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“E você samba de que lado De que lado você samba Você samba de que lado De que lado você samba De que lado, de que lado De que lado você vai sambar?” Samba do Lado - Chico Science © Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda 2018. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem os meios empregados A grafia do texto foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009. DIREÇÃO EDITORIAL Kathia Castilho REVISÃO Ana Carolina Carvalho CAPA E PROJETO GRÁFICO Marcelo Max PRODUÇÃO DO EBOOK Schaffer Editorial Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD M672c Miranda, Ana Paula Consumo de ativismo [recurso eletrônico] / Ana Paula Miranda, Izabela Domingues. – Barueri, SP : Estação das Letras e Cores, 2020. 128 p. ; ePUB. ISBN: 978-65-86088-11-3 (Ebook) 1. Consumo. 2. Ativismo. 3. Moda. 4. Cultura. I. Domingues, Izabela. II. Título. 2020-237 CDD 658.8342 CDU 366.1 Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático: http://www.studioschaffer.com/ 1. Comportamento do consumidor 658.8342 2. Comportamento do consumidor 366.1 Palavras chave: Consumo, Ativismo, Moda, Cultura. Estação das Letras e Cores Editora Av. Real, 55 – Aldeia da Serra – Barueri 06429-200 – São Paulo – Tel: 55 11 4326 8200 www.estacaoletras.com.br www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/ http://www.estacaoletras.com.br/ http://www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/ Dedicamos este livro a todxs que consomem ativismo. E a todxs a quem amamos...ativamente. SUMÁRIO Apresentação São os consumidores ativistas? Sistema-mundo capitalista e confrontos Cultura de consumo e consumo simbólico O sistema que transforma contestação em status quo Consumo e ativismo: lovers e haters O que e consumo de ativismo? Ativismo como objeto de moda Moeda social, mídias sociais e netativismo Consumidor ativista x consumidor de ativismo Referências SÃO OS CONSUMIDORES ATIVISTAS? Qual causa o freguês vai levar hoje? Comece o dia saboreando um caffè latte de feminismo acompanhado de biscoitinhos LGBTQ. Antes do almoço, não deixe de checar a nova coleção de bolsas veganas. Para um dia longo, nada melhor que um almoço reforçado com muita proteína de causas de igualdade racial. No fim da tarde, antes de treinar na academia, o mais recomendável é ingerir Whey Empoderamento Transgênero. Tome três doses acompanhadas da barra de cereal da desconstrução do masculino. Um jantar leve é o mais indicado, brindado com uma taça de vinho contra a exploração de mão de obra. Para a balada do fim de semana, a rave do compartilhamento no novo espaço coworking da cidade é o point. Vista a camiseta de moda consciente e leve um quilo de alimento não perecível para garantir entrada livre na pista vip. Embalamos rapidinho a sua causa e entregamos em domicílio sem cobrança de frete. Essas cenas parecem exagero ou ficção, mas, ainda que limitadas, já acontecem hoje. As gôndolas do varejo oferecem causas e ativismo enlatado para os diferentes tipos de consumidores. Muitos profissionais do mercado, publicitários e gestores de marketing, marca ou produto, diante desse cenário, reclamam que é muito mimimi e que o mundo está ficando cada vez mais chato. Vários consumidores alertam que é golpe dos esquerdazi e proclamam boicote contra as causas, assinando #salveoconsumo nas mídias digitais. Já as pesquisadoras Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda optaram por mergulhar fundo no mundo do consumo contemporâneo e entender as questões que batem à porta dos consumidores e das marcas: existe ativismo no consumo ou é tudo marketing? Até que ponto expressar causas ativistas no mix de produtos compromete a imagem da marca? Quais são os riscos do envolvimento das marcas com a política que pode provocar a perda de legião de lovers? O quanto as marcas são verdadeiras ao defenderem causas cidadãs ou é tudo demagogia? Essas empresas de fato cumprem o que pregam? As marcas estão aderindo ao ativismo ou os consumidores são ativistas? Ao tentar responder essas questões, a dupla de autoras traça uma radiografia de uma das facetas mais marcantes e instigantes do consumo contemporâneo, o consumerismo. Expressão ainda pouco usual entre os profissionais do mercado, o consumerismo é o encontro entre a nossa vida pública e a privada por meio do consumo. Segundo a pesquisadora sueca Michele Micheletti1, trata-se do exercício político e engajado do poder de escolha no consumo. Os indivíduos usam o seu papel de consumidor para atuar como cidadãos, fazendo reivindicações que, ainda que individuais, terão impacto para o bem social coletivo. Diferentes causas podem ser abraçadas pelo consumerismo, como proteção do consumidor, denúncias de exploração de mão de obra, aumento do poder de compra, valores éticos, empoderamento feminino, inclusão LGBTQ, igualdade racial, equidade entre os gêneros e proteção do meio ambiente, entre várias outras. Os debates e questionamentos sobre o consumo são por si só, atos consumeristas porque provocam reflexividade sobre o consumo e as suas bases. Usar o consumo para reivindicar mudanças na sociedade não é recente. O que há de novo é o uso do terreno cibernético para manifestações dos consumidores. Nas redes sociais, são frequentes os depoimentos de cidadãos comuns contra as empresas pelos mais diferentes motivos, que variam desde uma insatisfação particular e pontual até acusações sobre exploração de mão de obra ou trabalho escravo, não deixando de fora as campanhas publicitárias acusadas de objetificação do corpo da mulher, reprodução da ditadura de padrões de beleza e ausência de representatividade dos negros e da subcultura LGBT. As mídias digitais deram vozes para os gritos que estavam entalados e abafados. Vozes que antes não se ouviam, agora importam. Os puristas saudosos dizem que mercado e política não se misturam. Não é verdade. As práticas de mercado têm implicações diretas na esfera política, social, econômica e demográfica, assim como as orientações políticas interferem nas práticas de mercado. É um sistema orgânico no qual um alimenta o outro. A isenção é uma farsa. A neutralidade é uma cilada com um emaranhado de espinhos. Não se posicionar já é um posicionamento. Gestores que pregam a neutralidade das marcas flertam com a omissão e a cumplicidade nas práticas de mercado que estão na mira da vigilância e das reivindicações dos consumidores. Esse ativismo do consumidor coloca mais marcadamente a urgência em pensarmos o consumo como um fato social, transcendendo a reflexão restrita ao comportamento do consumidor ou ao uso dos bens. É hora de entendermos como o consumo pode ser um terreno de articulações estratégicas sociais, políticas e econômicas entre indivíduos, instituições e mercado. Não se trata de transferir os debates da esfera política para as gôndolas do consumo, movido por uma decepção crescente e profunda com as instituições políticas e seus atores. O que acontece é que o consumidor tem percebido que a velocidade de resposta no mundo do consumo é muito mais ágil, efetiva e comprometida do que os recursos políticos que, em tempos digitais, cheiram a naftalina. Todos nós somos consumidores, mesmo quando não nos damos conta. Por isso que este livro tem a ver com todos nós. É para os pesquisadores e estudiosos acadêmicos do tema, traz apontamentos importantes para os profissionais de mercado que lidam com marcas e consumidores, tem linguagem acessível para qualquer consumidor que deseja deixar de ser refém e passar a ser autor no consumo. Em uma sociedade na qual as experiências e os sentimentos estão mercadorizados e disponíveis nas prateleiras, não há momentos em que não consumimos. Nada escapa da precificação no capitalismo. Se estamos destinados a conviver com o consumo, o mais inteligente é sabermos como podemos reivindicar, exigir e obter o melhordele. Fábio Mariano Borges 1 Political Virtue and Shopping – Individuals, Consumerism and Collective Action. Palgrave Macmillian, 2003. SISTEMA-MUNDO CAPITALISTA E CONFRONTOS O último quarto do século XX se configurou como um período de intensificação do modelo econômico neoliberal e acelerada privatização do setor público nos países do Ocidente, especialmente na América Latina, à exceção de Cuba, ainda imune, naquele momento histórico, ao capitalismo mundial integrado. Nesse processo, os Estados cederam o controle da economia material e simbólica às empresas, levando a um cenário de descapitalização nacional, subconsumo das maiorias, desemprego crescente e empobrecimento da oferta cultural (Sorj, 2004). Para Wallerstein, o sistema-mundo moderno vive uma crise estrutural e se encontra em uma época de transição (2001). “Estamos em uma crise estrutural da economia capitalista mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a data exata, mas vai levar muito tempo” (Wallerstein, 2012)1. Para o autor, um sistema-mundo é um sistema social que possui limites, estruturas, grupos associados, regras de legitimação e coerência, cuja manutenção é assegurada em função das forças em conflito que o mantém unido por tensão, mas também o dilaceram, visto que cada um dos grupos procura remodelar o sistema em seu proveito. Um sistema-mundo funciona como um organismo: tem um tempo de vida durante o qual algumas características vão se modificar enquanto outras permanecerão estáveis (1974). Nesse sistema histórico, as unidades sociais são distintas culturalmente, inclusive etnicamente diversas, mas interdependentes economicamente (Scott, 2009). Esta interdependência é reforçada por uma ideologia construída e mantida nos países do centro, que vai contribuir para a subjugação dos países periféricos e semiperiféricos. Entretanto, apesar das unidades sociais serem culturalmente distintas no sistema-mundo moderno, há uma homogeneização cultural crescente, associada a essa ideologia dominante, que vai proteger a manutenção da divisão díspare do mundo. A civilização capitalista mundial consiste em um mundo polarizado e polarizante. A afirmação das suas virtudes consegue persuadir muitas pessoas sobre os benefícios a longo prazo trazidos pelo surgimento desse sistema. Por outro lado, a discussão a respeito dos problemas intrínsecos a ele faz com que outros tantos indivíduos e grupos percebam que podem se organizar com eficácia para implementar transformações políticas (Wallerstein, 2001). A economia-mundo moderna é essencialmente capitalista (Wallerstein, 1974). Na virada do milênio, Wallerstein afirmava que “nós entraremos – ou melhor, nós já entramos – em uma era de turbulências caóticas nos planos econômico, político e cultural.” (in Chesnais et al., 2003). A previsão parece ter se confirmado e as duas primeiras décadas do século XXI se configuraram como palcos de grandes turbulências em âmbito mundial. “As turbulências e reviravoltas políticas que vivemos irão recrudescer. A esquerda só vencerá se souber aliar os que lutam por direitos sociais às forças multiculturais. Este é, hoje, o sentido da luta de classes” (Wallerstein, 2017)2. Tal afirmação nos faz pensar na ascensão de temas como racismo e gênero nas pautas das discussões sociais, políticas, econômicas, acadêmicas, midiáticas e até mesmo corporativas na atualidade. As resistências étnicas, evidenciadas fortemente com a ampliação dos debates sobre o racismo na última década, e as reivindicações acerca da multiplicidade de gênero em contraponto ao binarismo homem e mulher parecem dialogar diretamente com o entendimento desse pensador de que, na contemporaneidade, a luta pelos direitos sociais está atrelada, inevitavelmente, às forças multiculturais, à inerente complexificação do mundo e desestabilização do status quo moderno. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética iniciaram uma “guerra fria”, cujo objetivo “não era derrubar o outro (ao menos no futuro previsível), e sim preservar à risca a lealdade de seus respectivos satélites”3, ou seja, os países periféricos e semiperiféricos sobre os quais tinham amplo domínio, como se fosse um “Tratado de Tordesilhas” moderno. Movimentos dos mais variados lugares do mundo perceberam que a chamada “velha esquerda” não era tão antissistêmica quanto parecia. “Sua ascensão ao poder não havia mudado nada relevante, diziam seus agressores. Esses movimentos passaram a ser vistos como partícipes do sistema que devia ser rejeitado para que os verdadeiros movimentos anticapitalistas tomassem seu lugar” (Wallerstein, 2017)4. Na década de 1980, os governos do presidente americano Ronald Reagan e da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher impuseram uma forte política de eliminação do protecionismo dos países que lhes demandavam apoios e empréstimos, acabando com o estado de bem-estar social e determinando a supremacia do livre mercado. “É o que conhecemos como o Consenso de Washington — e quase todos os governos se renderam a esta grande mudança de foco. Governos que não se enquadraram, caíram, culminando no colapso espetacular da União Soviética” (Wallerstein, 2017)5. Nessa perspectiva, Sorj indica que a dinâmica própria do capitalismo, associada às mudanças no sistema político internacional do fim do século XX, especialmente com a derrocada do comunismo, enfraqueceu o papel organizador das classes sociais e diminuiu a importância dos sindicatos e dos partidos políticos (2004). A cartilha Reagan/Thatcher, que passou a reger o sistema- mundo capitalista na década de 1980, foi apresentada ao mundo sob a justificativa amplamente conhecida como TINA (sigla formada a partir das letras iniciais das palavras “there is no alternative”, em português, “não há outra alternativa”). Buscando mostrar que havia outros caminhos a serem trilhados, os quais não necessariamente comungavam com o pensamento neoliberal, articularam-se, em diversas partes do mundo, de meados da década de 1990 ao início dos anos 2000, várias iniciativas oposicionistas à TINA. Dentre elas, destacam-se: a insurreição dos zapatistas, em Chiapas (1995), as manifestações bem-sucedidas contra a tentativa de decretar garantias obrigatórias para os chamados direitos de propriedade intelectual, em Seattle (1998), e a fundação do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (2001), em oposição ao Fórum Econômico Mundial, considerado um pilar da TINA (Wallerstein, 2017)6. Com a esquerda global ganhando espaço novamente, durante a década de 1990, as forças conservadoras buscaram se reagrupar não mais sob a égide da defesa da economia de mercado, mas sim de bandeiras com demandas e apelos socioculturais, como a proibição do aborto e a defesa do comportamento heterossexual exclusivo. “Utilizaram tais temas para atrair apoiadores à ação política. E mais tarde voltaram-se para posturas xenofóbicas anti-imigração, abraçando o protecionismo a que os conservadores econômicos especificamente se opunham” (Wallerstein, 2017)7. Wallerstein destaca que os apoiadores da democratização dos direitos sociais e do chamado multiculturalismo, nos anos 1990, copiaram a nova tática política da direita e legitimaram, com sucesso, ao longo da primeira década do século XXI, avanços significativos em questões socioculturais, como os direitos das mulheres, os primeiros direitos ao casamento homossexual e os direitos dos indígenas. Nessa perspectiva, o discurso dos direitos humanos veio ocupar o lugar das utopias políticas veiculadas pelos partidos no século XX, transformando o sistema clássico de representação e transferindo o papel de catalisadores da ação coletiva para outros agentes sociais, como, por exemplo, as organizações não governamentais, chamadas comumente de ONGs (Sorj, 2004). Desde 2013, quando ocorreram manifestações populares expressivas no Brasil, na Turquia, no Egito e em mais de 30 países8, é possível perceber, entretanto, uma articulação crescente de organizaçõescoletivas desassociadas de partidos e até mesmo de ONGs, mobilizadas em redes por meio da internet e dos smartphones: são os móbil-izados9, conforme sugere o estudo F/Radar elaborado pela agência de publicidade F/Nazca Saatchi & Saatchi em parceria com o Instituto Datafolha (2015). Pessoas de diferentes idades, localidades, classes sociais, profissões, etnias e credos se aglutinaram em torno de causas variadas nas redes sociais digitais e nas ruas, nos cinco continentes, para reivindicar a manutenção dos direitos adquiridos ou por adquirir dos mais diversos atores sociais e políticos de maneira intensa e potente. O estudo da agência F/Nazca aponta uma relação direta entre a articulação das pessoas nas redes sociais digitais e o seu envolvimento presencial em mobilizações aqui no Brasil. “Metade daqueles que já participaram pela internet o fizeram também fora dela. Além disso, 6 em cada 10 ativistas digitais acreditam que as redes contribuem para eles participarem presencialmente” (F/Radar, 2015)10. A pesquisa mostra ainda que o engajamento político não é privilégio dos mais ricos. A maioria dos netativistas brasileiros entrevistados, 45%, estava, durante a realização da pesquisa, em março de 2015, na classe C. As novas tecnologias digitais “colocam a luta política em outro patamar, e esse outro patamar não pode mais deixar de ser levado em conta porque a luta vai se passar lá” (Santos, 2013). Santos chama de tecnopolítica o modo de articulação política que remixa as ruas com as redes na era digital. “Porque não é mais possível pensar a política sem a tecnologia junto” (Santos, 2013).11 Na atualidade, vemos o resultado de uma nova dinâmica de individualização, constituição de identidades coletivas e participação política que fragmenta a representação social e limita a capacidade de elaboração de propostas para a transformação do conjunto da sociedade (Sorj, 2004). Por outro lado, o acesso à internet, especialmente após a invenção das redes sociais digitais, aumentou, exponencialmente, o conhecimento das pessoas em relação às mais diferentes informações sobre o que acontece no mundo contemporâneo, transformando suas possibilidades de atuação política em escala global. Também fez com que os cidadãos de todas as partes do mundo entrassem em contato com as enormes diferenças sociais que existem no planeta, ampliando sua consciência sobre fatos e fenômenos anteriormente desconhecidos e a necessidade de se posicionarem politicamente mediante essa nova consciência (Domingues, 2013). Esse conhecimento levou homens e mulheres a tomarem iniciativas e assumirem posturas as quais, antes, não se sentiam obrigados ou motivados, por ignorância ou por não estarem expostos continuamente a essas realidades (Ribeiro et al., 2003). Em decorrência dessas novas posturas, as empresas também foram convocadas pelos consumidores, cada vez mais a se posicionarem ideologicamente, diante das assimetrias econômicas e sociais. São pressionadas tanto pelo público externo quanto pelo público interno a buscarem, preferencialmente, parceiros, em seus negócios, que também compartilhem de sua visão de mundo e de sua posição política, ou seja, que considerem os impactos sociais e ambientais das suas ações, bem como estimulem atitudes louváveis de todos os seus stakeholders12, considerando os direitos humanos, especialmente no tocante aos temas do racismo, do feminismo, do pluralismo de gênero, dos direitos humanos em geral, incluindo o respeito às diferenças físicas e mentais, assim como o respeito aos direitos dos animais. No livro Consumidores e cidadãos, Garcia Canclini destaca que alguns consumidores querem ser cidadãos, visto que buscam expressar seu contentamento ou desapontamento com questões de ordem econômica, social e cultural mediante atitudes políticas relacionadas ao consumo (2005). Podemos afirmar que essa busca, incipiente na virada do milênio, intensificou-se na última década e que as esferas do consumo e da cidadania encontram-se cada vez mais imbricadas naquilo que Micheletti chama de consumerismo político: a utilização do mercado como arena política e das escolhas dos consumidores como ferramenta de exercício político (Micheletti et al., 2009). O consumerismo político consiste na utilização de ações de pessoas físicas ou jurídicas no mercado a fim de criar confiança, controlar incertezas e resolver problemas comuns. “Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem mais resposta do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que pelas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos” (Canclini, 2005, p. 52). Para além dos meios de comunicação de massa e, certamente bem mais que eles na sociedade de consumo multicanal, digital e global, as mídias sociais se configuram como as grandes arenas de debates públicos acerca dos incômodos decorrentes dos confrontos inerentes ao sistema-mundo capitalista atual. Mas o que é sociedade de consumo? O fenômeno do consumo de objetos nas sociedades ocidentais contemporâneas surge como um modo ativo de relação não somente com os objetos, mas também com a coletividade e o mundo. É um modo de atividade sistemática e de resposta global que serve de base a todo o sistema cultural. Segundo Baudrillard, a sociedade de consumo “resulta do compromisso entre princípios democráticos igualitários, que conseguem agüentar-se com o mito da abundância e do bem-estar, e o imperativo fundamental de manutenção de uma ordem de privilégio e de domínio” (1995, p. 52). Na sociedade de consumo, a distinção se dá pela maneira de consumir, pelo estilo, não mais pelo nível de rendimento dos consumidores. A hierarquia dos critérios de poder passa “da ostentação quantitativa para a distinção, do dinheiro para a cultura” (idem, ibidem, p. 53). A ideologia do consumo é constituída por uma lógica do feitiço. Todos os objetos são valorizados enquanto tais. E as ideias, os lazeres, os saberes e a cultura também ganham a condição de objeto. Os objetos/símbolos se ordenam como valores estatutários no meio de uma hierarquia, bem como representam diferenças significativas no interior de um código (idem, ibidem, p. 60). A sociedade de consumo passou por mudanças significativas, a partir do fim dos anos 1970, tanto na organização da oferta quanto nas práticas cotidianas e no universo mental do consumismo moderno, transformando-se, segundo Lipovetsky, na sociedade de hiperconsumo (2017, p. 12). A sociedade de hiperconsumo está alicerçada não mais em uma economia centrada na oferta, mas na procura, com políticas de marca, criação de valor para o cliente, sistemas de fidelização, crescimento da segmentação e da comunicação. Nesse novo ambiente socioeconômico, surge a figura do hiperconsumidor, responsabilizado o tempo inteiro por suas práticas de consumo excessivas. Douglas e Isherwood (2004) afirmam que as mercadorias servem para pensar. É exatamente essa reflexão sobre conceitos e valores a partir da preferência ou não por determinadas mercadorias, marcas e corporações a que se refere o consumerismo político. Com o avanço do capitalismo neoliberal e da globalização econômica, a influência das corporações transnacionais na vida dos cidadãos aumentou consideravelmente. O consumerismo político reconhece o novo poder dessas corporações e se utiliza do mercado como um poderoso lugar para o exercício político (Micheletti et al., 2009). A burocracia técnica das decisões e a uniformidade internacional próprias do sistema-mundo capitalista diminuem o que está sujeito a debate na orientação das sociedades. Dessa forma, “a única coisa acessível são os bens e as mensagens que chegam a nossa própria casa e que usamos ‘como achamos melhor’” (Canclini, 2005, p. 30). Até o mercado da moda, costumeiramente associado à produção, ao consumo e ao descarte velozes relacionados à indústria fast fashion, tem sentido as repercussões doconsumerismo político contemporâneo tanto por parte dos consumidores quanto pela perspectiva da cadeia produtiva, que passa a se repensar em função de sua própria consciência, mas, especialmente, pela força da consciência cada vez maior em relação às escolhas de consumo dos que denominaremos de agora em diante de consumidores-cidadãos. Para a construção teórica do conceito de consumidor- cidadão que utilizaremos neste trabalho, partimos do entendimento de que são aqueles que compram produtos para obter função, forma e significado (Engel, 1995) e cidadãos são indivíduos de um estado livre no gozo de direitos civis e políticos. Canclini propõe a relação entre consumidores e cidadãos na qual o exercício da cidadania na sociedade de consumo contemporânea passa, necessariamente, pela esfera do consumo, o que nos leva a classificar esse consumidor no contemporâneo de consumidor-cidadão, aquele que usa seu ato de consumo como manifesto, ou seja, exercício de cidadania. Provocado pelo desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, no dia 24 de abril de 2013, que deixou 1.133 mortos e 2.500 feridos13, um conselho global de líderes da indústria da moda sustentável criou o movimento Fashion Revolution. “A campanha surgiu com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto em todas as fases do processo de produção e consumo, mostrando ao mundo que a mudança é possível por meio da celebração dos envolvidos na criação de um futuro mais sustentável e criar conexões exigindo transparência.”14 De acordo com North (2013)15, o desabamento do prédio de três andares, onde funcionava uma fábrica de tecidos, revelou o amplo descumprimento das normas básicas de segurança em Bangladesh e evidenciou o lado obscuro da indústria de roupas internacional. “É no norte da capital Dhaka que se concentra a maior parte das fábricas de roupas do país. Muitas delas fabricam peças para marcas internacionalmente conhecidas. Das casas de um quarto e dos casebres onde os operários vivem, pode-se ver blocos de concreto de múltiplos andares atravessando os céus da região. Nos telhados, vigas de aço reforçado estão aparentes, na esperança de que outro piso repleto de máquinas de costura seja erguido. Trata-se de um sinal, para os críticos, de que o ‘boom de roupas’ ultrapassou os limites, na tentativa desesperadora de alimentar o apetite do Ocidente por vestimentas mais baratas” (North, 2013). O Rana Plaza era mais uma entre as dezenas de fábricas locais em funcionamento naquele país que fornece produtos desenvolvidos em condições sub-humanas de trabalho para grandes redes varejistas internacionais, como a cadeia de lojas britânica Primark. Ao saber da tragédia no local, a Primark informou que estava “chocada e entristecida” e exigiria de seus outros fabricantes uma revisão dos padrões de segurança no trabalho. North enfatiza, entretanto, que “esta é apenas uma pequena amostra de um cenário conhecido há bastante tempo na região” (2013, p. 47). A co-fundadora do movimento Fashion Revolution, Orsola de Castro, destaca que essa iniciativa busca incentivar as pessoas a se questionarem sobre como as roupas que usam são fabricadas a exercerem o consumerismo político nas suas escolhas diárias. “Nós queremos que você pergunte: ‘Quem Fez Minhas Roupas?’. Essa ação irá incentivar as pessoas a imaginarem o “fio condutor” do vestuário, passando pelo costureiro até chegar no agricultor que cultivou o algodão que dá origem aos tecidos. Esperamos que o Fashion Revolution inicie um processo de descoberta, aumentando a conscientização sobre o fato de que a compra é apenas o último passo de uma longa jornada que envolve centenas de pessoas, realçando a força de trabalho invisível por trás das roupas que vestimos” (Castro, 2018)16. Lola Young, criadora do Grupo Parlamentar de Todos os Partidos sobre Ética e Sustentabilidade na Moda no Reino Unido, considera que “o Fashion Revolution promete ser uma das poucas campanhas verdadeiramente globais a surgir neste século” (2018)17. Carvalhal avalia que está na hora de desaprendermos o que sabemos sobre o mundo da moda e aprendermos de novo. Diante dos enormes desafios vigentes no sistema-mundo capitalista atual, todos que fazem essa indústria precisam ressignificar seus conceitos e atitudes. “Marcas como a Trendt nos mostram que acabou o tempo em que elas permaneciam atreladas ao seu core business. Ele [Renan, dono da Trendt] consegue fazer apenas uma peça nova por mês porque tem muitas outras fontes de renda com a marca” (2016, p. 343). O autor destaca que a comunicação em rede também foi determinante para que o mundo da moda buscasse se reinventar. “Acabou também o tempo da comunicação unidirecional, de discursos atrelados ao produto e consumidores passivos no processo de consumo. É hora de ampliar o escopo de ação das marcas, ressignificar estruturas e inovar” (Carvalhal, 2016, p. 343). O fato de os consumidores expressarem seus pontos de vista por meio da escolha ou não de produtos, serviços, marcas e corporações não é novo. Frequentemente, ao longo da história, os consumidores sempre tenderam a optar por esse ou aquele bem não somente em função dos seus aspectos econômicos clássicos. Buscavam aqueles que se ligavam a eles por algum aspecto intangível, seja religioso, ético, relacionado à nacionalidade ou à classe social, enfim, à sua identidade (Micheletti et al., 2009). Canclini avalia que, ao selecionarmos e nos apropriarmos dos bens, definimos o que consideramos publicamente valioso. Também utilizamos os bens, tanto materiais quanto simbólicos, como modo de nos integrarmos e nos distinguirmos na sociedade, “de combinarmos o pragmático e o aprazível” (2005, p. 35). O que existe de novo nesse fenômeno é que ele, agora, está atrelado a um contexto de globalização socioeconômico-cultural no qual as escolhas dos consumidores são influenciadas cada dia mais fortemente por polêmicas, reivindicações e questões de repercussão global que circulam, em rede, nos meios digitais incorporados ao nosso cotidiano de maneira irreversível e crescente (Micheletti et al., 2009). Esses embates on-life18, que transbordam das ruas para as redes e das redes para as ruas, imbricando, superpondo e amalgamando nossas experiências nos meios físicos e digitais, estão profundamente atrelados a uma consciência cada vez maior sobre o fato de que “o capitalismo […] baseia-se na constante absorção das perdas econômicas pelas entidades políticas, enquanto os ganhos econômicos se distribuem entre as mãos ‘privadas’” (Wallerstein, 1974, p. 338). Se, na Modernidade, o campo do consumo estava relacionado aos poderes econômico e político – sendo a propaganda alimentada pela necessidade de aumentar a demanda por mercadorias e provocar a identificação dos consumidores com os bens materiais – na pós-modernidade, ele está associado aos valores culturais muito mais do que aos materiais. “O valor dos bens depende mais de seu valor cultural (‘valor de signo’) do que de seu valor funcional ou econômico” (Ribeiro et al., 2003, p. 39). Assim, a propaganda e o marketing ganham força, não mais sendo subordinados à produção, aprofundando a desmaterialização crescente da economia. Consumir não se separa da cultura; está intrinsecamente associado aos processos sociais; há valores, significados e discursos implícitos e/ou explícitos de poder, seleção, classificação e organização nos mais distintos contextos sociais. Enfim, o consumo é um código que “traduz” muitas relações sociais e classifica objetos e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e sociedades. 1 Disponível em: <outraspalavras.net/posts/wallerstein-nenhum-sistema-e- para-sempre/>. Acesso em: 20 jul. 2018. 2 Disponível em: <outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita- no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018. 3 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e- direita-no-seculo-xxi/>Acesso em: 20 jul. 2018. 4 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e- direita-no-seculo-xxi/>Acesso em: 20 jul. 2018. 5 Disponível em: https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e- direita-no-seculo-xxi/Acesso em: 20 jul. 2018. 6 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e- direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018. 7 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e- direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018. 8 Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/por-que-2013-ja-e-o- ano-dos-protestos-no-mundo/> Acesso em: 21 jul. 2018. 9 Móbil: termo derivado do inglês mobile que significa aparelho celular. 10 Disponível em: <http://www.fnazca.com.br/index.php/2015/10/20/fradar- 15%C2%AA-edicao/> Acesso em: 21 jul. 2018. 11 Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/e-preciso-entender-as- redes-e-as-ruas/> Acesso em: 16 abr. 2018. 12 Stakeholders são todos os grupos de interesse na empresa ou na marca que podem influenciar de forma positiva ou negativa a mesma. 13 Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tr agedia_lado_obscuro>. Acesso em: 21 jul. 2018 14 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south- america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018. 15 Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tr agedia_lado_obscuro>. Acesso em: 21 jul. 2018. 16 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.rg/south- america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018. https://https//outraspalavras.net/posts/wallerstein-nenhum-sistema-e-para-sempre/ https://https//outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso https://exame.abril.com.br/mundo/por-que-2013-ja-e-o-ano-dos-protestos-no-mundo/Acesso http://www.fnazca.com.br/index.php/2015/10/20/fradar-15%C2%AA-edicao/ https://www.revistaforum.com.br/e-preciso-entender-as-redes-e-as-ruas/ https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tragedia_lado_obscuro https://www.fashionrevolution.org/south-america/brazil/ https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tragedia_lado_obscuro 17 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south- america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018. 18 On-life: expressão que se refere ao amálgama da vida on-line com a vida off-line e o borramento das fronteiras que dividiam essas experiências anteriormente em nossas vidas, no dia a dia. CULTURA DE CONSUMO E CONSUMO SIMBÓLICO O consumo pode ser explicado pela necessidade de expressar significados mediante a posse de produtos que comunicam à sociedade como o indivíduo se percebe enquanto interagente com grupos sociais. Solomon (2002) considera o comportamento de consumo mais do que comprar coisas. Esse estudo envolve como ter (ou não ter) coisas afeta a vida das pessoas e como as posses influenciam os sentimentos destas sobre elas mesmas e sobre uma em relação à outra. O interacionismo simbólico considera os significados como produtos sociais, como criações que são formadas nas e pelas interações pessoais. A sua peculiaridade consiste na premissa de que os seres humanos interpretam e definem as ações uns dos outros em vez de simplesmente reagir. Suas respostas não são feitas diretamente para as ações uns dos outros, mas baseadas no significado que eles atribuem a essas ações. Logo, a interação humana é mediada pelo uso de símbolos, pela interpretação ou verificação do significado das ações uns dos outros (Blumer, 1969). O contexto social em que uma mensagem se apresenta pode transformar seu significado ou levantar novas questões como uma interpretação apropriada. Normalmente, existe uma gama de possíveis significados ou significados em camadas que criam “um efeito arco-íris de significados” (Kaiser, 1998, p. 237). Alguns significados são derivados da experiência cultural, outros são negociados durante as transações sociais e outros aparecem de forma independente na cabeça dos participantes. O mundo empírico do interacionismo simbólico é o mundo natural da vida humana em grupo e da conduta humana. Podemos entender que esse mundo natural seria o do dia a dia das pessoas interagindo. Sob esse prisma, assumimos o luxo como uma dimensão simbólica interessante para aprofundamento do estudo do consumo simbólico, pois, dadas suas características, os significados estão sempre presentes, porém sem garantia de onde se localizam – seu significante. Além disso, se por meio do consumo as pessoas se classificam, é importante entender como elas usam o luxo para classificar o que consomem, ao mesmo tempo como se classificam mutuamente. No âmbito do estudo de comportamento do consumidor, é de amplo conhecimento que o consumo mantém relação direta com a cultura. Conforme Slater (2002), o conceito de cultura refere-se a valores que se originam do modo de vida de um povo e que lhe dão identidade, fazendo também julgamento com autoridade do que é bom ou mau, real ou falso, inclusive, na vida cotidiana. A cultura como uma construção dinâmica de significados do mundo em que se vive também acontece por meio da compra e da posse. A cultura é a lente por meio da qual as pessoas veem os fenômenos que ocorrem no mundo e também os produtos e, assim, ela supre o mundo de significados. Em verdade, todo consumo é cultural porque sempre envolve significados: temos necessidades e agimos em função delas interpretando sensações, experiências e situações para dar sentido e transformar os objetos. Conforme Baudrillard (1995), o consumo é modo ativo de relação não só com os objetos, mas com o mundo. O valor simbólico agregado ao valor funcional dos objetos de consumo vêm atender a um objetivo claro: acompanhar as mudanças das estruturas sociais e interpessoais. De acordo com a perspectiva do interacionismo simbólico (Blumer, 1969), adotada nesta pesquisa – e que se dedica à compreensão das relações sociais que atravessam as relações humanas com os objetos e com outras pessoas – percebemos as diferenças na construção da realidade de cada um dos grupos, portanto, podemos afirmar que produtos são providos de significados na sociedade; o estudo do simbólico reside em entender como as pessoas compõem o seu próprio conceito e compram ou rejeitam produtos que as identifiquem com a forma idealizada, impulsionadas pelas mensagens simbólicas deles. O profissional de marketing, na elaboração das suas estratégias de mercado, deve considerar esses três pontos, levando em conta o contexto cultural em que se efetiva o consumo, pois produtos são carregados de significados que variam conforme a cultura (Engel et al., 1995; Solomon, 2002). “A moda é, inegavelmente, um fenômeno cultural, desde os seus primórdios. É um dos sensores de uma sociedade. Diz respeito ao estado de espírito, aspirações e costumes de uma população” (Joffily, 1991, p. 09). Portanto, a escolha do símbolo para a compreensão do comportamento de consumo, como bem coloca Baudrillard (1995), vem da necessidade de saber como os objetos são vividos, quais necessidades, além das funcionais, atendem, que esquemas simbólicos se misturam às estruturas funcionais e as contradizem, sobre que sistema cultural, infra ou transcultural é fundada a sua cotidianidade. Encontramos, na cultura de consumo, um novo conceito do do eu no qual o desenvolvimento do eu tem lugar na ênfase, na aparência, na exposição e na gerência de impressões (Elliot, 2004). Autoapresentação requer estratégias de gerenciamento da aparência, entre elas, a identidade como “o eu no contexto”. Na perspectiva teatral, usa-se a analogia da vida como um teatro para entender os “eus” nos contextos (Garcia & Miranda, 2005). Portanto, estamos em umasociedade de cultura de consumo, pois. segundo Belk (2004), esse tipo de consumo existe a partir de quatro condições: 1. Uma proporção substancial da população consome em níveis superiores aos da subsistência. 2. Trocas dominam a produção dos objetos de consumo. 3. Consumir é aceitável como uma atividade apropriada e desejável. 4. Pessoas julgam outras e elas mesmas em termos de seu estilo de vida de consumo. E aponta consequências para esse tipo de consumo, afirmando que pessoas deixam de comprar necessidades para poder adquirir “luxos” que as façam se sentir parte da cultura de consumo, isto sendo consequência do incremento do materialismo, que é a importância que os consumidores atribuem ao mundo das posses. Em certos níveis de materialismo, as posses assumem um papel central na vida pessoal e são creditadas como grande fonte de satisfação e frustração. Isto causa uma relação entre consumo cultural e felicidade, que vem a ser o sentimento de “se sentir bem”. No modelo psicológico, a partir do estudo de Simmel (1904), o indivíduo possui tendência à imitação. Esta proporciona a satisfação de não estar sozinho em suas ações. Ao imitar, ele não só transfere a atividade criativa, mas também a responsabilidade sobre a ação dele para outra pessoa. A necessidade de imitação vem da necessidade de similaridade. Sob essa dimensão, conclui-se que a moda é a imitação do modelo estabelecido que satisfaz a demanda por adaptação social, diferenciação e desejo de mudar, e a base para a adoção é o grupo social. A função de possuir é criar e manter o sentido da autodefinição: ter, fazer e ser estão integralmente relacionados. Pessoas expressam o seu eu no consumo e veem as posses, por conseguinte, como parte ou extensão do eu. Para entender o autoconceito faz-se necessário entender suas divisões básicas em autoconceito real, ideal e social. “O autoconceito real refere- se a como as pessoas percebem a si próprias; o autoconceito ideal refere-se a como a pessoa gostaria de ser percebida; e o autoconceito social refere-se a como a pessoa apresenta o seu eu para os outros” (Sirgy, 1982, p. 287). Segundo Belk (1988) e Solomon (2002), as posses comunicam algo sobre os seus possuidores. Os consumidores preferem produtos com imagens congruentes à sua autoimagem porque acreditam que a sua aparência física e as suas posses afetam o seu eu. O eu não é desenvolvido a partir de processo pessoal ou individual, mas envolve todo o processo da experiência social. Na aferição das reações dos outros, o indivíduo desenvolve a sua própria autopercepção. Ele se percebe como acredita que é percebido. O eu do indivíduo, assim sendo, seria determinado amplamente pela projeção de como os outros o veem. Sirgy (1982) afirma que os consumidores não conseguem distinguir entre os seus próprios sentimentos sobre o produto e as suas crenças sobre como são vistos pelos outros. A dinâmica do processo de consumo está em se identificar. A lógica desse processo se constitui na personalização e na integração que caminham em paralelo: é o “milagre do sistema”, do qual fala Baudrillard (1995). Essa integração é o processo pelo qual o indivíduo se ajusta à sociedade e assim se socializa (Augras, 1967; Solomon, 1983; Engel et al.,1995). Os objetos, que não são linguagem tal como está convencionada, comunicam: as roupas, o conjunto de estofado da sala, o carro, o próprio corpo significam e emitem mensagens sobre o indivíduo e o integram à sociedade (Baudrillard, 1973). O ponto central é o modo pelo qual a pessoa se integra à sociedade ou se marginaliza. O significado simbólico define adoção e uso por um produto ser usado para significar determinada identidade. Belk (1988) desenvolveu uma teoria sobre a relação e a apropriação do conceito do eu estendido (extended self) em que o significado que o indivíduo atribui à posse reflete a sua própria identidade. A noção de que, nos dias atuais, as pessoas definem a si mesmas por meio das mensagens transmitidas aos outros por via da posse de bens e realização de práticas sociais, tem por objetivo manipular e gerenciar aparências de forma a criar e sustentar os projetos de identidade. A ordem segura de valores e posições sociais, antes oferecidas pelas sociedades tradicionais, é substituída por uma variedade de papéis, valores, simbolismos e práticas que produzem e mantêm a identidade social dos indivíduos (Belk, 1988; Baudrillard, 1991; Slater, 2002). Belk (1988), Solomon (2002) e Batey (2010) nos ajudam com o entendimento de que o indivíduo assume diferentes papéis conforme seus respectivos valores e normas sociais mediados pelo self e representados pela sua autoimagem, que é o amálgama de várias dimensões do self: o self que acredito que sou (self atual), o self que eu gostaria de ser (o self ideal), o self como acho que os outros me percebem (self social) e o self como eu gostaria que os outros me vissem (self social ideal). Slater (2002) enfatiza que a aparência corporal e sua conduta transmitem, potencialmente, impressões e signos legíveis aos que estão ao nosso redor, e, que nos centros urbanos, um lugar de encontros mudos, o processo de decodificação e o prazer de interpretar as aparências das outras pessoas acontecem rapidamente e a todo o tempo. O sistema das marcas e das tendências da moda se tornou um importante componente do jogo social por meio do qual as pessoas trocam sinais e códigos. Esses objetos marcados permitem que os indivíduos transformem sua aparência em uma narrativa de identidade individual e coletiva contada e lida simultaneamente pelos integrantes de determinados grupos sociais (Erner, 2005). Quadro 1 Construtos: definições e bases teóricas 1 Valor Simbólico/Expressivo Relaciona-se com a carga de valores simbólicos presentes nos diferentes produtos, que pode conter significados de natureza pessoal e/ou social na perspectiva de seus consumidores Levy (1959), Sheth, Newmam e Gross (1991), Erner (2005), Mood et al. (2009), Solomon e Schopler (1982), Banister e Hoog (2004) 2 Valor Simbólico/Expressivo Relaciona-se com a carga de valores simbólicos presentes nos atos de Sirgy (1980, 1982), Solomon (1983), Belk (1988), Fortalecedor da Autoimagem Atual adquirir e consumir peças de vestuário, capaz de fortalecer e “validar” a imagem que o consumidor faz atualmente de si mesmo McCraken (2003), Barthes (1979), Ritamaki et al. (2006), Smith e Colgate (2007), Batey (2010), Tynan, Mekechnie e Chhuon (2010) 3 Valor Simbólico/Expressivo Fortalecedor da Autoimagem Ideal Relaciona-se com a carga de valores simbólicos presentes nos atos de adquirir e consumir peças de vestuário, capaz de fortalecer e validar a imagem que o consumidor gostaria de fazer idealmente sobre si mesmo Sirgy (1980, 1982), Solomon (1983), Belk (1988), McCraken (2003), Barthes (1979), Ritamaki et al. (2006), Smith e Colgate (2007), Batey (2010), Tynan, Mekechnie e Chhuon (2010) 4 Valor Simbólico/Expressivo Fortalecedor da Autoimagem Social Relaciona-se com a carga de valores simbólicos presentes nos atos de adquirir e consumir peças de vestuário, capaz de fortalecer e validar a imagem que o consumidor acredita ter de si mesmo perante outras pessoas, participantes, ou não de suas relações sociais Sirgy (1980, 1982), Solomon (1983), Belk (1988), McCraken (2003), Barthes (1979), Ritamaki et al. (2006), Smith e Colgate (2007), Batey (2010), Tynan, Mekechnie e Chhuon (2010) 5 Valor Simbólico/Expressivo Fortalecedor da Autoimagem Social Ideal Relaciona-se com a carga de valores simbólicos presentes nos atos de adquirir e consumir peças de vestuário, capaz de fortalecer e validar a imagem que o consumidor gostaria de ter de si mesmo perante outras pessoas, participantes ou não de suas relações sociais Sirgy (1980, 1982), Solomon (1983), Belk (1988), McCraken (2003), Barthes (1979), Ritamaki et al. (2006), Smith e Colgate (2007), Batey (2010), Tynan, Mekechnie e Chhuon (2010) 6 Valor Simbólico/Expressivo Fortalecedor de Diferenciação Relaciona-se com a carga de valores simbólicos presentes nosatos de adquirir e consumir peças de vestuário, capaz de fortalecer determinados traços da personalidade do consumidor Bourdieu (1983), Warde et al. (1999),Holt (2000), Tian et al.(2001), Rocamora (2002), Gorp (2005), Campbell (2006) 7 Valor Simbólico/Expressivo Fortalecedor de Traços Socioculturais Tradicionais Baseia-se na carga de valores simbólicos presentes nos atos de adquirir e consumir peças de vestuário que vem acoplados aos próprios produtos, mediante a transferência de significados culturais compartilhados por grupos sociais maiores Hirschman (1981), McCraken (2003), Falk (1994), Thompson e Haytko (1997), Rocamora (2002), Douglas e Isherwood (2004), Gorp (2005), Tian et al.(2001), Campbell (2006), Smith e Colgate (2007) Fonte: Adaptado de Christino, Gonçalves & Miranda (2015). Em Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), um filme de Edgar Wright, temos um herói que precisa vencer os ex-namorados da garota pela qual está apaixonado e, entre eles, o mais poderoso é vegano, uma sátira que demonstra como os valores simbólicos/expressivos são usados para fortalecer a imagem do consumidor a partir da escolha de um discurso que o mesmo considera, e é considerado pelos grupos sociais interagentes com o mesmo, como de superioridade. A blogueira Priscila de Ciero, pós-graduada em nutrição esportiva, fez a seguinte análise do filme para os seus leitores: A parte que me chamou atenção foi quando ele luta com um dos ex-namorados, Ingram, que é vegano e tem poderes sobrenaturais em virtude disso e pelo que eu entendi, ele faz academia vegan, e se acha superior por fazer esse tipo de dieta. Disse ainda que usamos apenas 10% de nossos cérebros porque os demais 90% estão ocupados com coalho de leite de vaca.1 Reforçando a construção simbólica do vegano como um ser superior dotado de superpoderes, o filme continua o processo de significação ao apresentar o namorado vegano (“Todd is vegan”) com a intenção de fazer referência a Darth Vader, que é o símbolo maior da cultura pop para um ser superior. 1 Disponível em: <http://prisciladiciero.com.br/blog/filme-scott-pilgrim- contra-o-mundo>. Acesso em: : 24 jul. 2018. http://prisciladiciero.com.br/blog/filme-scott-pilgrim-contra-o-mundo O SISTEMA QUE TRANSFORMA CONTESTAÇÃO EM STATUS QUO Para Borges, é importante observarmos que o capitalismo é pródigo, desde tempos remotos, em transformar críticas e crises em novas oportunidades de manutenção e perpetuação, assimilando e ressignificando demandas e discursos. “O Capitalismo é rápido e hábil em absorver os discursos públicos e reverter os confrontos em seu favor” (Borges, 2017, p. 28). O autor destaca que as crises que o capitalismo tem enfrentado não provocaram uma “transformação revolucionária no sentido de levá-lo para outro patamar ou outro sistema econômico, mas provoca a sua reconfiguração e manutenção, ainda que muitas vezes de forma frágil e desarticulada” (2017, pp. 28-29). Nessa perspectiva, Domingues afirma que o sistema capitalista se constituiu exatamente a partir dos fluxos decodificados que as formações sociais anteriores tentaram evitar. É o sistema político-econômico-ideológico que tem como especificidade sua capacidade de reprocessar e buscar neutralizar as críticas e contestações inerentes à sua própria constituição, “que sempre se reinventa e se reatualiza, trazendo para dentro do regime as possíveis ameaças e desvios, como numa espécie de ‘fagocitose sociopolítica’ rápida e eficaz” (Domingues, 2013, p. 303).1 Em 2015, a marca italiana de moda Benetton celebrou seus 50 anos de mercado. Famosa por suas campanhas que já preconizavam, nos primórdios dos anos 1990, o discurso de ativismo por parte das marcas, a empresa lançou, em celebração ao meio século de atuação, uma campanha publicitária cujo tema destacava os direitos laborais das mulheres. A Collection for Us dizia valorizar a emancipação da mulher e a defesa dos direitos femininos, com os quais a marca professa estar comprometida, por meio do projeto Women Empowerment, envolvido com a sustentabilidade laboral das mulheres. De acordo com o site Observador, de Portugal, ao longo destes cinquenta anos, a Benetton tem lançado campanhas publicitárias marcantes, onde aborda de forma original assuntos como a escravatura, o racismo, a violência doméstica, as doenças sexualmente transmissíveis ou a pobreza. Por norma, estas campanhas não olham a limites e são baseadas em fotografias muito gráficas – por vezes incómodas – com o objetivo de garantir que aquele assunto não passa ao lado do público. E costumam apelar à igualdade de oportunidades”2. O discurso proferido pelo site parece corroborar o posicionamento de marca desejado pela Benetton: uma empresa que revela as entranhas do sistema-mundo moderno e do status quo capitalista, mostrando cenas de situações “incômodas”, que o mesmo, como grande promotor de desigualdades de toda ordem, tende a esconder. O site enaltece o perfil disruptivo da empresa com o retrospecto de algumas de suas campanhas de maior repercussão mundial: “Há três campanhas da Benetton particularmente virais: são “Unhate”, “Unemployer of the Year” e “HIV Positive”. A primeira mostrou imagens de vários líderes mundiais a beijarem-se numa montagem. Nesta campanha figuraram Angela Merkel, Barack Obama e até o Papa Bento XVI. A segunda campanha, Unemployer of the Year, criticava os níveis de desemprego causados pela crise e convidava as pessoas sem emprego a submeter projetos para implementação. Também “HIV Positive” foi muito comentada, por mostrar esta frase carimbada na pele de vários modelos, algumas vezes em lugares bastante íntimos”3. De fato, se podemos afirmar que uma marca tomou para si, nos meios de comunicação de massa, de maneira pioneira, o discurso ativista ou, pelo menos, o tom provocativo e polêmico dedicado a colocar os holofotes sobre as assimetrias provocadas pelo sistema-mundo moderno, essa marca é a Benetton. Há mais de 20 anos, ela já se destacava nas revistas e outdoors do mundo inteiro por mostrar imagens surpreendentes e provocativas, diferentemente das demais publicidades cujas narrativas ficcionais sempre reforçaram estereótipos de classe e gênero e se recusaram a visibilizar temas passíveis de provocar polêmica ou rejeição por parte dos seus públicos-alvo. “A publicidade é simplista, às vezes simplória, mas possui uma qualidade real: ela é merecedora de felicidade... Ai daqueles que provocam o debate” (Séguéla in Toscani, 1996, p. 62). Passados 50 anos de mercado e 30 anos das primeiras campanhas publicitárias, cujas fotos concebidas por Oliviero Toscani chamavam a atenção de consumidores e cidadãos de diversos países para os impasses provocados pelas diferenças e divergências sociais, culturais, étnicas, econômicas e políticas em pauta no início da sociedade de rede e do processo de globalização, nos anos 1990, a marca continua a impactar o público no contemporâneo. Em junho de 2018, sofreu críticas severas por causa da sua nova campanha publicitária, que expõe a imagem de refugiados a bordo do navio Aquarius sendo resgatados no mar, na costa da Líbia. A embarcação transportava 629 imigrantes em condições vulneráveis, dentre eles 123 menores, 11 crianças e 7 mulheres grávidas4. A ação da Benetton pode ser considerada, no jargão publicitário, como uma campanha de oportunidade, pois utilizou um acontecimento que mobilizou a opinião pública mundial para chamar a atenção também para ela enquanto repercutia junto à mídia e à sociedade. A organização humanitária europeia SOS Méditerranée, a quem a imagem utilizada na publicidade é atribuída, fez questão de repudiar a iniciativa da marca. E esclareceu por causa da seu perfil na rede social digital Twitter: “A SOS Méditerranée se dissocia completamente desta campanha, que exibe uma foto tirada enquanto nossas equipes estavam resgatando pessoas em perigo em alto mar, no dia 9 de junho”5. O resgate do Aquarius com seus 629 tripulantes expôs a forma como o governo da Itália tratou a questão da imigração e do grande número de refugiadosque chegam ao país atravessando o Mediterrâneo. Ao tomar conhecimento de que um navio de resgate que recolheu migrantes de embarcações precárias em alto mar se encaminhava para a costa do país, o Ministério dos Transportes italiano ordenou o fechamento dos portos para a embarcação. A Itália recomendou que o Aquarius se dirigisse para Malta, arquipélago no Mediterrâneo central, mas o governo local também se recusou a acolher os imigrantes. A Comissão Europeia e o Alto Comissariado da ONU6 para os Refugiados (Acnur) pediram sem sucesso que os dois países agissem para que uma tragédia fosse evitada. O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, afirmou à imprensa que “salvar vidas no mar é um dever, mas transformar a Itália em um enorme campo de refugiados não é”. Finalmente, a Espanha se colocou à disposição para receber o navio declarando que o aceite visava a “evitar uma catástrofe humanitária e oferecer um porto seguro a essas pessoas”.7 Como multinacional sediada na Itália e, na condição de denunciante das mazelas do mundo, a Benetton procura se posicionar e se diferenciar das demais empresas do seu setor como se fosse a ovelha negra da família: uma empresa capitalista que, por sua vez, critica as próprias condições adversas intrínsecas ao capital. Não podemos esquecer, no entanto, de acordo com Wallerstein, que as mesmas condições que promovem o jogo de tensões inerente ao capitalismo propiciam sua perpetuação enquanto sistema, conforme vimos no primeiro capítulo. Responsável pelo translado dos refugiados em busca de um local seguro para aportar, a SOS Méditerannée publicou na sua conta no Twitter que a “dignidade dos sobreviventes deve ser respeitada em todos os momentos” e “a tragédia humana em jogo no Mediterrâneo nunca deve ser usada para fins comerciais”. Em sua conta também no Twitter, a Benetton publicou duas fotos publicitárias com migrantes: a primeira, creditada à SOS Méditerannée, e uma segunda, creditada à agência de notícias italiana Ansa. A iniciativa provocou a revolta de consumidores- cidadãos que denunciaram o oportunismo da marca com reposts8, demonstrando como estavam decepcionados e envergonhados com ela, exigindo da empresa uma postura de auxílio aos vulneráveis em vez da exposição global dos mesmos e das desgraças sofridas por eles com fins mercadológicos. Destacamos aqui alguns dos comentários disponíveis para consulta em <https://twitter.com/benetton>: Clare Herbert @clarecharliecat Jun 20 Benetton are doing this to raise their own brand awareness - they could have donated money to the rescue organisations but chose not to. This is not something designed to help others. I only hope they feel ashamed enough to make a donation. Tradução nossa: Benetton está fazendo isso para ampliar o conhecimento de sua própria marca – eles deveriam doar dinheiro para as organizações de resgate, mas preferem não fazer. Isso não foi pensado para ajudar os outros. Eu só espero que eles sintam vergonha suficiente para fazer uma doação. Mireya Toto Gtz @mitoguti Jun 20 Replying to @benetton Repugnante ! Infame !! 0 replies0 retweets3 likes Alice Onwordi @Alicethegoodone Jun 20 Replying to @benetton Please look at what Benetton is doing to sell sweaters. It is showing the migrants disembarking from charity boats. https://twitter.com/benetton The charity that owns the boat has condemned the Benetton adverts. Tradução nossa: Por favor, olhem o que a Benetton está fazendo para vender suéteres. Está mostrando os imigrantes desembarcando de barcos de caridade. A instituição de caridade que possui o barco condenou os anúncios da Benetton. diana caggiano @dianacaggiano Jun 20 Replying to @benetton @OriettaScardino vai in #Patagonia così vedi il trattamento che da @benetton al popolo #Mapuche Hai venduto le foto di questa pavera gente per fare questa infamia! #JusticiaPorSantiago #JonesHuala #JusticiaPorRafaelNahuel #CaceriaMapuche #Argentina 0 replies0 retweets2 likes Tradução nossa: Orietta Scardino vá à Patagônia ver o tratamento que a Benetton dá ao povo Mapuche. Você vendeu fotos dessa gente pobre para fazer essa infâmia! Cookiemunchster @BarryJumpleads Jun 20 Replying to @benetton Well done @benetton .hope you feel proud using the suffering, distress and plight of real people to sell maybe another shitty jumper. You should be ashamed. You should give these people help. You should help clothe these people. Tradução nossa: Bem-feito, Benetton. Espero que você sinta orgulho de usar o sofrimento e a aflição de pessoas reais para talvez vender outro moleton vagabundo. Você deveria ter vergonha. Você deveria era ajudar essas pessoas. Vocês deveriam ajudar a vestir essas pessoas. A estratégia publicitária utilizada há décadas pela Benetton é chamada, costumeiramente, no meio publicitário de “propaganda de choque”, uma prática considerada eficiente, mas perigosa, para ganhar com mais rapidez a difícil competição pela atenção do público na atualidade9. “É uma volta da Benetton às suas origens. A marca sofreu um lento declínio e claramente quer voltar a chamar a atenção”, avalia o professor Darren Dahl, da escola de negócios Sauder, em Vancouver, no Canadá.10 A iniciativa de lançar uma campanha, em 2015, como vimos no início deste capítulo, com a temática de apoio às condições laborais femininas parece bastante ousada, para não dizer arriscada e quase camicase para a marca. É que, em maio de 2013, o executivo-chefe da Benetton, Biagio Chiarolanza, admitiu vínculos da multinacional de moda com a tragédia no Rana Plaza, o edifício que desmoronou em Bangladesh com milhares de trabalhadores no interior, inclusive mulheres trabalhadoras, acidente mencionado no primeiro capítulo do livro. A Benetton comprou, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, um lote de cerca de 200 mil camisas de uma empresa chamada New Wave Style, que administrava uma das fábricas dentro do Rana Plaza. “No momento do desastre, a New Wave não era uma das nossas fornecedoras, embora um dos nossos fornecedores na Índia tenha subcontratado dois pedidos à empresa”, reconheceu o executivo-chefe da Benetton. Suas afirmações, em entrevista publicada no site do The Huffington Post, contradisseram as declarações iniciais da Benetton, em comunicado logo após a tragédia, de que a mesma não tinha qualquer vinculação com o incidente. O que se revelou, posteriormente, foi um “labirinto de contratos e subcontratos (no caso da Benetton, mais de 700 empresas em 120 países) que mantêm em pé o mercado da moda popular e das roupas vendidas em lojas de departamentos e hipermercados, o que por vezes torna impossível traçar o caminho que o vestuário segue desde a fábrica até o consumidor”.11 Trippi faz menção à era da delegação de poder, que consiste na possibilidade dos cidadãos comuns desafiarem o poder das instituições arraigadas por meio, através da cultura colaborativa no século em curso (apud Jenkins, 2008, p. 275). “O poder está se deslocando das instituições que sempre governaram de cima para baixo, sonegando informações, dizendo como devemos cuidar de nossas vidas, para um novo paradigma de poder, distribuído democraticamente e compartilhado por todos nós”. (Trippi apud Jenkins, 2008, p. 275). No livro A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre, Klein demonstra como as corporações têm explorado as próprias crises ambientais, promovidas por elas mesmas, em busca do lucro. “A doutrina do choque como todas as doutrinas é uma filosofia de poder. É uma filosofia sobre como conseguir seus próprios objetivos políticos e econômicos. É uma filosofia que sustenta que a melhor maneira, a melhor oportunidade para impor as ideias radicais do livre-mercado é no período subsequente ao de um grande choque. Esse choque poder ser uma catástrofe econômica. Pode ser um desastre natural. Pode ser um ataque terrorista. Pode ser uma guerra. Mas a ideia é que essas crises, esses desastres, esses choques abrandam sociedades inteiras. Deslocam-nas. Desorientam as pessoas. E abre-se uma ‘janela’ e a partir dessa janela se podeintroduzir o que os economistas chamam de ‘terapia do choque econômico’.”12 Klein parte da descrição da tática do economista Milton Friedman para identificar a “doutrina do choque” do capitalismo contemporâneo: espera-se uma grave crise, vende-se parte do Estado para investidores privados (enquanto os cidadãos ainda se recuperam do choque) e depois as reformas são transformadas em mudanças permanentes. Klein argumenta que a crise das mudanças climáticas derivada do estágio atual do sistema traz, no seu bojo, a possibilidade das pessoas despertarem para uma ação democrática contrária à cooptação do capitalismo sobre tudo e todos, inclusive sobre os problemas provocados por ele mesmo. Para a autora, quando um tornado destruiu a maior parte da cidade de Greensburg, no Kansas, em 2007, a população rejeitou as iniciativas “de cima para baixo” para a recuperação da cidade. Preferiu reunir esforços da comunidade para a reconstrução do lugar, aumentando a participação democrática, criando novos edifícios públicos ambientalmente responsáveis. Após essa virada, Greensburg se tornou uma das cidades mais verdes dos Estados Unidos. A ampliação da consciência dos consumidores e cidadãos sobre o estado de coisas atual derivado dos impactos do sistema- mundo capitalista deve, segundo Klein, estimular uma transformação radical da nossa economia: menos consumo, menos comércio internacional, mais iniciativas de economia solidária que valorizem a “relocalização” da economia, mais redistribuição das riquezas “para que mais entre nós possam viver confortavelmente dentro das capacidades do planeta”13. Nessa perspectiva trazida por Klein, da ampliação da consciência acerca das ameaças ao planeta e às mínimas condições de vida adequadas para as pessoas, as iniciativas de buycott14 se ampliam, individual ou coletivamente, especialmente entre os mais jovens, impactados pela circulação exponencial de notícias sobre os desafios do mundo agora e adiante. A busca pelo controle é algo inerente aos agenciamentos publicitários. Hoje, o monitoramento das mídias sociais pelas empresas busca acompanhar esse grande poder de mobilização acima mencionado a fim de neutralizá-lo antes que cause maiores estragos às empresas por meio da disseminação de pontos de vistas negativos e das reivindicações dos consumidores e cidadãos alinhadas aos seus desejos15. Para melhor avaliar essa questão, é interessante pensarmos também na relação entre os sujeitos, o desejo, o capitalismo e a publicidade, considerando a política e o poder existente nesses agenciamentos. Quando refletimos sobre o conceito de micropolítica à luz de Foucault, Deleuze e Guattari, somos levados a considerar as operações de poder existentes nas relações partindo do princípio de que é impossível dissociar desejo e política. Todas as relações humanas são agenciadas por desejos que têm repercussões políticas tanto na vida dos indivíduos quanto no corpo social em que elas se processam. “Vemo-nos solicitados o tempo todo e de todos os lados a investir a poderosa fábrica de subjetividades serializada, produtora destes homens que somos, reduzidos à condição de suporte de valor – e isso inclusive (e sobretudo) quando ocupamos os lugares mais prestigiados na hierarquia dos valores. Tudo leva a esse tipo de economia. Muitas vezes não há outra saída”. (Rolnik in Guattari; Rolnik, 2008, pp. 15-16). Na máquina capitalista, sempre que os desejos contrários aos interesses do sistema são acionados, há uma potência de recuperação intrínseca ao regime. “Sempre que algo descodificado flui sobre o corpo social, a máquina capitalista produz um axioma a mais, codifica e territorializa” (Ferraz, 2010).16 Os fluxos desterritorializados oferecem riscos à sociedade porque não respondem a nenhum código. Mesmo assim, quando surgem, são rapidamente decodificados e absorvidos pela máquina. “Neste processo, o desejo é capturado, mas capturado ao mesmo tempo em que as subjetividades são produzidas incessantemente na máquina capitalista” (Ferraz, 2010)17. Analisando a sociedade ocidental contemporânea, Deleuze afirma: “Ela não teme o vazio, nem a penúria, nem a escassez. Sobre seu corpo social, alguma coisa flui e não se sabe o que é, alguma coisa que não é codificada, e que, em relação à sociedade, aparece como não codificável. Alguma coisa que fluiria e arrastaria esta sociedade a uma espécie de desterritorialização, que faria fundir a terra sobre a qual ela se instala” (1971, p. 2). O corpo social se define pelos fluxos que correm sobre ele, sempre codificando o que escapa aos códigos, remanejando os códigos para abarcar os fluxos perigosos. A sociedade pautada pelo capital pode suportar as piores condições de vida, mas não suporta o estranho, o inquietante, aquilo que abala o aparelho repressivo. Diante da ameaça, são rapidamente produzidos novos axiomas que permitam uma codificação (Ferraz, 2010)18. Vale observar aquilo que, a despeito da crítica e da contracultura, foi produzido a partir da fotografia de Ernesto “Che” Guevara, um dos líderes da revolução cubana, crítico do capitalismo de mercado estadunidense, tirada pelo fotógrafo Alberto Korda, em 1960: muitos produtos de consumo e imagens para campanhas publicitárias. Em vez de essa imagem ser cristalizada no imaginário social como representação do questionamento ao sistema e da busca por sua desconstrução, opera-se uma reconversão simbólica e ela se torna um objeto de consumo como outro qualquer, para ser aproveitado de maneira alienada, logo descartado, esquecido e substituído por outro igualmente descartável. Há inúmeros produtos à venda na internet com a imagem de “Che”, de canecas a camisetas, passando por almofadas, chinelas, mousepads, capas para celulares e adesivos para computadores: o líder anticapitalista transformado em mercadorias para o mercado global. A máquina capitalista parece “fagocitar” tudo aquilo que coloca seus interesses em perigo e adquire ainda mais energia com isso19. Para Deleuze, esse é o paradoxo fundador do capitalismo como formação social: “Se é verdadeiro que o terror de todas as outras formações sociais foram os fluxos descodificados, o capitalismo, por sua vez, se constituiu historicamente sobre uma coisa inacreditável, sobre o que fazia todo o terror das outras sociedades: a existência e a realidade de fluxos descodificados dos quais fez seu negócio” (1971, p. 4). E os fluxos decodificados seguem livres, ressignificando e proporcionando associações simbólicas inusitadas como a superposição da imagem do Che Guevara à imagem da cantora pop Cher, numa espécie de amálgama do ativismo com a mercantilização, que dá origem a uma “Cher Guevara”, facilmente encontrada na internet. Capitalismo e ativismo, juntos e misturados, seguem provocando encontros insólitos e angariando amantes e inimigos. 1 A fagocitose é uma operação realizada pelos leucócitos ao encontrar corpos estranhos nos organismos. A membrana celular engloba as partículas ameaçadoras, levando-as para dentro da célula. Devidamente capturadas, essas partículas ficam dentro de um vacúolo digestivo que realizará a digestão do elemento estranho, utilizando os lisossomos e gerando ainda mais energia para a célula. Disponível em: <http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/> Acesso em: 7 jan. 2015. 2 Disponível em: <https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens- campanhas-benetton/>. Acesso em: 21 jul. 2018. 3 Disponível em: <https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens- campanhas-benetton/>. Acesso em: 21 jul. 2018. 4 Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do- aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018. 5 Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do- aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018. 6 ONU: sigla da Organização das Nações Unidas. 7 Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do- aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018. 8 Repost: termo quedesigna o reencaminhamento de uma mensagem postada no Twitter por outra pessoa, normalmente com o intuito de visibilizar o texto e seu emissor, em tom de aprovação ou de desaprovação, de escárnio ou denúncia. 9 Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha- polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292>. Acesso em: 22 jul. 2018. 10 Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha- polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292>. Acesso em: 22 jul. 2018. 11 Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/empresa-benetton- admite-vinculos-com-predio-que-caiu-em-bangladesh-e-matou-900- pessoas-09052013>. Acesso em: 22 jul. 2018. 12 Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/176-noticias/noticias- 2007/562784-a-doutrina-do-choque-o-tema-do-novo-livro-da-ativista- naomi-klein>. Acesso em: 22 jul. 2018. http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/%3eAcesso https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-campanhas-benetton/ https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-campanhas-benetton/ https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-aquarius-e-os-populistas-na-italia.html https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-aquarius-e-os-populistas-na-italia.html https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-aquarius-e-os-populistas-na-italia.html https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292 https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292 https://noticias.r7.com/internacional/empresa-benetton-admite-vinculos-com-predio-que-caiu-em-bangladesh-e-matou-900-pessoas-09052013 http://www.ihu.unisinos.br/176-noticias/noticias-2007/562784-a-doutrina-do-choque-o-tema-do-novo-livro-da-ativista-naomi-klein 13 Disponível em: <https://www.esquerda.net/artigo/5-licoes-cruciais-para- esquerda-do-novo-livro-de-naomi-klein/3402>.1 Acesso em: 22 jul. 2018. 14 Buycott: termo utilizado para designar, dentro do contexto do consumerismo político contemporâneo, os boicotes a marcas, empresas e produtos por meio da recusa à compra dos mesmos e, muitas vezes, da propagação dessa recusa pelas mídias sociais para outros consumidores. 15 Disponível em: <https://www.ibpad.com.br/blog/o-que-e- monitoramento-de-midias-sociais-definicao-inteligencia-e-pesquisa-de- mercado/>. Acesso em: 22 jul. 2018. 16 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo. p?pid=S1519- 94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014. 17 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? pid=S1519- 94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014. 18 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? pid=S1519- 94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014. 19 A fagocitose é uma operação realizada pelos leucócitos ao encontrar corpos estranhos nos organismos. A membrana celular engloba as partículas ameaçadoras, levando-as para dentro da célula. Devidamente capturadas, essas partículas ficam dentro de um vacúolo digestivo que realizará a digestão do elemento estranho, utilizando os lisossomos e gerando ainda mais energia para a célula. Disponível em: <http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/>. Acesso em: 7 jan. 2015. https://www.esquerda.net/artigo/5-licoes-cruciais-para-esquerda-do-novo-livro-de-naomi-klein/34021 http://https//www.ibpad.com.br/blog/o-que-e-monitoramento-de-midias-sociais-definicao-inteligencia-e-pesquisa-de-mercado/ http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-94792010000100012&script=sci_arttext http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-94792010000100012&script=sci_arttext http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-94792010000100012&script=sci_arttext http://www.infoescola.com/citologia/leucocitos/ http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/%3eAcesso CONSUMO E ATIVISMO: LOVERS E HATERS Como podemos observar ao longo deste estudo, consumo e ativismo não se encontram, necessariamente, em lados opostos, como uma antinomia: consumo versus ativismo. O ativismo pressupõe o consumo de símbolos capazes de propagar ideias e conceitos, os quais, por sua vez, acabam sendo reprocessados pelo sistema a favor de sua própria reprodução. Quando falamos em cultura do consumo, falamos sobre algo muito maior do que a relação entre a produção, a circulação, a aquisição, o uso e o descarte de mercadorias, conforme abordamos no segundo capítulo. “Quando falamos de consumo não estamos nos referindo apenas a compras e, por conseguinte, ao consumo de mercadorias ou bens materiais, pois consumimos modos de ser, consumimos moda, telenovelas, consumimos Instagram, entre outros bens simbólicos. Consumir significa se inscrever em imaginários que determinadas marcas nos inscrevem” (Hiller, 2017).1 Uma marca que faz bastante sucesso quando pensamos em consumo e ativismo, na contemporaneidade, é a Banksy. Criador de graffitis ao ar livre, o artista nasceu na Inglaterra, em 1973. Filho de um técnico de fotocopiadora, começou a trabalhar como açougueiro, mas logo se envolveu com graffitis no fim da década de 1980. Suas criações, vistas em Bristol, Londres, Los Angeles, Nova Iorque e Paris, dentre outras cidades, são marcadas por uma grande incógnita, pois o artista não se deixa fotografar e sua fama também está associada a este mistério. Conhecido pelo seu desprezo pelo governo que rotula graffiti como vandalismo, Banksy expõe sua arte em locais públicos, utilizando muros, paredes e ruas, podendo usar também objetos como suporte para expô-la. “Banksy não vende seus trabalhos diretamente, mas sabe-se que leiloeiros de arte tentaram vender alguns de seus graffitis nos locais em que foram feitos e deixaram o problema de como remover o desenho nas mãos dos compradores.” (Imbroisi, 2017).2 O mistério sobre a identidade do artista é mantido com a ajuda de um grupo de colaboradores que chegam a montar tapumes ao redor do britânico para que possa pintar escondido. Em suas obras, o artista visual deixa mensagens com forte conteúdo social e político, frequentemente carregadas de ironia. São paráfrases e paródias como é próprio da linguagem utilizada pelos consumidores e cidadãos também nas campanhas de terrorismo de marca, que consiste nos ataques dos consumidores-cidadãos às marcas com campanhas contradiscursivas propagadas na internet, como define Domingues (2013). Enquanto a paráfrase é a permanência de algo já presente no discurso, a paródia é a subversão do mesmo, trazendo memórias diversas e, na maior parte das vezes, opostas àquelas que estavam no primeiro enunciado. Sant’Anna avalia que “a paródia é um ato de insubordinação contra o simbólico, uma maneira de decifrar a Esfinge da Mãe Linguagem. Ela difere da paráfrase na medida em que a paráfrase se assemelha àquele que dorme edipianamente cego no leito da Mãe Ideologia” (2007, p. 32). Vários enunciados ativistas contrários a marcas, inclusive as criações de Banksy, utilizam-se da paródia para mobilizarem a sociedade e impactarem os consumidores com novas possibilidades de linguagem a partir de modificações verbais ou visuais na superfície discursiva. Foucault observa que “o enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou impede a realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra na ordem das contestações e das lutas, torna-se tema de apropriação ou de rivalidade” (2008, p. 119). Banksy pintou notas de dez libras falsas, substituindo a imagem da rainha Elizabeth pela imagem da princesa Diana em uma paródia da moeda oficial do Reino Unido. Com a intervenção artística, as notas foram, posteriormente, vendidas por 200 libras, o que demonstra a valorização da temática e da ética apresentadas pelo artista associadas às qualidades estéticas da obra. “Sua poética é anti-conformista, anti-liberal, anti- capitalista, anti-establishment e se levanta contra as injustiças, criticando as instituições formais e a arbitrariedade do poder. Quando
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