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AULA 1 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Prof. Carlos Magno Andrioli Bittencourt 2 TEMA 1 – ORIGEM DA GOVERNANÇA CORPORATIVA Com o desenvolvimento e transformação das grandes empresas em corporações com atuação global, percebe-se a necessidade de estabelecimento de um conjunto de regras que proporcione um padrão de transparência na tomada de decisões em prol do seu investidor, detentor de seu capital ou seu acionista. Nesse ambiente, as companhias foram objeto de sensíveis modificações, uma vez que o ritmo acelerado de crescimento de suas atividades promoveu uma readequação de sua estrutura de controle, fruto da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. De acordo com o IBGC ([201-]), “A origem dos debates sobre Governança Corporativa remete a conflitos inerentes à propriedade dispersa e à divergência entre os interesses dos sócios, executivos e o melhor interesse da empresa”. Percebe-se o interesse dos vários atores “com os objetivos e metas da companhia, a fim de possibilitar flexibilidade e maior mobilidade dos gestores em busca de resultados aos acionistas”. A estrutura empresarial ficou mais leve e menos centralizada. Conforme Borges e Serrão (2005, p. 114): O tema surgiu na economia em função dos chamados problemas de agência, que corresponderiam aos conflitos de interesse entre aqueles que têm a propriedade (acionistas) e aqueles que têm o controle na organização. Esse conflito é muito frequente em países como EUA e Inglaterra, onde o capital das empresas é mais pulverizado. O problema de agência aparece quando o bem-estar de uma parte depende das decisões tomadas por outra parte. Embora o agente deva agir em benefício do outro, muitas vezes ocorrem situações em que os interesses são conflitantes, dando margem a um comportamento oportunista, pois, a maioria dos administradores concorda com o objetivo de maximização de riqueza do proprietário, porém, na prática, está preocupada com sua riqueza pessoal, segurança no emprego, estilo de vida e outras vantagens. Devido a tais características, o tema vem sendo amplamente discutido e valorizado, em virtude da necessidade de um mecanismo que proteja os acionistas da gestão indevida praticada por executivos com a mencionada divergência de interesses. Por isso, o IBGC ([201-]) afirma que a governança corporativa, “[...] atualmente, vem se tornando uma preocupação importante em diversos países desenvolvidos e emergentes, por ser um conjunto de mecanismos internos e externos que tem por objetivo harmonizar a relação entre gestores e acionistas”. 3 Portanto, a governança corporativa é uma ferramenta que contribui para abalar a assimetria das informações geradas na estrutura empresarial. A assimetria defendida por Eisenhardt (1989, citado por Machado; Fernandes; Bianchi, 2016) esclarece que os problemas contratuais entre principal e agente podem ser causados, dentre outros fatores, pela assimetria informacional existente entre eles. A Governança Corporativa, com seu conjunto de melhores práticas, contribui para redução dessa assimetria, na medida em que tem por finalidade aumentar a transparência e a confiabilidade das ações organizacionais, protegendo investidores, empregados e credores. Para eles, a relação entre agente e principal deve refletir uma organização eficiente, isto é, em equilíbrio quanto a informações e riscos. Diante do exposto, faz-se necessário compreender os aspectos constituintes do processo de governança corporativa desde a evolução da estrutura de propriedade, os aspectos sobre conflito de agência e suas teorias, para então se conceituar e destacar o cenário de governança corporativa no Brasil. 1.1 A evolução da estrutura de propriedade De acordo com o IBGC ([201-]), O modelo de propriedade dispersa expandiu-se inicialmente nos Estados Unidos, devido a aspectos econômicos, culturais e políticos que datam dos anos 1920. Naquele período, o país viveu um momento de prosperidade econômica, consolidando-se como potência mundial. Seu poder de influência, na época, foi evidenciado pelos efeitos da Crise de 1929, episódio da queda da Bolsa de Nova Iorque, que rapidamente atingiu praticamente todos os países em nível global, ocasionando graves consequências políticas e sociais. Na cultura empresarial predominante até aquele momento, os proprietários – um ou alguns indivíduos ou famílias – tinham o poder sobre as decisões administrativas de suas empresas, frequentemente ocupando os mais importantes cargos da gestão. Décadas mais tarde, já no contexto pós- 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial), a força e o dinamismo da economia dos Estados Unidos apontava rumo à complexidade das organizações empresariais, notadamente para as companhias listadas em Bolsa de Valores, ou seja, de capital aberto. A partir de então, a estrutura de propriedade dispersa, com ações negociadas no mercado de capitais, tornava-se característica cada vez mais comum entre suas empresas. Esse tipo de controle passou a caracterizar empresas também em outros países. Ainda para o IBGC ([201-]), no momento em que passou a existir um conjunto disperso de proprietários ou acionistas, esta interferência direta na empresa tornou- se impraticável, sendo frequentemente privilégio de controladores majoritários que, a exemplo do que ocorria nas empresas familiares, 4 muitas vezes ocupavam a função de presidente do conselho de administração (Chairman) e a de principal executivo (ou CEO - Chief Executive Officer), ou optavam pela contratação de gestores profissionais para essa função. Segundo Saito e Silveira (2008, p. 80), a própria utilização do termo “estrutura de propriedade” em vez do termo tradicional “estrutura de capital” pode ser considerada uma inovação do trabalho de Jensen e Meckling (1976). De acordo com os autores, a expressão “estrutura de propriedade” é mais adequada haja vista que não se trata apenas a relação entre as quantidades de dívidas (empréstimos, bônus, etc.) e ações, mas sim a relação entre a quantidade de recursos alocados por acionistas internos (gestores da companhia) e externos (investidores sem atuação na gestão). Com base na estrutura de propriedade e suas transformações, outro aspecto relevante de influência na gestão e determinante na definição de governança corporativa é o chamado conflito de agência. 1.2 Conflito de agência A vertente mais aceita indica que a governança corporativa surgiu para superar o conflito de agência clássico. O conceito se desenvolveu na década de 1980 e originou-se nos denominados problemas de agência: um ou mais indivíduos, chamados principais, contratam outros indivíduos ou grupo de indivíduos, denominados agentes, para realização de um serviço. Conforme Garcia (2005, p. 3) “Esse conflito de interesses pode assumir características distintas em função da estrutura de propriedade das empresas”. Com base nesses conflitos, a governança corporativa busca equacionar os interesses em benefício da empresa. Para o IBGC ([201-]), “Nesta situação, o proprietário (acionista) delega a um agente especializado (administrador) o poder de decisão sobre a empresa (nos termos da lei), situação em que podem surgir divergências no entendimento de cada um dos grupos daquilo que consideram ser o melhor para a empresa”. Por isso, o tema governança corporativa tem sido um dos mais discutidos em nível de organizações empresariais privadas, autarquias e estatais, organizações não governamentais (ONGs) e, também de forma genérica, pela sociedade. Alguns pesquisadores alegam que a governança corporativa é o tema do século, juntamente com a sustentabilidade, já que ambas estão relacionadas intrinsecamente com a gestão empresarial. 5 Diante de decisões inadequadas na condução dos negócios, muitas vezes os executivos se deparam com uma falta de sintonia entre os proprietários da organização e os objetivos aserem almejados e aplicam as práticas de governança corporativa para contemporizar lacunas de gestão. Para Tricker (2000 citado por Álvares; Giacometti; Gusso, 2008), Adam Smith, o pai da economia moderna, já havia afirmado, em sua célebre obra A riqueza das nações, que não se pode esperar que os gestores de empresas cuidem do dinheiro de outras pessoas da mesma forma como fariam com o seu. Em 1932, três anos após o colapso da Bolsa de Valores de Nova Iorque ocasionado pela Crise de 1929, o economista norte-americano Gardiner Coit Means e o advogado Adolph Augustus Berle, ambos professores universitários, escreveram o trabalho seminal sobre governança corporativa The modern corporation and private property. O estudo tratava da existência da separação de poder entre a gestão executiva das empresas e seus acionistas e os problemas decorrentes. Para Álvares, Giacometti e Gusso (2008, p. 13), “[...] conflitos de agência podem ser estendidos a quaisquer relações entre partes que detêm recursos de forma desigual”. Saito e Silveira (2008, p. 1) constatam que Berle e Means (1932) foram os primeiros a discutir os benefícios e custos potenciais da separação entre propriedade e controle já vigente em algumas grandes corporações. Entre os custos potenciais, os autores observaram que a pulverização da propriedade fortaleceria o poder dos gestores, aumentando as chances de os mesmos agirem em seu próprio interesse, e não no interesse dos acionistas. Marquez e Martins (2015, p. 11) afirmam que Custo de agência é denominado um tipo especial de gasto que decorre de conflitos de agência existentes numa organização. Conflitos esses que surgem quando um ou mais indivíduos contratam outra pessoa ou organização, denominados agentes (ou administradores), para a realização de algum serviço, delegando-lhe a tomada de decisões, que podem conflitar com os interesses dos acionistas, fazendo com que surja, então, o típico conflito de agência que, por sua vez, gerará o custo de agência. Segundo Gotaç, Montezano e Lameira (2015), Jensen et Meckling (1976) assumem que há uma relação contratual entre acionista e gestor, na qual há delegação de poderes dada pelo acionista (principal) ao gestor (agente). O objetivo é que o agente atenda ao interesse do principal. Entretanto, o interesse próprio do gestor pode acarretar decisões que não visam à maximização da riqueza dos acionistas. Os custos diretos e indiretos dessa transferência de gestão são conhecidos como custos de agência. 6 Conforme Gotaç, Montezano e Lameira (2015, p. 409), “A governança corporativa deve buscar minimizar os custos de agência, moderando a separação dos interesses entre investidores e administradores ou entre acionistas controladores e minoritários”. Saito e Silveira (2008, p. 80) afirmam que Segundo Jensen e Meckling (1976, p. 308), os custos de agência são a soma dos: custos de elaboração e estruturação de contratos entre o principal e o agente; despesas de monitoramento das atividades dos agentes pelo principal; gastos realizados pelo próprio agente para mostrar ao principal que seus atos não serão prejudiciais a ele; perdas residuais, provenientes da diminuição da riqueza do principal por eventuais divergências entre as decisões do agente e as decisões que iriam maximizar a riqueza do principal. IBGC ([201-]) pondera que: ao longo do século 20, a economia dos diferentes países tornou-se cada vez mais marcada pela integração aos dinamismos do comércio internacional, assim como pela expansão das transações financeiras em escala global. Neste contexto, as companhias tiveram que readequar sua estrutura de controle, decorrente da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. Segundo o IBGC ([S.d.]c), Transparência – Consiste no desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que condizem à preservação e à otimização do valor da organização. Equidade – Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas. Prestação de Contas (accountability) – Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papéis. Responsabilidade Corporativa – Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazos. Desse modo, busca-se a resolução dos conflitos de agência para se garantir rentabilidade aos acionistas e perenidade à companhia, os quais se 7 caracterizam em distintas teorias, como a teoria da agência, que vai fundamentar esse aspecto. TEMA 2 – A TEORIA DA AGÊNCIA OU TEORIA DO AGENTE PRINCIPAL Para Saito e Silveira (2008), “Jensen e Meckling publicaram em 1976 estudos focados em empresas norte-americanas e britânicas, mencionando o que convencionaram chamar de problema de agente-principal, que deu origem à Teoria da Firma ou Teoria do Agente-Principal”. Tosini e Bastos (2008, p. 77) explicam a teoria do conflito de agência: Os problemas de agência surgem quando um ou mais indivíduos, denominados “principais”, contratam outros indivíduos ou grupo de indivíduos, denominados “agentes”, para realização de um serviço que prescinde da outorga pelos “principais” aos “agentes” de autoridade para tomada de decisão, em seu nome e interesse. Burmester (2017, p. 1) afirma que, De acordo com a teoria desenvolvida, os executivos e conselheiros contratados pelos acionistas tenderiam a agir de forma a maximizar seus próprios benefícios (maiores salários, maior estabilidade no emprego, mais poder etc.), agindo em interesse próprio e não segundo os interesses da empresa, de todos os acionistas e demais partes interessadas (stakeholders). Para minimizar o problema, os autores sugeriram que as empresas e seus acionistas deveriam adotar uma série de medidas para alinhar interesses dos envolvidos, objetivando, acima de tudo, o sucesso da empresa. Para tanto, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento, controle e ampla divulgação de informações. Por isso, a este conjunto de práticas convencionou-se denominar de Governança Corporativa. De acordo com Santos, Kelm, Abreu (2001), Uma estrutura descentralizada, se de um lado traz consigo maior agilidade e capacidade de inovação, por outro exige a criação de instrumentos de gestão que assegurem a consecução dos objetivos gerais dessas corporações. Adicionalmente, essa estrutura organizacional faz emergir um conflito potencial entre direção e dirigidos, em função de uma difícil conciliação quanto aos objetivos pessoais e organizacionais, com reflexos na motivação e empenho dos atores organizacionais. (Santos; Kelm; Abreu, 2001, p. 1) Esse conflito potencial é discutido por Jensen & Meckling (1976) na Teoria da Agência e tem motivado várias pesquisas no intuito de minimizar seus efeitos para as organizações. As pesquisas têm-se voltado, principalmente, para a estruturação de instrumentos que leve a uma coalizão de objetivos entre a direção e os dirigidos. (Santos; Kelm; Abreu, 2001, p. 59) Nesse conceito de firma, pautado por um processo de delegação de autoridade e atribuições, surgem dois personagensque assumem papéis bem definidos nas relações contratuais. O primeiro, identificado como principal, é o empreendedor original, aquele que detém a posse 8 da organização ou delega alguma atribuição a outrem. O segundo personagem, identificado como agente, é aquele que irá executar ou administrar o empreendimento sob delegação do proprietário ou do superior hierárquico (principal). (Santos; Kelm; Abreu, 2001, p. 2) Para Machado, Fernandes, Bianchi (2016, p. 41), “Em síntese cabe o juízo de Jensen e Meckling (1976) de que os problemas de agência são oriundos dos conflitos de interesses, que são existentes em todas as atividades de cooperação entre indivíduos. Este assunto constitui-se em uma das questões cruciais da governança corporativa”. Considerando as complexas relações estabelecidas, foram definidos conceitos convergentes de governança, no contexto das corporações. TEMA 3 – CONCEITOS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, [S.d.]c), fundado em 1995, inicialmente com o nome de Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração, vai além e afirma que: Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum. Na definição de Monteiro (2003, p. 2), trata-se do “conjunto de práticas adotadas na gestão de uma empresa que afetam as relações entre acionistas (majoritários e minoritários), diretoria e conselho de administração”. Oioli, Visentini e Góes (2017, p. 2) ratificam que governança corporativa pode ser definida como um conjunto de práticas e mecanismos que visam aperfeiçoar o desempenho das companhias, garantir confiança e tutelar os interesses, muitas vezes diversos e conflitantes, das partes interessadas e envolvidas em suas atividades, como sócios, administradores, investidores, credores e empregados. Conforme Gotaç, Montezano e Lameira (2015, p. 409-410), A separação entre a propriedade e o controle das sociedades anônimas, analisada por Berle et Means (1932), representou os fundamentos para o fenômeno organizacional que atualmente é conhecido por governança corporativa. Tal distribuição de poder pode gerar o desalinhamento de interesses entre executivos e acionistas na busca dos objetivos principais da organização. Tendo em vista que o objetivo principal das 9 empresas de capital aberto é a maximização do valor para os acionistas e manutenção de sua estrutura em contínuo desenvolvimento, a governança corporativa busca o equilíbrio entre esses interesses. Para Silva e Zotes (2002, p. 22), a governança corporativa também prevê “[...] estabelecer uma remuneração justa ao capital empregado; através de contratos entre os acionistas, administradores, conselhos, credores, mercado de capitais”. E, de acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2002, p. 2), deve “proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”. Portanto, governança corporativa remete ao governo da organização, um sistema pelo qual os acionistas de uma empresa tomam conta de sua empresa almejando a sintonia do poder entre as partes com direitos de propriedade e controle e os responsáveis pela gestão, que são todas as partes que têm interesse e exercem interesse sobre a organização. Ela visa à maior convergência de interesses entre executivos e acionistas e a menores custos de agência esperados, custos de agência como sendo os custos que os acionistas incorreriam a fim de alinhar os interesses dos gestores aos seus. Toda essa preocupação é compreensível sempre no sentido de preservar a reputação, a longevidade e a sustentabilidade da organização. Assim, para gerar o incremento proposto pela governança corporativa, foram definidos princípios norteadores de melhores práticas de gestão. TEMA 4 – PRINCÍPIOS NORTEADORES DE UMA GOVERNANÇA CORPORATIVA Diante do cenário que se descortinou com relação à gestão responsável, por parte dos agentes das corporações, a governança corporativa se sustenta, como já comentado, em quatro princípios fundamentais para adoção de medidas de alinhamento de interesses, que são: a transparência (disclosure), a integridade ou equidade (fairness ou equity), a prestação de contas (accountability) e o respeito às leis (compliance). Transparência (disclosure): a transparência (disclosure) relaciona-se à prestação de informações aos acionistas, aos investidores e ao mercado em geral, evidenciando a verdadeira situação da gestão e apontando os rumos que ela deve tomar. Segundo Andrade e Rosseti (2004, p. 145), “o princípio da transparência envolve a divulgação das informações 10 transmitidas aos principais interessados na organização, especialmente aqueles de alta relevância, que causam impacto nos negócios e que envolve risco ao empreendimento”. E Silva (2012) complementa que deve fazer parte da cultura organizacional de uma empresa a disponibilização de suas informações, de forma espontânea. Lodi (2000, p. 19) afirma que, Quando se eleva a transparência (“disclosure”) à condição de princípio de governança, se está exigindo que a organização (grande, média ou pequena) assuma o seu papel social, cumpra seus compromissos e demonstre, sem qualquer subterfúgio, sua real situação patrimonial, econômica, financeira, social e ambiental. A pressão por responsabilidade social tem se materializado também por intermédio de mecanismos de mercado. O despertar da cidadania e da consciência ecológica estimula movimentos de repúdio a determinados bens ofertados e/ou serviços prestados por organizações que sonegam ou fraudam informações. Cresce, a cada dia, a demanda social, sobre os legisladores, por maior vigilância e por cobrança de comportamento ético nas relações entre as empresas e a sociedade. Para se adaptar a um ambiente cada vez mais competitivo, Chagas ([20--]) afirma que as empresas deverão se preocupar, também, com a qualidade de suas relações com seus financiadores, empregados, fornecedores, clientes, comunidade e meio ambiente. Equidade (fairness): segundo o IBGC (2015), esse princípio é caracterizado pelo tratamento justo e igualitário de todas as partes envolvidas (sócios e stakeholders), considerando seus direitos, deveres, demandas, expectativas e interesses. De acordo com Andrade e Rossetti (2004, p. 27), “[...] é o respeito dos direitos minoritários, por participação equânime com a dos majoritários, tanto no aumento da riqueza corporativa, quando nos resultados das operações, quanto ainda na presença ativa em assembleis gerais”. Chagas ([20--], p. 8) afirma que “o tratamento correto (fairness) a ser dispensado aos acionistas minoritários é outro princípio de governança corporativa que pode ser estendido às pequenas e médias empresas nas relações mantidas com os proprietários do capital, façam ou não parte direta da gestão”. Portanto, é um princípio que busca garantir isonomia na gestão independente da hierarquia e dos interesses. Prestação de contas (accountability): segundo Fiorini, Alonso Junior e Alonso (2016, p. 6), “Os agentes devem prestar contas de sua atuação a 11 quem os elegeu e respondem integralmente por todos os atos que praticarem. A prestação de contas deve ser clara, concisa e compreensível”. Ainda de acordo com Fiorini, Alonso Junior e Alonso (2016), o princípio do accountability deve apresentara obrigatoriedade de um sistema de informações precisas, relevantes e oportunas que possibilitem a prestação de contas. Adizes (2003) enfatiza que o conceito de accountability vai além da responsabilidade e da obrigatoriedade. Para ter o grau de responsabilidade exigido na governança corporativa, o gestor deve possuir as condições necessárias para apresentar aquilo pelo qual é responsável – ou seja, ter autoridade, poder e/ou influência suficientes para tanto. Respeito às leis (compliance): para Schramm (2018, p. 14), o conceito de compliance remete à “ideia de conformidade, com a legislação ou com qualquer outra forma de regramento existente no âmbito das organizações, públicas ou privadas”. Portanto, para a efetiva prática dos princípios norteadores da governança corporativa, as organizações devem adotar uma série de medidas na sua gestão, incluindo adoção de modelos e outros cases empresariais. TEMA 5 – GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL O histórico da governança corporativa no Brasil é marcado por fatos que se destacaram no contexto empresarial nacional. Borges e Serrão (2005, p. 111) relatam as alterações sofridas nesse cenário: Nas décadas de 1950 e 1960, predominava a presença forte do acionista controlador familiar, que acumulava o papel de majoritário e de gestor da empresa. Nos anos 1970, apareceram os primeiros conselhos de administração, com sinais de autonomia e de divisão do poder entre os acionistas e os profissionais da gestão, como no caso do Mappin, Docas de Santos, Monteiro Aranha e Villares. Em 1976, surge a Lei das Sociedades Anônimas que prevê a prática de divisão de poderes entre o conselho de administração e a diretoria, bem como oferece cinco linhas básicas de orientação: proteção do acionista minoritário; responsabilização do acionista controlador; ampla diversificação dos instrumentos de fiscalização postos à disposição dos acionistas; diferenciação entre companhia aberta e fechada; e definição dos interesses fundamentais que a sociedade anônima representa. A década de 1980 assistiu ao nascimento e crescimento dos fundos de pensão, fundos de investimento, ao fortalecimento da Bovespa e da Bolsa do Rio, da CVM e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo Vilela (2016, p. 24), “[...] foi criada, em 07/12/1976 pela Lei n. 6.385/1976, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com o objetivo de fiscalizar, 12 normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil”. A CVM é considerada como a “‘xerife’ do mercado de capitais” (Nogueira, 2013 citado por Vilela, 2016, p. 26). Borges e Serrão (2005, p. 124) ainda destacam que a Lei n. 4.728/1965 (Brasil, 1965), sobre o mercado de capitais, contribuiu para a governança corporativa: Até então, o mercado acionário era bastante desregulado. A partir da percepção governamental de que o mercado de valores mobiliários era importante para o desenvolvimento do país criou-se uma legislação própria (com destaque para a Lei 6.385/76, que disciplinou o mercado de capitais e criou a CVM, e a Lei 6.404/76, que modernizou sobre as sociedades por ações) e desenharam-se incentivos para a promoção desse mercado. Considerava-se a hipótese básica de que faltavam compradores, ou seja, tratava-se de um problema de demanda. O modelo implantado foi largamente baseado em incentivos fiscais para a aquisição de emissões (Fundos 157, por exemplo) e houve a criação de um mercado comprador compulsório, resultante da obrigação dos fundos de pensão de comprar ações. Segundo o IBGC ([S.d.]), sobre os protagonistas e responsáveis pelo seu surgimento: O principal organismo relacionado à governança corporativa foi idealizado pelo administrador de empresas Bengt Hallqvist e pelo professor e consultor João Bosco Lodi, o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA) foi fundado em 27 de novembro de 1995 por um grupo de 36 pioneiros, entre empresários, conselheiros, executivos e estudiosos. A ideia era fortalecer a atuação dos conselhos de administração - órgão de orientação, supervisão e controle nas empresas. Com o passar do tempo, entretanto, as preocupações se ampliaram para questões de propriedade, diretoria, conselho fiscal e auditoria independente, entre outros. O que, em 1999, resultou na mudança do nome do IBCA para Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Hoje, o Instituto é reconhecido no País como a principal referência na difusão das melhores práticas de Governança Corporativa. Diante desse breve histórico, percebe-se que, nas duas últimas décadas, as empresas brasileiras se preocuparam com sua imagem e reputação e incluíram em seus planos a governança corporativa. Segundo Guerra ([S.d.) a fundação do IBGC teve a ideia de “influenciar os protagonistas da nossa sociedade na adoção de práticas transparentes, responsáveis e equânimes” na administração das organizações. Conforme o IBGC (2006, p. 32-33): O ambiente dominante poderia ser descrito como de favorecimento e protecionismo das empresas nacionais, com a complementação entre empresas privadas (fortemente protegidas por incentivos fiscais e barreiras à concorrência estrangeira) e empresas do governo, que operavam áreas estrategicamente vitais, como petróleo, ferrovias, 13 comunicações, energia elétrica etc. Se a concorrência do exterior era mantida à distância pelas barreiras protecionistas, a concorrência interna era neutralizada por meio da cartelização e oligopolização de vários setores. No campo da governança corporativa, o que predominava, no setor privado, era a empresa familiar, de controle fortemente centralizado, muitas vezes com uma só pessoa, que era detentora de poderes quase absolutos. Os poucos “minoritários” existentes eram totalmente passivos e destituídos de meios de fazer valer os seus direitos — que eles próprios não raros ignoravam. Em defesa desse estado de concentração de poderes decisórios, os empresários mostravam pouco interesse pela abertura de seu capital no mercado de ações, preferindo a via do endividamento, especialmente com custos subsidiados, para seus planos de expansão. As empresas então cresciam com base na própria capacidade de reinvestimento de lucros ou com base em financiamentos de longo prazo, alternativas que deixavam inalterada a estrutura de controle e de gestão. Considerando o cenário brasileiro, recentemente os estudos e o aprimoramento das empresas em relação à governança corporativa intensificaram-se com as denúncias e investigações sobre corrupção empresarial, as quais desencadearam a Operação Lava-Jato, grande investigação que culminou com o combate à lavagem de dinheiro no país e responsável pela revelação de fraudes e desvios de recursos em grandes empresas, com a participação de empresas estatais. No jargão do mercado financeiro há uma máxima de que quando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é forte, o mercado de capital é fraco. Mesmo com um esforço e adotando padrões de governança internacional e com a fiscalização de órgãos reguladores, houve acontecimentos lastimáveis que afetaram a reputação de grandes empresas brasileiras e prejudicaram também acionistas e investidores. Com isso, as regras de governança corporativas foram colocadas em xeque. O questionamento sobre sua eficácia não é só de mérito e valor, mas também sobre seu real cumprimento e possível falha na fiscalização dos agentes que atuam nessa esfera. Entre as empresas que falharam nas melhores práticas de governança corporativa, citam-se Petrobras, Braskem, JBS e Grupo EBX. Apesar dos percalços, o mercado já avançou muito no tema governança corporativa nos últimos tempos, alertado por operações recentes como as das empresas antes listadas, e muito há de se avançar, cabendo aos órgãos reguladores, aos executivos e membros dos conselhos de administração das empresas cumprir e fazer cumprirrigidamente as normas existentes, para efetivação de boas práticas de governança corporativa. 14 REFERÊNCIAS ADIZES, I. Dividir para governar. HSM Management, Barueri, n. 38, p. 34-38, mai./jun. 2003. ÁLVARES, E.; GIACOMETTI, C.; GUSSO, E. Governança corporativa: um modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2004. BORGES, L. F. X.; SERRÃO, C. F. de B. Aspectos de governança corporativa moderna no Brasil. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 12, n. 24, p. 111-148, dez. 2005. BRASIL. Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1975. 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