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Capítulo 4 - tese (1)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
 
 
 
 
 
 
O PLANO INFERENCIAL DE LEITURA E O ENSINO DE 
ESPANHOL NA ESCOLA BRASILEIRA: COGNIÇÃO 
DISTRIBUÍDA, POLÍTICAS COGNITIVAS E LIVRO DIDÁTICO 
 
 
 
 
DIEGO DA SILVA VARGAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2017 
171 
 
CAPÍTULO 4: A LEITURA INTEGRATIVA E O PLANO INFERENCIAL DE 
LEITURA 
 
 Como aponta Kastrup (2012, p.59), a suspensão de uma política de recognição 
ou a invenção de práticas de descontrução ou deslocamento dessa política nos obriga a 
colocar outras práticas no lugar. Tal tarefa não é simples, uma vez que o modelo da 
recognição “é um modelo que nos puxa sempre e a resistência tem que ser 
constantemente reiterada. O caminho tem que ser feito dia a dia, como um desafio 
permanente. Por isso, a formação inventiva vai se fazendo o tempo todo, sem ter um 
resultado pronto”. 
 Assim, torna-se urgente a busca por práticas escolares que fomentem políticas de 
invenção e que, portanto, reconheçam uma visão de cognição como distribuída e de 
aprendizagem como invenção de problemas. Essa aprendizagem deveria ser construída, 
na escola, através da integração conceptual entre o que o aluno já sabe e as informações 
novas que a escola traz. Em função disso, neste capítulo, me dedico a tratar 
especificamente do problema do ensino de leitura e de possíveis caminhos para sua 
reconstrução. Acredito que essa seja uma contribuição fundamental não apenas para o 
ensino de língua espanhola na escola pública brasileira, mas também para o ensino de 
qualquer disciplina em qualquer etapa da educação básica, uma vez que a leitura 
permeia toda e qualquer atividade escolar. 
 Assim, inicio este capítulo apresentando um breve panorama de como o ensino 
da leitura vem sendo tratado pela escola brasileira, às vezes, apresentando-o de forma 
mais geral, às vezes, apresentando-o especificamente ao que apontam os trabalhos sobre 
o ensino de espanhol em situação escolar. Em seguida, apresento, então, a proposta de 
visão de leitura integrativa, acreditando que ela pode nos oferecer um suporte para a 
compreensão do processo de construção de significados durante a leitura. Assim, 
acredito também que ela pode embasar a proposição de caminhos didáticos para 
melhorar o ensino de leitura na escola, de forma que ele possa contribuir efetivamente 
para o desenvolvimento dos alunos como leitores amadurecidos e críticos em relação ao 
que leem. 
 Tal concepção me leva à seção seguinte em que apresentarei o plano inferencial 
de leitura e sua articulação com as necessidades de mudança para o tratamento da leitura 
na escola brasileira. Assim, perpassando os estudos em metacognição, apresento, ao 
172 
 
final, uma visão de ensino de leitura baseada na ideia de cognição distribuída e pensada 
especificamente para o tratamento do plano inferencial de leitura, que deveria ser 
trabalhado de forma inventiva em sala de aula. 
4.1. Problemas do ensino de leitura no Brasil 
 
 No capítulo anterior, ao tratar do tema das políticas cognitivas e de sua 
articulação com o uso dos livros didáticos em sala de aula e com a trajetória histórica da 
disciplina língua espanhola na escola brasileira, já foi possível estabelecer, de alguma 
maneira, uma visão panorâmica de como a escola brasileira enxerga a aprendizagem e, 
consequentemente, o ensino. Neste capítulo, foco especificamente na leitura, sem 
ignorar que ela representa, em um pequeno – mas essencial – nível, essa visão mais 
ampla. Nesta seção, especificamente, trago, então, alguns estudos que já discutiram o 
ensino de leitura na escola brasileira, seja em língua portuguesa, seja em língua 
espanhola, uma vez que entendo, como os próprios PCN apontam, que o ensino de 
leitura é um só, e que as habilidades desenvolvidas em uma língua são levadas a outra. 
Antes de tudo, é importante ressaltar que estudos que levantam críticas em 
relação à forma como a escola ensina a leitura são diversos desde muito tempo. No 
Brasil, eles se reproduzem de maneira intensa, desde especialmente os anos 80 (KATO, 
1990). Minha intenção com essa seção é apenas recolher alguns desses estudos que 
tenham alguma relação mais direta com o objeto desta tese, retomando e dando 
prosseguimento à pesquisa desenvolvida em Vargas (2012a), quando, por exemplo, 
identifiquei que, em livros didáticos de língua portuguesa, não existe de fato um ensino 
de leitura e que, ainda que se apresentem textos de qualidade, as atividades de leitura 
neles apresentadas são de nível relativamente baixo. 
De forma geral, o que se nota é que a vasta produção acadêmica sobre o trabalho 
escolar com a leitura não conseguiu ainda se efetivar em mudanças concretas na 
realidade da sala de aula, dessa maneira, se veem, demonstrações diversas do “insucesso 
das propostas de letramento escolar” (ROJO e BATISTA, 2003, p.9). Entre outros 
fatores, sobre isso, diversos trabalhos, a partir de diferentes linhas teóricas, já revelaram 
que o trabalho em sala de aula não propicia que os estudantes entendam que ler é um 
processo que exige a participação ativa dos leitores (BOTELHO, 2010; 2011; 2015; 
BRANDÃO e MARTINS, 2003; CARNEIRO et al., 2015; COSTA, 2011; 
DELL’ISOLA, 1997; FERREIRA, 2012; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996, 2003; 
173 
 
GERALDI, 2003; GERHARDT, 2006b; 2013; 2014; GERHARDT, ALBUQUERQUE e 
SILVA, 2009; GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015; GERHARDT e 
VARGAS, 2010; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010; MARCUSCHI, 1996; 
PIMENTA, 2006; ROJO, 2003; ROJO e BATISTA, 2003; TOMITCH, 2000; VARGAS 
et al., 2011; VARGAS, 2011; 2012a; 2012b; 2013). 
De modo geral, o que se nota é que a leitura ainda se encontra em um lugar 
difuso dentro das aulas de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras na escola 
brasileira. Esse lugar difuso, como apontei em Vargas (2012a), se deve justamente à 
contradição que se estabelece entre o que agora podemos chamar de políticas cognitivas 
que embasam a estrutura escolar e o que é a leitura como prática social. Como denuncia 
Geraldi (2003, p.117), a escola, em oposição ao fazer científico, busca sempre a 
sistematização, a regularidade, a padronização: 
a instituição escolar, incapaz de tolerar tais idas e vindas, porque 
adepta de uma forma de conceber o conhecimento como algo exato e 
cumulativo, pretensamente científico, não pode abrir mão de, 
didaticamente, tentar ordenar e disciplinar esta aprendizagem 
(GERALDI, 2003, p.117). 
 
Nesse sentido, é possível afirmar que a escola desenvolve práticas reprodutoras. 
Em função disso, o trabalho com a leitura acaba se dando de forma difusa, posto que 
não caberia nesse modelo. Assim, a realidade do ensino de leitura acaba se construindo 
de outra maneira, uma vez que não há qualquer sistematicidade em relação a ele: 
A assistematicidade que se apresenta no contexto escolar em relação 
ao desenvolvimento da leitura ao longo das etapas escolares pelas 
quais o estudante passa acaba por revelar a quebra de um padrão, 
justamente porque não se consegue, mantendo os padrões vigentes, 
fazer um trabalho que desenvolva as capacidades leitoras de seus 
alunos (VARGAS, 2012a, p.41). 
 
Além disso, como apontam Rojo e Batista (2003, p.117), as atividades de leitura, 
de forma geral, não conseguem “explorar satisfatoriamente aspectos linguístico-
discursivos cruciais para a construção da leitura” (ROJO e BATISTA, 2003, p.117), o 
que gera uma leitura superficial em relação aos temas abordados nos textos (ROJO, 
2003). Essas questões acabam não contribuindo para o desenvolvimento das 
capacidades dos alunos, uma vez que, de modo geral, “o aluno passeia pelo texto em sua 
superfície em busca das respostas que satisfarão não a si, mas à aferição de leitura que o 
livro didático e o professor podem vir a fazer” (GERALDI, 2003, p.170). 
174 
 
Acabam, assim, sendo priorizados “os trabalhos temático e estrutural ou formal 
sobre estes [os textos], ficando asabordagens discursivas ou a réplica ativa em segundo 
plano” (ROJO e BATISTA, 2003, p.19-20). Como destaca Botelho (2015), ao ensinar a 
leitura através de uma concepção de texto como produto acabado e como repositório de 
informações, a escola, metonimizada pelo livro didático (VARGAS, 2012a), acaba não 
contribuindo para a realização de uma leitura criativa, reflexiva ou mesmo para que os 
alunos construam significados a partir do que leem: “as atividades desses materiais 
formam um leitor que não atua sobre o texto e que não constrói reflexões sobre o que 
leu, mas que aprende somente a reproduzir informações que o texto lhe transmite e que 
não interpreta de forma autônoma a partir do que leu” (BOTELHO, 2015, p.31). 
Apresenta-se, assim, o reforço de uma visão recognitiva de aprendizagem da leitura, já 
que o texto é tomado como dado e o aluno não é encarado como capaz de produzir 
significados ao interagir com ele. 
Portanto, nota-se que o aluno como produtor de significados também não existe 
nas aulas de leitura, sendo o seu papel apenas reproduzir os significados dados pelo 
texto e confirmados pelo professor ou pelo livro didático. Assim, em resumo, não se 
reconhece “a leitura como uma ação que envolve a participação ativa da pessoa que lê 
na construção dos significados” (GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015, 
p.181). Essa visão reprodutora é claramente demonstrada quando se observa que não há, 
nas atividades de leitura, a apresentação para os alunos de objetivos claros para sua 
realização (BOTELHO, 2015; GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015). 
Tampouco se apresentam atividades que reconheçam os conhecimentos prévios dos 
alunos como relevantes para o desenvolvimento da leitura (BOTELHO, 2015). Como 
denuncia Botelho (2015, p.21), “Não considerar o conhecimento prévio dos alunos 
como parte relevante para realização da atividade de leitura deriva de um modelo de 
educação em que os saberes dos alunos não são convidados a participar do processo de 
aprendizado escolar”. 
Esses dois dados revelam a pouca importância que é dada ao aluno-aprendiz 
durante o processo de ensino. A consequência, como apontei em Vargas (2012a), dessa 
situação de ensino de leitura na escola é que esse tipo de prática, que coloca o aluno-
leitor no lugar de mero decodificador de signos linguísticos e reprodutor de ideias 
apresentadas por outros, encaminha esses aprendizes a um entendimento de leitura 
175 
 
como simples tarefa mecânica de seleção de informações. Dessa forma, na escola, de 
maneira absurda, 
obtém sucesso o aluno que se nega a “mergulhar” no texto e a recriá- 
lo. Neste caso, a leitura singular, denotativa, parafrásica é o padrão 
comparativo utilizado pelo sistema escolar pelas “vantagens” que 
proporciona, tais como: a facilidade de correção por parte do 
professor, a superficialidade não reflexiva que gera alienação e a 
manutenção de estratificação social (DELL’ISOLA, 1997, p.56). 
 
Considerando o panorama apresentado no capítulo anterior, não se pode ignorar 
que essa é uma política cognitiva que se apresenta muito fortemente na escola brasileira. 
Assim, o mais grave é que, como se trata, então, de uma política cognitiva efetivada nas 
salas de aula, além do aprendizado da leitura como tarefa mecânica de seleção de 
informações, há aí outra aprendizagem, que se dá no plano meta: a ideia de que 
aprender é reproduzir e que, ao aprendiz, que não tem nem é capaz de construir 
qualquer saber relevante, só cabe, portanto, repetir as informações que recebe: 
porque os temas destas interlocuções são constituídos como 
“conteúdos de ensino” prontos, acabados, aos quais cabe ao aprendiz 
“aceder”; porque a interlocução de sala de aula se caracteriza mais 
como “aferição” de incorporação do que já estava pronto, acabado; 
porque os sujeitos envolvidos se sujeitam às compreensões do mundo 
que se lhes oferecem na escola (GERALDI, 2003, p.8). 
 
Esse modelo de leitura apresentado anteriormente e massivamente desenvolvido 
no espaço escolar, mais do que ensinando conteúdos aos alunos, estão atuando muito 
fortemente na construção de sentidos sobre qual é a verdadeira natureza da leitura. 
Como destaca Geraldi (2003), a Escola se converteu em um lugar de certezas e, mais 
que isso, de reprodução dessas certezas. Não há espaço para dúvidas, erros e, muito 
menos, para a construção de conhecimentos, uma vez que tudo se apresenta como 
produto. Os processos, dessa forma, são ignorados e inexistem. Essa visão também 
acaba conceptualizada pelo aprendiz que, no papel de aluno, em sala de aula, aprende 
que é assim que se constrói o conhecimento e assim que se desenvolve a leitura: através 
da reprodução do que já é certo, do que está escrito. O aprendiz aprende, então, que ele 
não é alguém que possui saberes e experiências relevantes e que tampouco pode 
construir qualquer tipo de conhecimento. 
Neste sentido, não apenas o professor se despersonaliza na relação 
institucional que mantém com o aluno – este também se dessujeitiza e 
se minimiza, preocupando-se mais em atender a um sistema de 
avaliação que infere e incorpora ao longo da sua existência como 
estudante, do que propriamente em formar-se como pessoa por meio 
176 
 
da compreensão plena dos conteúdos e da expressão das suas próprias 
ideias (GERHARDT, 2006b, p.1184-1185). 
 
Com esse modelo de interação, em que alunos, professores e objetos de 
aprendizagem são pré-existentes à interação que constroem em sala de aula e em que o 
foco está na reprodução de um conteúdo escolarizado, obviamente, não há espaço para 
que o professor entenda efetivamente as necessidades de seus alunos e trabalhe, com 
base nelas e a partir delas. Em relação à leitura Gerhardt, Botelho e Amantes (2015, 
p.182) destacam que: 
as atividades escolares, por não promoverem a leitura como ação 
cognitiva plena, não permitem a professores e alunos compreender as 
capacidades destes últimos como leitores, nem identificar eventuais 
dificuldades de leitura para saná-las em atividades posteriores. 
 
 Tudo isso se resume no que, em Gerhardt e Vargas (2010, p.153), apresentamos 
com uma lista de “premissas equivocadas” sobre o ensino de leitura: 
1. Saber ler é saber repetir/transcrever material explícito do texto; a 
leitura inferencial não é identificada como tal. 
2. Na falta de parâmetros objetivos para a avaliação em leitura, aceita-
se toda resposta que for oferecida numa dada atividade; 
3. Ou, ao contrário, aferra-se ao gabarito do livro ou outro material 
disponível, tido como certo, e tratam-se como erradas as respostas 
diferentes; 
4. Não se consideram os saberes prévios do aluno na leitura de um 
texto, os quais poderiam levar à compreensão sobre como ele elabora 
suas respostas; 
5. As aulas de leitura (e também de escrita) são completamente 
apartadas das de gramática, o que demonstra falta de percepção de 
que, nos textos, os conteúdos estruturais tratados nos estudos 
gramaticais estão sendo efetivamente usados, e poderiam ser 
explorados nas atividades de leitura e produção textual. 
 
Todas essas premissas revelam como o ensino de leitura é atravessado, nas 
escolas, por políticas de recognição. Alunos e textos são tomados como dados, sem que 
possam ser transformados ao se integrarem para a construção de novos sentidos. Não se 
considera sequer que novos sentidos possam ser construídos através da atividade de 
leitura. Com base nesse panorama, este capítulo busca, então, propor caminhos para o 
ensino de leitura com base nos pressupostos que foram apresentados no capítulo 
anterior. Como inspiração, pego o questionamento proposto por Dias e Scheinvar (2012, 
p.150): “Seria possível experienciar e fazer aulas menos explicativas e mais 
problematizadoras em um tempo como o nosso, em que tudo já vem muito pronto e sob 
um regime de controle?”. Assim, me pergunto: seria possível pensar um ensino de 
177 
 
leitura que fugisse da reproduçãoe se voltasse para a formação de leitores críticos, 
reflexivos, autônomos? Seria possível superar as “premissas equivocadas” 
(GERHARDT e VARGAS, 2010) em que se baseiam as atividades escolares de leitura? 
Acredito que sim e que a educação está nesse movimento, posto que, como 
aponta Rajagopalan (2006, p.161), 
está ganhando cada vez mais adeptos a ideia de que, na hora de 
planejar o currículo e de elaborar a metodologia do ensino de línguas, 
é preciso valorizar e levar em conta o conhecimento que os próprios 
aprendizes já possuem e empregam como um dos fatores importantes 
na tarefa de aprender. É essa ideia que move tendências recentes 
como: educação com fins emancipatórios (empowerment education), 
ensino reflexivo (reflective teaching) etc. 
 
Dessa maneira, torna-se urgente o resgate do “saber do aluno como elemento 
constitutivo da elaboração pedagógica e didática, favorecendo o aprendizado e 
provendo a necessária construção da autonomia das pessoas como produtoras de 
significados linguísticos na vida pública” (GERHARDT, 2013, p.82). Só dessa forma é 
possível romper com a lógica denunciada em, entre outros, Soares (2005) e Moita Lopes 
(1996), de que os alunos de classes populares nada teriam a contribuir para o ensino, 
uma vez que seriam menos aptos intelectualmente ou pertenceriam a uma cultura menor 
e/ou porque não teriam aptidão para o aprendizado de línguas estrangeiras. Nessa 
perspectiva, para Rajagopalan (2006, p.162), há também outra ruptura com o próprio 
campo teórico, posto que “a atitude de respeitar o ponto de vista do discente contrasta 
de forma gritante com orientação da linguística teórica, segundo a qual o leigo nada 
teria a ensinar ao perito”. 
Buscando somar forças a essas perspectivas de ensino, considero que a 
transformação em direção a uma mudança efetiva em relação ao ensino de leitura, 
baseada nas questões postas anteriormente, passa pela construção de outra concepção de 
leitura e, consequentemente, de ensino de leitura. Essa outra concepção, defendida aqui 
nesta tese, será apresentada nas próximas seções deste capítulo. 
 
4.2. Da leitura interativa à leitura integrativa 
 
 Tradicionalmente, os estudos em leitura têm apresentado, quase sempre em uma 
linha temporal, três visões sobre como se dá o processamento da informação pelo 
sujeito leitor. Predominantemente encarando-a como um processo no qual leitor e texto 
participam com igual responsabilidade, tais estudos consideram duas dessas visões 
178 
 
como ultrapassadas e postulam uma terceira visão, na qual busca-se articular as duas 
anteriores. Assim, opõe-se uma visão denominada de interativa a duas outras visões que 
se opõem entre si e que corresponderiam aos dois tipos básicos de processamento da 
informação: a hipótese top-down ou descendente e a hipótese bottom-up ou ascendente 
(CORACINI, 2002; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KATO, 1990; KLEIMAN, 
2001). 
 A hipótese bottom-up deriva de uma visão estrutural e mecanicista da 
linguagem. Tal hipótese toma o texto, ou seja, a informação visual
71
 como fonte única 
de sentido para o leitor. Assim, por meio de um processamento exclusivamente 
ascendente, o leitor faria um uso linear e indutivo das informações visuais, construindo 
o significado a partir da síntese do significado das partes. A leitura seria entendida, 
então, como um processo mecânico e serial que começaria pela verificação de um 
elemento escrito para que, a partir dele, se mobilizem outros conhecimentos de forma 
que, passivamente, o leitor possa restaurar o sentido original do texto (CORACINI, 
2002; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001). 
 A hipótese top-down, derivada de uma primeira geração de estudos da psicologia 
cognitiva voltados para a compreensão leitora, vê o texto como um objeto 
indeterminado e incompleto. Por isso, no ato de leitura, o leitor seria a fonte única do 
sentido, acionando esquemas cognitivos que atuariam como padrões para o 
entendimento das coisas. O processo de leitura seria um jogo de adivinhações e o texto 
atuaria como mero confirmador de hipóteses. Desse modo, de forma descendente, o 
leitor processa o texto não linearmente, fazendo o uso intensivo e dedutivo da chamada 
informação não visual (ou conhecimento prévio), ou seja, de tudo o que não aparece 
explicitamente no texto, partindo da macroestrutura para a microestrutura e da função 
para a forma (CORACINI, 2002; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003; KATO, 1990; 
KLEIMAN, 2001). 
 Nesse sentido, pode-se perceber que as duas visões constituem modelos de 
recognição, posto que, na primeira delas, temos o predomínio de um texto que já chega 
pronto para o leitor e, na segunda, o predomínio de um leitor que, igualmente, chega 
pronto para o texto. Nenhum dos dois se altera ao entrarem mutuamente em contato. A 
terceira hipótese não necessariamente se vincula a um modelo inventivo de cognição, 
 
71
 A informação visual é tratada aqui como toda informação explicitamente apresentada na linearidade do 
texto. Ela pode ser reconhecida pelos olhos, no caso de videntes, ou pelo tato, no caso de leitores cegos. 
179 
 
uma vez que também pode apontar para a existência prévia de sentidos antes da 
interação que se estabelece entre texto e leitor, entretanto, nos auxilia na construção 
dessa visão. 
 Ela foi definida posteriormente, quando os teóricos da leitura perceberam que 
essas duas visões isoladamente não conseguem representar completamente o processo 
de construção de significados pelo sujeito leitor no ato de sua leitura. Assim, articulando 
as duas anteriores, passou-se a se defender a existência de um processamento interativo 
– a um só tempo top-down e bottom-up –, de forma que se vê a compreensão de um 
texto como ocorrendo por meio da interação entre experiências prévias (conceitos 
linguístico-culturais recuperados pelo leitor) e o texto. 
 Não nego que, de fato, a leitura se dá pela realização a um só tempo desses dois 
movimentos e que, portanto, há uma interação entre texto e leitor no ato da leitura. 
Entretanto, a partir da perspectiva que busco construir nesta tese, derivada da 
articulação desses pressupostos a estudos mais recentes, acredito que uma concepção de 
leitura que a toma como um processo interativo não seja suficiente, uma vez que ela 
simplifica excessivamente os processos cognitivos envolvidos no ato de ler, reduzindo-
os a dois movimentos opostos (ascendente e descendente) e dificultando, assim, as 
possibilidades de intervenção em relação ao ensino. Como aponta Gerhardt (2010, 
p.257): 
a sua adoção não é suficiente para que possamos defini-lo como base 
processual do aprendizado em termos cognitivos, porque, restrito à 
movimentação de informações entre a mente e o contexto, esse 
modelo não dá conta de incluir – quanto mais de definir como se 
constitui e do que se constitui – o estatuto do novo conceito formulado 
pela mente e de como ele se relaciona com os conceitos que servem de 
input para a sua formação, para que se atrelem, em um só esquema 
estrutural, fontes, processo e resultado (GERHARDT, 2010, p.257). 
 
 Além disso, a busca pela construção de outra concepção ajuda a resolver 
também o problema que a nomenclatura “leitura interativa” (também denominada de 
interacional
72
) traz, posto que vem sendo utilizada por diferentes correntes teóricas. 
Desse modo, os diferentes usos do termo acabam por esconder diferenças substanciais 
entre eles, podendo, inclusive, referir-se a diferentes tipos de interação: leitor-texto, 
 
72
 O fato de que muitos trabalhos, inclusive, apresentam os dois termos como semelhantes é uma 
evidência dessa falsa polissemia do termo “leitura interativa”. 
180 
 
leitor-autor, autor-texto-leitor.
73
 Com base nisso, busco, então, nesta seção, definir essa 
perspectiva que estounomeando de “leitura integrativa” (ou de “leitura como processo 
integrativo”) e mostro, em seguida, como o processo de construção de inferências pode 
ser uma evidência dessa concepção, surgindo, inclusive como uma possibilidade 
concreta de intervenção na formação de leitores em ambiente escolar. 
Inicialmente, cabe destacar que, dentro dessa concepção, a leitura é vista como um 
processo (ou como a integração de processos) e não como um produto, resultado da 
extração de significados do texto pelo leitor. Assim, alinhando-me tanto aos 
pressupostos apresentados no capítulo 2 desta tese como a uma concepção de cognição 
como invenção, nego qualquer concepção que parta da ideia de que os significados 
construídos ao longo de uma leitura existam anteriormente ao processo de integração do 
leitor com o que lê. Dentro dessa perspectiva, o significado é visto como construído on 
line e real time, ou seja, no momento da interação, de forma negociada e ajustada. Isso 
nos leva a “observar o significado de forma dinâmica, ou seja, como construção e 
articulação entre experiências, habilidades, conhecimentos e processos” (GERHARDT, 
2006a, p.1). 
Como dito anteriormente, essa concepção não nega o fato de que haja uma real 
interação entre leitor e texto, ou entre a informação visual e os conhecimentos prévios 
do leitor durante o processamento da leitura. Acredita-se, inclusive, que essa ideia tem 
seu respaldo na fisiologia do cérebro humano, uma vez que ele não é capaz de processar 
toda a informação visual alcançada pelos olhos, o que tomaria muito tempo 
(FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003). Entretanto, embora não negue a ideia de que o 
processamento da leitura exija do leitor previsões e saltos de parte da informação a ser 
processada, gastando, assim, menos tempo e menos esforço cognitivo, como apontam os 
estudos psicolinguísticos clássicos, uma concepção integrativa concebe que os 
conhecimentos do leitor e as informações do texto se integram para o surgimento de 
novos conhecimentos porque essa é a natureza da cognição humana. 
 Com base em importantes textos responsáveis pela divulgação de uma primeira 
visão sobre os aspectos cognitivos e psicolinguísticos da leitura no Brasil (KATO, 1990; 
 
73
 É interessante observar que, por exemplo, encontrei em Coracini (2002), uma proposta de também 
construir uma visão própria de leitura, denominada de leitura como processo discursivo, com base em 
seus pressupostos teóricos, e que essa visão também foi usada em trabalhos posteriores, de outros autores, 
em conjunto à noção de “leitura interativa (ou interacional)”, o que nos revela a importância desse 
movimento de singularização teórica, mas também a dificuldade de evidenciá-lo a possíveis leitores. 
181 
 
LEFFA, 1996; KLEIMAN, 2001; 2010; FULGÊNCIO e LIBERATO, 2003, entre 
outros), sabe-se o leitor retém apenas o conteúdo semântico construído, abandonando a 
forma literal apresentada na informação visual. Além disso, sabe-se também que todo o 
processo de leitura é seletivo e, portanto, individual, pois, como não percebemos tudo o 
que vemos, cada um de nós tem uma percepção única de um mesmo objeto. 
Postula-se também, nesses estudos, a existência de uma memória intermediária 
(consciousness ou estado de consciência), na qual se focalizam as partes do 
conhecimento geral do leitor necessárias para o entendimento de novas informações. 
Nela, parte da informação velha, o conhecimento prévio, é focalizada, e a informação 
nova é introduzida para a construção de novos significados. Isso só seria possível 
porque os nossos conhecimentos se organizam em esquemas cognitivos, que podem 
modificar-se, aumentando ou alterando-se, conforme novas informações são aprendidas. 
Portanto, os estudos psicolinguísticos clássicos fundantes de uma visão interativa 
de leitura já apontavam para o fato de que, para que a leitura seja construída, é 
necessário que o leitor tenha conhecimentos para serem ativados, de modo que ele possa 
receber a informação nova e compreendê-la. Nesse sentido, já se chamava a atenção 
para o papel fundamental do conhecimento prévio do leitor no desenvolvimento de sua 
leitura. Kleiman (2010, p.13) chega, inclusive, a apontar que “sem o engajamento do 
conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão”. 
Parto, então, desses estudos para buscar compreender processualmente como essa 
interação, posteriormente posta como integração, se dá, entendendo que, como 
destacado no capítulo anterior, 
Qualquer que seja o modelo processual proposto, ele deverá 
reconhecer a relação de mão dupla entre a pessoa que cogniza e o 
universo à sua volta, num fluxo contínuo de informação em ambos os 
sentidos, e não supor que o ser humano apenas recebe passivamente as 
informações, sem atuar sobre a construção do significado 
(GERHARDT, 2010, p.256). 
Com base, então, em pressupostos mais recentes, apresentados no segundo 
capítulo desta tese, é possível observar que nossos conhecimentos estão organizados, 
em nossa mente, em saberes acumulados e se relacionam e se manifestam na interação 
por meio de saberes processuais, que permitem a utilização desses saberes para a 
formação de outros (DUQUE e COSTA, 2012; GERHARDT, 2006a; 2010; 
MIRANDA, 2001). A partir disso, pode-se entender que, na leitura, o leitor integra a 
182 
 
informação recebida do texto aos seus saberes acumulados, por meio dos processos 
cognitivos que constituem os saberes processuais. 
Assim, o conhecimento prévio é entendido como todo o conhecimento que o leitor 
tem e que é ativado no momento da leitura (cf. BOTELHO, 2011, 2015; GERHARDT, 
ALBUQUERQUE, e SILVA, 2009). O conhecimento prévio se torna, assim, “um 
conceito fundamental à compreensão e exploração estratégica da leitura, tendo em vista 
que (...) é possível ler melhor a partir do olhar sobre aquilo que já conhecemos” 
(BOTELHO, 2015, p.16). 
Isso implica que, muito embora algumas previsões possam ser feitas 
sobre como um determinado texto será lido, cada pessoa lerá um texto 
de uma forma que lhe é absolutamente pessoal; por isso, não haverá 
nunca duas pessoas que leiam um texto de maneira igual 
(GERHARDT, ALBUQUERQUE e SILVA, 2009, p.75-76). 
 
Segundo Duque (2015b), como também já foi mostrado no capítulo 2, os nossos 
saberes acumulados se estruturam e são acionados inconscientemente através de padrões 
cognitivos denominados de frames. O autor define os frames como “mecanismos 
cognitivos através dos quais organizamos pensamentos, ideias e visões de mundo” e 
afirma que “novas informações só ganham sentido se forem integradas a frames 
construídos por meio da interação ou do discurso” (DUQUE, 2015b, p.26). Assim, 
cognitivamente, podemos afirmar que a linguagem aciona e constrói frames em nossa 
memória continuamente, o que teria respaldo nos estudos neurais da linguagem, que já 
demonstraram que “um frame é uma “cascata” de circuitos neurais acionada por 
palavras” (DUQUE, 2015b, p.27). 
De certa forma, essa visão retoma a dos estudos clássicos, uma vez que já 
consideravam que o nosso conhecimento prévio estava organizado em esquemas, e a 
refina, ao evidenciar a dinamicidade da construção do significado, permitindo-nos um 
melhor uso da teoria para estudos aplicados ao ensino. Além disso, é interessante 
observar que, mesmo no campo da linguística cognitiva, alguns trabalhos, como o de 
Miranda (1999), já associavam os chamados “domínios estáveis” ao conhecimento 
prévio, ainda que nesses trabalhos, alguns desses domínios tivessem um caráter de 
permanência recentemente rejeitado por uma abordagem exclusivamente baseada em 
frames. Propostas de análises de leituras realizadas por estudantes em contexto escolar 
com base em frames podem ser vistas em Botelho (2015) e Vargas (2012a, 2015). 
Tratando especificamente do ensino da leitura, Botelho (2015), então, afirma que a 
183 
 
organização doconhecimento prévio do leitor deve ser compreendida em função do 
emprego dos frames, uma vez que sendo 
estruturas de conhecimento altamente sistematizadas, delimitadas por 
experiências corporificadas e por interações sociais, (...) além de não 
permanecerem na memória de forma aleatória, podem ser entendidas 
como uma espécie de conhecimento compartilhado a fim de se 
compreender um dado evento ou objeto abordados em um texto. Com 
base nesse tipo de percepção, Duque (2014, p.82) definiu os frames 
como uma estrutura seletiva de “memória social”, o que favorece a 
que pensemos o conhecimento prévio a partir da noção de frame 
(BOTELHO, 2015, p.49). 
Duque (2015b) afirma que os frames são essenciais para a construção de sentidos, 
uma vez que só podemos atribuir características a conceitos predefinidos porque somos 
capazes de associá-los a frames específicos e de mudar a perspectiva dentro de um 
mesmo frame. O autor ressalta que diversas são as abordagens sobre esse conceito, mas 
que todas constroem uma visão de frames como gestalts formadas por partes ou papéis 
que estabelecem relações entre si, podendo variar em níveis de complexidade, ou seja, 
em números de papéis pelos quais são compostos e de relações entre esses papéis. Os 
frames, assim, poderiam, inclusive, ser constituídos por outros frames. 
Dentro de uma visão que reconhece os movimentos ascendente e descendente do 
fluxo da informação como contribuindo de igual maneira para a construção de 
significados, é possível dizer que apenas a ativação dos frames não é suficiente para a 
compreensão do discurso. É preciso que eles se articulem, nesse duplo movimento, às 
informações que o texto traz. Para isso, o leitor deve se utilizar de seus saberes 
processuais, tais como a integração conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002), 
processo cognitivo que, por excelência, permite a articulação de diferentes domínios já 
existentes e, consequentemente, a formação de novos significados. Ao considerar a 
integração conceptual como processo chave para a construção de significados, no caso 
desta tese, em uma atividade de leitura, é possível começar a construir uma visão que 
fuja do modelo da recognição, posto que se reconhece a possibilidade de que texto e 
leitor se transformem no ato da leitura e de que novos significados surjam dessa 
integração. 
Em resumo, entende-se que os conhecimentos prévios se unem e se organizam 
em nossos saberes acumulados, que, durante a leitura, são ativados e integrados às 
informações novas. Consecutivamente, as informações construídas passam a constituir-
se como velhas, o que possibilita a integração com novas informações, formando uma 
184 
 
sucessão de integrações para a compreensão do texto. Assim, ao longo de uma atividade 
de leitura, ocorrem sucessivos processos de integração conceptual entre a informação 
visual e o conhecimento prévio do leitor, o que permite a formação de novos 
significados que, por sua vez, passam a compor também sua memória. 
Para isso, pode-se basear em Gerhardt (2010), que define os processos de 
formação de conceitos, e, consequentemente, de aprendizagem como frutos da 
capacidade humana de juntar duas coisas para formar uma terceira por meio da 
integração conceptual, como apresentado no capítulo anterior. A autora define da 
seguinte maneira como se dá o aprendizado de um conceito na Escola (o que, para mim, 
vale também para a construção dos significados durante a leitura de um texto em sala de 
aula): 
Os participantes do processo de construção de significados 
proporcionado pela mesclagem conceptual - no nosso caso, conceitos-
base para a formação de outros novos conceitos na escola – estão em 
diferentes domínios de experiência: no input I, o domínio dos 
conhecimentos do aluno; no input II, o domínio dos conhecimentos da 
escola. Os domínios input encontram-se numa situação de fluxo, de 
troca; para usar a terminologia clássica do processamento interativo, 
trata-se dos movimentos top-down e bottom-up, respectivamente. Isso 
nos permite dizer que o modelo interativo proposto por Rumelhart & 
McClelland (1982) faz parte de um universo processual mais amplo, 
de integração conceptual (GERHARDT, 2010, p.258). 
Assim, é possível associar a visão clássica da psicolinguística sobre o 
processamento da leitura a esse fundamental processo descoberto recentemente e 
definido no segundo capítulo desta tese. Cabe ressaltar que a projeção interdominial se 
dá por meio de projeções seletivas e deriva na formação de um espaço-mescla. Essa 
projeção só é possível se, entre os domínios, houver estruturas comuns que permitam 
sua articulação, formando, assim, o espaço genérico. O espaço-mescla herda, assim, 
estruturas parciais dos inputs, mas tem uma estrutura própria, não sendo simplesmente a 
soma das partes. 
Dessa forma, se os estudos clássicos já entendiam a leitura como o resultado da 
interação entre conhecimento prévio e informação nova, dentro dessa ótica derivada da 
articulação dos estudos clássicos a estudos mais recentes, pode-se compreendê-la como 
o resultado de sucessivas integrações conceptuais entre o conhecimento prévio 
(organizado em frames) e a informação nova recebida do texto (que ativa os frames do 
conhecimento prévio e é também selecionada em função dos frames já construídos pelo 
185 
 
leitor). O que se produz dessa interação estaria, então, nos sucessivos espaços-mescla 
que se formam para a construção do todo conceptualizado. 
Assim, o leitor, ao receber as informações novas explicitamente apresentadas no 
texto, recupera experiências, saberes, conceitos, sentidos, etc. previamente construídos e 
os articula ao que recebe do texto. Dessa forma, tanto a informação nova, recebida do 
texto, como a informação velha, se alteram para que novos saberes, conceitos, 
experiências, visões, sentidos, etc. se construam. 
Tanto do ponto de vista psicológico quanto sociológico, o texto se 
descontextualiza e se deixa recontextualizar pelo leitor. Tal fato 
relaciona-se diretamente com o repertório de experiências do leitor. 
Nenhum texto apresenta um sentido único, instalado, imutável, 
depositado em algum lugar. (...). A leitura é produzida à medida que o 
leitor interage com o texto (DELL’ISOLA, 2001, p.28). 
 
Assim, reconhece-se o papel fundamental desempenhado pelo conhecimento 
prévio na compreensão da linguagem, como já apontavam os textos responsáveis pela 
divulgação de uma primeira visão sobre os aspectos cognitivos e psicolinguísticos da 
leitura no Brasil (KATO, 1990; LEFFA, 1996; KLEIMAN, 2001; 2010; FULGÊNCIO 
e LIBERATO, 2003, entre outros), mas entende-se também e melhor como se dá a 
integração entre este e a informação nova, o que nos permite, inclusive, pensar numa 
didática mais apropriada para o trabalho com a leitura na escola. 
Ao mesmo tempo, através dessa visão, também se retoma o valor da informação 
visual para a construção da leitura, uma vez que é esta que vai ativa os frames que 
compõem o nosso conhecimento prévio. Também é importante destacar que nem todas 
as informações constantes no texto são percebidas/conceptualizadas, uma vez que a 
projeção interdominial é sempre seletiva e que o próprio conhecimento prévio guia essa 
seleção, o que contribui para a corroboração do já clichê de que toda leitura é 
individual, uma vez que é fruto de projeções seletivas únicas. Para que a leitura se dê 
efetivamente, é preciso, então, que as partes relevantes dos dois inputs sejam 
selecionadas e integradas, de forma que o leitor possa de fato integrar-se ao texto e que, 
desse processo, novos saberes se formem. 
 Assim, não haveria leitura ou significado construído anteriormente ao próprio 
ato de leitura, tampouco haveria leituras melhores ou piores por si mesmas. Como 
salienta Kastrup (2012, p.55), “não existe um mundo só, nem existe só um sistema 
cognitivo e nem uma representação melhor do que a outra do mundo, mais próximada 
realidade. Existem diferentes percepções e diferentes mundos”. Existem também 
186 
 
diferentes leituras, pensadas em diferentes contextos, por diferentes pessoas, com base 
em diferentes saberes e experiências para o alcance de diferentes objetivos. 
 Nas próximas seções, apresento, então, o que estou chamando de plano 
inferencial de leitura. Dentro da concepção que aqui apresento, este seria o plano de 
leitura que melhor evidencia as premissas aqui postas, uma vez que as inferências vão 
ser vistas justamente como a consequência da integração conceptual entre os 
conhecimentos prévios do leitor e as informações visuais apresentadas na linearidade do 
texto. Assim, apresento, inicialmente, o processo de construção de inferências – a 
inferenciação – como um processo cognitivo, para depois atravessar essa discussão com 
as questões que envolvem o ensino de leitura na escola. 
4.3. A inferenciação como processo cognitivo 
 
 Como dito anteriormente, nesta tese, estou focando nossa atenção no processo de 
construção de inferências (ou inferenciação), por acreditar que ele evidencia os 
fenômenos descritos anteriormente. Com base nos pressupostos anteriormente 
apresentados, a inferenciação passa a ser entendida como um processo cognitivo básico 
de construção de significados, consequência, na leitura, da integração das duas fontes de 
informação anteriormente citadas: a informação visual e o conhecimento prévio. Antes 
de tudo, é importante salientar que, durante muito tempo, a inferência foi vista como 
uma forma de se referir a tudo que não estava explícito em um texto. Assim, a 
inferência estava essencialmente vinculada ao texto, sendo vista dentro de uma 
concepção ascendente (bottom-up) de leitura. Além disso, ao referir-se a tudo que não é 
explícito em um texto, apresenta-se uma aparente polissemia do termo, que, na verdade, 
representa uma falta de precisão teórica. 
A noção de inferência tem sido usada para descrever operações 
cognitivas que vão desde a identificação do referente de elementos 
anafóricos e exofóricos até a construção da organização temática do 
texto. Essa excessiva abrangência do conceito de inferência é 
problemática para a caracterização desse fenômeno, pois reúne sob o 
mesmo título operações muito diversas, trazendo assim dificuldades 
para o estudo dele (COSCARELLI, 2002, p.2). 
 
 Ao escolher uma angular teórica que busque aprimorar o conceito de inferência 
em leitura sob a ótica apresentada nos capítulos anteriores e na seção anterior deste 
capítulo, acredito estar contribuindo para a fundamentação de discursos pedagógicos 
sobre o ensino de leitura. Nesse sentido, é importante ressaltar que diversos dos 
187 
 
trabalhos clássicos sobre leitura e cognição já deram o devido destaque ao papel 
cumprido pelas inferências em um ato de leitura. Muitos já apontaram, inclusive, que os 
leitores sempre constroem inferências de forma espontânea enquanto leem, e que o que 
fica após uma leitura, ou seja, seu resultado para o leitor, na verdade, são as inferências 
geradas ao longo do processo e não as informações explicitamente postas nos textos 
(DELL’ISOLA, 2001; FERREIRA e DIAS, 2004; FULGÊNCIO e LIBERATO; 2003; 
KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010): “há evidências experimentais que mostram com 
clareza que o que lembramos mais tarde, após a leitura, são as inferências que fizemos 
durante a leitura; não lembramos o que o texto dizia literalmente” (KLEIMAN, 2010, 
p.25). 
 Entretanto, tendo em mente a ideia de que tais estudos não permitiam observar 
com a devida importância a processualidade da leitura, como destacado na seção 
anterior, tornou-se necessário também construir uma visão de inferência que se 
encaixasse com a visão de leitura explicitada anteriormente. Essa visão foi definida de 
forma mais detalhada em Vargas (2012a), e aqui apresento brevemente alguns pontos lá 
postos, os que nos permitem entender melhor a análise apresentada mais adiante. 
 Nesse sentido, é interessante observar que os primeiros estudos sobre leitura e 
cognição já nos deram, anteriormente, também a base para a construção de uma visão 
essencialmente integrativa do processo de inferenciação, uma vez que já definia esse 
processo como a articulação entre duas fontes de informação: o texto, em sua 
linearidade, e o conhecimento prévio (cf. CHIKALANGA, 1992). Além disso, o fato de 
entenderem a leitura como processamento seletivo, que depende de previsões e 
deduções também já produzira, em estudos anteriores, contribuições para a 
compreensão da inferenciação como processo básico de significação, por meio do qual 
o leitor se coloca como ativo na construção de significados (KATO, 1990; KLEIMAN, 
2001, 2010; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996, 2003). 
Chikalanga (1992), entre outros autores, ofereceu a base para essa compreensão, 
ao definir a inferência como 
o processo cognitivo no qual um leitor obtém a informação implícita 
de um texto escrito com base em duas fontes de informação: o 
conteúdo proposicional do texto (isto é, a informação explicitamente 
afirmada) e o conhecimento prévio do leitor. Alternativamente, o 
188 
 
termo é usado para definir o produto final desse processo 
(CHIKALANGA, 1992, p.697, tradução minha)
74
. 
 
 A partir desses estudos, em Vargas (2012a), caracterizei as inferências como 
resultados únicos e novos de cada leitura, sendo, portanto, uma evidência de que a 
leitura é um processo que acontece on line, em condições singulares. Nesse sentido, 
cabe lembrar que a inferenciação é um processo que permeia a linguagem de forma 
geral, ocorrendo em todas as atividades que envolvem a compreensão (de textos, de 
imagens, etc.), tanto na fala como na escrita, posto que novas experiências são sempre 
postas em articulação a velhas, e a construção de significados se dá sempre nesse 
movimento de integração: “a nossa compreensão não só de textos, mas da realidade 
como um todo, está condicionada à nossa experiência anterior” (FULGÊNCIO e 
LIBERATO, 2003, p.86). 
 Dessa forma, em relação à leitura, um leitor só é capaz de atribuir sentido a um 
texto se passa a constituí-lo também, transformando-o em algo novo. 
O significado não está embutido ou inscrito totalmente no texto oral 
ou escrito. Embora o texto carregue um sentido pretendido pelo autor, 
ele é polissêmico e, como tal, oferece possibilidades de ser 
reconstruído a partir do universo de sentidos do receptor, que lhe 
atribui coerência através de uma negociação de significados. Esse 
processo, por sua vez, amplia as chances de compreender e ser 
compreendido na e pela interação (FERREIRA e DIAS, 2004, p.440). 
 
A construção de inferências é entendida, então, como um processo de criação, 
um processo básico de produção de (novos) significados. Com base nisso, ao 
incorporar-se a teoria da integração conceptual (FAUCONNIER e TURNER, 2002) aos 
estudos anteriormente citados, é possível trazer uma maior noção de processualidade ao 
estudo da inferenciação, que pode, então, ser analisada de maneira on line e por meio de 
integrações de conceitos projetados seletivamente. Assim, a inferenciação é vista como: 
um processo de formação de conceitos (inferências) que se dá a partir 
da integração conceptual entre dois inputs de informação: o 
conhecimento prévio do leitor e a informação visual apresentada no 
texto. A inferência, por sua vez, possui um caráter imprevisto e 
particular, sendo um elemento novo relativamente aos inputs 
(VARGAS, 2012a, p.85). 
 
 
74
 Original: “inference is defined as the cognitive process a reader goes through to obtain the implicit 
meaning of a written text on the basis of two sources of information: the ‘propositional content of the 
text’ (i.e. the information explicitly stated) and ‘prior knowledge’ of the reader. Alternatively, the term is 
taken to mean the end product(s) of such a process” (CHIKALANGA,1992, p.697). 
189 
 
É importante lembrar que a informação recebida não vem por meio de frases, 
mas dos agrupamentos de saberes que denominamos de frames, uma vez que a mente 
cria gestalts contextuais e não interpreta cada frase de forma isolada (DUQUE e 
COSTA, 2012). A geração de inferências se dá, então, por meio da projeção 
interdominial entre o conhecimento prévio e as informações visuais, que funcionam 
como inputs, e assim, por meio da projeção seletiva, obtêm-se as inferências no espaço-
mescla. Essas inferências seriam, então, sempre base para a construção de novas 
inferências que vão se desenvolvendo ao longo da leitura, uma vez que, como explicam 
Fauconnier e Turner (2002, p.24), “a existência de uma boa mescla pode tornar possível 
o desenvolvimento de uma mescla melhor. A estrutura conceptual contém muitos 
produtos entrincheirados da integração conceptual anterior”
75
. 
Tal processo seria, então, a base da compreensão leitora, que se daria sempre 
como fruto de inferenciações situadas, porque dependem, em um sentido amplo, do 
contexto em que são realizadas, mas não podem ser previstas. Utilizando, então, o 
esquema de integração conceptual representado a seguir, pode-se dizer que, no input I, 
estariam as informações que o leitor seleciona de seu conhecimento prévio, organizado 
em frames, e que se articulariam ao input II, das informações trazidas pelo texto e 
igualmente selecionadas pelo leitor. Da projeção seletiva das informações contidas em 
ambos os espaços, seriam construídas as inferências no espaço-mescla, que se forma 
pela integração de ambos os espaços, com base em elementos que eles tenham em 
comum. Como salientam Fauconnier e Turner (2002), nós podemos criar diferentes 
mesclagens a partir dos mesmos inputs. Assim, o processo, ainda que seja o mesmo, 
pode ter resultados diferentes, uma vez que os inputs não determinam a rede de 
integração conceptual. 
 
75 Original: “The existence of a good blend can make possible the development of a better blend. 
Conceptual structure contains many entrenched products of previous conceptual integration”. 
190 
 
 
Figura 5 - Esquema de integração conceptual representando a inferenciação em leitura 
Dessa forma, a inferência surge como a evidência mais representativa de que a 
leitura é essencialmente integrativa, uma vez que, ao mesmo tempo em que é o 
resultado de uma integração conceptual, ela representa o que retemos após a realização 
de uma leitura. Assim, mais do que uma interação na qual leitor e texto contribuem para 
a construção de significados através dos movimentos ascendente e descendente, o que 
temos é uma verdadeira integração entre texto e leitor, sendo os resultados dessa 
integração elementos completamente novos relativamente aos domínios que os formam 
e únicos para cada leitor em cada momento de cada leitura que realiza. 
Assim, é possível concordar com Vanin (2009, p.51), que, por outro caminho, 
entende que a inferenciação (ou o “ato inferencial”, como o denomina) é “um processo 
de construção de sentido através de um conjunto de relações decorrentes da interligação 
do conteúdo de memórias enciclopédicas pertinentes para o momento comunicacional e 
do contexto que circunda tal interação”. Para ela – como para a visão que aqui é 
apresentada – “a significação só se torna possível devido à atividade inferencial, que é 
desencadeada pelas interações do indivíduo com o mundo, através de um sistema de 
encaixes de raciocínios de natureza linguística, social, cultural, e cognitiva” (VANIN, 
2009, p.51). 
Mais uma vez, essa visão integrativa nos permite associar-nos à ideia de 
cognição inventiva (KASTRUP, 2005, 2012, 2015), posto que, como já salientara Vanin 
191 
 
(2009, p.56), “a formação de inferências nas trocas comunicativas leva à construção do 
mundo e dos significados dos objetos que nele estão inseridos”, não havendo, portanto, 
qualquer sentido anterior ao movimento de integração. Mesmo a informação visual, que 
poderia ser entendida como dada antes da integração, nessa concepção, torna-se única, 
uma vez que cada um de nós seleciona o que dela nos interessa selecionar ou o que 
podemos selecionar em função de nossos conhecimentos prévios. Não só “as inferências 
são subordinadas a contextos interpretativos específicos” (DUQUE, 2015a, p.68), como 
a informação visual também o é. 
Nesse sentido, não só a leitura integrativa comprova a natureza distribuída da 
cognição humana, mas também as inferências – enquanto resultado dessa leitura – 
também o fazem. As inferências, desse modo, só são construídas porque distribuímos 
nossa cognição entre o que há em nossos conhecimentos prévios, o texto com o qual nos 
integramos e a situação em que nos encontramos, que vai nos levar a definir objetivos 
específicos para nossa leitura a usar elementos e pessoas nela presentes como parte 
também desse processo de construção. 
Como afirmam Fauconnier e Turner (2002), nós vivemos na mescla, uma vez 
que nossa experiência deriva das integrações conceptuais que realizamos. Isso quer 
dizer que as inferências que produzimos formam parte da nossa realidade. Entretanto, 
ressaltam eles, há atividades altamente abstratas que realizamos e que dependem da 
nossa capacidade de separar passo a passo as integrações realizadas. Os autores citam, 
por exemplo, a matemática, e prosseguem: 
Quão completamente nossa apreensão consciente é limitada à mescla 
depende do tipo de atividade para qual a mesclagem serve. No caso da 
sensação e da percepção, nossa experiência consciente vem 
inteiramente da mistura - nós "vivemos na mistura", por assim dizer. 
Em outras atividades, a apreensão consciente tem mais margem para 
avançar e retroceder, para "viver na rede de integração completa” 
(FAUCONNIER e TURNER, 2002, p.83, tradução minha)76. 
 
É partindo, então, da ideia de que podemos refletir sobre parte das integrações 
conceptuais que realizamos que desejo pensar o trabalho com o ensino de leitura na 
escola. Entendendo que a escola é o espaço – socialmente construído – que deveria nos 
levar a nos construirmos como sujeitos críticos, autônomos, reflexivos, acredito que, 
 
76
 Original: “How thoroughly our conscious apprehension is limited to the blend depends on the kind of 
activity that blending serves. In the case of sensation and perception, our conscious experience comes 
entirely from the blend - we "live in the blend", so to speak. In other activities, conscious apprehension 
has more leeway to go back and forth, to "live in the full integration network” (FAUCONNIER e 
TURNER, 2002, p.83). 
192 
 
nela, o ensino de leitura deva ir além do estímulo à produção de processos espontâneos 
de construção de inferências. 
Uma vez que as inferências que construímos em uma leitura se tornam parte da 
nossa realidade, cabe à escola levar os alunos a pensarem sobre essa realidade 
construída, não naturalizando sentidos e visões de mundo. A leitura crítica, dessa 
maneira, partiria (mas não se restringiria a) de um trabalho realizado no plano 
inferencial. É sobre isso que tratarei na próxima seção, para, nos capítulos seguintes, 
verificar o que vem sendo feito da leitura nos livros didáticos de espanhol selecionados 
para esta pesquisa. 
4.4. A cognição distribuída e o plano inferencial de leitura: por um ensino de 
leitura como processo integrativo 
 
Como explicitado anteriormente, ao pensar o ensino de leitura na escola, parto 
do fato de que o aprendizado envolve dois domínios de realidade distintos: o do 
conhecimento da pessoa e o domínio contextual (GERHARDT, 2010). Dessa forma, 
dentro de uma visão escolar de aprendizagem, existiria o espaço da realidade do aluno e 
o espaço da realidade da escola, que se mesclariam para a formação de novos conceitos, 
por parte de quem aprende, geradosna estrutura emergente fruto dessa integração. Do 
mesmo modo, a leitura na Escola ocorre a partir da integração entre o espaço da 
realidade do aluno e o espaço das informações trazidas pelo texto, com o aluno-leitor 
construindo uma nova leitura, fruto dessa integração. 
Nesse sentido, Gerhardt (2013), apresenta algumas contribuições que as ciências 
cognitivas podem oferecer às ciências sociais na discussão sobre a escola – 
contribuições essas que serão consideradas aqui basilares para a discussão proposta 
sobre o ensino de leitura, entendendo-o como manifestação de uma relação maior da 
escola com a aprendizagem: 
[1] As ciências cognitivas atualmente podem oferecer o entendimento 
de como a construção do significado em “coparticipação social” 
(MOITA LOPES, 1996, p.88) se manifesta em termos dos processos 
cognitivos realizados pelas pessoas (...), porque oferece uma 
percepção fidedigna e aprimorada de como a pessoa lida com a 
linguagem, não apenas interacional e socialmente, mas também 
cognitivamente – articulando “o lado de dentro” com o “lado de fora” 
e recusando as supostas dualidades mente-corpo e cognição-cultura 
típicas das epistemologias tradicionais (GERHARDT, 2013, p.98, 
grifos da autora). 
193 
 
[2] Os estudos em cognição e ensino de língua permitem realizar uma 
associação entre o uso da linguagem e a construção mais geral da 
cognição humana, detectando as evidências linguísticas do que 
desencadeia as ações cognitivas, quais são os seus objetivos, e quais 
tipos de problemas elas buscam resolver. Essa detecção pode subsidiar 
a formulação de propostas didático-pedagógicas que, em vez de 
definir a priori qual é a relação entre as pessoas e a linguagem, 
busquem associar a cognição cotidiana dos alunos, mais próxima das 
realidades vividas por eles fora da escola, às suas ações cognitivas 
situadas dentro da sala de aula (GERHARDT, 2013, p.98). 
[3] Os estudos em cognição, sobretudo aqueles relacionados ao caráter 
processual da construção do significado, oferecem um arcabouço 
teórico-descritivo capaz de nos auxiliar a compreender os 
mecanismos, elementos e processos relacionados ao aprendizado, aqui 
visto como integração conceptual que conta com a articulação entre as 
bases de conhecimento existentes no “lado de dentro” e no “lado de 
fora”, para que sejam criados novos conceitos, novas ideias. 
Associando-se tais trabalhos aos estudos em cognição distribuída, é 
possível definir parâmetros razoavelmente precisos acerca do que é 
necessário proceder para que se possa instaurar em sala de aula um 
ambiente de intersubjetividade que seja favorecedor do aprendizado, 
mesmo com o engessamento que a forte institucionalização e a 
normatização das relações escolares impõem sobre nossos 
comportamentos (GERHARDT, 2013, p.99). 
Acredito, assim, que o trabalho reflexivo sobre esse movimento de integração 
entre o espaço cotidiano do aluno, de seus saberes e suas experiências, e o espaço da 
escola, manifestado no texto lido e na atividade realizada, seja essencial. Não apenas o 
aluno pode selecionar melhor as informações que busca em seu conhecimento prévio e 
as informações novas recebidas em função de um objetivo específico, como também 
pode refletir sobre possíveis direcionamentos presentes nos textos lidos para que ele 
selecione determinadas informações e ignore outras. 
Além disso, ao refletir sobre as inferências construídas, o aluno pode refletir 
também sobre sua concepção de mundo, alterando-a, de maneira mais consciente, em 
função da sua integração com novos saberes. É possível dizer, inclusive, que um 
trabalho com o plano inferencial apresenta para os alunos uma concepção de 
aprendizagem que foge do padrão reprodutivo do modelo de recognição e que, portanto, 
auxilia na construção de aprendizes que estão sempre abertos – e atentos – à construção 
de novos saberes e à consciência de que nenhum saber é fixo, uma vez que não existe 
ninguém nem nada que esteja dado e acabado. 
Desse modo, evitam-se dois problemas clássicos em relação à aprendizagem 
escolar, descritos em Gerhardt (2013): o fato de a cognição cotidiana interferir 
excessivamente na cognição escolar, ou seja, o aluno não conseguir aprender o que a 
194 
 
escola lhe ensina porque seus saberes prévios se sobrepõem aos novos saberes, e o fato 
de a cognição escolar ser excessivamente institucionalizada, ou seja, de não haver, 
dentro da escola, qualquer espaço de abertura para a entrada dos saberes prévios dos 
alunos, o que, dentro dessa concepção, impede inclusive a articulação com os novos 
saberes apresentados. Como apontam Gerhardt, Albuquerque e Silva (2009, p.89), a 
sala de aula, geralmente, é posta como um cenário de desencontros e falta de diálogos: 
a escola fala uma língua, o aluno, outra; a escola suscita dele 
pensamentos alienígenas à sua vida, e ele, evidentemente, se mantém 
no lugar de onde veio, e esse estado de coisas se repete sem que a 
parte realmente responsável por uma mudança de olhar e de atitude 
reconheça as suas responsabilidades. De forma que o aluno sai da 
escola sem ter verdadeiramente em algum momento entrado nela. 
Para isso, torna-se essencial, de antemão, um trabalho escolar que tome 
verdadeiramente a leitura como um processo, e como um processo que se dá na mente 
de forma distribuída, por meio da integração de dois domínios de experiência diferentes 
e pela seleção de elementos desses domínios para a sua integração, em função de 
objetivos anteriormente postos para a leitura e da articulação entre os frames que 
organizam o conhecimento prévio do leitor e os frames que são apresentados no/pelo 
texto lido. 
Portanto, torna-se necessário entender que qualquer leitura depende tanto do 
leitor quanto do texto, no sentido de que o texto não pode se distanciar demais dos 
conhecimentos prévios do leitor, o que exige um trabalho de construção desses 
conhecimentos anterior à leitura, nem o leitor pode abrir mão de engajar seus saberes 
nesse processo. Além disso, ela é marcada por um contexto macro e microssocial, 
envolvendo outras pessoas e o ambiente físico e institucional em que elas se encontram. 
Nesse sentido, uma boa leitura é aquela que permite a construção de novos saberes: nem 
o texto nem o leitor permanecem inalterados, sendo esses novos saberes o que o leitor 
reterá após sua leitura. Metacognitivamente, cabe ainda ao leitor saber que está 
realizando esse processo, regulando-o em função de seus objetivos. 
Entendido o processo de leitura sob essa ótica, é possível pensar melhor em 
como a Escola pode atuar no desenvolvimento metacognitivo do aluno-leitor em 
interação não só com o texto escrito, mas também com o mundo que o rodeia, uma vez 
que esse também é compreendido e interpretado por meio dos mesmos processos 
cognitivos. As atividades de leitura, em qualquer disciplina, deveriam lançar mão dessas 
noções, buscando ativar os conhecimentos prévios do aluno (ou construí-los, se 
195 
 
necessário) e permitir (e mais: validar e desenvolver) a integração desses conhecimentos 
aos novos que o texto apresenta, trabalhando, essencialmente, o processo de construção 
da leitura com base na integração entre esses dois inputs. Não faz sentido, assim, que a 
escola busque do aluno, como vimos na primeira seção deste capítulo, apenas a 
capacidade de reproduzir informações explicitamente postas nos textos, uma vez que 
isso nega os processos cognitivos envolvidos na leitura e força o aluno a se comportar 
de uma maneira artificial em relação à sua leitura. 
Como vimos, essa é uma prática que representa uma política cognitiva contra a 
qual precisamos lutar emergencialmente e o plano inferencial de leitura pode ser um 
importante instrumento nessa luta. Nesse sentido, cabe salientar que estou denominando 
de plano inferencial de leitura o plano das possibilidades de inferências realizadas 
durante uma determinada leitura, a partirda proposta apresentada em Gerhardt e Vargas 
(2010) de que um texto pode ser lido de várias formas diferentes, cada qual equivalente 
à ativação de uma determinada organização no plano meta77. 
Sobre isso, diversos trabalhos já apontaram que os leitores constroem inferências 
espontaneamente enquanto leem e que o resultado de uma leitura, na verdade, são as 
inferências geradas ao longo do processo e não as informações explicitamente postas 
nos textos, como se costuma imaginar (DELL’ISOLA, 2001; FERREIRA E DIAS, 
2004; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996; 2003; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001; 2010, 
MARCUSCHI, 2002, 2003). Por outro lado, outros tantos trabalhos mostram que, na 
escola, ainda se ignoram os diferentes processos de construção possíveis para cada 
leitor, buscando essencialmente a reprodução de informações explicitamente 
apresentadas ou recorrendo a questões que não exigem a leitura dos textos para serem 
respondidas (DELL’ISOLA, 1997; FERREIRA, 2012; GERHARDT e VARGAS, 2010; 
MARCUSCHI, 1996; 2003; ROJO e BATISTA, 2003; ROJO, 2003; VARGAS, 2011, 
2012a, 2012b, 2013; VARGAS et al., 2011). Além disso, há trabalhos que mostram que 
diferentes inferências, quantitativamente e qualitativamente, são produzidas em função 
de objetivos diferentes postos para a leitura (GERBER e TOMITCH, 2008; ROSCIOLI 
e TOMITCH, 2014; ROSCIOLI, TOMITCH e FARIAS, 2015). 
 
77
 Nesse texto, entre outros planos ainda não estabelecidos, citamos algumas possibilidades de planos: a) o 
das estruturas esquemáticas dos saberes estáveis que subjazem à construção do significado; b) o da 
estrutura de evento para narrativas; c) o da organização referencial; d) o da organização sequencial; e) o 
da organização do parágrafo; f) o da organização inferencial; g) o da estrutura de argumentação; h) o da 
compreensão metalinguística e i) o da compreensão metacognitiva (GERHARDT e VARGAS, 2010). 
196 
 
Quando se trata da inferência, costuma-se observá-la como uma simples 
estratégia de leitura utilizada para, teoricamente, preencher as lacunas deixadas em um 
texto. Como explica Dell’isolla (2001), nesse tipo de abordagem, o nível básico do texto 
(o que mais adiante chamarei de linear ou literal) pode apresentar proposições que não 
se inter-relacionam. As inferências, então, atuariam preenchendo os espaços deixados 
entre essas proposições. A construção de inferências seria, assim, um procedimento nem 
sempre utilizado, ocorrendo apenas quando o texto o exigisse. Sob essa visão, o leitor 
geraria inferências apenas para entender o que está escrito quando as informações do 
texto lido não fossem suficientes. Acredita-se, assim, que, de alguma forma, seria 
possível entender o texto tal e como ele se nos apresenta, e a inferência seria o resultado 
de um processo predominantemente ascendente (bottom-up), o que reforça uma visão de 
cognição – e de aprendizagem – como reprodução, dentro de uma política de 
recognição. 
De forma a superar essa visão, acredito que as atividades escolares de leitura 
deveriam, no que se refere ao plano inferencial, trabalhar em dois planos: 
(a) num primeiro plano, deveriam trabalhar efetivamente com o 
desenvolvimento de tarefas que levassem os alunos a reconhecerem as inferências por 
eles construídas e a pensarem sobre as inferências como um processo que envolve a 
integração de duas fontes de informação. Isso envolveria um trabalho de ativação e, se 
necessário, de construção de conhecimento prévio e um trabalho com questões que 
abordem diferentes níveis de leitura, orientando o aluno em sua reflexão sobre as 
inferências construídas e sobre os elementos selecionados e articulados para essa 
construção; e 
(b) num segundo plano – meta –, em paralelo ao anterior, no desenvolvimento de 
habilidades metacognitivas sobre os processos que os leitores desenvolvem ao 
aprenderem a ler, em função de objetivos previamente definidos e de hipóteses 
construídas ao longo de uma leitura. Dessa forma, pensando no plano inferencial, seria 
papel da escola levar os alunos a proporem objetivos para suas próprias leituras – 
pensando-os como invenção de problemas – e a pensarem estratégias de leitura em 
função desses problemas, sendo as inferências, assim, construídas em função dos 
objetivos propostos. Além disso, seria fundamental a compreensão de como as 
inferências atuam na formulação e flexibilização de hipóteses de leitura de forma que a 
197 
 
leitura seja efetivamente vista como processualidade e que o aluno possa pensar sobre 
ela enquanto lê. 
Assim, questões de leitura que se propusessem de fato a ensinar o aluno a ler 
melhor deveriam atuar levando-o a ativar seus conhecimentos prévios e permitindo que 
os integre de uma melhor maneira às informações novas que o texto apresenta. Para que 
isso aconteça, é necessário que os professores que se dedicam ao ensino de leitura, em 
aulas de línguas ou de outras disciplinas, conheçam como se dá o processo da leitura, 
para que possam atuar reflexivamente em sala de aula, interferindo nele quando 
necessário, e criando parâmetros para a avaliação e análise dos textos a serem 
utilizados, bem como do trabalho a ser desenvolvido com eles: 
...acreditamos que o desvendamento do processo torna possível o 
planejamento de medidas de ensino adequadas, de base informada, 
bem fundamentadas. (...) Refletir sobre o conhecimento e controlar os 
nossos processos cognitivos são passos certos no caminho que leva à 
formação de um leitor que percebe relações, e que forma relações com 
um contexto maior, que descobre e infere informações e significados 
mediante estratégias cada vez mais flexíveis e originais (KLEIMAN, 
2010, p.9). 
 
Igualmente, para que a citação de Kleiman (2010) possa ser efetivamente 
realizada, o aluno deve conhecer os objetivos da tarefa que busca desenvolver, do que 
está buscando alcançar, das habilidades que precisa ativar e das estratégias de que se 
pode utilizar para alcançá-lo. No que se refere à leitura, por exemplo, o estabelecimento 
de objetivos “refere-se à intervenção do leitor na seleção prévia de quais significados 
deverão ser capturados na interação com o texto, a partir de uma definição específica do 
que se quer reconhecer nele” (GERHARDT, BOTELHO e AMANTES, 2015, p.182). 
Dessa maneira, nosso foco de atuação deve estar no desenvolvimento de suas 
habilidades metacognitivas, ou seja, em sua conscientização sobre seus próprios 
processos cognitivos. Nesse sentido, cabe lembrar que, como nos ensinou Kleiman 
(1992), as habilidades cognitivas não podem ser ensinadas, apenas exercitadas, mas as 
estratégias de leitura (ou seja, as habilidades metacognitivas) sim podem ser ensinadas 
de forma consciente. A metacognição é entendida aqui, então, como a nossa capacidade 
de pensar e refletir sobre nossa cognição, monitorando-a, regulando-a e reformulando-a 
quando necessário. Mais especificamente, podemos dizer que a metacognição diz 
respeito à autorregulação da própria cognição, de forma que possamos administrar 
nossos próprios processos cognitivos, em função de um determinado objetivo, através 
198 
 
de atividades de monitoramento e controle (NELSON e NARENS, 1996; SCHWARTZ 
e PERFECT, 2002; TARRICONE, 2011). 
Na leitura, podemos atuar metacognitivamente por meio da habilidade em 
elaborar objetivos e hipóteses flexíveis acerca dos significados que o texto traz. Assim, 
podemos dizer que o monitoramento e o controle são processos que atuam 
articuladamente na construção de duas dimensões para a metacognição em atividades de 
leitura: a autoavaliação, a partir da formulação de hipóteses, e o controle da ação 
cognitiva em função de um resultado desejado, a partir da postulação de objetivos e de 
estratégias para resolver os problemas (BOTELHO, 2011; 2015; GRIFFITH e RUAN, 
2008; RANDI, GRIGORENKO e STERNBERG, 2008). Pensando em uma abordagem 
que busque a construçãode políticas inventivas em sala de aula, acredito que os estudos 
em metacognição podem nos auxiliar na fundação de um olhar que parta de problemas 
efetivamente inventados em sala de aula – que se transformam, no caso da leitura, em 
objetivos de leitura – para construir uma prática de leitura que abra espaço para a 
criação. 
Nesse sentido, cabe observar que mesmo ao trabalharmos com o primeiro plano, 
anteriormente citado, estamos também, como professores, trabalhando com habilidades 
metacognitivas, uma vez que a busca é por levar os alunos a refletirem sempre sobre as 
inferências por eles construídas ou sobre as inferências que poderiam construir para 
desenvolver uma melhor leitura dos textos com que se integram. Nesse sentido, se um 
leitor reconhece que uma determinada inferência se derivou da integração de uma 
determinada informação presente em um texto e uma informação existente em seu 
conhecimento prévio, já há nesse reconhecimento o desenvolvimento de uma reflexão 
metacognitiva sobre esse processo. Assim, a ideia é que, com o tempo, essa reflexão 
seja incorporada ao processo espontâneo de leitura do aluno, tendo ele se construído, 
com o apoio das atividades escolares, como um leitor maduro, autônomo – e crítico em 
relação ao que lê e, igualmente, à leitura que constrói. 
Essa perspectiva se aproxima do que Kastrup (2005) propõe como perspectiva 
para o aprendizado. Segundo a autora, 
A novidade e a surpresa configuram uma das faces da dupla 
temporalidade da aprendizagem. A segunda face de sua temporalidade 
é a sedimentação e o enraizamento. A sedimentação do aprendizado 
ocorre por intermédio da repetição e do ritmo de um treino que se dá 
por meio de um conjunto de sessões consecutivas e regulares. O 
sentido do treino é criar um campo estável de sedimentação e 
acolhimento de experiências afectivas inesperadas, que fogem ao 
199 
 
controle do eu. A regularidade das sessões tem como efeito a criação 
de uma familiaridade com as experiências de breakdown e, enfim, o 
desenvolvimento de uma atitude cognitiva e atencional ao plano das 
forças. O processo começa com esforço, por intermédio de uma 
atitude consciente e intencional, mas que se torna, com a prática, 
espontânea e inintencional” (KASTRUP, 2005, p.1279). 
 
É interessante observar que, ao repensar o papel da linguística aplicada para os 
novos tempos que vivemos, Rajagopalan (2006, p.160) aponta os estudos sobre a 
metacognição como um dos “bons ventos” que “começaram a soprar, ajudando a 
dissipar certo marasmo que se instalou no campo”, vindo para contribuir para o 
questionamento da tese de que “a prática só teria êxito se obedecesse aos ditames da 
teoria”. Entretanto, para que isso possa se concretizar em sala de aula, professores e 
especialistas em leitura podem e devem, como afirmam Applegate et al. (2002), atuar 
como catalizadores para uma mudança no ensino. 
Para que possam exercer esse papel, precisam os professores, anteriormente, 
compreenderem como se constrói uma leitura integrativa e se tornarem capazes de 
acessar a habilidade de seus alunos em pensar sobre e responder ao texto – o que 
também é um aprendizado que exige sedimentação, no termo proposto por Kastrup 
(2005). Caso contrário, eles acabam por perder, como apontei em Vargas (2012a), uma 
de suas mais poderosas ferramentas para estimular a consciência nos estudantes, e em si 
mesmos, de que ler é um processo ativo de construção de significados (e não de 
reprodução!) para o qual concorrem, entre outros fatores, tanto a voz de quem escreve 
como a voz de quem lê, em igual proporção. 
O caminho para esta mudança tem sido oferecido fartamente pelas 
ciências da cognição: a partir da pressuposição de que a relação entre 
professor e aluno, fortemente marcada pela institucionalização, é 
assimétrica por natureza, o olhar inicial de atenção para o lugar do 
outro precisa ser construído pela escola; cabe a ela dar-se conta de que 
em sala de aula existe uma pessoa que, embora esteja por lá 
fisicamente, precisa de estímulo e atenção para integrar o universo de 
saberes e experiências que a escola tem a oferecer; cabe a ela 
compreender que a aquisição de novas informações por parte do aluno 
só acontecerá se ele conseguir encontrar ligações entre o que lhe é 
conhecido e o que está para ser aprendido. O novo, pelo novo, de nada 
vale (GERHARDT, ALBUQUERQUE e SILVA, 2009, p.89). 
 
Assim, novamente, é possível voltar à ideia de cognição inventiva, uma vez que, 
dentro dessa visão, segundo Kastrup (2005, p.1287), “ensinar é, em grande parte, 
compartilhar experiências de problematização”. Desse modo, o ato de ensinar precisa 
200 
 
estar sempre aberto a potencializar as possibilidades de invenção de novas 
subjetividades e de novos mundos. 
Por isso considero que, no domínio da formação, é preciso encontrar 
estratégias de constante desmanchamento da tendência a ocupar o 
lugar do professor que transmite um saber. Penso que não se trata de 
determinismo nem de livre arbítrio; nem de submissão a um modelo 
existente, nem de boa vontade. O caminho é de um aprendizado 
permanente. Trata-se de um processo lento, marcado por idas e 
vindas, mas só ele possibilita a criação de uma política cognitiva da 
invenção (KASTRUP, 2005, p.1287). 
 
Além disso, uma vez que a perspectiva assumida aqui é a de que a cognição é 
distribuída, a saída do professor do lugar de alguém que transmite um saber também 
abre espaço para que os alunos, entre si, se engajem em processos coletivos de 
construção de significados. Assim, entendo que a leitura no plano inferencial pode ser a 
comprovação de que a leitura é distribuída entre texto e leitor, mas é também – e, talvez, 
até de maneira mais importante, distribuída entre leitores. Como apontam Zhang e Patel 
(2006), existem dois tipos de cognição distribuída: entre uma mente e um artefato 
externo e entre mentes individuais, e que: 
Um grupo de mentes pode ser melhor que um (ganho de processo) 
porque, em um grupo, há muito mais recursos, carga de tarefa e carga 
de memória, que são compartilhados e distribuídos, os erros são 
verificados, e assim por diante. O desempenho de um grupo também 
pode ser pior do que o de um indivíduo (perda de processo), porque 
em um grupo de comunicação leva tempo, o conhecimento pode não 
ser compartilhado e diferentes estratégias podem ser utilizadas por 
diferentes indivíduos (ZANGH e PATEL, 2006, p. 140).
78
 
 
Sem o professor ocupar exclusivamente esse lugar de saber, a busca pela resposta 
correta às questões postas por ele dá lugar a uma busca individual e coletiva de 
construção efetiva de significados em sala de aula. Entretanto, como é possível notar 
pela citação acima, isso precisa ser ensinado e desenvolvido em sala de aula, de forma a 
que a perspectiva de um pensar em grupos (GURECKIS e GOLDSTONE, 2008) não 
mais atrapalhe do que ajude. Pensar a cognição de forma distribuída em sala de aula, 
seja distribuída entre um aluno e o material com que se integra, seja entre alunos e entre 
alunos e professores, exige necessariamente um novo fazer, a criação de práticas que 
 
78
 Original: “A group of minds can be better than one (process gain) because in a group there are much 
more resources, task load and memory load are shared and distributed, errors are cross-checked, and so 
on. The performance of a group can also be worse than that of an individual (process loss) because in a 
group communication takes time, knowledge may not be shared and different strategies may be used by 
different individuals” (ZANGH e PATEL, 2006, p. 140). 
201 
 
retirem do centro políticas de recognição e ocupem esse espaço com políticas de 
invenção. 
Acredito que a possibilidade de trabalharmos com uma perspectiva que integre 
esses pressupostos a uma didática de leitura focada no desenvolvimento de habilidades

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