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AULA 10

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METODOLOGIA E PRÁTICA DA 
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
ALFABETIZANDO COM TODOS OS SENTIDOS
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Olá!
Ao final desta aula, você será capaz de:
•compreender como o gosto e as habilidades necessárias à atividade de leitura podem ser desenvolvidas na
escola, com a medição dos professores;
•conhecer algumas representações da literatura brasileira sobre a formação de leitores;
•compreender os objetivos da interpretação de texto;
• ler e interpretar parte do capítulo Mudança do romance Vidas Secas de Graciliano Ramos.
Quando questionado sobre o desenvolvimento de seu gosto pela leitura, provavelmente, o que lhe vem a mente
são lembranças de sua vivência como leitor. Recordações dos momentos de leitura na infância, leitura na escola,
até que se depare com a leitura em nossa vida atual. Vamos aprofundar este assunto refletindo algumas
questões.
O que é ler?
Como é a prática da leitura em sua vida? Você tem o hábito de ler?
Você gosta de ler?
Seus professores contribuíram para a formação do seu gosto pela leitura?
Nesta aula, dentre outras coisas, você será convidado a pensar sobre o significado da leitura, assim como a
rememorar pessoas e episódios importantes em sua vida no que se refere a sua formação como leitor.
Ler é uma atividade cognitiva complexa, pessoal e intransferível que acontece na interação com os mais diversos
textos que conhecemos. Há variadas intenções na leitura e elas exigem estratégias adequadas para a melhor
compreensão do texto. Ler poeticamente é diferente de ler para se informar. Ler é, antes de tudo, compreender,
como diz Ezequiel Silva.
Veja as definições de leitura dadas por Barbosa e Pennac.
Nas palavras de Barbosa (1994), “a leitura é mais que um exercício dos globos oculares, pois se apóia, por um
lado, no que o leitor recebe do seu sistema de visão e, por outro, nas informações que o leitor tem disponíveis na
sua cabeça, na sua estrutura cognitiva”. (p. 116)
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É um ato voluntário que não admite imperativos, como destaca Pennac (1995), pois a leitura é um encontro de
subjetividades, no qual o leitor traz seus presumidos em relação ao texto e dialoga com o autor na construção de
sentidos para cada palavra e frase. Portanto, para um mesmo texto pode haver várias interpretações. Elas
dependem do contexto de leitura, da subjetividade do leitor e da intenção que ele apresenta ao ler um texto.
PENNAC, D. . Rio de Janeiro: Rocco, 1995.Como um romance
Como a atividade de leitura acontece principalmente no ambiente escolar, sabemos que os professores exercem
uma forte influência na formação desta habilidade e desse gosto.
Professores são mediadores por excelência da formação do gosto pela leitura nas séries iniciais do ensino
fundamental.
Entretanto, essa mediação nem sempre acontece da forma mais produtiva possível, segundo Cagliari, “pois
encontramos frequentemente entre as crianças na classe de alfabetização, uma prática de decifrar os sons das
letras, de pronunciá-los em forma de palavras, conferindo maior atenção aos aspectos fonéticos que semânticos
do texto”. CAGLIARI, L. C. . São Paulo: Scipione, 2009.Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu
A prática de decifrar os sons das letras é um tipo de leitura que não promove a interação criativa com o texto, e
tampouco, desenvolve a formação desse gostar de ler, pois as crianças pouco percebem sentido na atividade de
leitura.
De acordo com Cagliari (2009), para um “leitor ler um texto e compreender o que está escrito, não basta decifrar
os sons da escrita nem é suficiente descobrir os significados individuais das palavras” (p. 307), de forma
descontextualizada e mecânica.
CAGLIARI, L. C. . São Paulo: Scipione, 2009.Alfabetizando com o bá-bé-bi-bó-bu
1 Interpretação de Texto
A leitura é um ato de dialogismo e interpretação. Envolve aspectos semânticos e fonéticos, segundo CAGLIARI,
possibilita “ao leitor apropriar-se das ideias que descobriu, ao decifrar o texto, e acrescentar suas próprias ideias
às do autor”.
“Dialogismo é um permanente diálogo entre os diferentes discursos de uma comunidade, cultura e sociedade,
pois instaura a natureza interdiscursiva da linguagem que tem no enunciado a sua unidade de análise. O
significado de cada enunciado depende do contexto sócio-histórico em que os falantes estiverem inseridos”
LEMOS, T. V. . In: FREITAS, M. T. DE A. E COSTA, S. R.A mediação do outro na formação do gosto pela leitura
(orgs.) Leitura e Escrita na formação de professores. Juiz de Fora, UFJF, 2002. p.143.
Muitos alunos não gostam de fazer exercícios de interpretação de textos.
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Aliás, algumas dificuldades acadêmicas em diferentes disciplinas residem nas falhas da interpretação dos
enunciados, postulados, fórmulas, exercícios e avaliações.
As falhas na interpretação dos textos podem ter como explicação:
• 1
dificuldades no processo de decifração do texto;
• 2
dificuldades no processo de compreensão do texto.
Na educação brasileira essa prática ganhou destaque a partir da década de 60, quando a escola passou a solicitar
que os alunos respondessem a questionários que reproduziam os conteúdos transmitidos pelo professor e pelos
livros didáticos.
Os professores utilizavam a interpretação de texto simplesmente para verificar se os alunos compreendiam o
que liam.
Podemos fazer a interpretação do texto realizando uma análise científica dele para aprender conteúdos de
diferentes áreas de conhecimento, sobretudo, a análise de sua natureza linguística. Atualmente, podemos
trabalhar diversos conteúdos na interpretação do texto, como: análise literal das palavras, frases ou assuntos
tratados no texto; estudos etimológicos; comentários pessoais; elementos filosóficos, psicológicos e ideológicos;
análise do discurso de base ideológica, argumentativa e estrutural etc.
CAGLIARI, L. C. . São Paulo: Scipione, 2009.Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu
Também existem críticas à utilização da interpretação de texto como estratégia de verificação da aprendizagem.
Nesta concepção, tal atividade impossibilita a criatividade e reflexão do aluno, o diálogo com o autor, a
ressignificação dos seus presumidos e de sua subjetividade. O mesmo autor afirma que o uso desta estratégia
impossibilita, sobretudo, “a imaginação dedutiva que o leva a propor para si coisas novas, a partir de coisas
velhas que aprendeu”.
“Fazer a interpretação de texto pode ser uma catástrofe para a vida escolar do aluno se ele chegar a conclusão de
que só pode aprender algo respondendo à perguntas ou, pior ainda, se passar de ano pensando que aprendeu, ao
ver que respondeu corretamente, às perguntas que lhe foram feitas, de acordo com o livro ou com a matéria que
o professor passou na lousa”.
CAGLIARI, L. C. . São Paulo: Scipione, 2009.p. 328Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu
As dificuldades no processo de decifração do texto acontecem quando os alunos imitam a fala do adulto,
inventam uma leitura de palavras que não conseguem realizar ao ter contato com o texto.
•
•
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Já as dificuldades no processo de compreensão do texto acontecem quando os alunos têm dificuldade com a
interpretação dos aspectos semânticos do texto. São capazes de ler, mas não compreendem o texto.
Há elementos que facilitam a leitura e interpretação do texto em seus diferentes gêneros. Veja alguns exemplos.
C o n h e c e r
informações sobre
o autor, suas obras
e suas ideias.
Conhecer o universo literário do autor ajuda a criar expectativas sobre o que
poderá ser encontrado no texto.
Conhecero
gênero textual
lido.
Quanto mais o leitor sabe sobre as características do gênero, mais fácil se torna a
compreensão do texto.
Resgatar seus
conhecimentos em
relação ao tema
abordado no texto
Quando lemos e buscamos compreender as informações contidas no texto,
fazemos um resumo unindo nossos conhecimentos antigos e os novos que foram
inseridos a partir da leitura.
Tratar aleitura
como um ato e
não vinculá-la
s e m p r e à
avaliação.
A leitura pode ser trabalhada na escola como prática deinformação, interpretação
e entretenimento.
Nem sempre deve estar atrelada à avaliação.
A leitura pode ter um objetivo em si mesma.
Possibilitar a
emergência de um
diálogo com o autor.
De um mesmo texto, muitas interpretações podem surgir, sobretudo, se tratamos
de um texto literário.
O leitor pode concordar ou não com o autor, interagindo com o texto como num
diálogo.
Reconhecer a
existência de
diferentes formas
de leitura na
contemporaneidade.
Há uma dezena de gêneros literários, formas e objetivos com a leitura.
Leitura incidental, abreviada, hipertextual, clássica, jornalística entre outras.
Deve haver espaço para todas na escola.
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Leitura pode ser
lúdica, com
significado para
aprendizagem. 
Por que a escola ainda torna a leitura de textos literários obrigatória? A leitura
pode ser uma atividade apenas lúdica.
Um elemento é a preocupação com o planejamento de atividades que contribuam
para a compreensão dos textos.
LEMOS, T. V. . In:A mediação do outro na formação do gosto pela leitura
FREITAS, M. T. DE A. E COSTA, S. R. (orgs) Leitura e Escrita na formação de
professores. Juiz de Fora, UFJF, 2002, p. 143.
2 A leitura como arma e leitura como sonho
Houve uma apropriação das categorias arma e sonho utilizadas por Kramer (1998) para caracterizar as práticas
de leitura e escrita na escola e na formação de professores. Esta autora parece ter chegado a essas
categorizações, a partir da análise de entrevistas de professoras.
Kramer (1998) categoriza a leitura e a escrita como uma arma na “luta inglória pela sobrevivência e (será) como
caminho para ascensão numa sociedade tão desigual, competitiva e autoritária como a nossa” (1998, p. 120).
Acentua que “além da dureza metálica da arma, existe a suave maciez poética do sonho” (p. 122). Nessa
linguagem figurada e cheia de sentidos, é possível compreender a importância das práticas de leitura como arma
e sonho, como possibilidade de informação e formação do sujeito. Como uma formação que não objetiva apenas
elementos conceituais, técnicos e instrumentais que preparam para o mundo do trabalho, mas uma leitura que
possibilite o sonho e a criação de novas condições de vida e novos conhecimentos sobre a vida (VLIESE, 2000).
KRAMER, S. : Arma e sonho na escola. São Paulo: Ática, 1998.Por entre as pedras
VLIESE, T. C. A infância pelas mãos do escritor: um ensaio sobre a constituição da subjetividade na
. Dissertação de Mestrado em Educação, defendida em 2000. Juiz de Fora.Psicologia Sócio-Histórica
Não são apenas as nossas memórias que se formam relevantes para compreender como o professor pode ser um
mediador eficiente no desenvolvimento do prazer de ler dos seus alunos.
Graciliano Ramos, no livro Infância, escreveu suas memorias de menino que aos 9 anos de idade ainda não sabia
ler e a partir da interação com os professores, familiares e amigos foi desenvolvendo gosto pela leitura. Leu
todos os livros de sua cidade. Tornou-se um dos maiores escritores da língua portuguesa.
Graciliano Ramos foi um escritor alagoano que se destacou na abordagem dos aspectos psicológicos de seus
personagens. Escreveu romances, memórias e contos que foram traduzidos em diversas línguas e conferiram ao
autor o título de um dos maiores escritores da língua portuguesa.
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O livro Infância de Graciliano Ramos (1980), narra infância de menino que viveu no interior de Alagoas, em meio
à seca e ao contato com os vaqueiros, os artigos de comércio de seu pai e os livros que foram tão importantes na
constituição da sua subjetividade.
Em 1942, Graciliano planejou a reconstrução de sua infância e escreveu 7 capítulos. Em 1943, escreveu mais 7
capítulos e em 1944, os 10 capítulos finais.
Os capítulos foram escritos sob a forma de contos e publicados separadamente no Diário de Notícias.
No livro Infância (1980) os capítulos: Leitura, Os astrônomos e Escola mostram o contexto sociocultural de
formação do menino e as experiências de leitura que viveu na escola, em casa e na cidade.
A literatura é uma importante fonte de informação e reflexão sobre práticas sociais realizadas com a infância,
pois apresenta nas alegorias literárias as representações e costumes de uma época.
A relação entre e literatura e as representações e costumes de uma época através de alegorias foi interpretada
por LEMOS (2001) que estudou a qualidade do contato do menino “Graciliano” – narrador do livro Infância - com
os livros categorizando-a em leitura como armas terríveis e como a provisão dos sonhos. Essa análise pode nos
trazer importantes reflexões sobre as práticas de leitura e interpretação de texto na escola.
Para outras informações leia o texto disponível na biblioteca virtual: O narrador e os livros. Ele faz parte de um
capítulo da dissertação de mestrado: A infância pelas mãos do escritor - Um ensaio sobre a constituição da
subjetividade na psicologia sócio-histórica. Defendida no Mestrado em Educação da UFJF em 2000.
O sentido de armas terríveis no contexto da obra Infância de Graciliano está relacionado a forma como o menino
aprendeu a ler a partir da soletração, sendo ameaçado de castigo caso errasse a decifração das palavras e lendo
livros cujos significados nem sempre eram compreensíveis, percebemos que a função social que a leitura teve na
infância do menino foi uma atividade utilitarista, ensinada como uma arma terrível na luta pela árida
sobrevivência no interior do nordeste. Uma leitura como instrumento de luta pela ascensão social, pois os
homens leitores eram reconhecidos como os sabedores, como os padrões a serem seguidos pelas crianças da vila
alagoana.
Kramer (1998) apontou que a prática de leitura como arma desconsidera o contexto sócio-cultural do leitor e
suas situações reais de vida. A leitura como arma é uma prática social que reduz e simplifica as complexas
potencialidades da leitura de textos, na medida em que apresenta como principal objetivo a instrumentalização
das classes populares na luta contra o processo de exploração e dominação econômica a que são submetidos
cotidianamente.
KRAMER, S. : Arma e sonho na escola. São Paulo: Ática, 1998.Por entre as pedras
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O sentido de provisão de sonhos no contexto da obra de Infância de Graciliano Ramos está relacionada ao
contato com a família e com o professor de teatro trouxeram nova representação para a leitura na vida do
menino.
Em vários episódios narrados no livro, depois que o menino aprendeu a ler e dar significado às palavras que
constituíam o livro, a leitura era compreendida como sendo mais que uma relação objetiva de decodificação dos
signos linguísticos presentes nos textos.
A leitura era um sonho. Uma relação íntima e singular com o texto, uma experiência que fornece novos
elementos de significação para o processo de constituição de nossa subjetividade. A leitura como a provisão de
sonhos é aquela que oferece a ludicidade, a apreciação da linguagem, dos enunciados e dos textos que eram lidos
e ganhavam sentidos singulares na vida do menino.
A leitura era um exercício de libertação do sofrimento, de potencialização e ressignificação de sua subjetividade.
Agora, vamos conhecer algumas formas de interpretação?
A obra de Graciliano Ramos, publicada em 1980 é um clássico da literatura brasileira, hoje disponível nos mais
diversos formatos. Conheça alguns.
Conheça a BNCC e veja como esse marco normativa orienta o trabalho nos componentes curriculares das
Linguagens http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
Assista o vídeo Vidas Secas – Graciliano Ramos, disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=1rvx62MtcKM&feature=related
https://www.youtube.com/watch?v=1rvx62MtcKM&feature=related
https://www.youtube.com/watch?v=1rvx62MtcKM&feature=related
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Assim chegamos ao final de nossa disciplina...
Esperamos que as reflexões aqui suscitadas possam colaborar para a elaboração de práticas mais lúdicas e
libertadoras de leitura e escrita nas escolas brasileiras, pois todas asatividades com a linguagem são formadoras
de nossa consciência.
A linguagem tem o poder de formar e informar os alunos. As práticas de leitura têm um papel político que pode
ser evidenciado na vida das pessoas que leem e escrevem de forma letrada e eficiente.
CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• conheceu importantes elementos humanos e didáticos que facilitam o processo de formação do leitor e 
do gosto pela leitura na escola;
• refletiu sobre as críticas feitas às propostas de interpretação de texto que apenas aferem a capacidade 
do leitor localizar as respostas no texto;
• experimentou algumas possibilidades de interpretação do romance Vidas Secas de Graciliano Ramos.
Saiba mais
Leia o texto complementar O narrador e os livros. Nele, VLIESE (2000) analisa a relação dos
livros e das práticas de leitura e escrita na constituição da subjetividade do menino Graciliano
que é apresentada no livro infância (1980). O texto descreve como um menino que era
analfabeto até os nove anos de idade se transforma num dos maiores escritores da língua
portuguesa.
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	Olá!
	
	1 Interpretação de Texto
	1
	2
	2 A leitura como arma e leitura como sonho
	CONCLUSÃO

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