofia anticultural, à medida que rejeita 
radicalmente as variadas construções culturais dos seres 
humanos em sociedade. Por essa razão, muitos historiadores 
da filosofia não reconhecem o cinismo como uma escola fi-
losófica, considerando-o somente como a defesa de um de-
terminado modo de vida. Alegam, para tanto, que a filosofia 
consiste justamente em um gênero cultural caracterizado 
pela elaboração de sofisticados sistemas teóricos que pre-
tendem conhecer intelectualmente a totalidade do real ou, 
pelo menos, muitos de seus aspectos. Há, ainda, estudiosos 
que classificam o cinismo como uma corrente realmente filo-
sófica, sob a justificativa de que a densidade da crítica social 
efetuada pelos cínicos implica um significativo leque de pro-
blematizações filosóficas.
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B. O epicurismo
Na periferia de Atenas, por volta do ano 306 a.C., Epicuro
de Samos (341-270 a.C.) fundou um centro de reflexões e 
discussões filosóficas – a Escola do Jardim, onde se desen-
volveria o sistema de pensamento epicurista. Sua localização 
e seu ambiente campestre são indicativos de uma espécie 
de deslocamento intelectual em razão dos contratempos das 
relações urbanas, condicionadas pelo poder imperial prevale-
cente no mundo grego.
Um ponto de partida interessante para o conhecimen-
to da filosofia epicurista é o registro de sua tese segundo a 
qual as falsas crenças são as raízes dos problemas humanos, 
das perturbações dos indivíduos, algo como uma doença da 
humanidade, que exige, para sua remoção, a utilização da 
razão filosófica. A filosofia, para Epicuro, consiste na verdade 
libertadora, porque proporciona aos seres humanos a correta 
compreensão da natureza de todos os fenômenos e da na-
tureza da própria humanidade, oferecendo, assim, o conheci-
mento necessário à felicidade. O conhecimento da natureza, 
portanto, é precondição para a vida ética.
O epicurismo apresenta exemplos sobre como as 
convicções incorretas produzem inquietude nos seres 
humanos, principalmente no que tange às equivocadas 
concepções relativas aos deuses e às projeções cultu-
rais acerca da morte. A crença de que os deuses inter-
ferem na vida humana infunde temor nos homens, bem 
como a preocupação com o destino após a morte física 
constitui-se em fonte de ansiedade. Epicuro, então, con-
traria essas noções. O filósofo declara a existência dos 
deuses, mas nega sua intervenção no mundo da huma-
nidade, afirmando que as divindades não se ocupam de 
questões humanas, uma vez que encontram-se comple-
tamente absortas na fruição da sabedoria. No que tange 
à morte, Epicuro define-a como uma simples desagrega-
ção atômica, algo que não deve ser receado, porque não 
se relaciona com a existência humana, resumindo-se tão 
somente à privação de sensibilidade. Dessa forma, en-
quanto existimos, a morte está ausente e, quando ela es-
tiver presente, nós não existiremos, ou seja, existência e 
morte jamais coincidem no tempo.
Para o epicurismo, as sensações são a fonte dos conhe-
cimentos verdadeiros, sendo que os juízos da razão devem 
ser confirmados ou rejeitados pelo testemunho dos sentidos, 
por evidências empíricas. Uma declaração será verdadeira se 
receber comprovação empírica, já que a falsidade de uma pro-
posição será revelada em sua incompatibilidade com o que é 
recolhido no campo das experiências, quando é contrariada 
pelas observações efetuadas no domínio das sensações.
O que é recepcionado com nossos sentidos pelas expe-
riências transforma-se em representações no pensamento, 
as quais são nomeadas como antecipações ou prenoções 
(prolepses). Uma antecipação define-se como uma ideia 
genérica, extraída de uma situação pretérita, que dispensa a 
presença imediata do objeto para que ele seja pensado, algo 
que possibilita a previsão conceitual de suas características 
diante da hipótese do aparecimento futuro de tal fenômeno. O 
conceito epicurista de prenoção explica como o conhecimen-
to, apesar de sua origem no plano sensível, supera a esfera 
imediatamente empírica e se consuma no nível discursivo. 
Essa conceituação, que identifica a memória e o tempo na 
racionalidade da natureza, situa-se no centro da teoria ética 
do epicurismo.
Em sua física, Epicuro recorreu aopensamento pré-so-
crático, apropriando-se do atomismo de Demócrito de Abdera
(460-370 a.C.), com sua tese acerca da eternidade da tota-
lidade, da matéria eterna, constituída essencialmente por 
átomos invisíveis que se deslocam no espaço e se com-
binam na formação de todos os seres existentes. Epicuro, 
contudo, modificou o atomismo pré-socrático com a introdu-
ção dos conceitos de peso e de desvio – este último, como 
veremos, decisivo na elaboração de sua filosofia moral.
A noção de que os átomos possuem peso implica uma 
concepção de deslocamento distinta daquela formulada 
por Demócrito. Para esse filósofo, os movimentos originais 
dos átomos são multidirecionais, quer dizer, eles deslocam-
-se pelo vazio em múltiplas e variadas direções e desses des-
locamentos resultam encontros entre átomos que se combi-
nam na geração da realidade cósmica. Epicuro, por seu turno, 
descarta a multidirecionalidade dos movimentos dos áto-
mos, concluindo que eles, por serem naturalmente dotados 
de peso, projetam-se descendentemente pelo vazio, em um 
movimento de queda em linha reta.
Nessa perspectiva, o movimento dos átomos tem a mes-
ma direção e o mesmo sentido para todos eles, isto é, os áto-
mos deslocam-se em linhas paralelas, o que impõe a seguinte 
questão ao epicurismo: como é possível a ocorrência de en-
contros entre os átomos? Ocorre que os átomos deslocam-se
sempre verticalmente para baixo, jamais se articulam uns 
com os outros e, sem tais arranjos, não teríamos uma expli-
cação razoável para o surgimento do mundo, dos astros, dos 
seres vivos, dos seres humanos, enfim de tudo o que existe e 
cuja existência é atestada pelos nossos sentidos.
Assim, procurando justificar racionalmente a efetivida-
de do mundo, o epicurismo acrescenta o conceito de desvio 
(clinâmen), de acordo com o qual os átomos desviam-se ligei-
ramente de suas trajetórias mecanicamente estabelecidas, 
produzindo, então, variadas colisões, cujo resultado é a compo-
sição do cosmos e da totalidade de seus seres. Se essa noção 
de desvio é imprescindível para a física epicurista, não menos 
importante é para sua filosofia moral, delineando a liberdade 
humana perante as determinações do mundo. Na correspon-
dência entre os mecanismos da humanidade e os mecanismos 
da natureza humana, a concepção de desvio fundamenta a 
possibilidade de os seres humanos resistirem à fatalidade, afir-
mando sua liberdade interior diante das adversidades da reali-
dade exterior. Mesmo perante circunstâncias claramente hos-
tis, os seres humanos são livres para conquistar a felicidade.
Em que consiste a felicidade para o epicurismo? Essa in-
terrogação recebe explanação específica de Epicuro em seu 
texto intitulado Carta sobre a felicidade. A teoria ética epicu-
rista define-se pelo hedonismo, pela valorização do prazer, 
entendido como princípio e fim da vida feliz. Tal observação, 
entretanto, não deve levar à conclusão de que essa escola fi-
losófica preconiza a adesão indiscriminada a todas as formas 
de prazer. Há prazeres superficiais que, escolhidos com base 
em concepções desvirtuadas da realidade, derivam em dis-
túrbios e afastam os seres humanos da verdadeira felicidade.
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Epicuro distingue o prazer estável dos prazeres que 
procedem de carências, declarando que estes últimos rela-
cionam-se com três tipos de desejos: os naturais e necessá-
rios, os naturais e não necessários e os não naturais e não 
necessários. Desejos naturais e necessários são aqueles 
vinculados à conservação da vida, como o referente à nu-
trição e à proteção diante dos infortúnios climáticos. Natu-
rais e não necessários são as variantes supérfluas dos de-
sejos naturais e necessários, como a aspiração à refeição 
sofisticada, à bebida refinada, à vestimenta elegante. Não 
naturais e não necessários são os desejos completamente 
artificiais, como a ambição por riquezas, por prestígio social, 
por conquistas e por poder.
De acordo com a tese epicurista para a qual a conduta 
ética é aquela que preserva o ser humano em sua natureza, 
os desejos que devem ser contemplados pelos indivíduos 
são os naturais e necessários. Já os desejos naturais e não 
necessários exigem um limite racional, porque tendem à 
imoderação, e o descomedimento é fonte de desconfortos 
físicos e de inquietações na alma. Já os desejos não natu-
rais e não necessários devem ser removidos, uma vez que 
procedem de falsas opiniões sobre o real, distanciando os 
seres humanos de sua autêntica humanidade e arrebatan-
do-os em um círculo de contínuas perturbações. Nesse sen-
tido, por exemplo, quando um ser humano extrai prazer ime-
diato da aquisição de bens materiais, ele é acometido pelo 
receio de perdê-los e não tardará a considerar insuficiente a 
sua riqueza, lançando-se à busca de outras conquistas, em 
um ciclo de insatisfações.
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Segundo o epicurismo, o desejo por riquezas materiais não é natural, por 
isso a busca por sua satisfação produz perturbações na alma humana.
Dessa forma, o prazer estável, diferentemente dos praze-
res instáveis, não se realiza na contemplação de carências, 
mas sim na contenção dos desejos não necessários e na su-
pressão dos desejos artificiais. O prazer estável não se move 
entre sucessivas insatisfações; ele consiste, isto sim, no pra-
zer em repouso, atingido mediante a ataraxia, a tranquilidade 
racionalmente estabelecida, e a aponia, a ausência de dor 
ou a saudade do corpo. O ser humano que exerce o controle 
racional dos seus desejos preserva-se em harmonia com a 
natureza, evitando perturbações em sua alma e situando-se 
além de eventuais sofrimentos corporais.
As condições pertinentes para a conquista e a preserva-
ção da autonomia individual são oferecidas pela comunidade 
de amigos. Nela, os seres humanos elaboram e compartilham 
o saber filosófico, exercitando a prudência, a justiça, a hones-
tidade, ou seja, vivendo em conformidade com a natureza, 
convivendo virtuosamente.
O conhecimento verdadeiro e a remoção de crenças ilu-
sórias asseguram a ataraxia. Elas são, porém, suficientes 
para assegurar a felicidade em situações objetivamente ad-
versas, favoráveis ao sofrimento? A resposta do epicurismo a 
essa pergunta é positiva e, neste momento, o conceito de pro-
lepse, a antecipação fundada na memória, assume tonalida-
de essencialmente ética. Perante as adversidades do tempo 
presente, o indivíduo é capaz de se deslocar para o pretérito, 
recorrendo ao seu acervo pessoal de lembranças felizes e 
atualizando-as pela via da rememoração, com a qual se des-
via da fatalidade: as recordações agradáveis anulam as cir-
cunstâncias hostis. Resultado idêntico é proporcionado pelo 
movimento interior em direção ao futuro, quando o indivíduo 
projeta-se temporalmente na esperança de uma felicidade 
que neutralize a dor que o assedia na época presente.
C. O estoicismo
A escola helenística estoica, inaugurada por Zenão de 
Cítio (334-262 a.C.), utilizou a metáfora de um pomar para 
ilustrar sua concepção de organicidade do pensamento filo-
sófico. Nessa representação, o muro que circunda o terreno 
de árvores frutíferas simboliza a lógica, o conjunto de crité-
rios e referências que regulam o verdadeiro conhecimento 
do mundo natural e da humanidade. As árvores simbolizam 
a física, o saber sobre a natureza, fundamento do saber mo-
ral, e os frutos, produzidos e sustentados pelas árvores, são 
a alegoria da ética, alicerçada na racionalidade da natureza.
O nome dessa escola deriva de stoá, palavra grega 
que é sinônimo de pórtico. Estrangeiro e consequente-
mente impedido de adquirir propriedades territoriais em 
Atenas, Zenão ministra suas aulas sob um pórtico desti-
nado ao uso público. Assim, esse filósofo e seus seguido-
res tornam-se conhecidos como estoicos.
Para o estoicismo, o conhecimento efetiva-se em um iti-
nerário que tem seu ponto de partida nas sensações e sua 
conclusão no assentimento racional, revelandoo mundo 
como um conjunto perfeitamente ordenado por sucessivas 
relações de causalidade. A totalidade do real – o mundo, os 
fenômenos naturais, os acontecimentos humanos – é gover-
nada por um princípio divino. O que é esse princípio divino de-
finido pelos estoicos? Não se trata de um deus personificado, 
metafísico e transcendente, criador de um universo exterior 
a si mesmo; consiste, isto sim, no logos, na razão universal e 
imanente a tudo o que existe: exprime a convicção estoica de 
que a realidade é completamente racional.
Tal concepção de totalidade plenamente racional impli-
ca a noção de providência, a tese segundo a qual a natureza, 
as formas de vida e os fatos são rigorosamente necessários: 
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destinados a ser como efetivamente são, não poderiam ser 
diferentes. Pronuncia-se, então, o determinismo do sistema 
filosófico estoico que explica a realidade como uma longa e 
complexa conexão de causas e efeitos, no interior da qual 
não há espaço para episódios fortuitos, acidentais.
No horizonte desse determinismo racional, os seres vi-
vos tendem naturalmente à sua conservação, apropriando-
-se do próprio ser e evitando o que é contrário à vida. Na hu-
manidade, a propensão à preservação e à expansão da vida 
deriva da aproximação entre os seres humanos, na consti-
tuição de laços comunitários que garantem sobrevivência e 
proteção para todas as pessoas. Assegura-se, dessa forma, 
o bem, que, na perspectiva estoica, é a promoção e a am-
pliação do ser, da vida, em conformidade com a providência 
racional, na mesma medida em que o mal reside naquilo 
que é contrário à razão.
A racionalidade do todo exprime-se claramente na huma-
nidade, com sua capacidade de utilização decidida da razão. 
Em sua condição racional, os seres humanos são natural-
mente dispostos à conquista da felicidade, a meta natural 
da vida. A felicidade, para o estoicismo, requer a eliminação 
das paixões, tais como a dor, o desejo, o temor e o prazer, e a 
aceitação serena do destino. Diante de situações dramáticas, 
o ser humano virtuoso mantém-se indiferente, não se afetan-
do pelas adversidades do mundo, justamente porque sabe 
que todos os acontecimentos são racionais e necessários: a 
realidade não poderia ser diferente do que, de fato, é. O sábio, 
portanto, atinge a felicidade ao se resignar à fatalidade dos 
fenômenos que não se submetem ao controle humano.
Realizadas essas considerações, surge uma grande 
questão: a filosofia estoica, com sua teoria determinista, 
comporta a noção de liberdade? Ou os seres humanos se-
riam livres em um mundo integralmente determinado, em 
que os acontecimentos são sempre necessários? Os estoi-
cos oferecem solução para essa interrogação, observando 
que os seres humanos não podem modificar o destino, ape-
sar de serem livres para resistir às suas determinações ou 
para acolhê-las racionalmente.
Crisipo de Solis (280-208 a.C.), importante representante 
do estoicismo, versa sobre essa caracterização da liberdade 
ao se referir à dupla causalidade, ou melhor, aos conceitos 
de causalidade externa e de causalidade interna. Recorre, 
para tanto, ao movimento de objetos, especificamente de um 
cilindro e de um cone. Um cilindro e um cone movem-se im-
pulsionados por uma força exterior, a saber, por uma causali-
dade externa, porém as formas de seus movimentos, o giro 
do cone e a rotação do cilindro são internamente determina-
das por suas estruturas, seguem a causalidade interna. Em 
situação análoga, encontram-se os seres humanos perante a 
realidade do mundo: recebem os seus fenômenos e, diante 
deles, comportam-se conforme sua disposição interna, com 
contestação ou resignação. O ser humano envolvido pelas 
paixões escolhe a contestação, confundindo, assim, a liber-
dade com a ilusão de transformação da fatalidade. A conse-
quência dessa atitude é a frustração, porque a realidade não 
se transforma de acordo com os desejos do indivíduo. O ser 
humano virtuoso exercita sua liberdade no reconhecimento 
racional da necessidade do destino, conformando-se, então, 
com a racionalidade dos acontecimentos do mundo.
D. O ceticismo
Muitos estudiosos da filosofia identificam o prenúncio 
do ceticismo entre os sofistas, na época clássica da filoso-
fia grega, em especial com as proposições de Górgias de 
Leontinos (485-380 a.C.), com sua radical negação do ser. 
Na era helenística, a corrente filosófica cética delimitou-se, 
iniciando-se com Pirro de Élis (365-270 a.C.) e recebendo 
sua sistematização com Tímon (360-230 a.C.). Em linhas 
gerais, o ceticismo caracterizou-se pela desconfiança em 
relação a conhecimentos presumivelmente universais, 
questionando a ambição, prevalecente no interior da filo-
sofia, de revelar a essência da realidade e de fornecer um 
universo de valores definitivos para a humanidade.
Para o ceticismo, a razão não supera o campo instável 
dos fenômenos que nos envolvem, não atinge princípios ex-
plicativos situados além da experiência, a natureza estável, 
o ser das coisas. A postura cética descarta, assim, sistemas 
filosóficos como o platonismo, o aristotelismo, o epicuris-
mo e o estoicismo – as diferentes teses filosóficas cujo 
ponto em comum é a apresentação de supostas verdades 
universais. Sob o prisma cético, não existem motivos que 
justifiquem o assentimento à teoria das ideias de Platão, à 
metafísica de Aristóteles, à física epicurista ou à ética estoi-
ca, para citar alguns dos muitos exemplos possíveis. Os cé-
ticos, enfim, consideram dogmáticas todas as explicações 
filosóficas que pretendem apresentar certezas, verdades 
inquestionáveis sobre o mundo.
A tese cética de que não há verdade incide, porém, em 
uma contradição. Afinal, de acordo com os críticos da pers-
pectiva cética, declarar a inexistência da verdade significa, 
paradoxalmente, atestar que, pelo menos, uma verdade 
existe: é verdadeira a não existência da verdade. Perante 
essa objeção, a escola de pensamento cética reelaborou sua 
concepção, definindo-a nos seguintes termos: é possível ela-
borar hipóteses diferentes e contrárias acerca da realidade, 
mas jamais se tem critérios válidos para atestar a verdade ou 
a falsidade de uma ou outra afirmação, ou seja, não é legítimo 
dizer que uma proposição seja verdadeira, tampouco é plau-
sível dizer que seja falsa.
Essa postura cética referente ao conhecimento desdo-
bra-se em apreciações éticas sobre o modo como se deve 
viver. Para o ceticismo, as inquietações, ansiedades e angús-
tias têm suas raízes precisamente nas aspirações às verda-
des definitivas e universais. Sendo assim, é imprescindível 
renunciar à busca de certezas, que nunca são alcançadas, e 
aceitar a simples realidade dos fenômenos que nos cercam. 
Em sentido prático, trata-se do entendimento de que os indi-
víduos devem se ajustar à cultura, aos hábitos, valores e cos-
tumes vigentes em sua sociedade, organizando suas vidas 
de acordo com as exigências da experiência social.
Com esses apontamentos sobre o ceticismo, encerra-se 
a exposição sobre as escolas filosóficas helenísticas, cuja 
influência, bem como a da filosofia grega clássica, prolongou-
-se cronologicamente à época do domínio imperial romano e, 
mais do que isso, inscreveu suas marcas na história do pen-
samento filosófico. No período do Império Romano, porém, 
surgiria um elemento que modificaria profundamente a cul-
tura ocidental e promoveria a reorientação das especulações 
filosóficas: o cristianismo.
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 01. UEM-PR
O Período Helenístico inicia-se com a conquista mace-
dônica das cidades-Estado gregas. As correntes filosóficas 
desse período surgem como tentativas de remediar os so-
frimentos da condição humana individual: o epicurismo 
ensinando que o prazer é o sentido da vida; o estoicismo 
instruindo a suportar com a mesma firmeza de caráter os 
acontecimentos bons ou maus; o ceticismo de Pirro orien-tando a suspender os julgamentos sobre os fenômenos. 
Sobre essas correntes filosóficas, assinale o que for correto.
01. Os estoicos, acreditando na ideia de um cosmo 
harmonioso governado por uma razão universal, 
afirmaram que virtuoso e feliz é o homem que 
vive de acordo com a natureza e a razão.
02. Conforme a moral estoica, nossos juízos e pai-
xões dependem de nós e a importância das coi-
sas provém da opinião que delas temos.
04. Para o epicurismo, a felicidade é o prazer, mas o 
verdadeiro prazer é aquele proporcionado pela 
ausência de sofrimentos do corpo e de perturba-
ções da alma.
08. Para Epicuro, não se deve temer a morte, porque 
nada é para nós enquanto vivemos e, quando ela 
sobrevém, somos nós que deixamos de ser.
16. O ceticismo de Pirro sustentou que, porque to-
das as opiniões são igualmente válidas e nossas 
sensações não são verdadeiras nem falsas, nada 
se deve afirmar com certeza, e, da suspensão do 
juízo, advêm a paz e a tranquilidade da alma.
Resolução
As afirmações 01 e 02 são verdadeiras, referindo-se 
corretamente às teses estoicas segundo as quais a reali-
dade é governada pela providência imanente da razão e o 
ser humano deve atingir a indiferença diante das adversi-
dades do mundo. As sentenças 04 e 08 mencionam acer-
tadamente a noção epicurista de que a felicidade se atin-
ge com a ataraxia e a aponia, bem como sua concepção 
de que existência e morte não se relacionam, razão pela 
qual a morte não deve ser temida. A 16 é igualmente ver-
dadeira, destacando a suspensão do juízo como aspecto 
central do ponto de vista cético, em sua postura perante o 
conhecimento e em suas implicações éticas.
Soma: 31 (01 + 02 + 04 + 08 + 16)
APRENDER SEMPRE 26 
2. A filosofia medieval
O surgimento e a expansão do cristianismo, ao longo dos 
últimos séculos da Antiguidade, transformaram substancial-
mente o universo cultural das sociedades ocidentais. Insti-
tucionalizada na Igreja Católica Apostólica Romana, a religião 
cristã conformou culturalmente as sociedades medievais 
europeias, fixando parâmetros que condicionaram os pensa-
mentos, as explicações, os sentimentos e as condutas dos 
seres humanos em suas relações entre si e com o mundo.
Do ponto de vista do conhecimento, a cultura cristã instau-
rou o problema das relações entre o saber revelado e o saber 
racional. O cristianismo assentou-se na suposição de verdades 
divinamente reveladas à humanidade e recepcionadas no pla-
no da fé, compondo, assim, um amplo repertório de respostas 
doutrinárias para antigas interrogações dos seres humanos, 
versando, entre outras questões, sobre a origem do Universo, a 
natureza humana e os valores morais. A filosofia legada pelos 
gregos, por sua vez, caracteriza-se essencialmente como a bus-
ca por um conhecimento racionalmente construído, que reivin-
dica sua aceitação na demonstração lógica de suas conclusões. 
Nesse contraste entre o conhecimento revelado do cristianismo 
e o conhecimento racional da filosofia, emerge o dilema: é pos-
sível compatibilizar a sabedoria cristã e a sabedoria filosófica?
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IKE EHRM
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A filosofia medieval elaborou-se sob densa ascendência do 
cristianismo, institucionalizado na Igreja Católica.
Se, no início do cristianismo, prevaleceu o desprezo à 
tradição filosófica grega, o desenvolvimento da cultura cris-
tã, contudo, foi assinalado por tentativas de conjugação da 
crença religiosa com a especulação filosófica. Essa etapa de 
formação da filosofia cristã é denominada patrística. Condu-
zida por representantes do corpo eclesiástico católico, atin-
giu sua mais rebuscada expressão intelectual em um autor 
que exerceu ascendência determinante sobre o pensamento 
medieval: Aurelius Augustinus (354-430), conhecido como 
Santo Agostinho ou Agostinho de Hipona.
A. A filosofia de Agostinho
Agostinho, natural de Tagaste, na Numídia, província 
africana pertencente ao Império Romano, atual Argélia, teve 
as primeiras décadas de sua vida pontuadas pelos estudos, 
pelas atividades de professor, pela adesão aos prazeres 
mundanos e, sobretudo, por um permanente desconforto 
existencial. Converteu-se definitivamente ao cristianismo 
no ano de 482 e, mais tarde, tornou-se bispo na cidade de 
Hipona – atual Annaba, na Argélia. A partir daí, dividiu-se en-
tre as atividades sacerdotais e a reflexão filosófica de orien-
tação cristã, registrada em escritos como A cidade de Deus 
e Confissões.
No livro Confissões, Agostinho combina relatos autobio-
gráficos, centrados na descrição de seus dramas interiores 
e em seu itinerário de conversão ao cristianismo, com a ex-
planação de conceitos filosóficos inspirados em suas leituras 
sobre Platão, especificamente em sua apropriação do neopla-
tonismo de Plotino (205-270). Nas investigações filosóficas 
agostinianas, temas nucleares da filosofia grega, como a na-
tureza humana, a moral e o conhecimento, são racionalmente 
examinados em sua confluência com a teologia cristã.
Com o intuito de proporcionar a apresentação sumária da 
filosofia agostiniana, serão percorridas aqui suas pondera-
ções acerca da origem do mal, do conhecimento identificado 
à iluminação divina, da memória, da felicidade e do tempo.
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Qual é a origem do mal? Esse problema filosófico, com no-
tória relevância para pressuposição cristã de suprema bondade 
divina, é analisado por Agostinho em Confissões. A compreen-
são da tese agostiniana sobre o mal é favorecida pela menção 
prévia a uma questão explicitada no mesmo texto: quem é 
Deus? O filósofo, reconhecendo a dificuldade de responder di-
retamente a essa pergunta, principia pela identificação do que 
não é Deus. O mundo não é Deus, assim como não são Deus os 
múltiplos seres existentes, o céu, os astros, os rios, as monta-
nhas, as paisagens naturais, os animais, os seres humanos. O 
mundo e sua diversidade são criações divinas e, enquanto tais, 
possuem um ser relativo, isto é, possuem um ser que lhes é 
concedido por Deus no ato da criação, mas não são seres ple-
nos, posto que não são o próprio Deus. Deus é o ser absoluto, 
eterno, imutável, onisciente e perfeito. Deus é o bem supremo. 
A bondade do ser supremo conduz à inferência de que todas as 
suas criações são necessariamente boas, relativamente boas 
porque concebidas com a absoluta bondade divina.
Com base na observação de que o criador é absolutamente 
bom e, consequentemente, boas são todas as suas criações, 
Agostinho declara que não é certo atribuir origem divina ao mal: 
o mal não é produzido por Deus. Prosseguindo em seu raciocí-
nio, o filósofo é logicamente conduzido, então, à constatação 
de que o mal não existe. Afinal, tudo o que existe é criação di-
vina, é bom. Como explicar, portanto, o mal que se observa no 
mundo? Seria simplesmente uma ilusão? Para entender a tese 
agostiniana sobre essa questão, é necessário especificar sua 
consideração de que o mal não existe, acrescentando que não 
existe como substância, como ser ou, em linguagem propria-
mente filosófica, Agostinho não reconhece ontologicamente o 
mal. Para ele, o mal é o não ser, é o desvio ou a ausência do 
bem. Permanece, assim, o problema: qual a procedência dessa 
ausência do bem, o não ser que é nomeado como o mal?
Procurei o que era a maldade e não encontrei 
uma substância, mas sim uma perversão da von-
tade desviada da substância suprema – de Vós, 
ó Deus – e tendendo para todas as coisas baixas: 
vontade que derrama as suas entranhas e se le-
vanta com intumescência.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 190.
O mal, de acordo com Agostinho, é proveniente do livre-arbí-
trio humano. O ser humano, mais elevada das criaturas divinas, é 
concebido à imagem e semelhança de Deus, dotado de inteligên-
cia, memória e vontade. Utilizando sua vontade, o livre-arbítrio 
concedido pelo Criador, o ser humano escolhe o pecado, proje-
tando o amor a si mesmo acima do amor a Deus e desviando-se 
do bem.Dessa forma, o mal surge como perversão da natureza 
humana na realização do pecado original, com o qual a humani-
dade se desloca de sua originária proximidade com Deus.
Nesses termos, Agostinho estabelece o recorte conceitual 
entre Cidade de Deus e Cidade dos Homens. As fronteiras entre 
essas diferentes dimensões não são exatamente físicas, algo 
como a dimensão divina situada no céu e a dimensão humana 
localizada na Terra. Trata-se, fundamentalmente, de uma dis-
tinção espiritual entre aqueles que amam sobretudo a Deus, 
constituindo a cidade divina, e aqueles que priorizam a amor 
a si mesmos, formando a cidade humana. Nessa perspectiva, 
a Cidade de Deus envolve os seres humanos que, vivendo na 
Terra, estão predestinados pela graça divina à salvação, pois, 
se o mal provém do livre-arbítrio, na mesma medida é o livre-
-arbítrio a via para a reconciliação com Deus. Entretanto, não 
são todos os seres humanos destinados ao reencontro com o 
Criador, mas somente os predestinados, os que são contempla-
dos com a graça divina na correção de seu livre-arbítrio, coloca-
dos na direção do bem e da felicidade.
Para Agostinho, a felicidade é inscrita por Deus na memó-
ria dos seres humanos, a qual, aliás, revela a profundidade da 
vida interior dos homens. Esse filósofo diferencia a memória 
composta pelas impressões, recolhidas pelas vias sensoriais, 
da memória intelectual, à qual pertencem os conceitos origina-
riamente presentes na alma humana. Pelos nossos sentidos 
– olfato, tato, paladar, visão, audição –, recepcionamos impres-
sões de objetos externos – qualidades como sons, formas, 
cores –, e não os objetos em sua essência. Já a memória inte-
lectual não deriva dos sentidos, porque seu fundamento não é 
dado por objetos externos à alma humana, mas repousa, isto 
sim, em ideias inatas, referindo-se diretamente a realidades 
não sensíveis e eternas. Dessa natureza são, por exemplo, os 
conhecimentos matemáticos e morais.
Essa concepção de memória intelectual insere-se na tese 
agostiniana da iluminação divina, inspirada na teoria platônica 
da reminiscência. Para Platão, o processo de conhecimento é 
sinônimo de rememoração, uma vez que a alma humana, ante-
riormente à sua encarnação, contempla as ideias, os seres em 
si. Para Agostinho, as verdades eternas são comunicadas por 
Deus aos seres humanos, introduzidas na memória humana 
pela luz eterna da razão. Na filosofia de Agostinho, o princípio 
platônico da reminiscência é reelaborado em consonância com 
os preceitos do cristianismo.
 01. UFU-MG
Leia o trecho extraído da obra Confissões.
Quem nos mostrará o Bem? Ouçam a nossa resposta: Está gravada dentro de nós a luz do vosso rosto, 
Senhor. Nós não somos a luz que ilumina a todo homem, mas somos iluminados por Vós. Para que sejamos 
luz em Vós os que fomos outrora trevas.
AGOSTINHO, Santo. Confissões IX. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 154. (Os Pensadores).
Sobre a doutrina da iluminação de Santo Agostinho, marque a alternativa correta.
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a. A irradiação da luz divina faz com que conheçamos imediatamente as verdades eternas em Deus. Essas verdades, 
necessárias e eternas, não estão no interior do homem, porque seu intelecto é contingente e mutável.
b. A irradiação da luz divina atua imediatamente sobre o intelecto humano, deixando-o ativo para o conhecimento das 
verdades eternas. Essas verdades, necessárias e imutáveis, estão no interior do homem.
c. A metáfora da luz significa a ação divina que nos faz recordar as verdades eternas que a alma possuía antes de se 
unir ao corpo.
d. A metáfora da luz significa a ação divina que nos faz recordar as verdades eternas que a alma possuía e que nela 
permanecem mediante os ciclos da reencarnação.
Resolução
De acordo com a teoria agostiniana da iluminação divina, as verdades são introduzidas por Deus na alma humana, isto é, 
encontram-se na interioridade do ser humano.
Alternativa correta: B
Quanto à felicidade, qual é a natureza do seu pertencimen-
to à memória? Agostinho discorre sobre a memória dos afetos, 
lembranças de situações pretéritas delineadas por comoções 
como alegria, tristeza e temor, experiências que são absorvi-
das pela memória e recordadas na ausência de sua efetiva re-
petição. Seria desse tipo a presença da felicidade na memória?
É indispensável sublinhar que Agostinho concede extrema 
importância ao tema da felicidade, à medida que sua explana-
ção da interioridade humana, pontualmente sobre a memória, 
tem o propósito de investigar se é possível o encontro com 
Deus pelo ser humano interior, pela alma humana. Para esse 
filósofo, a felicidade consuma-se precisamente no encontro 
com o ser supremo.
Em relação à felicidade, esse pensador medieval distin-
gue três estados possíveis: a felicidade efetiva, a esperança 
e a infelicidade. No primeiro caso, tem-se a felicidade propria-
mente dita, como realidade do tempo presente. No segundo, 
a felicidade diz respeito à expectativa de que se torne real a 
projeção de um futuro feliz. Por fim, na última situação men-
cionada, a felicidade sequer é reconhecida em sua possibili-
dade de realização, inexiste a perspectiva de sua efetivação. 
Esses diferentes estados concernentes à felicidade articu-
lam-se em uma unidade: em todos eles, deseja-se a felici-
dade. Na felicidade presente, deseja-se preservá-la; na ex-
pectativa, deseja-se conquistá-la; e, mesmo na ausência de 
esperança, deseja-se uma realidade feliz. Observa-se, dessa 
forma, o amor universal à felicidade, presente em todos os se-
res humanos, constatação esta que atesta sua localização na 
memória, não como lembrança de afetos experimentados de 
maneira circunstancial, mas como recordação de uma condi-
ção original da natureza humana.
Neste ponto, Agostinho discrimina conceitualmente a fe-
licidade e a alegria. A alegria procede de experiências munda-
nas, associando-se à luxúria, ao orgulho, à vaidade: confunde 
os instáveis prazeres terrenos com bens eternos e verdadeiros. 
A felicidade – alegria verdadeira – é superior à alegria, porque 
não deriva de contingências do mundo, sendo introduzida por 
Deus na alma humana. A felicidade consiste na condição origi-
nal da natureza do ser humano, em sua semelhança com o cria-
dor, na primazia do amor a Deus. O autêntico restabelecimento 
da humanidade coincide com a reconciliação do ser humano 
com Deus, o que exige o êxito da vontade corretamente orienta-
da sobre a vontade desviante no interior da alma humana.
As explanações sobre a memória e os estados da alma 
humana diante da felicidade vinculam-se ao conceito de tem-
po, tema que é objeto de um capítulo específico no livro Con-
fissões. Santo Agostinho examina o tempo em seus vínculos 
com a eternidade. Deus é eterno e imutável em sua perfeição. 
Na eternidade divina, não há antes ou depois, passado ou 
porvir; há exclusivamente o presente perpétuo. O tempo per-
tence à criação, quer dizer, surge com a produção divina dos 
seres mutáveis e corruptíveis. Dessa forma, para a pergunta 
sobre o que fazia Deus antes da criação, esse filósofo fornece 
lacônica resposta: nada. Isso porque a questão é inadequada, 
posto que não há anterioridade à criação divina do mundo, 
dado que noções temporais como antes e depois são conce-
bíveis somente no horizonte das criaturas.
Qual a localização, então, do tempo? O que são passado, 
presente e futuro? Agostinho problematiza o conceito de tem-
po, negando a existência objetiva das dimensões temporais 
pretéritas e futuras. O passado não é uma realidade concreta, 
posto que não tem atualidade efetiva, referindo-se apenas ao 
que não é mais. O futuro também é destituído de objetividade, 
pois remete ao que ainda não é. Mesmo a noção de presente é 
problemática, porque o presente inserido no plano da tempo-
ralidade, diferentemente do presente perpétuo da eternida-
de, deixa, de forma contínua, de ser o tempo presente, trans-
formando-se naquilo quenão é mais, em pretérito.
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O tempo é objeto das reflexões filosóficas de Agostinho.
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Dessa forma, assim como a memória, as ideias eternas e 
a felicidade, o tempo localiza-se na interioridade humana, na 
alma do ser humano, como recordação do passado, atenção 
ao presente e expectativa perante o futuro. Modifica-se com 
isso a própria terminologia, nomeando-se o pretérito como 
presente das coisas passadas – a recordação –, o presente 
como presente das coisas presentes e o futuro como presen-
te das coisas futuras – expectativa.
B. A filosofia de Tomás de Aquino
Se a patrística, com sua expressão sofisticada no pensa-
mento de Agostinho de Hipona, configura a filosofia cristã em 
sua primeira fase, os séculos finais da época medieval são 
caracterizados pela supremacia da escolástica, termo que 
denomina os estudos teológicos e filosóficos desenvolvidos 
nas universidades medievais, em especial a partir da tradu-
ção dos textos aristotélicos para o idioma latino.
O filósofo Tomás de Aquino (1224-1274) é a principal re-
ferência do pensamento escolástico, e seu sistema filosófico, 
conhecido como tomismo, efetua a apropriação das teses fi-
losóficas de Aristóteles pelo cristianismo. De origem familiar 
nobre, Tomás de Aquino ingressou na ordem religiosa dos 
dominicanos, desenvolveu seus estudos em Paris e Nápoles 
e lecionou em diferentes universidades europeias. Suas ativi-
dades de pesquisa e magistério proporcionaram a redação de 
textos importantes, como O ente e a essência, Suma contra 
os gentios e Suma teológica, que se tornaram clássicos na 
história da especulação filosófica. Nesses escritos, a tenta-
tiva de conjugação da fé cristã com o saber racional, carac-
terística da filosofia medieval, adquiriu sua mais completa e 
explícita elaboração.
Na Suma contra os gentios, Tomás diferencia verdades 
reveladas e verdades racionais. As primeiras procedem dire-
tamente da revelação divina e pertencem à dimensão supra-
natural da fé e as últimas derivam da racionalidade e são con-
quistadas pela aplicação da inteligência humana aos dados 
recolhidos pelos sentidos. Entre ambas, observa o filósofo, 
não há conflitos, mas uma convergência na qual a teologia 
revelada orienta o conhecimento racional.
Como era de se esperar, Tomás de Aquino vai 
sustentar, por várias razões, a subordinação da 
ciência humana à ciência divina. Em primeiro lu-
gar, porque a finalidade suprema do homem é a 
busca da felicidade na vida futura, o que depen-
de da observância de certos preceitos fornecidos 
pela teologia cristã. Em segundo lugar, porque, 
como Santo Agostinho já havia preconizado, a 
filosofia pode auxiliar na compreensão de pas-
sagens obscuras das Sagradas Escrituras. Em 
terceiro lugar, a filosofia pode também auxiliar a 
fé cristã fornecendo uma explicação racional de 
teses teológicas, como, por exemplo, a tese da 
existência de Deus.
STORCK, Alfredo. Filosofia medieval. Rio 
de Janeiro: Zahar, 2003. p. 50.
De acordo com Tomás de Aquino, as temáticas concer-
nentes a Deus, ao mundo e ao ser humano são comuns à 
teologia e à filosofia, e a atividade filosófica conduz a verda-
des que não contrariam os dogmas religiosos, mas são, isto 
sim, confluentes com os elementos doutrinários do cristia-
nismo. Entretanto, diferentemente do saber supranatural, o 
conhecimento sustentado em um percurso racional oferece 
o acesso a um conjunto limitado de verdades. Pelo itinerário 
da razão não é possível, por exemplo, atingir a trindade di-
vina – Pai, Filho e Espírito Santo – e a encarnação do verbo 
divino na pessoa humana de Jesus Cristo. Por outro lado, a 
investigação filosófica é capaz de comprovar racionalmente 
a existência de Deus mediante a observação de seus efeitos, 
os fenômenos físicos do mundo.
Tomás de Aquino, portanto, mesmo atribuindo limitações 
ao conhecimento construído racionalmente, concede eleva-
da importância à filosofia, à medida que a pesquisa racional 
se baseia naquilo que, a despeito da diversidade de crenças, 
é comum a todos os seres humanos, a saber, a razão. Nesse 
sentido, dedica-se à demonstração racional acerca de exis-
tência de Deus, desenvolvida em sua Suma teológica.
No que tange ao conhecimento, Tomás utiliza a metáfora 
da tábula rasa para se referir à condição inicial da alma huma-
na: a mente é como uma página em branco, que se preenche 
com os conteúdos extraídos do mundo sensível. Os elemen-
tos recepcionados pela experiência são transformados em 
conhecimentos conceituais pelo intelecto agente, com a luz 
natural da razão. Essa luz natural da razão consiste em uma 
faculdade natural do intelecto humano, e não em uma espé-
cie de iluminação externa e sobrenatural.
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OHAM
ED OSAM
A M
OHAM
ED ABDEL GHANY/DREAM
STIM
E.COM
Para Tomás de Aquino, a mente humana é como uma página em branco.
Nesses termos, compreende-se a tese da existência de 
Deus, pois se trata de uma inferência obtida pela razão com 
o exame dos fenômenos da natureza. Em outras palavras, 
inspecionando racionalmente os efeitos, os fatos do mundo, 
conclui-se pela existência da causa, Deus. Tomás de Aquino 
explicita essa tese com a apresentação de argumentos cla-
ramente baseados na filosofia aristotélica, constituindo as 
cinco vias para a prova racional de existência de Deus.
A primeira via é o argumento do movimento ou do primeiro 
motor. Segundo esse raciocínio, tudo o que se move transfor-
ma-se na atualização de uma potência, é movido por algo que 
lhe é exterior. Sendo assim, no horizonte dos fenômenos do 
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mundo, o que se move é conduzido por um movente – o que 
move algo – e esse movente, por sua vez, é movido por outro 
movente, em uma longa sucessão de relações. Seria logica-
mente possível, então, expandir essa sequência regressiva-
mente ao infinito, afirmando que um movente é, ele próprio, 
sempre movido por algo? A resposta é negativa, pois, para 
que exista essa complexa série de movimentos, é necessário 
existir um princípio movente que não seja ele próprio mutável: 
o primeiro motor imóvel. Esse primeiro motor imóvel é Deus.
A segunda via, análoga à primeira, é o argumento da cau-
salidade eficiente ou da causa primeira, referenciado nas re-
lações de causa e efeito observadas no mundo. Nas relações 
de causalidade, um efeito é necessariamente antecedido por 
uma causa, e o que é causa para um efeito é, em igual me-
dida, efeito de uma causa anterior. Essa complexidade das 
relações de causalidade sustenta-se na existência de uma 
causa primeira, que não é efeito, e da qual decorrem todas as 
relações de causa e efeito imanentes ao mundo. Essa causa 
primeira é Deus.
A terceira via versa sobre os seres contingentes e o ser 
necessário. Esse argumento declara que os seres da nature-
za são contingentes, isto é, podem ser e podem não ser, algo 
que é atestado por nossa experiência sobre a geração e a cor-
rupção dos seres existentes. Porém, a existência do mundo 
requer um ser necessário, que jamais transita para o não ser 
e sem o qual não existiriam os seres contingentes. Esse ser 
necessário é Deus. Segundo Aquino, ao se admitir que, em 
algum tempo, nada existiu, deve-se admitir que nada exis-
te, porque o nada gera nada. Assim, é necessário e forçoso 
admitir que há um ser que, por extrapolar a esfera do tempo, 
sempre existiu, e esse ser é Deus.
A quarta via concerne aos graus de perfeição dos seres e 
ao ser perfeito. De acordo com esse argumento, há diferentes 
níveis de perfeição nos seres, o que nos permite afirmar, em 
uma perspectiva comparativa, que existem seres mais perfei-
tos e seres menos perfeitos. Constata-se, assim, uma grada-
ção de perfeição que procede de um parâmetro de absoluta 
perfeição, remetendo ao ser perfeito. Esse ser perfeito é Deus.
Por fim, a quinta via caracteriza-se pelo sentido teleoló-
gico, segundo o qual todosos seres do mundo possuem uma 
finalidade, sendo que até mesmo os seres incapazes de co-
nhecimento agem conforme um fim que lhes é inerente, em 
sintonia com a ordem do Universo. Esse Universo rigidamente 
ordenado, em que todas as coisas são direcionadas a um fim, 
revela o governo de uma inteligência ordenadora. Essa inteli-
gência ordenadora é Deus.
 01. UFU-MG
O texto que se segue refere-se às vias da prova da existência de Deus.
As cinco vias consistem em cinco grandes linhas de argumentação por meio das quais se pode provar a 
existência de Deus. Sua importância reside sobretudo em que supõe a possibilidade de se chegar no entendi-
mento de Deus, ainda que de forma parcial e indireta, a partir da consideração do mundo natural, do cosmo, 
entendido como criação divina.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 67.
Com base no texto, marque a alternativa correta.
a. As cinco vias são argumentos diretos e evidentes da existência de Deus.
b. Tomás de Aquino formula as cinco vias da prova da existência de Deus, utilizando, sistematicamente, as passa-
gens bíblicas para fundamentar seus argumentos.
c. As cinco vias partem de afirmações gerais e racionais sobre a existência de Deus, para chegar a conclusões sobre as 
coisas sensíveis, particulares e verificáveis sobre o mundo natural.
d. Tomás de Aquino formula as argumentações que provam a existência de Deus sob a influência do pensamento de Aris-
tóteles, recorrendo não à Bíblia, mas, sobretudo, à metafísica do filósofo grego.
Resolução
Tomás de Aquino utiliza conceitos da filosofia aristotélica para demonstrar racionalmente a existência de Deus, com 
base na observação de seus efeitos no mundo. Deve-se observar que a utilização de conceitos da metafísica aristotélica não 
significa que o ponto de partida de Aquino, nessa tarefa, seja metafísico: é pela observação dos fenômenos físicos, efeitos, 
que esse filósofo pretende comprovar a existência de Deus.
Alternativa correta: D
APRENDER SEMPRE 28 
A reflexão de Tomás de Aquino sobre a essência e a exis-
tência conclui esta apresentação de seu pensamento. Para o 
filósofo, a essência diz respeito ao que algo é, possui dimen-
são conceitual. Descrever a essência de alguma coisa, dizer o 
que é, não significa, contudo, declarar que, de fato, ela existe, 
pois a essência se diferencia da existência. Um exemplo sim-
ples é imaginar a seguinte pergunta: o que é um ser humano 
completamente generoso?
Se for apresentada uma resposta satisfatória, será possí-
vel conhecer a essência de um ser humano completamente 
generoso. Ainda assim, pode-se acrescentar essa indagação: 
existe, realmente, um ser humano completamente genero-
so? A constatação da essência de algo não oferece garantia 
quanto à sua existência.
Tomás de Aquino não apenas destacou essa diferença en-
tre essência e existência, como afirmou ainda que a essência 
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precede a existência. Os seres contingenciais – o Universo, a 
natureza, os astros, os seres vivos – são originariamente es-
sências presentes na vontade de Deus, que recebem sua exis-
tência no ato da criação divina. E com relação a Deus? Seria 
correto dizer que a essência de Deus precede sua existência? 
Não, pois Deus não é um ser criado. É o ser necessário, perfeito 
e criador do mundo. Em Deus, a essência coincide com a exis-
tência, ou melhor, Deus é pura existência.
C. A polêmica dos universais
A apresentação de algumas das teses de Santo Agostinho 
e de São Tomás de Aquino evidencia a persistência da prática fi-
losófica em um universo cultural cristão. Ainda que condiciona-
dos pelos fundamentos doutrinários do cristianismo, os temas 
referentes ao mundo e ao ser humano permanecem em sua 
condição de objetos de problematizações filosóficas. A filosofia 
resiste em sua natureza de atividade mobilizada por debates ra-
cionais. Exemplar a esse respeito é a polêmica dos universais, 
intensificada com o surgimento das universidades medievais.
Trata-se de uma discussão que se inicia na antiga filosofia 
grega e que envolve as articulações entre pensamento, lingua-
gem e ser. A polêmica dos universais examina as relações con-
ceituais entre os termos que designam uma multiplicidade de 
individualidades e essas individualidades em si mesmas. Quan-
do, por exemplo, aplica-se a expressão “humanidade”, a inten-
ção é referir-se a um conceito universal, portador de um núcleo 
comum a todos os seres humanos singulares ou, apenas para 
citar mais um exemplo, ao se usar a palavra árvore, muitas ve-
zes, recorre-se a uma palavra que reúne as incontáveis árvores 
efetivamente existentes na natureza. A questão, então, é esta: 
esses termos são conceitos com realidade objetiva ou são sim-
ples nomeações desprovidas de conteúdos reais? Em torno 
desse problema, desenvolvem-se, na filosofia medieval, três 
concepções: o realismo, o nominalismo e o realismo moderado.
O realismo, cujo principal expoente é Guilherme de 
Champeaux (1070-1121), compreende os conceitos como 
realidades objetivas, originariamente situadas além das indi-
vidualidades concretas, indivíduos estes que, aliás, seriam 
reproduções singulares de uma conceituação universal. Se-
gundo esse ponto de vista, a humanidade – para retomar um 
dos exemplos escolhidos – é um conceito real e os seres hu-
manos singulares são realizações específicas dessa realidade 
conceitual. Em sentido oposto, o nominalismo, que tem Ros-
celin de Compiègne (1050-1125) entre seus representantes, 
entende que os termos universais são somente palavras sem 
conteúdo real, que não se referem com pertinência à realidade, 
pois o que realmente existe são as individualidades que efeti-
vamente se observam no mundo. Sob essa ótica, humanidade 
é somente um termo convencional, destituído de relações ver-
dadeiras com a realidade objetiva, porque o que, de fato, existe 
são os múltiplos seres humanos em sua vida concreta.
O realismo moderado, defendido por Pedro Abelardo 
(1079-1142), é uma tese intermediária, segundo a qual as 
individualidades são compostos inseparáveis. Os elementos 
que formam os indivíduos, suas características universais e 
suas características singulares, não são objetivamente disso-
ciáveis; eles existem concretamente nas composições indivi-
duais. Entretanto, esses diferentes elementos são discernidos 
pelo intelecto humano que, mediante o procedimento da abs-
tração, identifica os aspectos comuns das individualidades, os 
quais consistem, assim, em conceitos universais.
3. Caracterização inicial da 
filosofia moderna
O que é a filosofia moderna? Uma interrogação dessa natu-
reza não é satisfatoriamente equacionada por uma resposta di-
reta e imediata, exigindo, isto sim, uma explanação mais longa, 
com o propósito de reconstituir os caminhos e as característi-
cas que delimitam esse período do pensamento filosófico. A di-
visão da história da filosofia em diferentes etapas é um proce-
dimento didático utilizado pelos historiadores, com a intenção 
de destacar as modificações da atividade filosófica no curso 
do tempo e os traços minimamente comuns aos pensadores 
de épocas determinadas. Para tanto, consideram não apenas 
a história da filosofia, mas também as suas relações e corres-
pondências com as transformações culturais, econômicas e 
políticas das sociedades humanas. Ao demarcarem um perío-
do da filosofia, esses estudiosos não apresentam um panora-
ma homogêneo, uma unidade teórica entre os vários autores, 
mas sim um núcleo comum de temas, reflexões e debates, no 
interior do qual se desenvolvem as controvérsias filosóficas.
Dessa forma, mesmo reconhecendo a pertinência da per-
gunta pela definição da filosofia moderna, é preciso resistir à 
inclinação de respondê-la imediatamente. É mais apropriado 
assumi-la como ponto de partida para a gradual identificação 
dos aspectos que contribuem para sua formação, das suas 
articulações com o universomais amplo da cultura, dos seus 
temas centrais e das suas principais tendências teóricas.
A. Transformações socioculturais e filosofia moderna
Alguns livros de história da filosofia registram o início 
pleno da filosofia moderna com o francês René Descartes 
(1596-1650) e sua conclusão com os textos do alemão Imma-
nuel Kant (1724-1804). Ainda que as obras desses filósofos 
representem, respectivamente, o marco inaugural e a consu-
mação do pensamento filosófico moderno, não são referên-
cias temporais e conceituais rígidas. Muitos escritos filosófi-
cos anteriores aos textos de Descartes distanciaram-se dos 
padrões filosóficos medievais e anunciaram reflexões tipica-
mente modernas. Da mesma forma, estudos de filósofos pos-
teriores a Kant prosseguem no âmbito da filosofia moderna. 
Assim, registra-se também a tendência de fixação dos limites 
cronológicos da filosofia moderna entre os séculos XV e XIX.
O surgimento e a formação da filosofia moderna situam-se 
em um contexto histórico de profundas transformações das so-
ciedades europeias, cujas origens localizam-se ainda na Baixa 
Idade Média (séculos XI a XV), com o Renascimento Comercial 
e o Renascimento Urbano, fenômenos socioeconômicos que, 
paulatinamente, desestruturaram os tradicionais vínculos feu-
dais e proporcionaram relações sociais que, no curso do tempo, 
configurariam a modernidade. No plano sociocultural, foram de-
cisivos os acontecimentos dos séculos XV, XVI e XVII, tais como 
o Renascimento Cultural, as Reformas Religiosas, a formação 
dos Estados Nacionais europeus e a Revolução Científica.
As Reformas Religiosas do século XVI – luterana, calvinista 
e anglicana – removeram o monopólio institucional do catoli-
cismo sobre o cristianismo na Europa Ocidental, instaurando 
uma pluralidade religiosa cristã de notável repercussão no 
campo da cultura. Na esfera política, a considerável fragmen-
tação territorial do poder, característica da época medieval, foi 
substituída pela unificação do poder em bases nacionais e sob 
a forma do absolutismo monárquico.
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O estabelecimento de novas religiões cristãs, com o con-
sequente pluralismo do cristianismo, convergiu com a diver-
sidade de discursos filosóficos na cultura moderna, à medida 
que tanto as concepções religiosas quanto as especulações 
filosóficas não se circunscreviam mais ao domínio absoluto do 
pensamento católico. Não se trata de afirmar uma relação de 
causa e efeito nem de dizer que as Reformas Religiosas são a 
causa da dissociação entre as teorias filosóficas e a doutrina 
católica, tampouco de sugerir que as novas religiões sejam um 
efeito das nascentes teses filosóficas modernas. Estamos re-
gistrando, isto sim, um ponto de convergência e de influências 
recíprocas entre ambas: o pluralismo de ideias desafiando o 
tradicional domínio católico no plano sociocultural europeu.
Já a formação dos Modernos Estados Nacionais europeus 
ensejou a retomada da política como problema filosófico rele-
vante. Uma das questões centrais na filosofia clássica grega, 
a temática política praticamente desapareceu das escolas fi-
losóficas helenísticas, passando a ocupar posição secundária 
na filosofia medieval. Ressurgiria como tema nuclear do pensa-
mento filosófico na cultura moderna. Referência inaugural da 
filosofia política moderna, o livro O príncipe, do florentino Nico-
lau Maquiavel (1469-1527), refletiu sobre as dificuldades de 
se promover a unificação política italiana e, sobretudo, iniciou 
uma forma original de pesquisa política, centrada no exercício 
do poder como virtude própria da política – e não na concepção 
da política como atividade dirigida à realização do bem comum. 
Em seu chamado realismo político, Maquiavel separou a ética 
do cristianismo, compreendendo a política como esfera exte-
rior aos princípios morais vigentes nas demais relações sociais.
Nas especulações políticas da filosofia moderna, pro-
jetaram-se as teorias contratualistas de Thomas Hobbes 
(1588-1679), John Locke (1632-1704) e de Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), assentadas na tese de que a socie-
dade política é uma construção artificial da humanidade para 
superar uma original condição de natureza da humanidade. A 
filosofia de Hobbes implicava a defesa do Estado absolutista, di-
ferenciando-se, contudo, das teorias que procuraram legitimar 
o poder absoluto dos monarcas, em sua suposta descendência 
divina, como representantes diretos de Deus em seus respecti-
vos reinos. Hobbes confeccionou sua concepção de legitimida-
de do poder absoluto do Estado com base em sua conceituação 
da natureza humana. A teoria contratualista de Locke, diferente-
mente do ponto de vista filosófico de Hobbes, reconheceu como 
legítimas apenas as formas de sociedade política que prioriza-
vam os direitos individuais e, nesse sentido, contestou o poder 
absoluto dos monarcas. Jean-Jacques Rousseau, em suas críti-
cas à sociedade civilizada, denunciou as desigualdades sociais 
e propôs, como solução política para os acentuados problemas 
da civilização, um contrato social fundado na vontade geral.
A filosofia política moderna prolongou-se no movimento fi-
losófico iluminista do século XVIII, mobilizada pelas discussões 
acerca de aspectos temáticos como os direitos individuais, a 
liberdade, as razões das desigualdades sociais, a aspiração à 
igualdade, as formas de organização política, as relações entre 
Estado e sociedade, a noção de progresso, entre outras ques-
tões sociopolíticas racionalmente examinadas.
Quanto ao Renascimento Cultural e à Revolução Científica, 
estes são temas que merecem uma apresentação um pouco 
mais detida, uma vez que são densas as suas confluências 
com a constituição do pensamento filosófico moderno.
A denominação Renascimento Cultural, aplicada ao movi-
mento expresso nas realizações artísticas, nas modalidades 
de conhecimento, na filosofia e, em sentido abrangente, à 
mudança de mentalidade que atinge sua forma explícita no 
século XVI, indica sua proposta de ruptura com os parâmetros 
do pensamento medieval: sob o ponto de vista renascentista, 
a Idade Média consistiu em uma época obscurantista, na qual 
o poder social católico reprimiu as autênticas elaborações 
culturais dos seres humanos. Nesse horizonte, compreen-
dem-se as características delineadoras do Renascimento, 
entre as quais destacam-se o antropocentrismo, o racionalis-
mo e o naturalismo.
Sempre que se evoca o tema do Renasci-
mento, a imagem que imediatamente nos vem 
à mente é a dos grandes artistas plásticos e de 
suas mais famosas obras, amplamente reprodu-
zidas e difundidas até nossos dias, como a Mona 
Lisa e a Última Ceia de Leonardo da Vinci, o Juízo 
Final, a Pietá e o Moisés de Michelangelo, assim 
como as inúmeras e suaves Madonas de Rafael 
[...]. Isso nos coloca a questão: por que razão o 
Renascimento implica esse destaque tão grande 
dado às artes visuais? [...] De fato, as artes plás-
ticas acabaram se convertendo num centro de 
convergência de todas as principais tendências 
da cultura renascentista.
SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. 
São Paulo: Atual, 1994. p. 25.
Em oposição ao teocentrismo medieval, no qual as inter-
pretações acerca do mundo e da humanidade foram regidas 
pela teologia católica, o antropocentrismo renascentista insta-
lou o ser humano no centro de suas reflexões. Essa postura não 
significa, necessariamente, a negação da crença em Deus, mas 
o deslocamento da ênfase reflexiva para as possibilidades do 
ser humano, acompanhada da confiança em sua capacidade 
de criação e de ação sobre o mundo. De maneira resumida, é 
correto dizer que a cultura renascentista tendeu à valorização 
daquilo que de divino existe na humanidade.
Essa perspectiva antropocêntrica se expressa nitidamen-
te no pensador renascentista Giovanni Pico della Mirandola 
(1463-1494), que, em seu texto intitulado Discurso sobre a 
dignidade do homem, afirma que o criador concebeu o ser hu-
mano comuma natureza indefinida. Sublinha, desse modo, a 
humanidade como artífice de si mesma, ou seja, não se fixan-
do em uma precisa natureza por Deus, ao ser humano é con-
ferida a prerrogativa de construir seu próprio ser em escolhas 
que podem rebaixá-lo ao nível das bestas ou elevá-lo ao plano 
celestial. Para Della Mirandola, diferente dos animais, cujo com-
portamento é prescrito de forma rígida pela natureza que lhes 
foi impressa pela providência, o ser humano é um ser ontologi-
camente indeterminado, que, portanto, traz em si a presença 
do divino. Para além do que é puramente dado, não se resume à 
simples criatura, sendo ele próprio, à semelhança de Deus, um 
criador, em condições de elaborar sua natureza em consonân-
cia com sua vontade.
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O antropocentrismo, então, identifica a humanidade como 
uma criatura especial no conjunto dos seres vivos, capaz de 
conhecer racionalmente a realidade e de modificar a nature-
za em conformidade com seus interesses. Esse humanismo 
renascentista intersecciona-se, assim, com o racionalismo 
e com o naturalismo. O termo racionalismo, neste momento, 
não deve ser confundido com a postura gnosiológica para a 
qual os conhecimentos humanos são inatos, baseiam-se em 
ideias originariamente presentes na mente humana. Nos do-
mínios da teoria do conhecimento, a filosofia moderna com-
porta também filósofos racionalistas como aqueles segundo 
os quais os sentidos são a fonte do verdadeiro saber – os 
empiristas. Ao nomear o racionalismo como um dos traços es-
senciais da cultura renascentista, há referência à convicção 
de que os seres humanos podem conhecer a realidade com o 
uso de sua intelectualidade, combinando a razão e a observa-
ção dos fenômenos, sem recorrer a suposições sobrenaturais.
O racionalismo renascentista preconiza a emancipação 
do saber racional em relação à teologia cristã. O pensamento 
medieval atribui importância à razão, mas a submete ao pri-
mado da fé – as filosofias de Agostinho e de Tomás de Aquino 
conjugam saber racional e saber revelado sob a primazia 
deste último. O humanismo renascentista, por seu turno, rei-
vindica a completa autonomia da razão em relação aos dog-
mas teológicos, entendendo que o conhecimento humano da 
realidade natural deve se pautar pela observação racional do 
mundo em si mesmo, com o que se define o elemento natura-
lista do Renascimento Cultural.
O naturalismo define-se pela valorização do ser humano 
como ser natural e da própria natureza em sua totalidade, a 
despeito da existência de princípios sobrenaturais de susten-
tação do mundo. No tocante ao saber, o naturalismo caracteri-
za-se pelo empenho em revelar as leis que regem os fenôme-
nos naturais, em que o conhecimento de suas regras permite 
à humanidade o desenvolvimento de técnicas que ampliem e 
intensifiquem o seu domínio sobre a própria natureza.
O universo cultural renascentista lança os fundamentos 
da cultura moderna e, em seu interior, associada às trans-
formações socioeconômicas que conduzem a transição das 
relações feudais para o capitalismo, processa-se a Revolução 
Científica dos séculos XVI e XVII. Com ela, surge uma forma de 
conhecimento que assumiu importância central nas socieda-
des humanas: a ciência moderna.
B. Revolução Científica e filosofia moderna
Da Antiguidade grega aos primeiros tempos da Era Mo-
derna, a filosofia consiste na investigação racional dos dife-
rentes aspectos da realidade, ou seja, compreende a totali-
dade dos chamados saberes científicos. Filosofia e ciência 
são, então, sinônimos. Essa situação se modifica com a con-
solidação da ciência moderna, que, com a definição de seus 
métodos específicos, diferencia-se da especula ção filosó-
fica. Demarcam-se, assim, fronteiras entre o conhecimento 
filosófico e o conhecimento científico, ao mesmo tempo que 
se estabelece um permanente diálogo entre filosofia e ciên-
cia, extensivo à atualidade.
Afinal, o que é a ciência moderna? Comparando o moder-
no conhecimento científico com a cultura católica medieval, 
nota-se a substituição das narrativas teológicas por efetivas 
pesquisas dos fenômenos naturais. A ciência pretende expli-
car a natureza com base em regras encontradas na própria 
natureza, recusando-se a simplesmente aceitar os dogmas 
católicos sobre o mundo. Distinguindo-se dos dogmas cris-
tãos, o saber científico não se baseia na autoridade religiosa, 
caracterizando-se pela postura dialógica, ou seja, aberta às 
divergências e às confrontações de teses, em seu compro-
metimento com a busca de um conhecimento alicerçado em 
evidências que devem ser acolhidas pela razão.
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As relações entre filosofia e ciência moderna impõem o exame 
de importantes questões referentes ao conhecimento.
Quanto à sua abertura às críticas e à sua proposta de um 
conhecimento racionalmente examinado, a ciência moderna 
identifica-se com a filosofia. Afinal, essas são características 
essenciais da filosofia, desde suas origens gregas. Entre-
tanto, diferentemente da filosofia, a ciência moderna possui 
caráter mais prático, o que significa dizer que o moderno 
conhecimento científico possui, em comparação com o viés 
contemplativo da filosofia, uma dimensão, sobretudo, prática.
A indicação de dois aspectos é suficiente para entender 
essa afirmação. De forma distinta da ciência antiga e medie-
val, ou melhor, da filosofia, a ciência moderna desenvolve 
suas teorias amparada em observações sistemáticas dos 
fenômenos, com a realização de experimentações, mensu-
rações e repetições de situações. Isso não quer dizer que a 
filosofia recuse a observação dos fatos do mundo. Basta re-
cordar as incontáveis observações de Aristóteles acerca dos 
eventos naturais e dos seres vivos para constatar que essa 
é também uma preocupação da pesquisa filosófica. O que a 
ciência moderna efetua é a observação sistemática, metódi-
ca e experimental com a qual se processa o teste empírico de 
suas hipóteses: a busca de conhecimentos justificados em 
demonstrações práticas.
O viés prático da ciência moderna evidencia-se ainda 
em sua associação com a ambição humana de interferir nos 
processos naturais, transformando a natureza em benefício 
da humanidade, isto é, reivindicando a utilização do conhe-
cimento da natureza para o desenvolvimento de tecnologias 
que contemplem as ambições humanas. Na ciência tradicio-
nal – a filosofia pré-socrática, por exemplo –, a tentativa de 
conhecer o Universo e a natureza não se vincula a nenhum 
projeto de domínio humano sobre o meio natural.
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As relações entre ciência moderna e controle humano 
sobre a natureza desenvolvem-se no interior de um comple-
xo processo histórico, muitas vezes resumido, na linguagem 
socioeconômica, como a transição do feudalismo para o ca-
pitalismo. É interessante também registrar que os seus des-
dobramentos históricos são, na atualidade, bastante discu-
tíveis, como os desequilíbrios ambientais contemporâneos, 
para mencionar apenas um exemplo a esse respeito.
Dessa forma, nota-se que entre a ciência antiga e a 
ciência moderna não há simplesmente uma relação de con-
tinuidade. É certo que ambas se delineiam como pesquisas 
racionais da natureza e que muitos estudiosos identificam 
na ciência antiga o ponto de partida da ciência moderna. Po-
rém, o conhecimento científico moderno constitui-se com 
uma metodologia original, que conjuga o exame racional dos 
fenômenos com práticas de experimentação e de verificação 
empírica de hipóteses. Além disso, desenvolve-se em um ho-
rizonte cultural orientado pela pretensão humana de interferir 
sistematicamente nos processos naturais.
Entre os protagonistas dessa Revolução Científica, des-
taca-se o italiano Galileu Galilei (1564-1642). Professor e 
pesquisador extremamente dedicado, Galileu notabilizou-se 
por algumas iniciativas que desafiaram preconceitos

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