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Consumo de Ativismo - Ana Paula Miranda

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“E você samba de que lado
De que lado você samba
Você samba de que lado
De que lado você samba
De que lado, de que lado
De que lado você vai sambar?”
Samba do Lado - Chico Science
© Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda 2018.
 
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem
autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem os meios
empregados
 
A grafia do texto foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
 
DIREÇÃO EDITORIAL
Kathia Castilho
 
REVISÃO
Ana Carolina Carvalho
 
CAPA E PROJETO GRÁFICO
Marcelo Max
 
PRODUÇÃO DO EBOOK
Schaffer Editorial
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
de acordo com ISBD
M672c
Miranda, Ana Paula
 
    Consumo de ativismo [recurso eletrônico] / Ana Paula Miranda, Izabela
Domingues. – Barueri, SP : Estação das Letras e Cores, 2020.
    128 p. ; ePUB.
 
    ISBN: 978-65-86088-11-3 (Ebook)
 
    1. Consumo. 2. Ativismo. 3. Moda. 4. Cultura. I. Domingues, Izabela. II.
Título.
 
 
2020-237
CDD 658.8342
CDU 366.1
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
 
Índice para catálogo sistemático:
http://www.studioschaffer.com/
1. Comportamento do consumidor 658.8342
2. Comportamento do consumidor 366.1
 
Palavras chave: Consumo, Ativismo, Moda, Cultura.
 
Estação das Letras e Cores Editora
Av. Real, 55 – Aldeia da Serra – Barueri
06429-200 – São Paulo –
Tel: 55 11 4326 8200
www.estacaoletras.com.br
 www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/
http://www.estacaoletras.com.br/
http://www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/
Dedicamos este livro a todxs que consomem ativismo.
E a todxs a quem amamos...ativamente.
SUMÁRIO
Apresentação
São os consumidores ativistas?
Sistema-mundo capitalista e confrontos
Cultura de consumo e consumo simbólico
O sistema que transforma contestação em status quo
Consumo e ativismo: lovers e haters
O que e consumo de ativismo?
Ativismo como objeto de moda
Moeda social, mídias sociais e netativismo
Consumidor ativista x consumidor de ativismo
Referências
SÃO OS CONSUMIDORES
ATIVISTAS?
Qual causa o freguês vai levar hoje?
Comece o dia saboreando um caffè latte de feminismo
acompanhado de biscoitinhos LGBTQ. Antes do almoço, não
deixe de checar a nova coleção de bolsas veganas. Para um dia
longo, nada melhor que um almoço reforçado com muita
proteína de causas de igualdade racial. No fim da tarde, antes de
treinar na academia, o mais recomendável é ingerir Whey
Empoderamento Transgênero. Tome três doses acompanhadas
da barra de cereal da desconstrução do masculino. Um jantar
leve é o mais indicado, brindado com uma taça de vinho contra a
exploração de mão de obra. Para a balada do fim de semana, a
rave do compartilhamento no novo espaço coworking da cidade
é o point. Vista a camiseta de moda consciente e leve um quilo
de alimento não perecível para garantir entrada livre na pista vip.
Embalamos rapidinho a sua causa e entregamos em
domicílio sem cobrança de frete.
Essas cenas parecem exagero ou ficção, mas, ainda que
limitadas, já acontecem hoje. As gôndolas do varejo oferecem
causas e ativismo enlatado para os diferentes tipos de
consumidores.
Muitos profissionais do mercado, publicitários e gestores de
marketing, marca ou produto, diante desse cenário, reclamam
que é muito mimimi e que o mundo está ficando cada vez mais
chato.
Vários consumidores alertam que é golpe dos esquerdazi e
proclamam boicote contra as causas, assinando #salveoconsumo
nas mídias digitais.
Já as pesquisadoras Izabela Domingues e Ana Paula de
Miranda optaram por mergulhar fundo no mundo do consumo
contemporâneo e entender as questões que batem à porta dos
consumidores e das marcas: existe ativismo no consumo ou é
tudo marketing? Até que ponto expressar causas ativistas no mix
de produtos compromete a imagem da marca? Quais são os
riscos do envolvimento das marcas com a política que pode
provocar a perda de legião de lovers? O quanto as marcas são
verdadeiras ao defenderem causas cidadãs ou é tudo demagogia?
Essas empresas de fato cumprem o que pregam? As marcas estão
aderindo ao ativismo ou os consumidores são ativistas?
Ao tentar responder essas questões, a dupla de autoras traça
uma radiografia de uma das facetas mais marcantes e instigantes
do consumo contemporâneo, o consumerismo. Expressão ainda
pouco usual entre os profissionais do mercado, o consumerismo
é o encontro entre a nossa vida pública e a privada por meio do
consumo. Segundo a pesquisadora sueca Michele Micheletti1,
trata-se do exercício político e engajado do poder de escolha no
consumo. Os indivíduos usam o seu papel de consumidor para
atuar como cidadãos, fazendo reivindicações que, ainda que
individuais, terão impacto para o bem social coletivo. Diferentes
causas podem ser abraçadas pelo consumerismo, como proteção
do consumidor, denúncias de exploração de mão de obra,
aumento do poder de compra, valores éticos, empoderamento
feminino, inclusão LGBTQ, igualdade racial, equidade entre os
gêneros e proteção do meio ambiente, entre várias outras. Os
debates e questionamentos sobre o consumo são por si só, atos
consumeristas porque provocam reflexividade sobre o consumo
e as suas bases.
Usar o consumo para reivindicar mudanças na sociedade não
é recente. O que há de novo é o uso do terreno cibernético para
manifestações dos consumidores. Nas redes sociais, são
frequentes os depoimentos de cidadãos comuns contra as
empresas pelos mais diferentes motivos, que variam desde uma
insatisfação particular e pontual até acusações sobre exploração
de mão de obra ou trabalho escravo, não deixando de fora as
campanhas publicitárias acusadas de objetificação do corpo da
mulher, reprodução da ditadura de padrões de beleza e ausência
de representatividade dos negros e da subcultura LGBT.
As mídias digitais deram vozes para os gritos que estavam
entalados e abafados. Vozes que antes não se ouviam, agora
importam.
Os puristas saudosos dizem que mercado e política não se
misturam. Não é verdade. As práticas de mercado têm
implicações diretas na esfera política, social, econômica e
demográfica, assim como as orientações políticas interferem nas
práticas de mercado. É um sistema orgânico no qual um
alimenta o outro.
A isenção é uma farsa. A neutralidade é uma cilada com um
emaranhado de espinhos. Não se posicionar já é um
posicionamento. Gestores que pregam a neutralidade das
marcas flertam com a omissão e a cumplicidade nas práticas de
mercado que estão na mira da vigilância e das reivindicações dos
consumidores.
Esse ativismo do consumidor coloca mais marcadamente a
urgência em pensarmos o consumo como um fato social,
transcendendo a reflexão restrita ao comportamento do
consumidor ou ao uso dos bens. É hora de entendermos como o
consumo pode ser um terreno de articulações estratégicas
sociais, políticas e econômicas entre indivíduos, instituições e
mercado.
Não se trata de transferir os debates da esfera política para as
gôndolas do consumo, movido por uma decepção crescente e
profunda com as instituições políticas e seus atores. O que
acontece é que o consumidor tem percebido que a velocidade de
resposta no mundo do consumo é muito mais ágil, efetiva e
comprometida do que os recursos políticos que, em tempos
digitais, cheiram a naftalina.
Todos nós somos consumidores, mesmo quando não nos
damos conta. Por isso que este livro tem a ver com todos nós. É
para os pesquisadores e estudiosos acadêmicos do tema, traz
apontamentos importantes para os profissionais de mercado
que lidam com marcas e consumidores, tem linguagem acessível
para qualquer consumidor que deseja deixar de ser refém e
passar a ser autor no consumo.
Em uma sociedade na qual as experiências e os sentimentos
estão mercadorizados e disponíveis nas prateleiras, não há
momentos em que não consumimos. Nada escapa da
precificação no capitalismo. Se estamos destinados a conviver
com o consumo, o mais inteligente é sabermos como podemos
reivindicar, exigir e obter o melhordele.
Fábio Mariano Borges
1 Political Virtue and Shopping – Individuals, Consumerism and Collective
Action. Palgrave Macmillian, 2003.
SISTEMA-MUNDO
CAPITALISTA E
CONFRONTOS
O último quarto do século XX se configurou como um
período de intensificação do modelo econômico neoliberal e
acelerada privatização do setor público nos países do Ocidente,
especialmente na América Latina, à exceção de Cuba, ainda
imune, naquele momento histórico, ao capitalismo mundial
integrado. Nesse processo, os Estados cederam o controle da
economia material e simbólica às empresas, levando a um
cenário de descapitalização nacional, subconsumo das maiorias,
desemprego crescente e empobrecimento da oferta cultural
(Sorj, 2004).
Para Wallerstein, o sistema-mundo moderno vive uma crise
estrutural e se encontra em uma época de transição (2001).
“Estamos em uma crise estrutural da economia capitalista
mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser
totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a
data exata, mas vai levar muito tempo” (Wallerstein, 2012)1. Para
o autor, um sistema-mundo é um sistema social que possui
limites, estruturas, grupos associados, regras de legitimação e
coerência, cuja manutenção é assegurada em função das forças
em conflito que o mantém unido por tensão, mas também o
dilaceram, visto que cada um dos grupos procura remodelar o
sistema em seu proveito. Um sistema-mundo funciona como um
organismo: tem um tempo de vida durante o qual algumas
características vão se modificar enquanto outras permanecerão
estáveis (1974).
Nesse sistema histórico, as unidades sociais são distintas
culturalmente, inclusive etnicamente diversas, mas
interdependentes economicamente (Scott, 2009). Esta
interdependência é reforçada por uma ideologia construída e
mantida nos países do centro, que vai contribuir para a
subjugação dos países periféricos e semiperiféricos. Entretanto,
apesar das unidades sociais serem culturalmente distintas no
sistema-mundo moderno, há uma homogeneização cultural
crescente, associada a essa ideologia dominante, que vai
proteger a manutenção da divisão díspare do mundo.
A civilização capitalista mundial consiste em um mundo
polarizado e polarizante. A afirmação das suas virtudes consegue
persuadir muitas pessoas sobre os benefícios a longo prazo
trazidos pelo surgimento desse sistema. Por outro lado, a
discussão a respeito dos problemas intrínsecos a ele faz com que
outros tantos indivíduos e grupos percebam que podem se
organizar com eficácia para implementar transformações
políticas (Wallerstein, 2001).
A economia-mundo moderna é essencialmente capitalista
(Wallerstein, 1974). Na virada do milênio, Wallerstein afirmava
que “nós entraremos – ou melhor, nós já entramos – em uma era
de turbulências caóticas nos planos econômico, político e
cultural.” (in Chesnais et al., 2003). A previsão parece ter se
confirmado e as duas primeiras décadas do século XXI se
configuraram como palcos de grandes turbulências em âmbito
mundial. “As turbulências e reviravoltas políticas que vivemos
irão recrudescer. A esquerda só vencerá se souber aliar os que
lutam por direitos sociais às forças multiculturais. Este é, hoje, o
sentido da luta de classes” (Wallerstein, 2017)2.
Tal afirmação nos faz pensar na ascensão de temas como
racismo e gênero nas pautas das discussões sociais, políticas,
econômicas, acadêmicas, midiáticas e até mesmo corporativas
na atualidade. As resistências étnicas, evidenciadas fortemente
com a ampliação dos debates sobre o racismo na última década,
e as reivindicações acerca da multiplicidade de gênero em
contraponto ao binarismo homem e mulher parecem dialogar
diretamente com o entendimento desse pensador de que, na
contemporaneidade, a luta pelos direitos sociais está atrelada,
inevitavelmente, às forças multiculturais, à inerente
complexificação do mundo e desestabilização do status quo
moderno.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União
Soviética iniciaram uma “guerra fria”, cujo objetivo “não era
derrubar o outro (ao menos no futuro previsível), e sim preservar
à risca a lealdade de seus respectivos satélites”3, ou seja, os
países periféricos e semiperiféricos sobre os quais tinham amplo
domínio, como se fosse um “Tratado de Tordesilhas” moderno.
Movimentos dos mais variados lugares do mundo perceberam
que a chamada “velha esquerda” não era tão antissistêmica
quanto parecia. “Sua ascensão ao poder não havia mudado nada
relevante, diziam seus agressores. Esses movimentos passaram a
ser vistos como partícipes do sistema que devia ser rejeitado
para que os verdadeiros movimentos anticapitalistas tomassem
seu lugar” (Wallerstein, 2017)4.
Na década de 1980, os governos do presidente americano
Ronald Reagan e da primeira-ministra britânica Margaret
Thatcher impuseram uma forte política de eliminação do
protecionismo dos países que lhes demandavam apoios e
empréstimos, acabando com o estado de bem-estar social e
determinando a supremacia do livre mercado. “É o que
conhecemos como o Consenso de Washington — e quase todos
os governos se renderam a esta grande mudança de foco.
Governos que não se enquadraram, caíram, culminando no
colapso espetacular da União Soviética” (Wallerstein, 2017)5.
Nessa perspectiva, Sorj indica que a dinâmica própria do
capitalismo, associada às mudanças no sistema político
internacional do fim do século XX, especialmente com a
derrocada do comunismo, enfraqueceu o papel organizador das
classes sociais e diminuiu a importância dos sindicatos e dos
partidos políticos (2004).
A cartilha Reagan/Thatcher, que passou a reger o sistema-
mundo capitalista na década de 1980, foi apresentada ao mundo
sob a justificativa amplamente conhecida como TINA (sigla
formada a partir das letras iniciais das palavras “there is no
alternative”, em português, “não há outra alternativa”). Buscando
mostrar que havia outros caminhos a serem trilhados, os quais
não necessariamente comungavam com o pensamento
neoliberal, articularam-se, em diversas partes do mundo, de
meados da década de 1990 ao início dos anos 2000, várias
iniciativas oposicionistas à TINA. Dentre elas, destacam-se: a
insurreição dos zapatistas, em Chiapas (1995), as manifestações
bem-sucedidas contra a tentativa de decretar garantias
obrigatórias para os chamados direitos de propriedade
intelectual, em Seattle (1998), e a fundação do Fórum Social
Mundial, em Porto Alegre (2001), em oposição ao Fórum
Econômico Mundial, considerado um pilar da TINA (Wallerstein,
2017)6.
Com a esquerda global ganhando espaço novamente, durante
a década de 1990, as forças conservadoras buscaram se
reagrupar não mais sob a égide da defesa da economia de
mercado, mas sim de bandeiras com demandas e apelos
socioculturais, como a proibição do aborto e a defesa do
comportamento heterossexual exclusivo. “Utilizaram tais temas
para atrair apoiadores à ação política. E mais tarde voltaram-se
para posturas xenofóbicas anti-imigração, abraçando o
protecionismo a que os conservadores econômicos
especificamente se opunham” (Wallerstein, 2017)7. Wallerstein
destaca que os apoiadores da democratização dos direitos
sociais e do chamado multiculturalismo, nos anos 1990,
copiaram a nova tática política da direita e legitimaram, com
sucesso, ao longo da primeira década do século XXI, avanços
significativos em questões socioculturais, como os direitos das
mulheres, os primeiros direitos ao casamento homossexual e os
direitos dos indígenas. Nessa perspectiva, o discurso dos direitos
humanos veio ocupar o lugar das utopias políticas veiculadas
pelos partidos no século XX, transformando o sistema clássico de
representação e transferindo o papel de catalisadores da ação
coletiva para outros agentes sociais, como, por exemplo, as
organizações não governamentais, chamadas comumente de
ONGs (Sorj, 2004).
Desde 2013, quando ocorreram manifestações populares
expressivas no Brasil, na Turquia, no Egito e em mais de 30
países8, é possível perceber, entretanto, uma articulação
crescente de organizaçõescoletivas desassociadas de partidos e
até mesmo de ONGs, mobilizadas em redes por meio da internet
e dos smartphones: são os móbil-izados9, conforme sugere o
estudo F/Radar elaborado pela agência de publicidade F/Nazca
Saatchi & Saatchi em parceria com o Instituto Datafolha (2015).
Pessoas de diferentes idades, localidades, classes sociais,
profissões, etnias e credos se aglutinaram em torno de causas
variadas nas redes sociais digitais e nas ruas, nos cinco
continentes, para reivindicar a manutenção dos direitos
adquiridos ou por adquirir dos mais diversos atores sociais e
políticos de maneira intensa e potente.
O estudo da agência F/Nazca aponta uma relação direta entre
a articulação das pessoas nas redes sociais digitais e o seu
envolvimento presencial em mobilizações aqui no Brasil.
“Metade daqueles que já participaram pela internet o fizeram
também fora dela. Além disso, 6 em cada 10 ativistas digitais
acreditam que as redes contribuem para eles participarem
presencialmente” (F/Radar, 2015)10. A pesquisa mostra ainda
que o engajamento político não é privilégio dos mais ricos. A
maioria dos netativistas brasileiros entrevistados, 45%, estava,
durante a realização da pesquisa, em março de 2015, na classe C.
As novas tecnologias digitais “colocam a luta política em
outro patamar, e esse outro patamar não pode mais deixar de ser
levado em conta porque a luta vai se passar lá” (Santos, 2013).
Santos chama de tecnopolítica o modo de articulação política
que remixa as ruas com as redes na era digital. “Porque não é
mais possível pensar a política sem a tecnologia junto” (Santos,
2013).11 Na atualidade, vemos o resultado de uma nova dinâmica
de individualização, constituição de identidades coletivas e
participação política que fragmenta a representação social e
limita a capacidade de elaboração de propostas para a
transformação do conjunto da sociedade (Sorj, 2004). Por outro
lado, o acesso à internet, especialmente após a invenção das
redes sociais digitais, aumentou, exponencialmente, o
conhecimento das pessoas em relação às mais diferentes
informações sobre o que acontece no mundo contemporâneo,
transformando suas possibilidades de atuação política em escala
global. Também fez com que os cidadãos de todas as partes do
mundo entrassem em contato com as enormes diferenças
sociais que existem no planeta, ampliando sua consciência sobre
fatos e fenômenos anteriormente desconhecidos e a necessidade
de se posicionarem politicamente mediante essa nova
consciência (Domingues, 2013).
Esse conhecimento levou homens e mulheres a tomarem
iniciativas e assumirem posturas as quais, antes, não se sentiam
obrigados ou motivados, por ignorância ou por não estarem
expostos continuamente a essas realidades (Ribeiro et al., 2003).
Em decorrência dessas novas posturas, as empresas também
foram convocadas pelos consumidores, cada vez mais a se
posicionarem ideologicamente, diante das assimetrias
econômicas e sociais. São pressionadas tanto pelo público
externo quanto pelo público interno a buscarem,
preferencialmente, parceiros, em seus negócios, que também
compartilhem de sua visão de mundo e de sua posição política,
ou seja, que considerem os impactos sociais e ambientais das
suas ações, bem como estimulem atitudes louváveis de todos os
seus stakeholders12, considerando os direitos humanos,
especialmente no tocante aos temas do racismo, do feminismo,
do pluralismo de gênero, dos direitos humanos em geral,
incluindo o respeito às diferenças físicas e mentais, assim como
o respeito aos direitos dos animais.
No livro Consumidores e cidadãos, Garcia Canclini destaca
que alguns consumidores querem ser cidadãos, visto que
buscam expressar seu contentamento ou desapontamento com
questões de ordem econômica, social e cultural mediante
atitudes políticas relacionadas ao consumo (2005). Podemos
afirmar que essa busca, incipiente na virada do milênio,
intensificou-se na última década e que as esferas do consumo e
da cidadania encontram-se cada vez mais imbricadas naquilo
que Micheletti chama de consumerismo político: a utilização do
mercado como arena política e das escolhas dos consumidores
como ferramenta de exercício político (Micheletti et al., 2009).
O consumerismo político consiste na utilização de ações de
pessoas físicas ou jurídicas no mercado a fim de criar confiança,
controlar incertezas e resolver problemas comuns. “Homens e
mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos
cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como
posso me informar, quem representa meus interesses – recebem
mais resposta do consumo privado de bens e dos meios de
comunicação de massa do que pelas regras abstratas da
democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos”
(Canclini, 2005, p. 52). Para além dos meios de comunicação de
massa e, certamente bem mais que eles na sociedade de
consumo multicanal, digital e global, as mídias sociais se
configuram como as grandes arenas de debates públicos acerca
dos incômodos decorrentes dos confrontos inerentes ao
sistema-mundo capitalista atual.
Mas o que é sociedade de consumo? O fenômeno do
consumo de objetos nas sociedades ocidentais contemporâneas
surge como um modo ativo de relação não somente com os
objetos, mas também com a coletividade e o mundo. É um modo
de atividade sistemática e de resposta global que serve de base a
todo o sistema cultural. Segundo Baudrillard, a sociedade de
consumo “resulta do compromisso entre princípios
democráticos igualitários, que conseguem agüentar-se com o
mito da abundância e do bem-estar, e o imperativo fundamental
de manutenção de uma ordem de privilégio e de domínio” (1995,
p. 52).
Na sociedade de consumo, a distinção se dá pela maneira de
consumir, pelo estilo, não mais pelo nível de rendimento dos
consumidores. A hierarquia dos critérios de poder passa “da
ostentação quantitativa para a distinção, do dinheiro para a
cultura” (idem, ibidem, p. 53). A ideologia do consumo é
constituída por uma lógica do feitiço. Todos os objetos são
valorizados enquanto tais. E as ideias, os lazeres, os saberes e a
cultura também ganham a condição de objeto. Os
objetos/símbolos se ordenam como valores estatutários no meio
de uma hierarquia, bem como representam diferenças
significativas no interior de um código (idem, ibidem, p. 60).
A sociedade de consumo passou por mudanças significativas,
a partir do fim dos anos 1970, tanto na organização da oferta
quanto nas práticas cotidianas e no universo mental do
consumismo moderno, transformando-se, segundo Lipovetsky,
na sociedade de hiperconsumo (2017, p. 12). A sociedade de
hiperconsumo está alicerçada não mais em uma economia
centrada na oferta, mas na procura, com políticas de marca,
criação de valor para o cliente, sistemas de fidelização,
crescimento da segmentação e da comunicação. Nesse novo
ambiente socioeconômico, surge a figura do hiperconsumidor,
responsabilizado o tempo inteiro por suas práticas de consumo
excessivas.
Douglas e Isherwood (2004) afirmam que as mercadorias
servem para pensar. É exatamente essa reflexão sobre conceitos
e valores a partir da preferência ou não por determinadas
mercadorias, marcas e corporações a que se refere o
consumerismo político. Com o avanço do capitalismo neoliberal
e da globalização econômica, a influência das corporações
transnacionais na vida dos cidadãos aumentou
consideravelmente. O consumerismo político reconhece o novo
poder dessas corporações e se utiliza do mercado como um
poderoso lugar para o exercício político (Micheletti et al., 2009).
A burocracia técnica das decisões e a uniformidade
internacional próprias do sistema-mundo capitalista diminuem
o que está sujeito a debate na orientação das sociedades. Dessa
forma, “a única coisa acessível são os bens e as mensagens que
chegam a nossa própria casa e que usamos ‘como achamos
melhor’” (Canclini, 2005, p. 30).
Até o mercado da moda, costumeiramente associado à
produção, ao consumo e ao descarte velozes relacionados à
indústria fast fashion, tem sentido as repercussões doconsumerismo político contemporâneo tanto por parte dos
consumidores quanto pela perspectiva da cadeia produtiva, que
passa a se repensar em função de sua própria consciência, mas,
especialmente, pela força da consciência cada vez maior em
relação às escolhas de consumo dos que denominaremos de
agora em diante de consumidores-cidadãos.
Para a construção teórica do conceito de consumidor-
cidadão que utilizaremos neste trabalho, partimos do
entendimento de que são aqueles que compram produtos para
obter função, forma e significado (Engel, 1995) e cidadãos são
indivíduos de um estado livre no gozo de direitos civis e
políticos. Canclini propõe a relação entre consumidores e
cidadãos na qual o exercício da cidadania na sociedade de
consumo contemporânea passa, necessariamente, pela esfera do
consumo, o que nos leva a classificar esse consumidor no
contemporâneo de consumidor-cidadão, aquele que usa seu ato
de consumo como manifesto, ou seja, exercício de cidadania.
Provocado pelo desabamento do edifício Rana Plaza, em
Bangladesh, no dia 24 de abril de 2013, que deixou 1.133 mortos
e 2.500 feridos13, um conselho global de líderes da indústria da
moda sustentável criou o movimento Fashion Revolution. “A
campanha surgiu com o objetivo de aumentar a conscientização
sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto em todas as
fases do processo de produção e consumo, mostrando ao mundo
que a mudança é possível por meio da celebração dos envolvidos
na criação de um futuro mais sustentável e criar conexões
exigindo transparência.”14 De acordo com North (2013)15, o
desabamento do prédio de três andares, onde funcionava uma
fábrica de tecidos, revelou o amplo descumprimento das normas
básicas de segurança em Bangladesh e evidenciou o lado
obscuro da indústria de roupas internacional. “É no norte da
capital Dhaka que se concentra a maior parte das fábricas de
roupas do país. Muitas delas fabricam peças para marcas
internacionalmente conhecidas. Das casas de um quarto e dos
casebres onde os operários vivem, pode-se ver blocos de
concreto de múltiplos andares atravessando os céus da região.
Nos telhados, vigas de aço reforçado estão aparentes, na
esperança de que outro piso repleto de máquinas de costura seja
erguido. Trata-se de um sinal, para os críticos, de que o ‘boom de
roupas’ ultrapassou os limites, na tentativa desesperadora de
alimentar o apetite do Ocidente por vestimentas mais baratas”
(North, 2013). O Rana Plaza era mais uma entre as dezenas de
fábricas locais em funcionamento naquele país que fornece
produtos desenvolvidos em condições sub-humanas de trabalho
para grandes redes varejistas internacionais, como a cadeia de
lojas britânica Primark. Ao saber da tragédia no local, a Primark
informou que estava “chocada e entristecida” e exigiria de seus
outros fabricantes uma revisão dos padrões de segurança no
trabalho. North enfatiza, entretanto, que “esta é apenas uma
pequena amostra de um cenário conhecido há bastante tempo
na região” (2013, p. 47). A co-fundadora do movimento Fashion
Revolution, Orsola de Castro, destaca que essa iniciativa busca
incentivar as pessoas a se questionarem sobre como as roupas
que usam são fabricadas a exercerem o consumerismo político
nas suas escolhas diárias. “Nós queremos que você pergunte:
‘Quem Fez Minhas Roupas?’. Essa ação irá incentivar as pessoas a
imaginarem o “fio condutor” do vestuário, passando pelo
costureiro até chegar no agricultor que cultivou o algodão que dá
origem aos tecidos. Esperamos que o Fashion Revolution inicie
um processo de descoberta, aumentando a conscientização
sobre o fato de que a compra é apenas o último passo de uma
longa jornada que envolve centenas de pessoas, realçando a
força de trabalho invisível por trás das roupas que vestimos”
(Castro, 2018)16. Lola Young, criadora do Grupo Parlamentar de
Todos os Partidos sobre Ética e Sustentabilidade na Moda no
Reino Unido, considera que “o Fashion Revolution promete ser
uma das poucas campanhas verdadeiramente globais a surgir
neste século” (2018)17.
Carvalhal avalia que está na hora de desaprendermos o que
sabemos sobre o mundo da moda e aprendermos de novo.
Diante dos enormes desafios vigentes no sistema-mundo
capitalista atual, todos que fazem essa indústria precisam
ressignificar seus conceitos e atitudes. “Marcas como a Trendt
nos mostram que acabou o tempo em que elas permaneciam
atreladas ao seu core business. Ele [Renan, dono da Trendt]
consegue fazer apenas uma peça nova por mês porque tem
muitas outras fontes de renda com a marca” (2016, p. 343). O
autor destaca que a comunicação em rede também foi
determinante para que o mundo da moda buscasse se
reinventar. “Acabou também o tempo da comunicação
unidirecional, de discursos atrelados ao produto e consumidores
passivos no processo de consumo. É hora de ampliar o escopo de
ação das marcas, ressignificar estruturas e inovar” (Carvalhal,
2016, p. 343).
O fato de os consumidores expressarem seus pontos de vista
por meio da escolha ou não de produtos, serviços, marcas e
corporações não é novo. Frequentemente, ao longo da história,
os consumidores sempre tenderam a optar por esse ou aquele
bem não somente em função dos seus aspectos econômicos
clássicos. Buscavam aqueles que se ligavam a eles por algum
aspecto intangível, seja religioso, ético, relacionado à
nacionalidade ou à classe social, enfim, à sua identidade
(Micheletti et al., 2009). Canclini avalia que, ao selecionarmos e
nos apropriarmos dos bens, definimos o que consideramos
publicamente valioso. Também utilizamos os bens, tanto
materiais quanto simbólicos, como modo de nos integrarmos e
nos distinguirmos na sociedade, “de combinarmos o pragmático
e o aprazível” (2005, p. 35).
O que existe de novo nesse fenômeno é que ele, agora, está
atrelado a um contexto de globalização socioeconômico-cultural
no qual as escolhas dos consumidores são influenciadas cada dia
mais fortemente por polêmicas, reivindicações e questões de
repercussão global que circulam, em rede, nos meios digitais
incorporados ao nosso cotidiano de maneira irreversível e
crescente (Micheletti et al., 2009). Esses embates on-life18, que
transbordam das ruas para as redes e das redes para as ruas,
imbricando, superpondo e amalgamando nossas experiências
nos meios físicos e digitais, estão profundamente atrelados a
uma consciência cada vez maior sobre o fato de que “o
capitalismo […] baseia-se na constante absorção das perdas
econômicas pelas entidades políticas, enquanto os ganhos
econômicos se distribuem entre as mãos ‘privadas’” (Wallerstein,
1974, p. 338).
Se, na Modernidade, o campo do consumo estava
relacionado aos poderes econômico e político – sendo a
propaganda alimentada pela necessidade de aumentar a
demanda por mercadorias e provocar a identificação dos
consumidores com os bens materiais – na pós-modernidade, ele
está associado aos valores culturais muito mais do que aos
materiais. “O valor dos bens depende mais de seu valor cultural
(‘valor de signo’) do que de seu valor funcional ou econômico”
(Ribeiro et al., 2003, p. 39). Assim, a propaganda e o marketing
ganham força, não mais sendo subordinados à produção,
aprofundando a desmaterialização crescente da economia.
Consumir não se separa da cultura; está intrinsecamente
associado aos processos sociais; há valores, significados e
discursos implícitos e/ou explícitos de poder, seleção,
classificação e organização nos mais distintos contextos sociais.
Enfim, o consumo é um código que “traduz” muitas relações
sociais e classifica objetos e pessoas, produtos e serviços,
indivíduos e sociedades.
1 Disponível em: <outraspalavras.net/posts/wallerstein-nenhum-sistema-e-
para-sempre/>. Acesso em: 20 jul. 2018.
2 Disponível em: <outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-
no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
3 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/>Acesso em: 20 jul. 2018.
4 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/>Acesso em: 20 jul. 2018.
5 Disponível em: https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/Acesso em: 20 jul. 2018.
6 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
7 Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-
direita-no-seculo-xxi/> Acesso em: 20 jul. 2018.
8 Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/por-que-2013-ja-e-o-
ano-dos-protestos-no-mundo/> Acesso em: 21 jul. 2018.
9 Móbil: termo derivado do inglês mobile que significa aparelho celular.
10 Disponível em: <http://www.fnazca.com.br/index.php/2015/10/20/fradar-
15%C2%AA-edicao/> Acesso em: 21 jul. 2018.
11 Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/e-preciso-entender-as-
redes-e-as-ruas/> Acesso em: 16 abr. 2018.
12 Stakeholders são todos os grupos de interesse na empresa ou na marca que
podem influenciar de forma positiva ou negativa a mesma.
13 Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tr
agedia_lado_obscuro>. Acesso em: 21 jul. 2018
14 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south-
america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
15 Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tr
agedia_lado_obscuro>. Acesso em: 21 jul. 2018.
16 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.rg/south-
america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
https://https//outraspalavras.net/posts/wallerstein-nenhum-sistema-e-para-sempre/
https://https//outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso
https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso
https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso
https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso
https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso
https://outraspalavras.net/posts/wallerstein-esquerda-e-direita-no-seculo-xxi/Acesso
https://exame.abril.com.br/mundo/por-que-2013-ja-e-o-ano-dos-protestos-no-mundo/Acesso
http://www.fnazca.com.br/index.php/2015/10/20/fradar-15%C2%AA-edicao/
https://www.revistaforum.com.br/e-preciso-entender-as-redes-e-as-ruas/
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tragedia_lado_obscuro
https://www.fashionrevolution.org/south-america/brazil/
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130428_bangladesh_tragedia_lado_obscuro
17 Disponível em: <https://www.fashionrevolution.org/south-
america/brazil/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
18 On-life: expressão que se refere ao amálgama da vida on-line com a vida
off-line e o borramento das fronteiras que dividiam essas experiências
anteriormente em nossas vidas, no dia a dia.
CULTURA DE CONSUMO E
CONSUMO SIMBÓLICO
O consumo pode ser explicado pela necessidade de expressar
significados mediante a posse de produtos que comunicam à
sociedade como o indivíduo se percebe enquanto interagente
com grupos sociais. Solomon (2002) considera o comportamento
de consumo mais do que comprar coisas. Esse estudo envolve
como ter (ou não ter) coisas afeta a vida das pessoas e como as
posses influenciam os sentimentos destas sobre elas mesmas e
sobre uma em relação à outra.
O interacionismo simbólico considera os significados como
produtos sociais, como criações que são formadas nas e pelas
interações pessoais. A sua peculiaridade consiste na premissa de
que os seres humanos interpretam e definem as ações uns dos
outros em vez de simplesmente reagir. Suas respostas não são
feitas diretamente para as ações uns dos outros, mas baseadas
no significado que eles atribuem a essas ações. Logo, a interação
humana é mediada pelo uso de símbolos, pela interpretação ou
verificação do significado das ações uns dos outros (Blumer,
1969).
O contexto social em que uma mensagem se apresenta pode
transformar seu significado ou levantar novas questões como
uma interpretação apropriada. Normalmente, existe uma gama
de possíveis significados ou significados em camadas que criam
“um efeito arco-íris de significados” (Kaiser, 1998, p. 237). Alguns
significados são derivados da experiência cultural, outros são
negociados durante as transações sociais e outros aparecem de
forma independente na cabeça dos participantes.
O mundo empírico do interacionismo simbólico é o mundo
natural da vida humana em grupo e da conduta humana.
Podemos entender que esse mundo natural seria o do dia a dia
das pessoas interagindo. Sob esse prisma, assumimos o luxo
como uma dimensão simbólica interessante para
aprofundamento do estudo do consumo simbólico, pois, dadas
suas características, os significados estão sempre presentes,
porém sem garantia de onde se localizam – seu significante.
Além disso, se por meio do consumo as pessoas se classificam, é
importante entender como elas usam o luxo para classificar o
que consomem, ao mesmo tempo como se classificam
mutuamente.
No âmbito do estudo de comportamento do consumidor, é de
amplo conhecimento que o consumo mantém relação direta
com a cultura. Conforme Slater (2002), o conceito de cultura
refere-se a valores que se originam do modo de vida de um povo
e que lhe dão identidade, fazendo também julgamento com
autoridade do que é bom ou mau, real ou falso, inclusive, na vida
cotidiana.
A cultura como uma construção dinâmica de significados do
mundo em que se vive também acontece por meio da compra e
da posse. A cultura é a lente por meio da qual as pessoas veem os
fenômenos que ocorrem no mundo e também os produtos e,
assim, ela supre o mundo de significados. Em verdade, todo
consumo é cultural porque sempre envolve significados: temos
necessidades e agimos em função delas interpretando sensações,
experiências e situações para dar sentido e transformar os
objetos.
Conforme Baudrillard (1995), o consumo é modo ativo de
relação não só com os objetos, mas com o mundo. O valor
simbólico agregado ao valor funcional dos objetos de consumo
vêm atender a um objetivo claro: acompanhar as mudanças das
estruturas sociais e interpessoais.
De acordo com a perspectiva do interacionismo simbólico
(Blumer, 1969), adotada nesta pesquisa – e que se dedica à
compreensão das relações sociais que atravessam as relações
humanas com os objetos e com outras pessoas – percebemos as
diferenças na construção da realidade de cada um dos grupos,
portanto, podemos afirmar que produtos são providos de
significados na sociedade; o estudo do simbólico reside em
entender como as pessoas compõem o seu próprio conceito e
compram ou rejeitam produtos que as identifiquem com a forma
idealizada, impulsionadas pelas mensagens simbólicas deles.
O profissional de marketing, na elaboração das suas
estratégias de mercado, deve considerar esses três pontos,
levando em conta o contexto cultural em que se efetiva o
consumo, pois produtos são carregados de significados que
variam conforme a cultura (Engel et al., 1995; Solomon, 2002). “A
moda é, inegavelmente, um fenômeno cultural, desde os seus
primórdios. É um dos sensores de uma sociedade. Diz respeito
ao estado de espírito, aspirações e costumes de uma população”
(Joffily, 1991, p. 09).
Portanto, a escolha do símbolo para a compreensão do
comportamento de consumo, como bem coloca Baudrillard
(1995), vem da necessidade de saber como os objetos são
vividos, quais necessidades, além das funcionais, atendem, que
esquemas simbólicos se misturam às estruturas funcionais e as
contradizem, sobre que sistema cultural, infra ou transcultural é
fundada a sua cotidianidade.
Encontramos, na cultura de consumo, um novo conceito do
do eu no qual o desenvolvimento do eu tem lugar na ênfase, na
aparência, na exposição e na gerência de impressões (Elliot,
2004). Autoapresentação requer estratégias de gerenciamento da
aparência, entre elas, a identidade como “o eu no contexto”. Na
perspectiva teatral, usa-se a analogia da vida como um teatro
para entender os “eus” nos contextos (Garcia & Miranda, 2005).
Portanto, estamos em umasociedade de cultura de consumo,
pois. segundo Belk (2004), esse tipo de consumo existe a partir de
quatro condições:
1. Uma proporção substancial da população consome em
níveis superiores aos da subsistência.
2. Trocas dominam a produção dos objetos de consumo.
3. Consumir é aceitável como uma atividade apropriada e
desejável.
4. Pessoas julgam outras e elas mesmas em termos de seu
estilo de vida de consumo.
E aponta consequências para esse tipo de consumo,
afirmando que pessoas deixam de comprar necessidades para
poder adquirir “luxos” que as façam se sentir parte da cultura de
consumo, isto sendo consequência do incremento do
materialismo, que é a importância que os consumidores
atribuem ao mundo das posses. Em certos níveis de
materialismo, as posses assumem um papel central na vida
pessoal e são creditadas como grande fonte de satisfação e
frustração. Isto causa uma relação entre consumo cultural e
felicidade, que vem a ser o sentimento de “se sentir bem”.
No modelo psicológico, a partir do estudo de Simmel (1904),
o indivíduo possui tendência à imitação. Esta proporciona a
satisfação de não estar sozinho em suas ações. Ao imitar, ele não
só transfere a atividade criativa, mas também a responsabilidade
sobre a ação dele para outra pessoa. A necessidade de imitação
vem da necessidade de similaridade. Sob essa dimensão,
conclui-se que a moda é a imitação do modelo estabelecido que
satisfaz a demanda por adaptação social, diferenciação e desejo
de mudar, e a base para a adoção é o grupo social.
A função de possuir é criar e manter o sentido da
autodefinição: ter, fazer e ser estão integralmente relacionados.
Pessoas expressam o seu eu no consumo e veem as posses, por
conseguinte, como parte ou extensão do eu. Para entender o
autoconceito faz-se necessário entender suas divisões básicas
em autoconceito real, ideal e social. “O autoconceito real refere-
se a como as pessoas percebem a si próprias; o autoconceito
ideal refere-se a como a pessoa gostaria de ser percebida; e o
autoconceito social refere-se a como a pessoa apresenta o seu eu
para os outros” (Sirgy, 1982, p. 287).
Segundo Belk (1988) e Solomon (2002), as posses comunicam
algo sobre os seus possuidores. Os consumidores preferem
produtos com imagens congruentes à sua autoimagem porque
acreditam que a sua aparência física e as suas posses afetam o
seu eu. O eu não é desenvolvido a partir de processo pessoal ou
individual, mas envolve todo o processo da experiência social.
Na aferição das reações dos outros, o indivíduo desenvolve a sua
própria autopercepção. Ele se percebe como acredita que é
percebido. O eu do indivíduo, assim sendo, seria determinado
amplamente pela projeção de como os outros o veem. Sirgy
(1982) afirma que os consumidores não conseguem distinguir
entre os seus próprios sentimentos sobre o produto e as suas
crenças sobre como são vistos pelos outros.
A dinâmica do processo de consumo está em se identificar. A
lógica desse processo se constitui na personalização e na
integração que caminham em paralelo: é o “milagre do sistema”,
do qual fala Baudrillard (1995). Essa integração é o processo pelo
qual o indivíduo se ajusta à sociedade e assim se socializa
(Augras, 1967; Solomon, 1983; Engel et al.,1995).
Os objetos, que não são linguagem tal como está
convencionada, comunicam: as roupas, o conjunto de estofado
da sala, o carro, o próprio corpo significam e emitem mensagens
sobre o indivíduo e o integram à sociedade (Baudrillard, 1973). O
ponto central é o modo pelo qual a pessoa se integra à sociedade
ou se marginaliza. O significado simbólico define adoção e uso
por um produto ser usado para significar determinada
identidade.
Belk (1988) desenvolveu uma teoria sobre a relação e a
apropriação do conceito do eu estendido (extended self) em que
o significado que o indivíduo atribui à posse reflete a sua própria
identidade. A noção de que, nos dias atuais, as pessoas definem a
si mesmas por meio das mensagens transmitidas aos outros por
via da posse de bens e realização de práticas sociais, tem por
objetivo manipular e gerenciar aparências de forma a criar e
sustentar os projetos de identidade. A ordem segura de valores e
posições sociais, antes oferecidas pelas sociedades tradicionais, é
substituída por uma variedade de papéis, valores, simbolismos e
práticas que produzem e mantêm a identidade social dos
indivíduos (Belk, 1988; Baudrillard, 1991; Slater, 2002).
Belk (1988), Solomon (2002) e Batey (2010) nos ajudam com o
entendimento de que o indivíduo assume diferentes papéis
conforme seus respectivos valores e normas sociais mediados
pelo self e representados pela sua autoimagem, que é o
amálgama de várias dimensões do self: o self que acredito que
sou (self atual), o self que eu gostaria de ser (o self ideal), o self
como acho que os outros me percebem (self social) e o self como
eu gostaria que os outros me vissem (self social ideal).
Slater (2002) enfatiza que a aparência corporal e sua conduta
transmitem, potencialmente, impressões e signos legíveis aos
que estão ao nosso redor, e, que nos centros urbanos, um lugar
de encontros mudos, o processo de decodificação e o prazer de
interpretar as aparências das outras pessoas acontecem
rapidamente e a todo o tempo. O sistema das marcas e das
tendências da moda se tornou um importante componente do
jogo social por meio do qual as pessoas trocam sinais e códigos.
Esses objetos marcados permitem que os indivíduos
transformem sua aparência em uma narrativa de identidade
individual e coletiva contada e lida simultaneamente pelos
integrantes de determinados grupos sociais (Erner, 2005).
Quadro 1
Construtos: definições e bases teóricas
1
Valor
Simbólico/Expressivo
Relaciona-se com a carga de
valores simbólicos
presentes nos diferentes
produtos, que pode conter
significados de natureza
pessoal e/ou social na
perspectiva de seus
consumidores
Levy (1959), Sheth,
Newmam e Gross
(1991), Erner
(2005), Mood et al.
(2009), Solomon e
Schopler (1982),
Banister e Hoog
(2004)
2 Valor
Simbólico/Expressivo
Relaciona-se com a carga de
valores simbólicos
presentes nos atos de
Sirgy (1980, 1982),
Solomon (1983),
Belk (1988),
Fortalecedor da
Autoimagem Atual
adquirir e consumir peças de
vestuário, capaz de
fortalecer e “validar” a
imagem que o consumidor
faz atualmente de si mesmo
McCraken (2003),
Barthes (1979),
Ritamaki et al.
(2006), Smith e
Colgate (2007),
Batey (2010), Tynan,
Mekechnie e Chhuon
(2010)
3
Valor
Simbólico/Expressivo
Fortalecedor da
Autoimagem Ideal
Relaciona-se com a carga de
valores simbólicos
presentes nos atos de
adquirir e consumir peças de
vestuário, capaz de
fortalecer e validar a
imagem que o consumidor
gostaria de fazer
idealmente sobre si mesmo
Sirgy (1980, 1982),
Solomon (1983),
Belk (1988),
McCraken (2003),
Barthes (1979),
Ritamaki et al.
(2006), Smith e
Colgate (2007),
Batey (2010), Tynan,
Mekechnie e Chhuon
(2010)
4
Valor
Simbólico/Expressivo
Fortalecedor da
Autoimagem Social
Relaciona-se com a carga de
valores simbólicos
presentes nos atos de
adquirir e consumir peças de
vestuário, capaz de
fortalecer e validar a
imagem que o consumidor
acredita ter de si mesmo
perante outras pessoas,
participantes, ou não de
suas relações sociais
Sirgy (1980, 1982),
Solomon (1983),
Belk (1988),
McCraken (2003),
Barthes (1979),
Ritamaki et al.
(2006), Smith e
Colgate (2007),
Batey (2010), Tynan,
Mekechnie e Chhuon
(2010)
5
Valor
Simbólico/Expressivo
Fortalecedor da
Autoimagem Social
Ideal
Relaciona-se com a carga de
valores simbólicos
presentes nos atos de
adquirir e consumir peças de
vestuário, capaz de
fortalecer e validar a
imagem que o consumidor
gostaria de ter de si mesmo
perante outras pessoas,
participantes ou não de
suas relações sociais
Sirgy (1980, 1982),
Solomon (1983),
Belk (1988),
McCraken (2003),
Barthes (1979),
Ritamaki et al.
(2006), Smith e
Colgate (2007),
Batey (2010), Tynan,
Mekechnie e Chhuon
(2010)
6 Valor
Simbólico/Expressivo
Fortalecedor de
Diferenciação
Relaciona-se com a carga de
valores simbólicos
presentes nosatos de
adquirir e consumir peças de
vestuário, capaz de
fortalecer determinados
traços da personalidade do
consumidor
Bourdieu (1983),
Warde et al.
(1999),Holt (2000),
Tian et al.(2001),
Rocamora (2002),
Gorp (2005),
Campbell (2006)
7
Valor
Simbólico/Expressivo
Fortalecedor de
Traços Socioculturais
Tradicionais
Baseia-se na carga de
valores simbólicos
presentes nos atos de
adquirir e consumir peças de
vestuário que vem
acoplados aos próprios
produtos, mediante a
transferência de
significados culturais
compartilhados por grupos
sociais maiores
Hirschman (1981),
McCraken (2003),
Falk (1994),
Thompson e Haytko
(1997), Rocamora
(2002), Douglas e
Isherwood (2004),
Gorp (2005), Tian et
al.(2001), Campbell
(2006), Smith e
Colgate (2007)
Fonte: Adaptado de Christino, Gonçalves & Miranda (2015).
Em Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), um filme de Edgar
Wright, temos um herói que precisa vencer os ex-namorados da
garota pela qual está apaixonado e, entre eles, o mais poderoso é
vegano, uma sátira que demonstra como os valores
simbólicos/expressivos são usados para fortalecer a imagem do
consumidor a partir da escolha de um discurso que o mesmo
considera, e é considerado pelos grupos sociais interagentes com
o mesmo, como de superioridade.
A blogueira Priscila de Ciero, pós-graduada em nutrição
esportiva, fez a seguinte análise do filme para os seus leitores:
A parte que me chamou atenção foi quando ele luta com
um dos ex-namorados, Ingram, que é vegano e tem
poderes sobrenaturais em virtude disso e pelo que eu
entendi, ele faz academia vegan, e se acha superior por
fazer esse tipo de dieta. Disse ainda que usamos apenas
10% de nossos cérebros porque os demais 90% estão
ocupados com coalho de leite de vaca.1
Reforçando a construção simbólica do vegano como um ser
superior dotado de superpoderes, o filme continua o processo de
significação ao apresentar o namorado vegano (“Todd is vegan”)
com a intenção de fazer referência a Darth Vader, que é o
símbolo maior da cultura pop para um ser superior.
1 Disponível em: <http://prisciladiciero.com.br/blog/filme-scott-pilgrim-
contra-o-mundo>. Acesso em: : 24 jul. 2018.
http://prisciladiciero.com.br/blog/filme-scott-pilgrim-contra-o-mundo
O SISTEMA QUE
TRANSFORMA
CONTESTAÇÃO EM STATUS
QUO
Para Borges, é importante observarmos que o capitalismo é
pródigo, desde tempos remotos, em transformar críticas e crises
em novas oportunidades de manutenção e perpetuação,
assimilando e ressignificando demandas e discursos. “O
Capitalismo é rápido e hábil em absorver os discursos públicos e
reverter os confrontos em seu favor” (Borges, 2017, p. 28). O
autor destaca que as crises que o capitalismo tem enfrentado
não provocaram uma “transformação revolucionária no sentido
de levá-lo para outro patamar ou outro sistema econômico, mas
provoca a sua reconfiguração e manutenção, ainda que muitas
vezes de forma frágil e desarticulada” (2017, pp. 28-29).
Nessa perspectiva, Domingues afirma que o sistema
capitalista se constituiu exatamente a partir dos fluxos
decodificados que as formações sociais anteriores tentaram
evitar. É o sistema político-econômico-ideológico que tem como
especificidade sua capacidade de reprocessar e buscar
neutralizar as críticas e contestações inerentes à sua própria
constituição, “que sempre se reinventa e se reatualiza, trazendo
para dentro do regime as possíveis ameaças e desvios, como
numa espécie de ‘fagocitose sociopolítica’ rápida e eficaz”
(Domingues, 2013, p. 303).1
Em 2015, a marca italiana de moda Benetton celebrou seus 50
anos de mercado. Famosa por suas campanhas que já
preconizavam, nos primórdios dos anos 1990, o discurso de
ativismo por parte das marcas, a empresa lançou, em celebração
ao meio século de atuação, uma campanha publicitária cujo
tema destacava os direitos laborais das mulheres. A Collection for
Us dizia valorizar a emancipação da mulher e a defesa dos
direitos femininos, com os quais a marca professa estar
comprometida, por meio do projeto Women Empowerment,
envolvido com a sustentabilidade laboral das mulheres.
De acordo com o site Observador, de Portugal, ao longo
destes cinquenta anos, a Benetton tem lançado campanhas
publicitárias marcantes, onde aborda de forma original assuntos
como a escravatura, o racismo, a violência doméstica, as doenças
sexualmente transmissíveis ou a pobreza. Por norma, estas
campanhas não olham a limites e são baseadas em fotografias
muito gráficas – por vezes incómodas – com o objetivo de
garantir que aquele assunto não passa ao lado do público. E
costumam apelar à igualdade de oportunidades”2. O discurso
proferido pelo site parece corroborar o posicionamento de
marca desejado pela Benetton: uma empresa que revela as
entranhas do sistema-mundo moderno e do status quo
capitalista, mostrando cenas de situações “incômodas”, que o
mesmo, como grande promotor de desigualdades de toda
ordem, tende a esconder.
O site enaltece o perfil disruptivo da empresa com o
retrospecto de algumas de suas campanhas de maior
repercussão mundial: “Há três campanhas da Benetton
particularmente virais: são “Unhate”, “Unemployer of the Year” e
“HIV Positive”. A primeira mostrou imagens de vários líderes
mundiais a beijarem-se numa montagem. Nesta campanha
figuraram Angela Merkel, Barack Obama e até o Papa Bento XVI.
A segunda campanha, Unemployer of the Year, criticava os níveis
de desemprego causados pela crise e convidava as pessoas sem
emprego a submeter projetos para implementação. Também
“HIV Positive” foi muito comentada, por mostrar esta frase
carimbada na pele de vários modelos, algumas vezes em lugares
bastante íntimos”3.
De fato, se podemos afirmar que uma marca tomou para si,
nos meios de comunicação de massa, de maneira pioneira, o
discurso ativista ou, pelo menos, o tom provocativo e polêmico
dedicado a colocar os holofotes sobre as assimetrias provocadas
pelo sistema-mundo moderno, essa marca é a Benetton. Há mais
de 20 anos, ela já se destacava nas revistas e outdoors do mundo
inteiro por mostrar imagens surpreendentes e provocativas,
diferentemente das demais publicidades cujas narrativas
ficcionais sempre reforçaram estereótipos de classe e gênero e se
recusaram a visibilizar temas passíveis de provocar polêmica ou
rejeição por parte dos seus públicos-alvo. “A publicidade é
simplista, às vezes simplória, mas possui uma qualidade real: ela
é merecedora de felicidade... Ai daqueles que provocam o
debate” (Séguéla in Toscani, 1996, p. 62).
Passados 50 anos de mercado e 30 anos das primeiras
campanhas publicitárias, cujas fotos concebidas por Oliviero
Toscani chamavam a atenção de consumidores e cidadãos de
diversos países para os impasses provocados pelas diferenças e
divergências sociais, culturais, étnicas, econômicas e políticas
em pauta no início da sociedade de rede e do processo de
globalização, nos anos 1990, a marca continua a impactar o
público no contemporâneo. Em junho de 2018, sofreu críticas
severas por causa da sua nova campanha publicitária, que expõe
a imagem de refugiados a bordo do navio Aquarius sendo
resgatados no mar, na costa da Líbia. A embarcação transportava
629 imigrantes em condições vulneráveis, dentre eles 123
menores, 11 crianças e 7 mulheres grávidas4. A ação da Benetton
pode ser considerada, no jargão publicitário, como uma
campanha de oportunidade, pois utilizou um acontecimento
que mobilizou a opinião pública mundial para chamar a atenção
também para ela enquanto repercutia junto à mídia e à
sociedade.
A organização humanitária europeia SOS Méditerranée, a
quem a imagem utilizada na publicidade é atribuída, fez questão
de repudiar a iniciativa da marca. E esclareceu por causa da seu
perfil na rede social digital Twitter: “A SOS Méditerranée se
dissocia completamente desta campanha, que exibe uma foto
tirada enquanto nossas equipes estavam resgatando pessoas em
perigo em alto mar, no dia 9 de junho”5. O resgate do Aquarius
com seus 629 tripulantes expôs a forma como o governo da Itália
tratou a questão da imigração e do grande número de refugiadosque chegam ao país atravessando o Mediterrâneo.
Ao tomar conhecimento de que um navio de resgate que
recolheu migrantes de embarcações precárias em alto mar se
encaminhava para a costa do país, o Ministério dos Transportes
italiano ordenou o fechamento dos portos para a embarcação. A
Itália recomendou que o Aquarius se dirigisse para Malta,
arquipélago no Mediterrâneo central, mas o governo local
também se recusou a acolher os imigrantes. A Comissão
Europeia e o Alto Comissariado da ONU6 para os Refugiados
(Acnur) pediram sem sucesso que os dois países agissem para
que uma tragédia fosse evitada. O ministro do Interior da Itália,
Matteo Salvini, afirmou à imprensa que “salvar vidas no mar é
um dever, mas transformar a Itália em um enorme campo de
refugiados não é”. Finalmente, a Espanha se colocou à
disposição para receber o navio declarando que o aceite visava a
“evitar uma catástrofe humanitária e oferecer um porto seguro a
essas pessoas”.7
Como multinacional sediada na Itália e, na condição de
denunciante das mazelas do mundo, a Benetton procura se
posicionar e se diferenciar das demais empresas do seu setor
como se fosse a ovelha negra da família: uma empresa capitalista
que, por sua vez, critica as próprias condições adversas
intrínsecas ao capital. Não podemos esquecer, no entanto, de
acordo com Wallerstein, que as mesmas condições que
promovem o jogo de tensões inerente ao capitalismo propiciam
sua perpetuação enquanto sistema, conforme vimos no primeiro
capítulo. Responsável pelo translado dos refugiados em busca de
um local seguro para aportar, a SOS Méditerannée publicou na
sua conta no Twitter que a “dignidade dos sobreviventes deve ser
respeitada em todos os momentos” e “a tragédia humana em
jogo no Mediterrâneo nunca deve ser usada para fins
comerciais”.
Em sua conta também no Twitter, a Benetton publicou duas
fotos publicitárias com migrantes: a primeira, creditada à SOS
Méditerannée, e uma segunda, creditada à agência de notícias
italiana Ansa. A iniciativa provocou a revolta de consumidores-
cidadãos que denunciaram o oportunismo da marca com
reposts8, demonstrando como estavam decepcionados e
envergonhados com ela, exigindo da empresa uma postura de
auxílio aos vulneráveis em vez da exposição global dos mesmos e
das desgraças sofridas por eles com fins mercadológicos.
Destacamos aqui alguns dos comentários disponíveis para
consulta em <https://twitter.com/benetton>:
Clare Herbert @clarecharliecat Jun 20
Benetton are doing this to raise their own brand awareness
- they could have donated money to the rescue
organisations but chose not to. This is not something
designed to help others. I only hope they feel ashamed
enough to make a donation.
Tradução nossa: Benetton está fazendo isso para ampliar o
conhecimento de sua própria marca – eles deveriam doar
dinheiro para as organizações de resgate, mas preferem não
fazer. Isso não foi pensado para ajudar os outros. Eu só espero
que eles sintam vergonha suficiente para fazer uma doação.
Mireya Toto Gtz @mitoguti Jun 20
Replying to @benetton
Repugnante ! Infame !!
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Alice Onwordi @Alicethegoodone Jun 20
Replying to @benetton
Please look at what Benetton is doing to sell sweaters. It is
showing the migrants disembarking from charity boats.
https://twitter.com/benetton
The charity that owns the boat has condemned the
Benetton adverts.
Tradução nossa: Por favor, olhem o que a Benetton está
fazendo para vender suéteres. Está mostrando os imigrantes
desembarcando de barcos de caridade. A instituição de caridade
que possui o barco condenou os anúncios da Benetton.
diana caggiano @dianacaggiano Jun 20
Replying to @benetton
@OriettaScardino vai in #Patagonia così vedi il
trattamento che da @benetton al popolo #Mapuche Hai
venduto le foto di questa pavera gente per fare questa
infamia! #JusticiaPorSantiago #JonesHuala
#JusticiaPorRafaelNahuel #CaceriaMapuche #Argentina
0 replies0 retweets2 likes
Tradução nossa: Orietta Scardino vá à Patagônia ver o
tratamento que a Benetton dá ao povo Mapuche. Você vendeu
fotos dessa gente pobre para fazer essa infâmia!
Cookiemunchster @BarryJumpleads Jun 20
Replying to @benetton
Well done @benetton .hope you feel proud using the
suffering, distress and plight of real people to sell maybe
another shitty jumper. You should be ashamed. You should
give these people help. You should help clothe these people.
Tradução nossa: Bem-feito, Benetton. Espero que você sinta
orgulho de usar o sofrimento e a aflição de pessoas reais para
talvez vender outro moleton vagabundo. Você deveria ter
vergonha. Você deveria era ajudar essas pessoas. Vocês deveriam
ajudar a vestir essas pessoas.
A estratégia publicitária utilizada há décadas pela Benetton é
chamada, costumeiramente, no meio publicitário de
“propaganda de choque”, uma prática considerada eficiente, mas
perigosa, para ganhar com mais rapidez a difícil competição pela
atenção do público na atualidade9. “É uma volta da Benetton às
suas origens. A marca sofreu um lento declínio e claramente
quer voltar a chamar a atenção”, avalia o professor Darren Dahl,
da escola de negócios Sauder, em Vancouver, no Canadá.10
A iniciativa de lançar uma campanha, em 2015, como vimos
no início deste capítulo, com a temática de apoio às condições
laborais femininas parece bastante ousada, para não dizer
arriscada e quase camicase para a marca. É que, em maio de
2013, o executivo-chefe da Benetton, Biagio Chiarolanza,
admitiu vínculos da multinacional de moda com a tragédia no
Rana Plaza, o edifício que desmoronou em Bangladesh com
milhares de trabalhadores no interior, inclusive mulheres
trabalhadoras, acidente mencionado no primeiro capítulo do
livro.
A Benetton comprou, entre dezembro de 2012 e janeiro de
2013, um lote de cerca de 200 mil camisas de uma empresa
chamada New Wave Style, que administrava uma das fábricas
dentro do Rana Plaza. “No momento do desastre, a New Wave
não era uma das nossas fornecedoras, embora um dos nossos
fornecedores na Índia tenha subcontratado dois pedidos à
empresa”, reconheceu o executivo-chefe da Benetton. Suas
afirmações, em entrevista publicada no site do The Huffington
Post, contradisseram as declarações iniciais da Benetton, em
comunicado logo após a tragédia, de que a mesma não tinha
qualquer vinculação com o incidente. O que se revelou,
posteriormente, foi um “labirinto de contratos e subcontratos
(no caso da Benetton, mais de 700 empresas em 120 países) que
mantêm em pé o mercado da moda popular e das roupas
vendidas em lojas de departamentos e hipermercados, o que por
vezes torna impossível traçar o caminho que o vestuário segue
desde a fábrica até o consumidor”.11
Trippi faz menção à era da delegação de poder, que consiste
na possibilidade dos cidadãos comuns desafiarem o poder das
instituições arraigadas por meio, através da cultura colaborativa
no século em curso (apud Jenkins, 2008, p. 275). “O poder está se
deslocando das instituições que sempre governaram de cima
para baixo, sonegando informações, dizendo como devemos
cuidar de nossas vidas, para um novo paradigma de poder,
distribuído democraticamente e compartilhado por todos nós”.
(Trippi apud Jenkins, 2008, p. 275).
No livro A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de
desastre, Klein demonstra como as corporações têm explorado as
próprias crises ambientais, promovidas por elas mesmas, em
busca do lucro. “A doutrina do choque como todas as doutrinas é
uma filosofia de poder. É uma filosofia sobre como conseguir
seus próprios objetivos políticos e econômicos. É uma filosofia
que sustenta que a melhor maneira, a melhor oportunidade para
impor as ideias radicais do livre-mercado é no período
subsequente ao de um grande choque. Esse choque poder ser
uma catástrofe econômica. Pode ser um desastre natural. Pode
ser um ataque terrorista. Pode ser uma guerra. Mas a ideia é que
essas crises, esses desastres, esses choques abrandam sociedades
inteiras. Deslocam-nas. Desorientam as pessoas. E abre-se uma
‘janela’ e a partir dessa janela se podeintroduzir o que os
economistas chamam de ‘terapia do choque econômico’.”12 Klein
parte da descrição da tática do economista Milton Friedman
para identificar a “doutrina do choque” do capitalismo
contemporâneo: espera-se uma grave crise, vende-se parte do
Estado para investidores privados (enquanto os cidadãos ainda
se recuperam do choque) e depois as reformas são
transformadas em mudanças permanentes.
Klein argumenta que a crise das mudanças climáticas
derivada do estágio atual do sistema traz, no seu bojo, a
possibilidade das pessoas despertarem para uma ação
democrática contrária à cooptação do capitalismo sobre tudo e
todos, inclusive sobre os problemas provocados por ele mesmo.
Para a autora, quando um tornado destruiu a maior parte da
cidade de Greensburg, no Kansas, em 2007, a população rejeitou
as iniciativas “de cima para baixo” para a recuperação da cidade.
Preferiu reunir esforços da comunidade para a reconstrução do
lugar, aumentando a participação democrática, criando novos
edifícios públicos ambientalmente responsáveis. Após essa
virada, Greensburg se tornou uma das cidades mais verdes dos
Estados Unidos.
A ampliação da consciência dos consumidores e cidadãos
sobre o estado de coisas atual derivado dos impactos do sistema-
mundo capitalista deve, segundo Klein, estimular uma
transformação radical da nossa economia: menos consumo,
menos comércio internacional, mais iniciativas de economia
solidária que valorizem a “relocalização” da economia, mais
redistribuição das riquezas “para que mais entre nós possam
viver confortavelmente dentro das capacidades do planeta”13.
Nessa perspectiva trazida por Klein, da ampliação da consciência
acerca das ameaças ao planeta e às mínimas condições de vida
adequadas para as pessoas, as iniciativas de buycott14 se
ampliam, individual ou coletivamente, especialmente entre os
mais jovens, impactados pela circulação exponencial de notícias
sobre os desafios do mundo agora e adiante.
A busca pelo controle é algo inerente aos agenciamentos
publicitários. Hoje, o monitoramento das mídias sociais pelas
empresas busca acompanhar esse grande poder de mobilização
acima mencionado a fim de neutralizá-lo antes que cause
maiores estragos às empresas por meio da disseminação de
pontos de vistas negativos e das reivindicações dos
consumidores e cidadãos alinhadas aos seus desejos15.
Para melhor avaliar essa questão, é interessante pensarmos
também na relação entre os sujeitos, o desejo, o capitalismo e a
publicidade, considerando a política e o poder existente nesses
agenciamentos. Quando refletimos sobre o conceito de
micropolítica à luz de Foucault, Deleuze e Guattari, somos
levados a considerar as operações de poder existentes nas
relações partindo do princípio de que é impossível dissociar
desejo e política. Todas as relações humanas são agenciadas por
desejos que têm repercussões políticas tanto na vida dos
indivíduos quanto no corpo social em que elas se processam.
“Vemo-nos solicitados o tempo todo e de todos os lados a
investir a poderosa fábrica de subjetividades serializada,
produtora destes homens que somos, reduzidos à condição de
suporte de valor – e isso inclusive (e sobretudo) quando
ocupamos os lugares mais prestigiados na hierarquia dos
valores. Tudo leva a esse tipo de economia. Muitas vezes não há
outra saída”. (Rolnik in Guattari; Rolnik, 2008, pp. 15-16).
Na máquina capitalista, sempre que os desejos contrários aos
interesses do sistema são acionados, há uma potência de
recuperação intrínseca ao regime. “Sempre que algo
descodificado flui sobre o corpo social, a máquina capitalista
produz um axioma a mais, codifica e territorializa” (Ferraz,
2010).16 Os fluxos desterritorializados oferecem riscos à
sociedade porque não respondem a nenhum código. Mesmo
assim, quando surgem, são rapidamente decodificados e
absorvidos pela máquina. “Neste processo, o desejo é capturado,
mas capturado ao mesmo tempo em que as subjetividades são
produzidas incessantemente na máquina capitalista” (Ferraz,
2010)17. Analisando a sociedade ocidental contemporânea,
Deleuze afirma: “Ela não teme o vazio, nem a penúria, nem a
escassez. Sobre seu corpo social, alguma coisa flui e não se sabe
o que é, alguma coisa que não é codificada, e que, em relação à
sociedade, aparece como não codificável. Alguma coisa que
fluiria e arrastaria esta sociedade a uma espécie de
desterritorialização, que faria fundir a terra sobre a qual ela se
instala” (1971, p. 2).
O corpo social se define pelos fluxos que correm sobre ele,
sempre codificando o que escapa aos códigos, remanejando os
códigos para abarcar os fluxos perigosos. A sociedade pautada
pelo capital pode suportar as piores condições de vida, mas não
suporta o estranho, o inquietante, aquilo que abala o aparelho
repressivo. Diante da ameaça, são rapidamente produzidos
novos axiomas que permitam uma codificação (Ferraz, 2010)18.
Vale observar aquilo que, a despeito da crítica e da contracultura,
foi produzido a partir da fotografia de Ernesto “Che” Guevara,
um dos líderes da revolução cubana, crítico do capitalismo de
mercado estadunidense, tirada pelo fotógrafo Alberto Korda, em
1960: muitos produtos de consumo e imagens para campanhas
publicitárias.
Em vez de essa imagem ser cristalizada no imaginário social
como representação do questionamento ao sistema e da busca
por sua desconstrução, opera-se uma reconversão simbólica e
ela se torna um objeto de consumo como outro qualquer, para
ser aproveitado de maneira alienada, logo descartado, esquecido
e substituído por outro igualmente descartável. Há inúmeros
produtos à venda na internet com a imagem de “Che”, de
canecas a camisetas, passando por almofadas, chinelas,
mousepads, capas para celulares e adesivos para computadores:
o líder anticapitalista transformado em mercadorias para o
mercado global.
A máquina capitalista parece “fagocitar” tudo aquilo que
coloca seus interesses em perigo e adquire ainda mais energia
com isso19. Para Deleuze, esse é o paradoxo fundador do
capitalismo como formação social: “Se é verdadeiro que o terror
de todas as outras formações sociais foram os fluxos
descodificados, o capitalismo, por sua vez, se constituiu
historicamente sobre uma coisa inacreditável, sobre o que fazia
todo o terror das outras sociedades: a existência e a realidade de
fluxos descodificados dos quais fez seu negócio” (1971, p. 4).
E os fluxos decodificados seguem livres, ressignificando e
proporcionando associações simbólicas inusitadas como a
superposição da imagem do Che Guevara à imagem da cantora
pop Cher, numa espécie de amálgama do ativismo com a
mercantilização, que dá origem a uma “Cher Guevara”,
facilmente encontrada na internet. Capitalismo e ativismo,
juntos e misturados, seguem provocando encontros insólitos e
angariando amantes e inimigos.
1 A fagocitose é uma operação realizada pelos leucócitos ao encontrar corpos
estranhos nos organismos. A membrana celular engloba as partículas
ameaçadoras, levando-as para dentro da célula. Devidamente capturadas,
essas partículas ficam dentro de um vacúolo digestivo que realizará a digestão
do elemento estranho, utilizando os lisossomos e gerando ainda mais energia
para a célula. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/> Acesso em: 7 jan. 2015.
2 Disponível em: <https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-
campanhas-benetton/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
3 Disponível em: <https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-
campanhas-benetton/>. Acesso em: 21 jul. 2018.
4 Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-
aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018.
5 Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-
aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018.
6 ONU: sigla da Organização das Nações Unidas.
7 Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-
aquarius-e-os-populistas-na-italia.html>. Acesso em: 22 jul. 2018.
8 Repost: termo quedesigna o reencaminhamento de uma mensagem
postada no Twitter por outra pessoa, normalmente com o intuito de visibilizar
o texto e seu emissor, em tom de aprovação ou de desaprovação, de escárnio
ou denúncia.
9 Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-
polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292>.
Acesso em: 22 jul. 2018.
10 Disponível em: <https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-
polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292>.
Acesso em: 22 jul. 2018.
11 Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/empresa-benetton-
admite-vinculos-com-predio-que-caiu-em-bangladesh-e-matou-900-
pessoas-09052013>. Acesso em: 22 jul. 2018.
12 Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/176-noticias/noticias-
2007/562784-a-doutrina-do-choque-o-tema-do-novo-livro-da-ativista-
naomi-klein>. Acesso em: 22 jul. 2018.
http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/%3eAcesso
https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-campanhas-benetton/
https://observador.pt/2015/10/28/50-anos-50-imagens-campanhas-benetton/
https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-aquarius-e-os-populistas-na-italia.html
https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-aquarius-e-os-populistas-na-italia.html
https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/dw/2018/06/o-drama-do-aquarius-e-os-populistas-na-italia.html
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,campanha-polemica-da-benetton-gera-debate-sobre-propaganda-de-choque,799292
https://noticias.r7.com/internacional/empresa-benetton-admite-vinculos-com-predio-que-caiu-em-bangladesh-e-matou-900-pessoas-09052013
http://www.ihu.unisinos.br/176-noticias/noticias-2007/562784-a-doutrina-do-choque-o-tema-do-novo-livro-da-ativista-naomi-klein
13 Disponível em: <https://www.esquerda.net/artigo/5-licoes-cruciais-para-
esquerda-do-novo-livro-de-naomi-klein/3402>.1 Acesso em: 22 jul. 2018.
14 Buycott: termo utilizado para designar, dentro do contexto do
consumerismo político contemporâneo, os boicotes a marcas, empresas e
produtos por meio da recusa à compra dos mesmos e, muitas vezes, da
propagação dessa recusa pelas mídias sociais para outros consumidores.
15 Disponível em: <https://www.ibpad.com.br/blog/o-que-e-
monitoramento-de-midias-sociais-definicao-inteligencia-e-pesquisa-de-
mercado/>. Acesso em: 22 jul. 2018.
16 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo. p?pid=S1519-
94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014.
17 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? pid=S1519-
94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014.
18 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? pid=S1519-
94792010000100012 &script=sci_arttext>. Acesso em: 30 dez. 2014.
19 A fagocitose é uma operação realizada pelos leucócitos ao encontrar
corpos estranhos nos organismos. A membrana celular engloba as partículas
ameaçadoras, levando-as para dentro da célula. Devidamente capturadas,
essas partículas ficam dentro de um vacúolo digestivo que realizará a digestão
do elemento estranho, utilizando os lisossomos e gerando ainda mais energia
para a célula. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/>. Acesso em: 7 jan. 2015.
https://www.esquerda.net/artigo/5-licoes-cruciais-para-esquerda-do-novo-livro-de-naomi-klein/34021
http://https//www.ibpad.com.br/blog/o-que-e-monitoramento-de-midias-sociais-definicao-inteligencia-e-pesquisa-de-mercado/
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-94792010000100012&script=sci_arttext
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-94792010000100012&script=sci_arttext
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-94792010000100012&script=sci_arttext
http://www.infoescola.com/citologia/leucocitos/
http://www.infoescola.com/biologia/fagocitose/%3eAcesso
CONSUMO E ATIVISMO:
LOVERS E HATERS
Como podemos observar ao longo deste estudo, consumo e
ativismo não se encontram, necessariamente, em lados opostos,
como uma antinomia: consumo versus ativismo. O ativismo
pressupõe o consumo de símbolos capazes de propagar ideias e
conceitos, os quais, por sua vez, acabam sendo reprocessados
pelo sistema a favor de sua própria reprodução. Quando falamos
em cultura do consumo, falamos sobre algo muito maior do que
a relação entre a produção, a circulação, a aquisição, o uso e o
descarte de mercadorias, conforme abordamos no segundo
capítulo. “Quando falamos de consumo não estamos nos
referindo apenas a compras e, por conseguinte, ao consumo de
mercadorias ou bens materiais, pois consumimos modos de ser,
consumimos moda, telenovelas, consumimos Instagram, entre
outros bens simbólicos. Consumir significa se inscrever em
imaginários que determinadas marcas nos inscrevem” (Hiller,
2017).1
Uma marca que faz bastante sucesso quando pensamos em
consumo e ativismo, na contemporaneidade, é a Banksy. Criador
de graffitis ao ar livre, o artista nasceu na Inglaterra, em 1973.
Filho de um técnico de fotocopiadora, começou a trabalhar
como açougueiro, mas logo se envolveu com graffitis no fim da
década de 1980. Suas criações, vistas em Bristol, Londres, Los
Angeles, Nova Iorque e Paris, dentre outras cidades, são
marcadas por uma grande incógnita, pois o artista não se deixa
fotografar e sua fama também está associada a este mistério.
Conhecido pelo seu desprezo pelo governo que rotula graffiti
como vandalismo, Banksy expõe sua arte em locais públicos,
utilizando muros, paredes e ruas, podendo usar também objetos
como suporte para expô-la. “Banksy não vende seus trabalhos
diretamente, mas sabe-se que leiloeiros de arte tentaram vender
alguns de seus graffitis nos locais em que foram feitos e deixaram
o problema de como remover o desenho nas mãos dos
compradores.” (Imbroisi, 2017).2 O mistério sobre a identidade
do artista é mantido com a ajuda de um grupo de colaboradores
que chegam a montar tapumes ao redor do britânico para que
possa pintar escondido.
Em suas obras, o artista visual deixa mensagens com forte
conteúdo social e político, frequentemente carregadas de ironia.
São paráfrases e paródias como é próprio da linguagem utilizada
pelos consumidores e cidadãos também nas campanhas de
terrorismo de marca, que consiste nos ataques dos
consumidores-cidadãos às marcas com campanhas
contradiscursivas propagadas na internet, como define
Domingues (2013). Enquanto a paráfrase é a permanência de
algo já presente no discurso, a paródia é a subversão do mesmo,
trazendo memórias diversas e, na maior parte das vezes, opostas
àquelas que estavam no primeiro enunciado. Sant’Anna avalia
que “a paródia é um ato de insubordinação contra o simbólico,
uma maneira de decifrar a Esfinge da Mãe Linguagem. Ela difere
da paráfrase na medida em que a paráfrase se assemelha àquele
que dorme edipianamente cego no leito da Mãe Ideologia” (2007,
p. 32).
Vários enunciados ativistas contrários a marcas, inclusive as
criações de Banksy, utilizam-se da paródia para mobilizarem a
sociedade e impactarem os consumidores com novas
possibilidades de linguagem a partir de modificações verbais ou
visuais na superfície discursiva. Foucault observa que “o
enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou impede a
realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra na
ordem das contestações e das lutas, torna-se tema de
apropriação ou de rivalidade” (2008, p. 119).
Banksy pintou notas de dez libras falsas, substituindo a
imagem da rainha Elizabeth pela imagem da princesa Diana em
uma paródia da moeda oficial do Reino Unido. Com a
intervenção artística, as notas foram, posteriormente, vendidas
por 200 libras, o que demonstra a valorização da temática e da
ética apresentadas pelo artista associadas às qualidades estéticas
da obra. “Sua poética é anti-conformista, anti-liberal, anti-
capitalista, anti-establishment e se levanta contra as injustiças,
criticando as instituições formais e a arbitrariedade do poder.
Quando

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