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Caso Clínico do dia Marcelo tem 24 anos e foi admitido no hospital por causa de cefaleia e exame de PCR positivo para Covid-19 (coronavírus disease 2019), a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2). Ele estava bem até 3 semanas antes da admissão, quando começou a sentir fadiga, fraqueza generalizada e cefaleia. Ele também teve mialgias, náuseas e vômitos. Não havia histórico de febre, tosse ou diarreia. Ibuprofeno e dipirona não aliviaram os sintomas. Duas semanas mais tarde, a cefaleia e a fraqueza persistiram e falta de ar, dor pleurítica e anorexia se desenvolveram. Cinco dias antes da admissão ele foi avaliado em uma unidade de pronto atendimento (UPA). A temperatura estava 36.8 C e a saturação de oxigênio foi de 98% em ar ambiente. O exame físico foi normal. Os testes laboratoriais realizados na UPA foram hemograma com discreta anemia, leucócitos e plaquetas normais, eletrólitos, enzimas hepáticas, creatinina, fosfatase alcalina e proteínas totais e frações normais. Um exame de PCR foi colhido por swab nasofaríngeo para SARS-CoV-2 e uma injeção IM de cetorolaco foi administrada. Marcelo recebeu alta com recomendações de quarentena. No dia seguinte, o exame de PCR veio positivo e Marcelo foi atendido via telemedicina. Ele referiu cefaleia, náuseas, anorexia e fraqueza generalizada. Quatro dias mais tarde a cefaleia piorou e ele teve uma lipotimia, quando então procurou atendimento no pronto socorro deste hospital. Na chegada à sala de emergência ele teve vários episódios de vômitos. Ele descreveu dor de cabeça e dor localizada atrás dos olhos, assim como falta de ar, dor pleurítica, mialgias e anorexia. Não havia febre, tosse, dor abdominal ou diarreia. Os sintomas desse paciente podem ser atribuídos à Covid-19? Durante a pandemia de Covid-19, esse diagnóstico é invariavelmente considerado na mente de pacientes e médicos. Embora o diagnóstico tenha sido confirmado através de RT-PCR para SARS-CoV-2, deve-se considerar que as outras doenças continuam ocorrendo e devem sempre estar em mente no diagnóstico diferencial, mesmo em época de pandemia. Fraqueza, fadiga, cefaleia, mialgia e náuseas são sintomas comuns da infecção pelo novo coronavírus. A ausência de febre, tosse e a saturação de oxigênio normal em ar ambiente, torna improvável que ele tenha pneumonia por Covid-19. Estados de hipercoagulação têm sido associados com Covid-19 e falta de ar e dor pleurítica podem representar uma embolia pulmonar. Um exame de imagem do tórax deve ser realizado, pois é mais sensível que o Rx de tórax para detectar infiltrados em vidro fosco típicos de Covid-19, além de possíveis êmbolos nos vasos pulmonares. Trombose em outros locais do organismo tem sido relatadas na Covid-19, incluindo nos seios venosos cerebrais. A cefaleia e as náuseas podem indicar hipertensão intracraniana por trombose venosa cerebral e essa possibilidade diagnóstica também precisa ser considerada. A piora da cefaleia preocupa e levanta a possibilidade de uma complicação neurológica da Covid-19 ou alguma outra doença neurológica não relacionada. A lipotimia pode ter sido apenas em reação à dor, desencadeante frequente de síncope em pacientes com síndrome vasovagal, mas também pode ser secundária à desidratação, hipoglicemia ou hipotensão. Ele tinha histórico de uma cirurgia de apendicectomia na infância e não tinha outras doenças conhecidas, não estava tomando medicamentos e não tinha alergias conhecidas. Marcelo nasceu na Bahia e emigrou para o Paraná, cerca de 3 meses antes da admissão. Ele trabalhava em uma fazenda e referiu que tinha vida sexual ativa e apenas relações heterossexuais, com pelo menos 5 parceiras diferentes no último ano. Ele negou tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Ele morava em uma casa com outras 9 pessoas de sua família, porém não sabia sobre doenças nos familiares. Existe algum aspecto da história médica pregressa ou das condições e hábitos de vida que sejam importantes para o diagnóstico? Ele parecia um rapaz saudável, sem histórico médico significativo. A cirurgia de apendicite na infância não está relacionada com os sintomas atuais e ele não tinha nenhuma doença conhecida e nem estava tomando medicamentos, para pensarmos em complicações de doenças sistêmicas ou reações adversas de medicamentos. Nascer na Bahia predispõe Marcelo a algumas doenças infecciosas da região, como tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, dengue, hepatites virais, HIV, HTLV, esquistossomose e leishmaniose tegumentar americana. A tuberculose e a hanseníase são doenças muito comuns no Brasil e sempre devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. A tuberculose geralmente se manifesta com sintomas respiratórios, como tosse produtiva, febre, anorexia, perda de peso, sudorese noturna e fadiga. Eventualmente pode haver complicações neurológicas, como meningite tuberculosa, lesões em massa no cérebro (tuberculomas) e mielite transversa. A cefaleia desse paciente pode levantar a possibilidade de hipertensão intracraniana por uma lesão em massa, que poderia ser secundária a um tuberculoma, mas também por meningite tuberculosa, que é bem mais comum. Alguns pacientes podem ter neurotuberculose, sem doença pulmonar concomitante. Um exame de neuroimagem e uma punção lombar devem ser realizados para afastar essas possibilidades. A hanseníase geralmente se manifesta com sintomas cutâneos (lesões de pele) e as complicações neurológicas geralmente são no sistema nervoso periférico (neuropatias periféricas). A doença de Chagas na fase aguda pode causar cefaleia, mialgia, fraqueza, anorexia como ocorreu em Marcelo. Entretanto, geralmente também se acompanha de febre, hepatoesplenomegalia, edema palpebral (sinal de Romanã) e lesão no local da picada do mosquito barbeiro (chagoma de inoculação). O trabalho rural também o predispõe à essa doença. Meningoencefalite pode ocorrer como complicação da doença de Chagas aguda. O trabalho rural o deixou mais exposto à picadas de mosquito-palha (Leishmaniose) ou banhos em rios e lagoas (esquistossomose). Não havia feridas na pele que sugerissem leishmaniose tegumentar, e a leishmaniose visceral geralmente cursa com febre e hepatoesplenomegalia. Não há complicações neurológicas. Já a esquistossomose causa dor abdominal, ascite, febre, icterícia, perda de peso, prurido. A principal complicação neurológica da esquistossomose é a mielorradiculite, sendo muito rara a ocorrência de meningite ou lesões em massa no cérebro. É improvável que essas doenças sejam a causadora dos sintomas do paciente. Com relação à vida sexual, pela definição da OMS (Organização Mundial de Saúde), considera-se promiscuidade sexual quem teve 3 ou mais parceiros sexuais nos últimos 12 meses. A promiscuidade sexual aumenta o risco de doenças sexualmente transmissíveis, como AIDS, sífilis, HTLV, herpes simples tipo 2 e hepatites virais. Dessas doenças, tanto a AIDS, como a sífilis e o herpes simples tipo 2 podem causar meningite e devem ser considerados no diagnóstico diferencial. O HTLV geralmente causa mielite aguda ou, mais frequentemente, mielopatia crônica (paraparesia espástica tropical) e raramente causa meningite ou encefalite. A hepatite B pode causar complicações neurológicas, como mielite transversa e neuropatias periféricas, entretanto raramente está associada a meningite ou encefalite. O fato de morar com diversas pessoas em sua casa, certamente aumenta o risco de doenças transmissíveis por agentes respiratórios, como a Covid-19. No exame físico a temperatura foi de 36.1 C, a pressão arterial de 134/90 mmHg, a frequência cardíaca de 62 bpm e a frequência respiratória de 16 ipm. A saturação de oxigênio em ar ambiente foi de 99%. O índice de massa corporal (IMC) foi de 21. Ele estava fadigado, diaforético e sonolento, caindo no sono várias vezes durante a anamnese, além de estar um pouco agitado. Ele fechava os olhos com firmeza e batia com frequênciana cabeça dizendo que estava doendo muito. As pupilas estavam isocóricas e reativas à luz e não havia rigidez de nuca. Ele estava alerta e orientado e seguia comandos corretamente. O exame dos pares cranianos estava normal, mas a rotação da cabeça causava dor na cabeça e no pescoço. O exame físico geral foi normal, incluindo a ausculta pulmonar. O exame físico confirmou a ausência de febre e a saturação de oxigênio em ar ambiente continuou normal, tornando Covid-19 uma causa improvável para os sintomas de Marcelo. A sonolência com agitação aumenta a suspeita de um processo meningoencefalítico. Entretanto não havia sinais meníngeos, o que não descarta, entretanto, a possibilidade de meningoencefalite. O resultado do exame de urina, assim como o exame toxicológico do sangue e urina foram normais. Os mesmos exames laboratoriais realizados 5 dias antes foram repetidos e permaneceram inalterados, com exceção de discreta linfopenia. A dosagem de CK, LDH, lactato, procalcitonina, proteína C reativa, VHS, ferritina e dímero D foram normais. A TC de tórax também foi normal. Soro fisiológico e dipirona foram administrados. Noventa minutos mais tarde o paciente foi encontrado no chão, de joelhos e com incontinência urinária. Ceftriaxona 2 gramas EV, vancomicina 1 grama EV, aciclovir 700 mg EV e dexametasona 10 mg EV foram administrados empiricamente. A TC de tórax normal, associada com provas de atividade inflamatória e dímero D normais, praticamente descartaram Covid-19 grave. Como o paciente começou com sintomas encefalopáticos, agitação e incontinência urinária, iniciou-se cobertura empírica para meningite bacteriana e encefalite herpética. As provas de atividade inflamatória normais praticamente descartam a possibilidade de meningite bacteriana, pois têm um valor preditivo negativo de 98%, quando normais. Encefalite herpética e outras causas de meningite subaguda, entretanto, não podem ser descartada. Encefalite auto-imune também não pode ser completamente descartada neste momento. Com frequência, essas encefalites se manifestam com encefalopatia associada a sintomas psiquiátricos e crises convulsivas. Um exame de neuroimagem e análise a do líquor devem ser obtidos na sequência, para melhor esclarecimento diagnóstico. A tomografia de crânio sem contraste mostrou hipodensidade sutil nos núcleos da base, porém não havia hemorragias, infartos grandes ou lesões em massa intracranianos. Também foi observado achatamento posterior de ambos os globos oculares e a sela túrcica estava parcialmente vazia. Uma ressonância magnética do crânio (figura abaixo) foi então obtida e mostrou achatamento da parede posterior em ambos os globos oculares e estreitamento dos seios transversos. As imagens em T2 e FLAIR mostraram múltiplos pequenos focos de hiperintensidade nos núcleos da base e tálamos (figura abaixo), com vários desses focos parecendo ser císticos. Além disso, havia vários focos difusos de hiperintensidade na substância branca subcortical e periventricular dos lobos frontais e da coroa radiada anterior. TC de crânio mostrando hipodensidades císticas nos núcleos da base bilateralmente e RM em T2 mostrando focos hiperintensos anormais nos núcleos da base e tálamos A tomografia geralmente é o primeiro exame realizado nos pacientes neurológicos agudos no pronto socorro, pela maior disponibilidade e rapidez de execução. Ela é um excelente método para afastar hemorragias, calcificações e fraturas de crânio, entretanto não tem boa resolução de imagem para diversas doenças neurológicas agudas ou crônicas, como AVC isquêmico na fase aguda, tumores, doenças desmielinizantes, etc. A hipodensidade encontrada nos núcleos da base na TC é inespecífica, podendo representar um processo inflamatório, doenças infecciosas (neurotoxoplasmose, neurocriptococose) ou infartos cerebrais. O achatamento da parede posterior dos globos oculares e a sela parcialmente vazia sugerem a possibilidade de hipertensão intracraniana. A ressonância magnética, que é um exame bem mais sensível para detecção de lesões, foi realizada na sequência e confirmou os sinais de hipertensão intracraniana, além de ter mostrado o estreitamento dos seios transversos bilateralmente, sinais que estão associados com hipertensão intracraniana. As imagens em T2 mostradas na figura mostraram lesões císticas em forma de cachos de uva nos núcleos da base. A doença neurológica mais comum com esse padrão de lesão nos núcleos da base, associado com hipertensão intracraniana é a neurocriptococose, uma meningite causada pelo fungo Cryptococcus neoformans em pacientes imunossuprimidos e pelo Cryptotococcus gatti em pacientes imunocompetentes. A meningite criptococócica pode ocorrer em pacientes imunocompetentes, mas é muito mais comum em imunossuprimidos, especialmente na infecção avançada pelo vírus HIV, sendo a etiologia mais FIGURA 83.2 TC craniencefálica mostrando múltiplas áreas de hipodensidade em topografia de núcleos da base e tálamo bilaterais, sem efeito de massa, sugestivas de pseudocistos gelatinosos da neurocriptococose. O tratamento deve ser feito com anfotericina B (0,7 mg/kg/dia – EV) associada a 5-fluorocitosina (100 mg/kg/dia – VO) durante duas semanas, seguido por fluconazol (400 mg/dia – VO) durante oito semanas. No entanto, no nosso país não temos acesso com facilidade a 5-fluorocitosina. O controle da hipertensão intracraniana pode ser feito por punções lombares repetidas, sendo o emprego de acetazolamida questionável. A instalação de sistema de derivação do trânsito do LCR está reservada aos casos mais graves. O tratamento de manutenção é feito com fluconazol, e só deve ser iniciado após a esterilização do LCR, o que ocorre aproximadamente após dez semanas do início do tratamento. A profilaxia secundária é recomendada com CD4 menor que 200 céls./mm3 e pode ser suspensa de acordo com orientações do CDC se ocorrer uma reconstituição imune adequada (contagem de linfócitos CD4+ acima de 100 a 200 céls./mm3 por mais de seis meses). Neurossífilis Sífilis é a infecção causada pelo Treponema pallidum e adquirida mediante transmissão sexual ou vertical. O curso clínico da doença é caracterizado por episódios de exacerbação e períodos variáveis de latência, sendo o acometimento neurológico presente nas fases secundária (4 a 6 semanas após o cancro) e terciária (meses ou décadas). Na fase secundária podem ocorrer sintomas constitucionais como febre, queda do estado geral, astenia, linfadenomegalia generalizada e rash. Manifestações neurológicas nesta fase são meningite, neuropatias cranianas, incluindo perda auditiva neurossensorial 20. Ivanova R, Henon N, Lepage V, et al. HLA-DR alleles display sex-dependent effects on survival and discriminate between indi- vidual and familial longevity. Hum Mol Genet 1998;7:187–194. 21. Woolf B. On estimating the relation between blood group and disease. Ann Eugen 1955;19:251–253. 22. Lewontin RC. The detection of linkage disequilibrium in mo- lecular sequence data. Genetics 1995;140:377–388. 23. Payami H, Joe S, Farid NR, et al. Relative predispositional effects (RPEs) of marker alleles with disease: HLA-DR alleles and Graves disease. Am J Hum Genet 1989;45:541–546. 24. Spielman RS, McGinnis RE, Ewens WJ. Transmission test for linkage disequilibrium: the insulin gene region and insulin- dependent diabetes mellitus (IDDM). Am J Hum Genet 1993; 52:506–516. 25. Kruglyak L, Daly MJ, Reeve–Daly MP, et al. Parametric and nonparametric linkage analysis: a unified multipoint ap- proach. Am J Hum Genet 1996;58:1347–1363. 26. Sham PC, Curtis D. An extended transmission/disequilibrium test (TDT) for multi-allele marker loci. Ann Hum Genet 1995; 59:323–336. 27. Hoch W, McConville J, Helms S, Newsom–Davis J, Melms A, Vincent A. Autoantibodies to the receptor tyrosine kinase MuSK in patients with myasthenia gravis without acetylcho- line receptor antibodies. Nat Med 2001;7:365–368. 28. Kruglyak L, Lander E. Geneticdissection of complex traits: guidelines for interpreting and reporting linkage results. Nat Genet 1995;11:241–247. 29. Degli–Esposti MA, Andreas A, Christiansen FT, et al. An approach to the localization of the susceptibility genes for generalized myasthenia gravis by mapping recombinant an- cestral haplotypes. Immunogenetics 1992;35:355–364. 30. Janer M, Cowland A, Picard J, et al. A susceptibility region for myasthenia gravis extending into the HLA-class I sector telomeric to HLA-C. Hum Immunol 1999;60:909–917. 31. Matsuki K, Juji T, Tokunaga K, et al. HLA antigens in Japa- nese patients with myasthenia gravis. J Clin Invest 1990;86: 392–399. 32. Muller–Hermelink HK, Marx A. Pathological aspects of malig- nant and benign thymic disorders. Ann Med 1999;31(suppl 2):5–14. 33. Spielman RS, Ewens WJ. A sibship test for linkage in the presence of association: the sib transmission/disequilibrium test. Am J Hum Genet 1998;62:450–458. Neuro Images Overwhelming CNS cryptococcus in AIDS H.M. Bos, MD, P.A.M. Hofman, MD, PhD, G. Schreij, MD, PhD, F.J. Bot, MD, PhD, R.J. van Oostenbruggen, MD, PhD, Maastricht, the Netherlands A 46-year-old HIV-positive man (CD4 count 6 cells/mL, plasma HIV load 346 ! 103 copies/mL) presented with a subacute onset of confusion. Neurologic examination dem- onstrated meningeal irritation. CT examination showed no abnormailities. CSF analysis revealed a cryptococcal infec- tion. Because the patient deteriorated despite treatment, an MRI scan was performed 4 weeks later. The images showed a mixed pattern of dilated Virchow–Robin spaces filled with mucoid material,1 gelatinous pseudocysts in the head of the caudate and putamen,2 and widespread paren- chymal and leptomeningeal nodules2 (figure, A and C). This is a classical example of a mixed pattern of CNS cryptococcus in a patient with AIDS. Histopathologic anal- ysis showed a dilated Virchow–Robin space, crowded with cryptococci (hematoxylin and eosin, !400; see the figure, B). Typically, no inflammation reaction and only limited gliosis in the surrounding nervous tissue was seen. The inset in figure B shows cryptococcus neoformans with the cell wall (dark) surrounded by a clear space representing the mucinous capsule (hematoxylin and eosin, !1,000; see the figure, B). The patient died 2 months after receiving intensive antifungal therapy. 1. Mathews VP, Alo PL, Glass JD, Kumar AJ, McArthur JC. AIDS-related CNS cryptococcosis: radiologic–pathologic correlation. AJNR Am J Neu- roradiol 1992;13:1477–1486. 2. Tien RD, Chu PK, Hesselink JR, Duberg A, Wiley C. Intracranial cryp- tococcosis in immunocompromised patients: CT and MR findings in 29 cases. AJNR Am J Neuroradiol 1991;12:283–289. Figure. (A) T1-weighted MRI; mixed pattern of CNS cryptococcus. (B) Virchow–Robin space crowded with cryptococci (hematoxylin and eosin, !400 before reduction). Inset: cryptococcus neoformans with the mucinous capsule (hematoxylin and eosin !1,000 before reduction). (C) T2-weighted MRI; mucoid material within Virchow–Robin spaces. Gelatinous pseudocysts in the head of the caudate and putamen. 1560 Copyright © 2001 by AAN Enterprises, Inc. comum de meningite nessa população. A vida sexual promíscua desse paciente certamente o coloca no grupo de comportamento de risco para infecção pelo HIV. Uma sorologia rápida para o HIV deve ser obtida, além de sorologia para sífilis, que frequentemente é positiva em pacientes HIV positivos. Uma punção lombar é mandatória neste momento para confirmar o diagnóstico de meningite e tentar confirmar a possibilidade de meningite criptocócica, através da pesquisa de fungos no líquor com a coloração tinta de China/India (ainda útil em países em desenvolvimento) e pela dosagem do antígeno criptocócico no líquor (muito mais sensível). O antígeno critptocócico sérico é sensível, mas não é específico para meningite critptocócica. Quase 100% das pessoas com títulos > 1:640 tem meningite criptocócica, e um título > 1:160 é altamente sensível (88%) e específico (82%) para meningite criptocócica. Como o paciente está encefalopático, a TC de crânio é importante para descartar efeito massa que possa ser risco para herniação. Outras condições em que uma TC é mandatória antes da punção lombar são a presença de sinais neurológicos focais ou papiledema do exame neurológico, história recente de convulsão, imunossupressão de qualquer causa (infecção pelo HIV, câncer, quimioterapia, história de transplante, doenças auto-imunes que necessitam uso de imunossupressores). Uma sorologia combinada para HIV-1 e HIV-2 foi positiva e o diagnóstico de infecção pelo HIV-1 foi confirmado por um ensaio de diferenciação. A sorologia para sífilis foi negativa. Como não havia efeito massa na neuroimagem, uma punção lombar foi então realizada e a pressão de abertura foi de 55 cmH2O (normal < 20 cmH2O) e a aparência do líquor foi incolor (água de rocha). Na análise do líquor, as proteínas totais estavam em 47 mg/dl (normal de 5-55) e a glicose foi de 42 mg/dl com glicose sérica de 100 mg/dl. Havia 108 células por mm3, sendo 81% linfócitos e 18% monócitos. A coloração de GRAM mostrou a presença de pequenos organismos Gram positivos arredondados, de vários tamanhos e circundados por um halo salmão. Coloração de GRAM do líquor (A) mostrando organismos gram-positivos arredondados. Em (B) Com lente de maior aumento, observam-se organismo de vários tamanhos, circundados por halo Salmão e bem separados. Uma coloração com tinta de China ou índia mostrou a presença de criptococos. O teste de aglutinação do látex para antígenos criptocócicos foi positivo, com título de 1:8192. A cultura para fungos em placa de ágar sangue mostrou crescimento de pequenas colônias translucentes após 2 dias de incubação. Os organismos foram identificados como Cryptococcus neoformans pela espectrometria de massa. n engl j med 383;26 nejm.org December 24, 2020 2577 Case Records of the Massachusetts Gener al Hospital positive, with a titer of 1:8192. Culture of the CSF specimen on a blood agar plate showed growth of small, translucent, glistening mucoid colonies after 2 days of incubation (Fig. 2D). The isolate was identified as Cryptococcus neoformans by means of matrix-assisted laser desorption ionization–time-of-f light (MALDI-TOF) mass spectrometry. Cryptococcal infection usually occurs in the presence of severe immunosuppression charac- teristic of advanced HIV type 1 (HIV-1) infection (CD4+ T-cell count, <50) and is often associated with an elevated opening pressure on lumbar puncture.10 To assess the immunocompetence of this patient, HIV testing was performed. A com- bined antigen and HIV-1 and HIV-2 antibody screen was positive, and the diagnosis of HIV-1 infection was confirmed with the use of an HIV differentiation assay. The HIV-1 RNA viral load was 138,000 copies per milliliter. The CD4+ T-cell count was 16 per microliter, establishing the diagnosis of acquired immunodeficiency syn- drome (AIDS). HIV-positive immunocompromised patients are at an increased risk for opportunistic CNS infections, such as cryptococcal meningitis, cere- bral toxoplasmosis, and tuberculous meningi- tis.11 Antitoxoplasma IgG antibodies were de- tected in this patient, but in light of the radiologic findings, cerebral toxoplasmosis was considered to be unlikely. Mycobacterial cultures of blood and CSF specimens were negative, as Figure 2. Cerebrospinal Fluid Specimen. Gram’s staining of the cerebrospinal fluid (Panel A) shows small, round gram-positive organisms. At higher magni- fication (Panel B), these organisms are of various sizes, well circumscribed, surrounded by a salmon hue, and well separated, with occasional budding on a narrow base (arrow). Calcofluor white staining of a fungal wet preparation (Panel C) shows intense central staining with circumferential clearing (arrow) due to dye exclusion by the polysaccha- ride capsule. Culture on a blood agar plate (Panel D) shows small, glisteningcolonies with a mucoid appearance. A B DC F The New England Journal of Medicine Downloaded from nejm.org at AUCKLAND UNIVERSITY OF TECHNOLOGY on December 23, 2020. For personal use only. No other uses without permission. Copyright © 2020 Massachusetts Medical Society. All rights reserved. Coloração com Tinta da China/India mostrando a presença de criptococos e cultura mostrando Colônias translucentes de fungos. O diagnóstico de meningite criptocócica foi confirmado no cenário de infecção pelo vírus HIV. Como o paciente está com meningite criptocócica, essa é uma das condições definidoras de AIDS. O próximo passo agora é obter a carga viral e a contagem de linfócitos CD4. A infecção criptocócica geralmente ocorre na presença de imunossupressão grave, característica da infecção avançada pelo vírus HIV (CD4 < 100), sendo geralmente acompanhada de hipertensão intracraniana importante. A carga viral foi de 138.000 cópias/ml e a contagem de CD4 foi de 16/microlitros, estabelecendo o diagnóstico de síndrome da deficiência imunológica adquirida (AIDS). O paciente foi admitido na UTI para tratamento, cerca de 17 horas após a admissão no hospital. Pacientes imunocomprometidos infectados pelo vírus HIV possuem risco aumentado para infecções oportunistas do SNC, como meningite criptocócica, neurotoxoplasmose e meningite tuberculosa. A meningite criptocócica tipicamente causa pressões intracranianas muito elevadas, como ocorreu com Marcelo. Em um paciente com meningoencefalite, na ausência de hidrocefalia obstrutiva nos exames de neuroimagem, o mecanismo que é mais comumente associado com hipertensão intracraniana é a absorção diminuída de líquor pelas granulações aracnoides. Esse tipo de hipertensão intracraniana é tratada com retirada de líquor através de punções lombares repetidas. Essas punções podem ser intervenções salvadoras em pacientes com meningite criptocócica, já que a hipertensão intracraniana é um preditor bem estabelecido de mortalidade nesses pacientes. Em cada punção é importante medir a pressão de abertura e de fechamento (ou seja, antes e após a retirada do líquor), pois essa informação é importante para a tomada de decisão com relação à frequência das próximas punções. As diretrizes da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas recomenda que o líquor seja retirado até que a pressão caia abaixo de 20 cmH2O ou reduza pelo menos 50%. É importante repetir a TC de crânio periodicamente para se certificar de que hidrocefalia obstrutiva não se desenvolveu, assim como lesões em massa intracranianas, aumento o risco de herniação e morte pelas punções. Devido ao desconforto das punções lombares diárias ou quase diárias, alguns centros instalam um cateter de derivação lombar externa, com uma drenagem de aproximadamente 15-20 ml por hora, taxa de produção do líquor pelos plexos coroides. Esse procedimento, entretanto, está associado com maior risco de hipotensão intracraniana, hematoma subdural e infecção bacteriana do líquor. Devido às elevadas pressões intracranianas em pacientes com meningite criptocócica, essa meta nem sempre n engl j med 383;26 nejm.org December 24, 2020 2577 Case Records of the Massachusetts Gener al Hospital positive, with a titer of 1:8192. Culture of the CSF specimen on a blood agar plate showed growth of small, translucent, glistening mucoid colonies after 2 days of incubation (Fig. 2D). The isolate was identified as Cryptococcus neoformans by means of matrix-assisted laser desorption ionization–time-of-f light (MALDI-TOF) mass spectrometry. Cryptococcal infection usually occurs in the presence of severe immunosuppression charac- teristic of advanced HIV type 1 (HIV-1) infection (CD4+ T-cell count, <50) and is often associated with an elevated opening pressure on lumbar puncture.10 To assess the immunocompetence of this patient, HIV testing was performed. A com- bined antigen and HIV-1 and HIV-2 antibody screen was positive, and the diagnosis of HIV-1 infection was confirmed with the use of an HIV differentiation assay. The HIV-1 RNA viral load was 138,000 copies per milliliter. The CD4+ T-cell count was 16 per microliter, establishing the diagnosis of acquired immunodeficiency syn- drome (AIDS). HIV-positive immunocompromised patients are at an increased risk for opportunistic CNS infections, such as cryptococcal meningitis, cere- bral toxoplasmosis, and tuberculous meningi- tis.11 Antitoxoplasma IgG antibodies were de- tected in this patient, but in light of the radiologic findings, cerebral toxoplasmosis was considered to be unlikely. Mycobacterial cultures of blood and CSF specimens were negative, as Figure 2. Cerebrospinal Fluid Specimen. Gram’s staining of the cerebrospinal fluid (Panel A) shows small, round gram-positive organisms. At higher magni- fication (Panel B), these organisms are of various sizes, well circumscribed, surrounded by a salmon hue, and well separated, with occasional budding on a narrow base (arrow). Calcofluor white staining of a fungal wet preparation (Panel C) shows intense central staining with circumferential clearing (arrow) due to dye exclusion by the polysaccha- ride capsule. Culture on a blood agar plate (Panel D) shows small, glistening colonies with a mucoid appearance. A B DC F The New England Journal of Medicine Downloaded from nejm.org at AUCKLAND UNIVERSITY OF TECHNOLOGY on December 23, 2020. For personal use only. No other uses without permission. Copyright © 2020 Massachusetts Medical Society. All rights reserved. é obtida, tornando a cefaleia difícil de controlar, além de rebaixamentos intermitentes da consciência. Além da retirada periódica de líquor, deve-se administrar medicamentos para diminuir a pressão intracraniana. Edema cerebral pode se desenvolver em pacientes com meningite critptocócica, caso o polissacarídeo criptocócico bloqueie o fluxo de líquido intersticial para o espaço subaracnóide. Portanto, a administração de terapia hiperosmolar com manitol, pode reduzir o conteúdo intracerebral de água. A acetazolamida, um inibidor da anidrase carbônica, pode inibir a produção de líquor e pode ser administrada também. Entretanto, não há dados de estudos controlados que apoiem o uso desses medicamentos na meningite criptocócica, porém, os potenciais benefícios desses medicamentos superam os riscos potenciais. Os corticosteroides estão contraindicados para reduzir a pressão intracraniana em pacientes com meningite criptocócica, devido à sua atividade imunossupressora. Cerca de 30% dos pacientes HIV positivos com meningite criptocócica persistem com hipertensão intracraniana, apesar do tratamento com as medidas acima e do uso de anti-fúngicos. Nesses casos, frequentemente é necessária a colocação de uma derivação ventrículo-peritoneal. O tratamento da meningite criptocócica associada ao HIV tem quatro objetivos principais. O primeiro é a administração de terapia anti-fúngica com anfotericina B e fluocitosina (25 mg/kg a cada 6 horas – indisponível no Brasil) por duas semanas ou até que o líquor fique estéril, seguidos por terapia de consolidação e manutenção com fluconazol. A anfotericina B é administrada na dose de 0.7-1 mg/kg /dia por 2 semanas, seguida pelo fluconazol na dose de 400 mg ao dia por 8-10 semanas e depois manutenção com fluconazol 200 mg ao dia. O tratamento de manutenção pode ser interrompido se o CD4 ultrapassar 200 células/ mm3, por pelo menos 3 meses. Em 2018, no estudo Advancing Cryptococcal Meningitis Treatment for Africa, mais de 700 pacientes com infecção pelo HIV foram randomizados para receber uma ou duas semanas de anfotericina B em combinação com fluocitosina ou fluconazol, ou alternativamente, 2 semanas de combinação de fluconazol (1200 mg/d) + fluocitosina (25 mg/kg a cada 6 horas). Ambos os grupos tiveram resultados semelhantes, com menos efeitos colaterais no grupo sem anfotericina. Esse estudo pode mudar as diretrizes de tratamento da meningite criptocócica.Nos países onde a fluocitosina não é disponível (como o Brasil), o uso isolado de fluconazol em altas doses (1200 mg/dia) também pode ser utilizado com sucesso. O segundo passo já foi descrito, que é o controle da hipertensão intracraniana, geralmente desafiador. O terceiro passo é a investigação da possibilidade de outras infecções oportunistas e complicações da infecção avançada pelo HIV. O quarto passo é a decisão de quando iniciar o tratamento com terapia antirretroviral (TARV). Geralmente a TARV é iniciada no dia em que o diagnóstico é confirmado, devido aos benefício do tratamento para o paciente e para a saúde pública. Entretanto, em pacientes com meningite criptocócica, há uma rara exceção, pois esses pacientes têm mortalidade aumentada, devido ao desenvolvimento de síndrome inflamatória da reconstituição imune (SIRI/IRIS). Entretanto, não há um consenso do momento ideal para começar a TARV nesses pacientes, com recomendação de iniciar entre 2 e 10 semanas após o início da terapia anti-fúngica, um tempo muito amplo. Em centros com capacidade de monitorar os pacientes de perto e fornecer manejo avançado e imediato para a SIRI/IRIS, recomenda-se o início do tratamento antirretroviral o mais próximo possível de 2 semanas. Os principais fatores de mau prognóstico na meningite criptocócica são: - Rebaixamento do nível de consciência - Pressão de abertura do líquor > 25 cmH2O - Antígeno criptocócico em títulos > 1:1024 - Leucócitos < 20 células/ul no líquor - Cultura positiva para criptococos em sítios extraneurais A infecção por Covid-19 teve algum papel na meningite criptocócica desse paciente? Embora a dispneia que Marcelo referiu na apresentação poderia estar relacionada com Covid-19, ela melhorou rapidamente e a tomografia de tórax estava normal. Sintomas ansiosos relacionados ao diagnóstico de Covid-19, com frequência podem levar à dispneia, sem envolvimento pulmonar documentado. Outros sintomas de Marcelo, como cefaleia, náuseas, vômitos, fadiga e mialgia são todos sintomas clássicos de meningite criptocócica. A infecção pelo novo coronavírus está associada com linfopenia, já havendo relado de caso de uma infecção oportunista por Pneumocystis jiroveci em um paciente com linfopenia induzida por Covid-19 e nenhuma outra causa de imunossupressão. Eventualmente, a queda do CD4 de Marcelo poderia ter sido causada pela infecção por Covid-19 e acelerado a apresentação da meningite criptocócica, num paciente com HIV de base, entretanto, isso foi considerado improvável devido à sua relação CD4/CD8 francamente anormal. A relação normal é de aproximadamente 2, e evidências indicam que essa relação tende a permanecer normal em pacientes com linfopenia por Covid-19. Em pacientes com AIDS, a população de linfócitos T CD4 torna-se depletada e a população de linfócitos T CD8 geralmente aumenta, fazendo com que a relação CD4/CD8 caia, sendo que em Marcelo ela estava extremamente baixa (0.02), um achado compatível com infecção avançada pelo HIV. A conclusão, portanto, é de que o Covid-19 não foi um fator importante para os sintomas de Marcelo relacionados com a meningite criptocócica. Qual a relação entre a infecção pelo HIV e o sistema nervoso? Ao lado do sistema linfoide, o sistema nervoso é um importante alvo e santuário para o vírus HIV. O vírus é frequentemente detectado no líquor e no tecido nervoso de pacientes com HIV, desde o início da infecção e durante toda sua evolução. O gráfico abaixo mostra a percentagem de pacientes HIV positivos com alguma complicação neurológica ao longo da doença, no momento da morte e no exame anatomopatológico pós-morte. O sistema nervoso pode ser afetado diretamente pelo vírus e seus produtos, por meio indireto, através do ataque de infecções ou neoplasias oportunistas, ou pelos efeitos adversos dos medicamentos antirretrovirais. A tabela abaixo mostra as principais complicações neurológicas associadas ao vírus HIV, suas infecções ou neoplasias oportunistas e complicações do tratamento. Doenças Neurológicas Primárias (causadas pelo próprio HIV) - Transtorno neurocognitivo associado ao HIV - Meningite asséptica do HIV - Encefalopatia fulminante com hiperintensidade dos núcleos da base - Calcificações dos núcleos da base - Síndrome desmielinizante similar à esclerose múltipla - Aneurismas cerebrais gigantes e doenças cerebrovasculares - Envelhecimento precoce e parkinsonismo - Mielopatia vacuolar - Paralisia de Bell - Síndrome de Guillain-Barré - Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica - Neuropatia sensitiva distal simétrica - Síndrome similar à esclerose lateral amiotrófica - Miastenia gravis - Miopatia associada ao HIV Doenças Neurológicas Secundárias (causadas por infecções oportunistas ou neoplasias) - Fungos (meningite criptocócica) - Parasitas (toxoplasmose) - Vírus (leucoencefalopatia multifocal progressiva, vasculite pelo vírus varicela zoster, encefalite ou polirradiculite por citomegalovírus) - Bactérias (neurotuberculose, neurossífilis) - Tumores (linfoma primário do SNC) Doenças Neurológicas Terciárias (complicações do tratamento) - Síndrome inflamatória da reconstituição imune (SIRI) - Síndrome da fraqueza neuromuscular associada ao HIV - Neuropatias e miopatias induzidas pelos antirretrovirais - Interações dos anticonvulsivantes com os antirretrovirais Essas manifestações neurológicas ocorrem em diferentes estágios da doença, desde a soroconversão até a imunossupressão grave. Na soroconversão, as mais comuns são meningite asséptica e a síndrome de Guillain-Barré. Na fase assintomática da infecção, as mais comuns são a neurotuberculose e a neurossífilis. Na fase de imunossupressão grave, as mais comuns são o transtorno neurocognitivo associado ao HIV, meningite criptocócica, neurotoxoplasmose, leucoencefalopatia multifocal progressiva, linfoma primário do SNC, neuropatia sensitiva distal simétrica, além de mononeurite múltipla e polirradiculopatia associada ao citomegalovírus. Mesmo na era da TARV altamente ativa, ainda existem pacientes com complicações da fase avançada do HIV, predominantemente por três razões: (1) diagnóstico tardio da infecção pelo HIV; (2) não aderência ao tratamento profilático e com TARV e; (3) indisponibilidade local de opções preventivas e terapêuticas. O que é transtorno neurocognitivo associado com HIV ou HAND (HIV- associated neurocognitive disorder)? Anteriormente conhecido como complexo demência-AIDS e complexo cognitivo- motor associado ao HIV, é a causa mais comum de demência em jovens, e atualmente, a complicação neurológica mais comum do HIV. Tem início insidioso e curso crônico e progressivo. Como dificulta a aderência ao tratamento com TARV, acaba aumentando a morbimortalidade da doença. Apresenta-se dentro de um espectro, desde comprometimento neurocognitivo assintomático (paciente e família não tem queixas, mas os testes cognitivos são anormais), passando pelo transtorno neurocognitivo leve (paciente e família tem queixas e testes cognitivos são anormais, porém o paciente permanece independente para todas as atividades, embora possa haver diminuição da produtividade e da eficiência), até demência associada ao HIV (incapacidade de realizar atividades rotineiras em casa ou no trabalho, e o paciente não é mais independente). Com o surgimento da TARV altamente ativa, formas mais leves da doença têm sido vistas com mais frequência. O principal fator de risco para demência associada ao HIV é a contagem de CD4 < 100 células/mm3 e a carga viral alta, com o risco aumentando 39 vezes. O nadir de CD4 (menor contagem de CD4) sugere que a imunossupressão grave pode levar à dano cognitivo irreversível. Outros fatores de risco para HAND incluem sexo feminino, abuso de drogas e Comprometimento Neurocognitivo Assintomático Transtorno Neurocognitivo Leve Demência Associada ao HIV idade avançada.Também existem fatores agravantes ou que podem causar confusão diagnóstica, como depressão, doença cerebral de pequenos vasos (microangiopatia), co-infeção pela hepatite C e sífilis e deficiência de vitamina B12. O HIV penetra no SNC logo após a infecção se instalar, infectando principalmente os macrófagos, a micróglia e os astrócitos perivasculares, formando células gigantes multinucleadas, marca registrada da infecção pelo HIV no SNC. O sistema nervoso funciona como um santuário para o HIV se proteger das drogas antirretrovirais, principalmente nos astrócitos. Dali ele pode se transferir para os linfócitos e se replicar, mesmo com carga viral indetectável. Os sintomas do transtorno neurocognitivo associado ao HIV podem ser cognitivos, comportamentais e motores. Dos sintomas cognitivos, predominam a disfunção executiva, com menor comprometimento da memória, pelo menos inicialmente. Também há lentificação do pensamento e diminuição da capacidade de concentração. Os sintomas comportamentais incluem apatia, isolamento social, depressão, irritabilidade e, eventualmente, episódios de mania e psicose. Os sintomas motores incluem bradicinesia, marcha instável, problemas com a coordenação das mãos, fraqueza nas pernas e tremores. Existe uma escala simples de screening ambulatorial chamada “International HIV Dementia Scale”, com validação no Brasil, que consiste em apresentar 4 palavras ao paciente (cadeira, sapato, tijolo, biscoito) e após testar a velocidade dos movimentos e a velocidade psicomotora. Para isso é preciso solicitar ao paciente que movimente abrindo e fechando o polegar e o indicador da mão não-dominante, o mais rápido que puder e contar a quantidade de batidas (taps) em 5 segundos. Em seguida é preciso testar a velocidade psicomotora, solicitando que realize a seguinte sequência de movimentos com a mão não-dominante, também o mais rápido que puder. É preciso contar o número de sequências corretas realizadas em 10 segundos. 20/04/2018 18(43International HIV Dementia Scale (IHDS) - Mental Disorders Screening - National HIV Curriculum Página 1 de 3https://www.hiv.uw.edu/page/mental-health-screening/ihds International HIV Dementia Scale (IHDS) Mental Disorders Screening Mental Disorders Screening Anxiety: GAD-2 Anxiety: GAD-7 Depression: PHQ-2 Depression: PHQ-9 PTSD: PC-PTSD-5 Substance Use Screening Alcohol: AUDIT-C Alcohol: CAGE CAGE-AID Drug Abuse: DAST-10 Drug Abuse: TICS Opioid: Risk Tool Clinical Calculators APRI Calculator BMI Calculator CrCl Calculator CTP Calculator FIB-4 Calculator FEPO4 Calculator GFR Calculator Dementia: IHDS Here is a short summary about the tool explaining in brief its efficacy. This tool is not meant to be viewed by the patient during the test. The provider should use it as a guide and demonstrate all actions to the patient with their own hands. The timers will emit audio queues at the beginning and end of the time period. To perform this test follow the steps in order below: Share 0-4 points 0-4 points Memory-Registration 1. Give four words to recall (dog, hat, bean, red) – 1 second to say each. 2. Then ask the patient all four words after you have said them, 3. Repeat words if the patient does not recall them all immediately. 4. Tell the patient you will ask for recall of the words again a bit later. 1. Motor Speed Count the number of taps performed in 5 seconds: 2. Psychomotor Speed Have the patient perform the following sequence of movements with the non-dominant hand as quickly as possible: dog hat bean red Have the patient tap the first two fingers of the non-dominant hand as widely and as quickly as possible. 5 seconds Start Timer Record Number of Taps: 0 or more Scoring: ≥ 15 taps = 4 points 11-14 taps = 3 points 7-10 taps = 2 points 3-6 taps = 1 point 0-2 taps = 0 points 1. Clench hand in fist on flat surface. 2. Put hand flat on surface with palm down. 3. Put hand perpendicular to flat surface on the side of the 5th digit. Antiretroviral Medications Course Modules Question Bank Clinical Challenges Tools & Calculators Master Bibliography HIV Resources Sign In 20/04/2018 18(43International HIV Dementia Scale (IHDS) - Mental Disorders Screening - National HIV Curriculum Página 1 de 3https://www.hiv.uw.edu/page/mental-health-screening/ihds International HIV Dementia Scale (IHDS) Mental Disorders Screening Mental Disorders Screening Anxiety: GAD-2 Anxiety: GAD-7 Depression: PHQ-2 Depression: PHQ-9 PTSD: PC-PTSD-5 Substance Use Screening Alcohol: AUDIT-C Alcohol: CAGE CAGE-AID Drug Abuse: DAST-10 Drug Abuse: TICS Opioid: Risk Tool Clinical Calculators APRI Calculator BMI Calculator CrCl Calculator CTP Calculator FIB-4 Calculator FEPO4 Calculator GFR Calculator Dementia: IHDS Here is a short summary about the tool explaining in brief its efficacy. This tool is not meant to be viewed by the patient during the test. The provider should use it as a guide and demonstrate all actions to the patient with their own hands. The timers will emit audio queues at the beginning and end of the time period. To perform this test follow the steps in order below: Share 0-4 points 0-4 points Memory-Registration 1. Give four words to recall (dog, hat, bean, red) – 1 second to say each. 2. Then ask the patient all four words after you have said them, 3. Repeat words if the patient does not recall them all immediately. 4. Tell the patient you will ask for recall of the words again a bit later. 1. Motor Speed Count the number of taps performed in 5 seconds: 2. Psychomotor Speed Have the patient perform the following sequence of movements with the non-dominant hand as quickly as possible: dog hat bean red Have the patient tap the first two fingers of the non-dominant hand as widely and as quickly as possible. 5 seconds Start Timer Record Number of Taps: 0 or more Scoring: ≥ 15 taps = 4 points 11-14 taps = 3 points 7-10 taps = 2 points 3-6 taps = 1 point 0-2 taps = 0 points 1. Clench hand in fist on flat surface. 2. Put hand flat on surface with palm down. 3. Put hand perpendicular to flat surface on the side of the 5th digit. Antiretroviral Medications Course Modules Question Bank Clinical Challenges Tools & Calculators Master Bibliography HIV Resources Sign In 20/04/2018 18(43International HIV Dementia Scale (IHDS) - Mental Disorders Screening - National HIV Curriculum Página 1 de 3https://www.hiv.uw.edu/page/mental-health-screening/ihds International HIV Dementia Scale (IHDS) Mental Disorders Screening Mental Disorders Screening Anxiety: GAD-2 Anxiety: GAD-7 Depression: PHQ-2 Depression: PHQ-9 PTSD: PC-PTSD-5 Substance Use Screening Alcohol: AUDIT-C Alcohol: CAGE CAGE-AID Drug Abuse: DAST-10 Drug Abuse: TICS Opioid: Risk Tool Clinical Calculators APRI Calculator BMI Calculator CrCl Calculator CTP Calculator FIB-4 Calculator FEPO4 Calculator GFR Calculator Dementia: IHDS Here is a short summary about the tool explaining in brief its efficacy. This tool is not meant to be viewed by the patient during the test. The provider should use it as a guide and demonstrate all actions to the patient with their own hands. The timers will emit audio queues at the beginning and end of the time period. To perform this test follow the steps in order below: Share 0-4 points 0-4 points Memory-Registration 1. Give four words to recall (dog, hat, bean, red) – 1 second to say each. 2. Then ask the patient all four words after you have said them, 3. Repeat words if the patient does not recall them all immediately. 4. Tell the patient you will ask for recall of the words again a bit later. 1. Motor Speed Count the number of taps performed in 5 seconds: 2. Psychomotor Speed Have the patient perform the following sequence of movements with the non-dominant hand as quickly as possible: dog hat bean red Have the patient tap the first two fingers of the non-dominanthand as widely and as quickly as possible. 5 seconds Start Timer Record Number of Taps: 0 or more Scoring: ≥ 15 taps = 4 points 11-14 taps = 3 points 7-10 taps = 2 points 3-6 taps = 1 point 0-2 taps = 0 points 1. Clench hand in fist on flat surface. 2. Put hand flat on surface with palm down. 3. Put hand perpendicular to flat surface on the side of the 5th digit. Antiretroviral Medications Course Modules Question Bank Clinical Challenges Tools & Calculators Master Bibliography HIV Resources Sign In O próximo passo é verificar quantas das 4 palavras apresentadas no início do teste o paciente consegue se lembrar, e dar 1 ponto para cada palavra. Para as palavras não lembradas, pode-se usar uma pista semântica, como por exemplo (móvel = cadeira; proteção dos pés = sapato; material de construção = tijolo; alimento = biscoito). Cada palavra recordada corretamente com pista semântica ganha 0.5 ponto. Para o escore final é necessário a soma dos três itens (velocidade motora, velocidade psicomotora e memória) com pontuação máxima de 12 pontos. Um escore < 10 pontos é sugestivo de transtorno neurocognitivo associado ao HIV e necessita avaliação neuropsicológica mais detalhada. Para a demência associada ao HIV esse escore tem sensibilidade de 78.5% e especificidade de 80.8 %. Já para o comprometimento assintomático ou leve, a sensibilidade é mais baixa (45.7%), aumentando para 75.7% se o escore de corte for aumentado para 11, entretanto com perda da especificidade. Os pacientes com suspeita de comprometimento neurocognitivo associado ao HIV também devem ser investigados para outras causas de comprometimento cognitivo, com exames de TSH, vitamina B12 e sorologia para sífilis, já que o diagnóstico somente deve ser considerado após a exclusão de outras causas de comprometimento cognitivo. Os achados liquóricos do transtorno neurocognitivo associado ao HIV são inespecíficos, podendo ser normais ou mostrar leve pleocitose, com elevação discreta das proteínas e glicose normal. A carga viral no líquor não é confiável, mas pode sugerir escape viral para o SNC. A neuroimagem é inespecífica, porém é necessária para a exclusão de outras causas de demência, como hematoma subdural crônico, demência vascular e leucoencefalopatia multifocal progressiva. O achado clássico na RM é a presença de hiperintensidades subcorticais multifocais ou confluentes em T2 e FLAIR, que não captam contraste e não têm efeito massa. Uma característica dessas lesões é que aparecem hiperintensas no FLAIR e não aparecem em T1. O tratamento é com TARV, que diminuiu significativamente a gravidade do transtorno neurocognitivo associado ao HIV, mas a prevalência continua alta (cerca de 50% dos pacientes com HIV), principalmente às custas de comprometimento cognitivo leve ou assintomático, com apenas 5% dos pacientes tendo demência. O entendimento anterior era de que a TARV com melhor penetração no SNC deveria ser priorizada, porém estudos subsequentes não demonstraram efeito benéfico dessa abordagem, alguns deles mostrando CASE 7-1 A 40-year-old woman presented to clinic with cognitive concerns. She was diagnosed with human immunodeficiency virus (HIV) 10 years previously, had been on a stable antiretroviral therapy (ART) regimen for the past 8 years, and had an undetectable plasma HIV RNA and a CD4+ T-cell count greater than 500 cells/mm3 for the past 5 years. Her CD4+ T-cell nadir was 34 cells/mm3. She worked as an office manager but reported trouble maintaining attention during meetings and difficulty organizing and executing tasks with multiple steps. Her partner noticed that she seemed “slower” than usual, and she recently had difficulty following a familiar recipe while cooking. Her past medical history was also significant for type 2 diabetes mellitus and tobacco use. Neurologic examinationwas notable for slow finger tapping, saccadic interruptions of smooth pursuits, and a prominent snout reflex. Brain MRI revealed symmetric confluent subcortical leukoencephalopathy without enhancement and mild generalized cerebral atrophy (FIGURE 7-2). Vitamin B12 level and thyroid-stimulating hormone (TSH) were normal, and rapid plasmin reagin (RPR) was nonreactive. Lumbar puncture showed normal white blood cell count, protein, and glucose, and infectious workup was negative, including polymerase chain reaction (PCR) for JC virus. COMMENT This patient likely meets criteria for minor neurocognitive disorder, as she described mild to moderate cognitive symptoms that have negatively impacted her daily function. Formal neuropsychological testing could be obtained to further quantify and characterize her baseline cognitive deficits and could be repeated every 2 to 3 years tomonitor her impairment.Workup for alternative etiologies of cognitive impairment was completed, but she should also be screened for depression and, if present, started on treatment. She has several risk factors for HIV-associated neurocognitive disorder (HAND), including a low nadir CD4+ T-cell count, tobacco use, and diabetes mellitus. Smoking cessation and tight control of her diabetes mellitus should be pursued to limit further cognitive impairment stemming from these conditions. No adjunctive treatment is currently available for HAND, but the patient may benefit from cognitive rehabilitation. In addition, her caregivers should be made aware of her cognitive deficits so they can provide extra support with complex tasks and ART adherence. FIGURE 7-2 Imaging of the patient in CASE 7-1. Axial fluid-attenuated inversion recovery (FLAIR) MRI reveals symmetric confluent subcortical and periventricular white matter hyperintensities without mass effect. Mild cerebral atrophy is also present for the patient’s age. HUMAN IMMUNODEFICIENCY VIRUS 1400 OCTOBER 2018 Copyright © American Academy of Neurology. Unauthorized reproduction of this article is prohibited. pior resultado nos pacientes com TARV de maior penetração no SNC, sugerindo um efeito neurotóxico dessas drogas. Por outro lado, o uso de maraviroc, uma das drogas antivirais usadas para o tratamento do HIV, parece ter efeitos positivos, porém os estudos definitivos ainda estão em andamento. Além do uso precoce de TARV, recomenda-se a correção dos fatores de risco modificáveis de piora cognitiva, como tabagismo, abuso de substâncias, apneia do sono e outros fatores de risco cardiovasculares, para minimizar o efeito deletério sobre as funções cognitivas. Depressão também deve ser identificada, já que frequentemente coexiste e piora o transtorno cognitivo do HIV. A paroxetina mostrou resultados promissores na função cognitiva em um pequeno estudo randomizado de 2017, podendo ser a opção de escolha como tratamento antidepressivo. Como se manifesta a meningite asséptica do HIV? Pode ocorrer na soroconversão ou no estágio assintomático da infecção pelo HIV. Cursa com febre, cefaleia, náuseas, vômitos e rigidez de nuca. Esses sintomas podem estar acompanhados de sintomas da infecção aguda pelo HIV, como artralgia, mialgia, fadiga e linfadenopatia. O curso geralmente é auto-limitado, sem sequelas. Pode haver paralisia facial em alguns pacientes. O líquor mostra pleocitose linfomonocitária, com proteína e glicose normais. Como não há como diferenciar a meningite do HIV dos outros vírus causadores de meningite asséptica, a sorologia de HIV é mandatória em todos os pacientes. Como a meningite pode ocorrer antes da soroconversão, o anti-HIV pode ser negativo, porém a carga viral do HIV estará detectável. A neuroimagem e o EEG são inespecíficos. O tratamento é sintomático, enquanto o paciente é encaminhado para início da TARV. O que é encefalopatia fulminante com hiperintensidade dos núcleos da base e qual a diferença das calcificações dos núcleos da base? Uma síndrome de encefalopatia fulminante associada com convulsões e insuficiência renal tem sido descrita em pacientes com HIV e usuários de drogas endovenosas.Ocasionalmente, pode haver distúrbios do movimento. Ocorre em pacientes com profunda imunossupressão, provavelmente que tenham alguma infecção oportunista não reconhecida no cérebro. Na ressonância magnética pode-se observar hiperintensidade bilateral em T2/FLAIR nos gânglios da base. As calcificações dos núcleos da base podem ser vistas em crianças com infecções pelo HIV. Esses pacientes, quase invariavelmente, tem retardo do desenvolvimento neuropsicomotor. Como se apresenta a síndrome desmielinizante similar à esclerose múltipla na infecção pelo HIV? Em alguns pacientes com HIV há sintomas clínicos recorrentes ou progressivos que simular a esclerose múltipla. A ressonância magnética mostra lesões da substância branca que também simulam a esclerose múltipla. Patologicamente, as lesões se caracterizam por desmielinização, porém sem evidência da presença de vírus JC. Em alguns pacientes, isso pode acontecer apenas após o início da TARV, podendo representar uma forma de síndrome inflamatória da reconstituição imune. Que tipos de doenças cerebrovasculares foram descritas na infecção pelo HIV? Aneurismas cerebrais gigantes têm sido descritos em pacientes infectados pelo HIV, usando ou não TARV. A etiologia subjacente é desconhecida, mas acredita-se num efeito direto do HIV na parede vascular, ou efeitos da infecção oportunista pelo vírus varicela zoster (VZV). Estudos epidemiológicos sugerem um aumento da incidência de AVC isquêmico em pacientes com HIV. Além disso, os inibidores da protease estão associados com síndrome metabólica e aterosclerose acelerada. Portanto, cuidadoso seguimento e controle dos fatores de risco vasculares são fundamentais em todos os pacientes com infecção pelo HIV. Como ocorre o envelhecimento precoce na infecção pelo HIV? À medida em que a sobrevida dos pacientes com HIV aumentada, vem se observando que muitos aspectos do processo de envelhecimento são acelerados na doença. Cardiomiopatias, osteoporose, nefropatias, aterosclerose são algumas manifestações sistêmicas de envelhecimento, e demência e parkinsonismo são algumas das manifestações neurológicas. Esse processo pode ser, pelo menos em parte, devido à metilação aumentada do DNA. O que é mielopatia vacuolar? Geralmente se apresenta após o início da AIDS, ou seja, quando a contagem de células CD4 é menor que 200 células/mm3, ou pelo desenvolvimento de uma infecção oportunista, com fraqueza lentamente progressiva e espasticidade dos membros inferiores, além de perda sensitiva proprioceptiva. A ataxia sensitiva é geralmente significativa, e disfunção erétil, intestinal e urinária geralmente está presente. Os sintomas atingem os membros superiores numa fase tardia da doença. Nível sensitivo geralmente é ausente, mas hiperreflexia, respostas plantares extensoras (sinal de Babinski), ataxia e Romberg positivo são comuns. A punção lombar deve ser feita para afastar outras etiologias infecciosas e inflamatórias de mielopatia, já que mielopatia vacuolar é um diagnóstico de exclusão. Estudos liquóricos geralmente revelam pleocitose linfocítica, proteína elevada e ausência de agentes infecciosos detectáveis. A ressonância magnética pode demonstrar atrofia da medula ou aumento do sinal em T2, sem captação de contraste, envolvendo preferencialmente o cordão posterior. A medula torácica é a área mais comum de acometimento. O tratamento é sintomático, com fisioterapia, medicamentos para espasticidade, bexiga e intestino neurogênicos, além do inicio de TARV para melhorar o sistema imune do paciente. Infelizmente, o déficit é geralmente irreversível, mas o tratamento com TARV pode parar a progressão da doença. A paralisa de Bell pode ser manifestação da infecção pelo HIV? A infecção aguda pelo HIV pode causar paralisia de Bell uni ou bilateral. Portanto, em pacientes com fatores de risco para infecção pelo HIV, que se apresentam com paralisia de Bell, sorologia anti-HIV deve ser considerada. Como a paralisia pode ocorrer antes da soroconversão, a repetição da sorologia após alguns meses ou a dosagem da carga viral na fase aguda da doença estão recomendadas. Como se manifestam a polirradiculoneuropatia inflamatória desmielinizante aguda (síndrome de Guillain-Barré) e a polirradiculoneuropatia inflamatória desmielinizante crônica (PIDC) na infecção pelo HIV? Pacientes com infecção aguda ou avançada pelo HIV podem ter síndrome de Guillain-Barré, que é similar à doença que ocorre em pacientes sem HIV. O líquor pode mostrar a clássica dissociação albumino-citológica, mas também pode haver pleocitose leve a moderada, com elevação das proteínas. Assim como a paralisia de Bell, pode ocorrer antes da soroconversão, portanto a sorologia pode ser negativa no momento das manifestações clínicas. O tratamento é similar ao indicado para pacientes sem infecção por HIV (imunoglobulina humana ou plasmaferese). Entretanto, em pacientes com infecção avançada pelo HIV (CD4 < 100 células/mm3), como a manifestação clínica é muito similar à polirradiculite por citomegalovírus (CMV), tratamento empírico com ganciclovir ou foscarnet deve ser introduzido até que o resultado do PCR para CMV no líquor seja disponível. A PIDC pode ocorrer em qualquer momento no curso da infecção pelo HIV. As manifestações clínicas, assim como os exames complementares são idênticos aos dos pacientes sem HIV. Entretanto, os pacientes com PIDC infectados pelo HIV, com mais frequência são mulheres e mais jovens, geralmente têm um curso monofásico e respondem melhor aos corticosteroides que a população sem HIV. Como se apresenta a neuropatia distal simétrica na AIDS? A infecção pelo HIV pode levar a uma variedade de neuropatias, mas a neuropatia distal simétrica é a mais frequente, afetando 30 a 50% das pessoas infectadas pelo HIV. Geralmente está associada com imunossupressão grave, sendo causada diretamente pelo vírus HIV. Assim como no transtorno neurocognitivo associado ao HIV, a TARV não modificou muito a incidência de neuropatia distal simétrica, sendo uma das complicações neurológicas mais comuns do HIV. O risco aumenta em pacientes mais idosos e em tabagistas. Ela afeta predominantemente as fibras finas, manifestando-se como dor neuropática em queimação, parestesias e alodínia nos pés. Os sintomas podem evoluir ao longo de semanas a meses, até chegar abaixo dos joelhos. Raramente afetam os membros superiores. Os reflexos aquileus geralmente estão ausentes, porém com os patelares preservados. A ENMG pode ser normal, caso haja envolvimento exclusivo das fibras finas, ou pode mostrar comprometimento axonal. Nos casos em que há comprometimento das fibras finas, o diagnóstico pode ser confirmado pela biópsia de pele. Não pode ser diferenciada da neuropatia induzida por TARV, nem clinica, nem eletrofisiologicamente. Como muitos pacientes com HIV apresentam comorbidade com diabetes, etilismo crônico, infecção por hepatite C, deficiência de vitamina B12 e insuficiência renal crônica, é prudente completar a investigação etiológica, considerando outras causas. Nos pacientes que não usam TARV, o início do tratamento geralmente se associa com melhora, pelo menos parcialmente. A dor neuropática é incapacitante em alguns pacientes e difícil de tratar. A lamotrigina tem mostrado resultados moderados no controle da dor. Outros agentes podem ser tentados, como amitriptilina, pregabalina e capsaicina tópica. Outros agentes utilizados no tratamento da dor neuropática tem tido resultados modestos ou nulos em estudos randomizados. Os opióides devem ser evitados. Estratégias não farmacológicas, como acupuntura e exercícios aeróbicos, podem ajudar em alguns pacientes. O vírus HIV pode simular doença do neurônio motor? Raramente, uma doença do neurônio motor-símile que é indistinguível da esclerose lateral amiotrófica, pode ocorrer em pacientes com infecção pelo HIV. Se reconhecida precocemente e tratada agressivamente com TARV, os sintomasmotores podem ser revertidos. Essa síndrome ocorre em pessoas mais jovens do que usualmente é visto na ELA neurodegenerativa. Esse reconhecimento é de suma importância, considerando o caráter potencialmente reversível de uma doença invariavelmente fatal. Há alguma relação entre infecção pelo HIV e a miastenia gravis? A miastenia gravis tem sido mais descrita na população com HIV do que na população geral. Pode ocorrer antes ou após a introdução da TARV. Recomenda- se a continuação da TARV e o tratamento da miastenia, como em pacientes imunocompetentes. O que é miopatia associada ao vírus HIV? A miosite associada ao HIV pode ocorrer em qualquer momento durante o curso da doença e geralmente se apresenta com fraqueza proximal e simétrica lentamente progressiva, com ou sem mialgia. As causas são variadas e incluem toxicidade direta do HIV, uma resposta imune aberrante resultando em miopatia inflamatória semelhante à polimiosite ou à miosite por corpos de inclusão, vasculite e toxicidade por AZT (ver adiante). Os níveis de CK podem ter elevação leve a intensa (média de 500 U/L). A ENMG mostra miopatia ativa (presença de ondas agudas positivas e fibrilações). Biópsia muscular é necessária para melhor esclarecimento diagnóstico. Padrão de fraqueza proximal e infiltrado inflamatório na miosite do HIV Se houver inflamação na biópsia, o tratamento é com imunoterapia (corticosteroides, imunossupressores, imunoglobulina humana ou plasmaferese). Alguns pacientes desenvolvem uma miosite no contexto da síndrome inflamatória da reconstituição imune (SIRI/IRIS), que é indistinguível da miosite do HIV. A pista é que ela ocorre após início da TARV. O tratamento é com prednisona. Outra complicação muscular que pode ocorrer é a síndrome da caquexia associada com HIV (HIV wasting syndrome), que se caracteriza por febre, perda de peso (geralmente > 10% do peso corporal), fraqueza muscular difusa e diarreia. Entretanto, a CK é normal e não há evidência de miopatia na ENMG e na biópsia muscular, que mostra apenas atrofia muscular das fibras tipo2. O tratamento é com TARV. Síndrome da caquexia associada ao HIV. Quais as manifestações da neurotoxoplasmose na AIDS? A neurotoxoplasmose é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, sendo a causa mais comum de lesões em massa em pacientes infectados pelo HIV. Ocorre em pacientes severamente imunossuprimidos, com CD4 < 100 células/mm3, mas também pode ocorrer com contagens de CD4 entre 100 e 200 células/mm3. Sua incidência diminuiu bastante com a implementação da TARV e o uso rotineiro de profilaxia com trimetoprim/sulfametoxazol. Manifesta-se predominantemente nos núcleos da base e na transição entre a substância branca e a cinzenta. Frequentemente se apresenta com cefaleia, febre, convulsões e déficit neurológico focal. Devido à preferência pelos núcleos da base, distúrbios do movimento não são incomuns. Na TC de crânio aparecem como lesões > 3 cm, vistas como hipodensas e cercadas por edema perilesional com efeito massa, e que captam contraste de forma anelar, simétrica ou assimetricamente. A RM frequentemente aponta lesões adicionais não vistas na TC. TC de crânio mostrando lesão hipodensa em núcleos da base (globo pálido e putâmen) circundada por halo de edema, provcando compressão do sistema ventricular e desvio da linha média (A). Em (B), a mesma lesão capta contraste de forma anelar. RM de crânio do mesmo paciente mostrando mais lesões não detectadas na TC. Todo paciente com suspeita de neurotoxoplasmose deve ter a sorologia para toxoplasmose realizada, pois quando o IgG é negativo, a doença pode ser descartada, pois geralmente ocorre como reativação de doença prévia. Quando o IgG é positivo, entretanto, não se pode confirmar o diagnóstico, devendo haver outros métodos para confirmar a doença. O líquor geralmente é contraindicado, devido ao efeito massa e risco de herniação. Além disso, o líquor é inespecífico. O PCR para T. gondii no líquor tem baixa sensibilidade, mas é útil se for positivo. Na prática, a forma mais utilizada de confirmação diagnóstica é o tratamento empírico da doença por 10 a 14 dias e repetição da neuroimagem. Caso haja melhora clínica e radiológica, o diagnóstico é confirmado. Em caso negativo, a biópsia estereotáxica da lesão está indicada para melhor esclarecimento diagnóstico. O tratamento da neurotoxoplasmose é feito com o seguinte esquema: - pirimetamina 100-200 mg de ataque, seguido de 75 a 100 mg ao dia por 6 semanas - sulfadiazina 1.5-2 gramas a cada 6 horas por 6 semanas. Em pacientes alérgicos à sulfadiazina, a clindamicina 600 a 900 mg ao dia é recomendada. - ácido folínico 10 a 20 mg ao dia. Após 6 semanas de tratamento, pode-se diminuir as doses dos medicamentos para o tratamento de manutenção como visto no esquema abaixo: - pirimetamina 25-50 mg ao dia. - sulfadiazina 1 g a cada 6 horas. - ácido folínico 10 a 20 mg ao dia por tempo indeterminado, até que o CD$ seja mantido > 200 células/mm3 por pelo menos 4 meses. Como se caracteriza a vasculite pelo vírus varicela-zoster? Pode ocorrer em pacientes imunocompetentes, entretanto, no contexto da infecção pelo vírus HIV, a doença ocorre com CD4 < 200 células/mm3. Ela pode se apresentar de forma pleomórfica, com encefalopatia, déficit de nervos cranianos, convulsões, AVCi e mielopatia. Essas manifestações ocorrem tipicamente após semanas a poucos meses depois do rash cutâneo do herpes zoster. O líquor mostra pleocitose monocítica ou linfocítica, proteína levemente elevada e glicose normal ou discretamente reduzida. A dosagem de anticorpos IgM contra o vírus varicela-zoster no líquor é o exame mais sensível, superando inclusive o PCR para varicela-zoster no líquor. Nos casos duvidosos, biópsia meníngea ou cerebral pode ser considerada. O tratamento é feito com aciclovir 10 mg/kg a cada 8 horas por pele menos 14 dias. Como se manifesta a infecção oportunista por citomegalovírus na infeção pelo HIV? A infecção oportunista pelo CMV tipicamente ocorre com imunossupressão profunda (CD4 , 50 células/mm3) e pode se apresentar com ventriculoencefalite, retinite ou polirradiculite que pode ser muito semelhante à síndrome de Guillain-Barré. A polirradiculite se associa a dor lombar irradiada para as pernas, paraparesia flácida e arreflexa, bexiga neurogênica, além de hipoestesia perineal e de membros inferiores (síndrome da cauda equina). A ENMG mostra polirradiculopatia ativa, podendo com frequência estar associada à neuropatia sensitiva distal simétrica. Ocorre frequentemente na presença concomitante de infecção sistêmica pelo CMV. Estudos liquóricos mostram pleocitose neutrofílica ou mononuclear, proteína elevada e glicose diminuída, simulando meningite bacteriana. O diagnóstico é confirmado pelo PCR para CMV no líquor, sendo um método sensível e específico. O tratamento é com combinação com ganciclovir 5 mg/kg/EV a cada 12 horas ou foscarnet 60 mg/kg/EV a cada 8 horas, por pelo menos 2 a 3 semanas, seguido por valganciclovir 900 mg ao dia até que a contagem de CD4 seja > 100 células/mm3, por pelo menos 3 a 6 meses. O que é leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP)? São lesões desmielinizantes multifocais causadas pela reativação do vírus JC (primeiras letras do nome do primeiro paciente identificado com o vírus – Jamestown Canyon), um poliomavirus que infecta aproximadamente 80% da população adulta do mundo, geralmente sem nenhum consequência clínica. Geralmente ocorre em pacientes com CD4 < 100 células/mm3. Cursa com sintomas neurológicos focais lentamente progressivos, incluindo hemiparesia, afasia, ataxia, déficit visual a depender da localização das lesões, associados a demência. Anormalidades visuais ocorrem devido ao envolvimento das vias ópticas retroquiasmáticas, ao invés de neurite óptica, sendo os sintomas focais mais comuns (50% dos casos).Convulsões não são incomuns, ficando mais frequentes à medida em que a doença progride. A doença raramente se manifesta na medula espinhal e não há envolvimento de pares cranianos e nervos periféricos. A ressonância magnética mostra lesões hipointensas em T1 e hiperintensas em T2/FLAIR na substância branca subcortical, frequentemente envolvendo as fibras em U, sem captação de contraste em 90-95% dos casos e sem efeito massa. Lesões supratentoriais são mais comuns, mas os núcleos da base, o tronco cerebral e o cerebelo podem ser envolvidos. O diagnóstico é confirmado pelo PCR para o vírus JC no líquor. Esse exame é altamente especifico, entretanto a sensibilidade não é muito alta. A rotina do líquor é geralmente normal, porém pode haver leve pleocitose e aumento discreto de proteínas. O diagnóstico de LEMP pode ser difícil, pois a doença nem sempre é progressiva, os sintomas nem sempre são multifocais na apresentação e as lesões nem sempre são restritas à substância branca. Além disso, a aparência na neuroimagem nem sempre é clássica e o PCR para JCV no líquor nem sempre é sensível. Por isso, não é infrequente o atraso diagnóstico, que acaba impactando no prognóstico. Portanto, um elevado grau de suspeita é necessário em pessoas com déficit focal e infecção avançada pelo HIV. Nesses casos, uma biópsia cerebral pode ser necessária. O tratamento é com TARV. Se a reconstituição imune ocorrer a tempo, a sobrevida é comum, porém sem reversão do déficit neurológico instalado. Relatos anedóticos de melhora com mirtazapina 30 mg/d já foram descritos, entretanto, não há estudos randomizados com essa droga. Existe um ligação entre neurotuberculose e infecção pelo HIV? A infecção pelo HIV é um fator de risco para tuberculose pulmonar e também para a tuberculose do sistema nervoso central. Um terço da mortes por AIDS no mundo estão relacionadas com a tuberculose. Quando não diagnosticada e tratada, a neurotuberculose é uma doença universalmente fatal. O HIV acelera a disseminação da tuberculose latente para ativa em 100 vezes. Por outro lado, a tuberculose também acelera o curso da infecção por HIV. Felizmente, o surgimento da TARV tem reduzido os índices de tuberculose na infecção pelo HIV no Brasil em 80%. Geralmente se manifesta como meningoencefalite, mas também pode causar abscessos e vasculite com infartos. A manifestação mais comum da tuberculose do SNC é a meningite tuberculosa. Uma das hipóteses é que ela se dissemina de um foco caseoso (foco de Rich) cortical para o espaço subaracnóide. Uma hipótese mais recente concordou com essa teoria, mas também sugeriu que a disseminação hematogênica inicial poderia resultar em focos corticais e meníngeos que produzem meningite tuberculosa imediata ou tardia. A meningite tuberculosa pode ter evolução aguda, similar à meningite bacteriana, ou mais frequentemente, ter evolução subaguda. Os sintomas mais comuns incluem febre, vômitos e apatia. Devido ao acometimento frequente das meninges da base do crânio e da cisterna ambiens, o envolvimento dos nervos cranianos é frequente, com o II, VI e VII pares sendo os mais acometidos. Na neuroimagem, uma tríade comum de achados inclui captação das meninges basais, hidrocefalia e infartos cerebrais supratentoriais e do tronco encefálico. A hidrocefalia é uma complicação comum da meningite tuberculosa. Captação meníngea na base do crânio em paciente com meningite tuberculose. Hiponatremia está presente em até 45% dos pacientes com meningite tuberculosa e a causa mais frequente é a síndrome cerebral perdedora de sal. O líquor apresenta pleocitose leve a moderada (a exemplo das meningites virais e fúngicas), glicose baixa e proteína elevada, algumas vezes de forma maciça. Quando a proteína liquórica é maior que 500 mg/dl, pode ocorrer obstrução do fluxo liquórico, levando à hidrocefalia. A adenosina deaminase (ADA) é uma enzima do metabolismo das purinas, associada com proliferação e diferenciação dos linfócitos. Ela é produzida pelo córtex cerebral e pelos tecidos linfoides, com níveis elevados refletindo dano inespecífico ao SNC, além de maior permeabilidade da barreira hemato-encefálica. Portanto, ao contrário do senso comum, o aumento da ADA não é patognomônico da meningite tuberculosa, podendo ser aumentada em vários tipos de meningoencefalite. Devido à pobreza de micobactérias no líquor, o diagnóstico da meningite tuberculosa é difícil. A pesquisa direita de BAAR no líquor tem baixa sensibilidade e a cultura leva várias semanas para positivar. A PCR para Mycobacterium tuberculosis é rápida, mas tem sensibilidade variável. Quando positiva confirma o diagnóstico, mas quando negativa não descarta o diagnóstico. Cerca de 10% dos pacientes com meningite tuberculosa também têm tuberculomas, com 1/3 desses pacientes tendo múltiplos tuberculomas. Eles podem se desenvolver em qualquer lugar do SNC. A apresentação clínica depende da localização dos tuberculomas, mas geralmente cursa com cefaleia, convulsões, déficit neurológico focal e papiledema. Na neuroimagem, os tuberculomas são lesões ocupando espaço, com material caseoso e liquefeito no centro, geralmente acompanhados de edema perilesional e captação de contraste em anel. As características da neuroimagem mudam de acordo com a idade das lesões, com nenhuma imagem sendo patognomônica. Nesses pacientes, o líquor é inespecífico ou normal. Os abscessos tuberculosos ocorrem em menos de 10% dos pacientes com tuberculose do SNC e provavelmente representam um estágio mais tardio dos tuberculomas. Geralmente causam febre, cefaleia e déficit neurológico focal. A diferenciação entre tuberculoma e abscesso tuberculoso pode ser difícil na neuroimagem, mas a parede do abscesso é mais espessa, pode ser multiloculado e tipicamente tem captação pronunciada de contraste. Tuberculoma cerebral Abscessos tuberculosos A biópsia pode ser um teste fundamental para o diagnóstico das lesões em massa da tuberculose (tuberculoma e abscesso). O tratamento empírico deve ser iniciado tão logo o diagnóstico seja suspeitado e é feito com rifampicina 15 mg/kg mg ao dia, isoniazida 10 mg/kg/dia, pirazinamida 30 mg/kg/dia e etambutol 15-25 mg ao dia, por 2 meses, seguidos por 10 meses de rifampicina e isoniazida. Todos os pacientes recebendo isoniazida devem tomar piridoxina (vitamina B6) na dose de 50 a 100 mg ao dia, pelo risco de depleção dessa vitamina pela isoniazida. Na meningite tuberculosa também se recomeda o uso de dexametasona, na dose de 12 a 16 mg ao dia, por 4 semanas, com redução gradual da dose por mais 3 semanas. Os corticosteroides estão associados com redução da mortalidade e diminuição da incidência de complicações como hidrocefalia e infartos cerebrais por vasculite secundária. A celularidade e proteína liquóricas podem levar meses para voltar ao normal após o início do tratamento, não devendo ser usadas como controle de cura. Além das dificuldades diagnósticas, o tratamento da tuberculose têm sido complicado pela emergência de resistência às drogas utilizadas. Tuberculose multi-resistente é definida como resistente à rifampicina e à isoniazida. Geralmente ela se desenvolve nos pacientes que não completam o tratamento, não são aderentes ou recebem tratamento inadequado. Nesses casos, está indicado o uso de um antibiótico da família das quinolonas e pelo menos uma droga injetável, como por exemplo, a amicacina. O início precoce de TARV reduz o risco de morte nos pacientes com CD4 < 50 células/mm3, porém deve ser retardado por 2 a 12 semanas após o início da terapia antituberculosa nos pacientes com CD4 > 50 células/mm3 devido ao risco de síndrome inflamatória da reconstituição imune. Expansão paradoxal é definida como o aumento em tamanho de um tuberculoma existente ou o surgimento de um novo tuberculoma, apesar do tratamento com drogas antituberculosas. Geralmente ocorre dentro de 3 meses do início do tratamento
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