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1 Beatriz Machado de Almeida Neurologia – Aula 9 Introdução • É o verdadeiro AVCh, pode ser chamado de hemorragia intraparenquimatosa. • 10-15% das síndromes cerebrovasculares, o que é bem menos do que o isquêmico em proporção, mas uma peculiaridade dele tem a ver com a complicação. Diferente do AVCi, em que a preocupação principal é o risco de sequelas, no AVCh a preocupação principal tem a ver com o risco de morrer a curto prazo, já que o cérebro é uma caixa fechada e qualquer aumento dentro do crânio eleva a pressão intracraniana. • Primárias: Angiopatia amiloide X Arterioloesclerose. As primárias são, em sua imensa maioria, causadas por esses processos fisiopatológicos básicos. • Secundária: TCE, uso de antiagregantes e anticoagulantes, plaquetopenias, ou seja, secundária a qualquer evento que cause a hemorragia. • Sítios típicos de sangramento que tem a ver com o local em que as arteríolas se comunicam com as artérias de maiores calibres e acabam causando a hemorragia quando o processo fisiopatológico ocorre nessas situações. Então, A, B, C, D e E são os sítios típicos de sangramento. O sangramento é arterial, e as arteríolas, que são ramos de artérias de maior calibre, ficam susceptíveis a situações principalmente de gradiente transpressórico elevado e acabam se rompendo em algum momento de sua evolução consequente a esse processamento. Esses sítios são: os núcleos da base (B), a região justacortical (A), o tronco encefálico (D) e o cerebelo (E). OBS.: os AVChs secundários não têm a ver com essa fisiologia básica, mas os primários, que representam quase 90% dos AVChs, sim. Núcleos da base A imagem traz um sítio típico de AVCh primário, um hematoma talâmico/ núcleos da base, representado na outra imagem por B. Então, tem o parênquima sendo invadido por uma zona de hiperdensidade, bem concentrada, consequente a um sangramento por ruptura de alguma arteríola. OBS.: o sangramento/hematoma é uma zona de hiperdensidade em permeio ao parênquima encefálico que é isodenso, diferente da isquemia, uma hipodensidade. Hemorragia lobar Imagem: exemplo de sangramento intracerebral evidenciado por um sítio típico, justa cortical (A). É um hematoma lobar, uma região já fronto-temporal. Uma grande zona hiperdensa em meio ao parênquima isodenso, que foi a causa da sintomatologia do paciente. É uma definição muito próxima do AVCi, ambos são definidos da mesma forma como AVC, que é um déficit que acontece subitamente e só a neuroimagem vai permitir a diferenciação. Então, esses pacientes são levados para a TC e, se AVCh, são evidenciados hematomas intraparenquimatosos relacionados à ruptura de arteríola. Fisiopatologia É necessário entender o que acontece com o paciente que sofre um sangramento intracerebral. Hematoma Intraparenquimatoso 2 Beatriz Machado de Almeida Neurologia – Aula 9 O sangue é citotóxico para o tecido cerebral. Então, automaticamente, quando tem sangue no parênquima, há inflamação associada à presença daquele sangramento. No AVCi o paciente tem sequelas, porque nele há morte de neurônio e o neurônio não nasce novamente, exceto até os 2 anos de idade, quando há o pico de número de neurônios, depois disso, é só queda. No AVCh, há algumas explicações para o paciente ficar com sequelas, a menos pior tem a ver com a oligoemia, que é a redução do fluxo para uma região mesmo no contexto de um evento hemorrágico cerebral. Ou seja, a arteríola estava carreando sangue para algum lugar e esse sangue deixa de chegar na região de destino por conta de seu rompimento. Não é um processo isquêmico porque não é por entupimento/oclusão do vaso, não é um processo interno, é sim de redução do fluxo, chamado de oligoemia focal. Isso gera toda a cascata isquêmica, deixa de chegar sangue, deixa de ter energia e acaba tendo o processo de sequela. Um outro contexto é que o sangue também, de fora para dentro, acaba comprimindo as outras arteríolas daquela região. Então, o sangue, num volume maior, com alta pressão (sangramento arteriolar), acaba comprimindo as arteríolas da região e essas arteríolas, por um processo extrínseco, acaba dificultando a chegada de sangue para um dado tecido cerebral. Assim, no final do AVCh vai ficar uma zona hipodensa também, porque o neurônio também morre consequente a esse processo e aí sim se entende o motivo das sequelas. OBS.: quando o sangue for reabsorvido (todo sangue é reabsorvido se não levar à morte do indivíduo), vai ter uma zona hipodensa nas pontas consequente a esse processo de oligoemia focal. O detalhe também tem a ver com o nível de sequela! Num evento hemorrágico cerebral, a sequela nunca é tão significativa, se o processo de sangramento não for tão intenso; se forem sangramentos leves, a sequela será muito menor do que seria o evento inteiro, porque o sangue é reabsorvido, para de haver compressão extrínseca das arteríolas e o fluxo volta ao normal e o que fica é um pequeno evento hipodenso e uma pequena sequela, diferentemente do AVCi que engloba toda a região hipodensa e gera muito mais sequela. Então, o AVCh também deixa sequela, mas o maior risco relacionado a ele tem a ver com a continuidade do processo fisiopatológico que é a presença do sangue no tecido cerebral e o processo continuado até 7 dias, mas principalmente nos primeiros 5 dias, em que ele é máximo e há a inflamação e a produção de radicais livres, como consequência daquele sangue naquele espaço. A possibilidade do grande receio do AVCh é daquele sangue ampliar, desse hematoma expandir. O grande momento do tratamento do AVCh é a tentativa de impedimento da expansão desse hematoma. Rompeu, o sangue é citotóxico, vai ter uma pequena sequela, mas o maior medo é que esse sangramento perdure por conta da inflamação gerada pela presença do sangue ali. Por isso, o objetivo do tratamento do AVCh é barrar esse sangramento hemorrágico, tem a ver com o impedimento da continuidade de um processo que é natural, que é a expansão do hematoma intracerebral. Em 48 horas, 70 % das lesões hemorrágicas cerebrais vão expandir naturalmente. O papel do médico é impedir essa expansão do hematoma que é um processo natural consequente a presença daquele sangue. Porque, quanto mais hematoma, maior a chance de hipertensão intracraniana e morte do indivíduo. O evento primário é devido a duas fisiopatologias básicas: Arterioloesclerose: processo consequente da hipertensão arterial não controlada. A arteríola está ligada a uma artéria de maior calibre e quando essas altas pressões das artérias de maior 3 Beatriz Machado de Almeida Neurologia – Aula 9 calibre são sustentadas, são passadas para as arteríolas. Elas, então, começam a desenvolver uma tentativa de defesa que é a deposição de colágeno ao redor da adventícia na tentativa de fortalecer a arteríola contra as pressões elevadas. Quando se coloca esse colágeno, a arteríola fica menos móvel, mais propensa a rompimentos. De acordo com questões individuais, há o rompimento e sangramento, processo que acontece principalmente nas arteríolas mais profundas, evidenciadas na primeira imagem da transcrição como B e C, núcleos da base. Esse processo acontece em pacientes mais jovens. 60% dos AVCh primários. Angiopatia amiloide: Já nas hemorragias lobares (A), justa corticais, o processo fisiopatológico é um pouco diferente. O neurônio, no seu processo metabólico normal, produz betaamilóide - amiloide cerebral. Essa predisposição a ser justa cortical se dá pelo fato de ser aí que estão os corpos celulares que produzem o amiloide e com a deposição desse material patologicamente (semelhante ao que acontece na amiloidose) ao redor da arteríola, a arteríola fica rígida como na arterioloesclerose, levandoa seu rompimento. Esse processo acontece em pacientes com idades mais avançadas. 40% das AVCh primárias. Manifestações clínicas • Déficit neurológico súbito que dura mais que 24 horas. A definição não muda, o que muda é o manejo relacionado ao evento, por isso o termo mais adequado a ser usado é síndrome cerebrovascular aguda. • Relação com sítio de hemorragia: a sintomatologia do evento vai depender do local da hemorragia. Se for próximo da região no(s): ❖ Córtex: déficits cognitivos, afasias, apraxias, negligências... ❖ Núcleos da base: déficit mais sensitivo-motor... ❖ Cerebelo: ataxias... • Apresentação assintomática, principalmente em pacientes usuários de anticoagulantes, antiagregantes, às vezes, acabam sangrando e acaba tendo espaço para acomodar esse sangramento, principalmente se for um idoso, um sangramento em pequena monta ao longo do tempo. • Papel do exame de imagem: Não existe a menor chance, hoje, de tentar acertar se é hemorrágico ou isquêmico apenas com base na sintomatologia. Antigamente (até meados dos anos 90), podia se aceitar essa ideia de se guiar pelo sintoma (com 20% de chance de erro), mas hoje isso não é mais aceito, é necessário o exame de imagem. Dentro do contexto de manifestação clínica, há uma escala ICH, semelhante ao NIHSS (isquêmico). Tal escala quantifica o risco de morte em trinta dias do paciente (tabela da direita). Então, imaginando um paciente de 75 anos (o escore ICH evidencia o Glasgow da chegada), que chegou com hemiparesia esquerda e uma disartria, Glasgow 15. O ICH quantifica se tem hemorragia intraventricular ou não (esse paciente não tem), e quantifica se o sangramento é supra ou infratentorial (o paciente é supratentorial). Então, o ICH vai pontuando de acordo com essas escalas. Esse paciente tem um ICH igual a 0 na chegada. Então, a chance desse paciente morrer da hemorragia é de 0%. Isso porque, já se sabe que a tendência desse hematoma é expandir. Se esse paciente vier a morrer da hemorragia, é porque algo falhou, o cuidado (exemplo – evitar a progressão do hematoma) não foi adequado. • Hemorragia intraventricular → conta 1 ponto; • Hemorragia infratentorial → conta 1 ponto; • Glasgow rebaixado → pontua 1 ou 2 pontos; 4 Beatriz Machado de Almeida Neurologia – Aula 9 • Volume maior que 30 ml (hoje já é quantificável nos softwares de tomografia) → conta 1 ponto; • Se tem mais de 80 anos → conta 1 ponto. PROGRESSÃO DO HEMATOMA Imagens - referentes ao mesmo paciente, que chegou com A (p. ex. se ele tivesse < 80 anos, ele teria um ICH = 0) e se transformou em B, porque, de alguma forma, os cuidados não foram adequados. Esse paciente morreu por hipertensão intracraniana definitivamente por causa do sangramento. A evolução de A para B não foi de 5 min, ele foi evoluindo, começando com uma hemiparesia direita leve, foi piorando essa hemiparesia, foi rebaixando, ficando afásico... essa evolução durou horas. Então, alguém que deveria estar cuidando dessa pessoa, não o fez adequadamente, não controlou os fatores que geraram esse problema. No caso, teria como ter manejado esse problema... chamar o neurocirurgião, drenar esse hematoma, fazer uma craniectomia descompressiva, mas nenhum dos métodos foi utilizado. O escore, ao mesmo tempo que te ajuda a classificar, atesta contra o seu serviço. Se o escore for maior ou igual a 5 a chance de morrer é de 100%. Essa imagem mostra outra progressão do hematoma. A princípio, a neuroimagem deve ser guiada pela clínica, mas geralmente deve ser repetida dentro de 24 horas. Manejo O manejo dessas questões tem a ver com coisas que ainda não tem uma resposta definitiva nem satisfatória. • Cuidados neurointensivos: são extremamente necessários; precisa de uma pessoa que entenda disso para que se tenha uma intervenção rápida. As primeiras 24/48 horas são cruciais. • Tratamento hemostático? Que seria o inverso do isquêmico, nele se desobstrui. Aqui, faz sentido usar algo hemostático na teoria, mas na prática isso não funciona bem. Ainda se busca uma forma de se tratar hemostaticamente o indivíduo vítima de AVCh e evitar as consequências da expansão do hematoma. Nos últimos estudos, o tratamento hemostático foi eficaz, mas matava os pacientes por trombose, TVP, TEP, porque está dando algo que vai aumentar trombo. • Manejo da hipertensão intracraniana: sempre que houver sinais de HIP (paralisia de VI NC, rebaixamento do nível de consciência/sonolência e cefaleia). • Manejo da hidrocefalia/hemorragia ventricular: se houver. Hemorragia intraventricular é grave, piora o prognóstico, porque pode causar hidrocefalia, pois interrompe o fluxo liquórico normal. Sempre ficar atento a piora súbita com muita cefaleia. Isso é tão importante que é um ponto de avaliação do ICH. • Complicações clínicas: colocação de peneira pneumática para evitar tromboembolismo venoso, TVP principalmente; complicação de sódio; complicações respiratórias. PA Do ponto de vista prático, o manejo agudo dessa situação, envolve o controle da pressão. É a única medida hoje validada a ser utilizada para poder evitar a expansão do hematoma. Na imagem abaixo é o INTERACT 2. O INTERACT 1 mostrou que é adequado, que reduz mortalidade, que reduz expansão do hematoma, mantendo a pressão abaixo de 160 X 90 mmHg. O INTERACT 2 comparou o 140 X 90 mmHg versus 160 X 90 mmHg (padrão). Não houve grande vantagem, então, continua-se a usar a pressão alvo de 160 X 90 mmHg. Em algumas situações, mantém-se abaixo de 140 X 90 mmHg. Respeitando-se sempre a chegada não tão rápida a esses níveis pressóricos. 5 Beatriz Machado de Almeida Neurologia – Aula 9 Paciente que chega com pressão 160/140 X 90 mmHg e com hematoma, provavelmente é devido a angiopatia amiloide. Nesse caso, mantém-se a pressão e monitora o paciente. Se algo sair do eixo, o médico deve intervir. Esse paciente tem um prognóstico muito bom, passa uns dias lá, o sangue reabsorve e, após, recebe alta. Dificilmente o paciente chega com uma PA baixa, já que tem todo o estresse do acontecimento. Por isso, a primeira medida é colocar uma PA invasiva, pois a PA baixa pode ser erro do medidor comum. É importante avaliar a existência de alguma evidência de benefício de se operar o paciente antes do hematoma expandir e da HIC se estabelecer, tipo idade, sítio de sangramento, quantidade de sangramento. O estudo STICH mostrou que não há benefício quando a cirurgia é feita antes dos problemas aparecerem em hemorragia intracerebral, no momento. OBS.: na imagem, nem sempre vai ter apagamento de sulcos e giros; se o sangramento é profundo e menor, pode não haver alteração. Para o cérebro, se não está chegando sangue em determinada região, ele imagina que o coração não está trabalhando. O cérebro então solicita mais sangue através do aumento da PA para que o sangue chegue em todas as regiões do cérebro. Por isso, no contexto de uma isquemia, é permitido manter essa PA mais alta, mas no caso de uma hemorragia, essa PA elevada não é bem-vinda. A neurocirurgia tem várias nuances. No caso do paciente com AVCh, a cirurgia seria a craniectomia descompressiva, pois o maior receio nesses pacientes é a elevação da pressão intracraniana. Na craniectomia se retira no mínimo 12 cm de crânio e se coloca na barriga do paciente. Isso permite que o cérebro expanda o que tiver que expandir e quando o sangue for reabsorvido e o cérebro voltar ao lugar, recoloca-se a calota ou um material sintético no lugar que foi retirado. OBS.: Não existe drenagem de hematoma intraparenquimatoso. O sangue é drenado quando no ventrículo, hematoma subdural, epidural, em espaços! OBS.: Não é necessário fazer exame de líquor para saber se tem sangue nos ventrículos ou não. No exame deimagem já é possível ver uma dilatação, sangue nos ventrículos, hidrocefalia. Com isso, vendo-se esse sangue e hidrocefalia, que se decide fazer a drenagem. O líquor não tem papel nenhum nesse caso! Se o paciente tem hidrocefalia e hipertensão intracraniana, deve-se colocar o dreno e fazer a craniectomia. Pede-se o líquor quando não se tem nada na TC (não tem sangue nos ventrículos), mas existe uma suspeita forte de que o quadro clínico é consequente a sangue, como na HSA. Aqui faz a punção justamente porque não se vê esse sangue. Material baseado na aula de Dr. Augusto – Medicina UniFTC – 7º semestre
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