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Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Cultura: Definições Ao pensarmos na Educação Física e em seus objetivos, a primeira imagem que geralmente surge em nosso pensamento é a de pessoas saudáveis praticando atividade física, em sua maioria, modalidades esportivas. Por muito tempo essa foi a única imagem que havia, tanto que os cursos de Educação Física eram baseados em disciplinas pautadas no funcionamento biológico do corpo humano e em algumas práticas esportivas. Será que a área se resume apenas a elas? Cada vez mais é possível perceber a contribuição das ciências humanas para o entendimento desse homem em movimento, que não é apenas um ser biológico, mas que também manifesta sua individualidade dentro de uma sociedade, traz uma bagagem de conhecimentos transmitidos através de gerações e está em constante interação com outras pessoas e com a natureza, sempre numa dinâmica evolução. Nessa abordagem sociocultural, é possível compreendermos o ser humano sob uma outra perspectiva, nem melhor, nem pior, apenas complementar. Você já percebeu que existem diferenças na prática de atividades físicas em distintas localidades? Já teve a oportunidade de observar se essas diferenças (e semelhanças) são mais notáveis ao compararmos diferentes bairros, estados ou países? Consegue compreender um ou mais motivos de haver essa diferença cultural? É possível visualizar o impacto que a diversidade cultural pode trazer na atuação do profissional de Educação Física? No esforço de tentarmos entender essas influências culturais, às quais somos submetidos, traremos as principais ideias referentes ao conceito “cultura”. O que é Cultura Cultura pode ser compreendida sob diversas perspectivas, havendo relações entre elas, como a Antropologia, Sociologia, Filosofia e a Administração. Antropologia: complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo ser humano durante os diversos períodos e nas mais diferentes posições geográficas. A antropologia coloca o ser humano como o objeto de estudo e se volta para seu aprendizado ao longo de sua história. Sociologia: Toda vida cotidiana dentro de uma sociedade pauta ao viés sociológico. Nessa área, a cultura é um conjunto de saberes acumulados e compartilhados por determinada sociedade. Diferente da antropologia, a sociologia foca em compreender os costumes e hábitos de diferentes sociedades, ao invés do ser humano individual. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Filosofia: conjunto de manifestações humanas que podem ser transformadas conforme a interpretação pessoal da realidade e do mundo, em oposição ao comportamento natural. O indivíduo usa a reflexão e a argumentação para justificar suas ações para si mesmo e perante toda a sociedade. A cultura é um processo continuo e dinâmico, que, ao mesmo tempo que deixa-se moldar pelos seres humanos, os impacta. Todo povo tem um patrimônio cultural que o identifica e que é transmitido através das gerações, retratando sua forma de agir, de sentir e de pensar. Cultura e Civilização Ao traçar uma linha histórica evolucionista partindo das sociedades mais primitivas, convencionou-se usar três estágios: selvajaria (os caçadores e coletores), barbárie (os agricultores e pastores) e civilização (divisão social nas cidades), que, por sua vez, eram separados por dois grandes marcos: a Revolução Agrícola ou Neolítica (domesticação de animais e plantas, as pessoas não eram mais nômades) e a Revolução Urbana (primeiras cidades). Fonte: elaborada pelo autor. Manifestações culturais No século 18, o conceito de cultura foi associado ao de civilidade, trazendo para a cultura a associação aos comportamentos atribuídos à elite, como educação e etiqueta. Foi nesse período e contexto que surgiu a distinção entre cultura erudita e cultura popular. • Cultura erudita: produção cultural das elites dominantes originaria em berço europeu (nobreza e burguesia). Todas essas manifestações culturais eram refinadas e complexas, podendo ser acessadas apenas pelas elites. E, no padrão de Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras classe dominante, a cultura erudita torna-se o padrão cultural, em contraponto a toda manifestação cultural popular. • Cultura popular: produção e consumo cultural das camadas menos favorecidas (material e intelectualmente). É associada à simplicidade (baixo nível intelectual), muito pautada em tradições e regionalismos. Será que todas as manifestações culturais podem ser classificadas entre erudita e popular? Além dessas duas, a cultura também aparece em outras classificações: • Cultura de massa: produções em larga escala, distribuídas em veículos de comunicação. • Subcultura: cultura própria de um subgrupo social que está dentro de um grupo maior, como a subcultura paulista, que tem uma cultura própria, mas que também pertence à cultura brasileira. • Contracultura: também conhecida como cultura marginal, surge como uma forma de manifestação de um público, principalmente jovem, parte de uma subcultura que contesta as culturas dominantes de sua época, no Brasil e no mundo. Um bom exemplo de cultura underground é o movimento hippie, nos Estados Unidos, e a Tropicália aqui no Brasil. Cultura e Classes Sociais A estratificação social é um fenômeno que divide as pessoas em grupos de acordo com suas classes socioeconômicas, e serve como base para entender a configuração da sociedade em hierarquias e na formação das desigualdades sociais. (posição do indivíduo) Essas divisões entre faixas sociais, a relação entre cultura e civilização, a distinção entre cultura erudita e cultura popular anunciam uma associação de elementos específicos da cultura conforme a “posição” do indivíduo na sociedade. (disponibilização de informações) Embora ainda exista esse conceito enraizado, diferente de outros momentos, é possível ver que atualmente a cultura não é exclusivamente acessada por determinadas classes sociais. A quantidade de informações disponíveis e o aumento das formas de disponibilização facilita cada vez mais o acesso às diversas manifestações culturais por pessoas de qualquer classe social. Ao trazermos a Educação Física para esse contexto, mais precisamente para o das manifestações culturais corporais, é possível perceber possíveis influências na criação e no desenvolvimento dessas práticas, além de impactar também o momento decisório, quando o indivíduo decide realizar tal atividade ou não. Sem fazer muito Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras esforço, conseguimos separar algumas práticas que são consideradas da “elite” e outras que aparecem como “populares”. Os cuidados com o corpo e com a saúde também são impactados pela questão cultural e conforme a classe social. É importante conhecermos bem essa segregação cultural que acaba ocorrendo, não para perpetuá-la, mas para pleitear condições que oportunizem o contato de qualquer manifestação cultural por qualquer pessoa que assim desejar, independentemente do lugar que ocupe nessa hierarquia social. Cultura na Educação Física A Educação Física brasileira passou por um momento conhecido como a virada cultural, na década de 80, quando diversos estudiosos da área começaram a pesquisar e produzir trabalhos nos quais a Educação Física era associada a outras áreas como Sociologia e Antropologia. O fato é que independentemente da definição, é preciso compreender a cultura como um processo contínuo (dinâmico), que, ao mesmo tempo, deixa-se moldar pelos seres humanos e os impacta. Também é preciso lembrar que a cultura é aprendida (não é genética) e sua representação simbólica varia conforme o contexto de cada sociedade. O que é a indústria cultural?O conceito de produção em massa, comum nas fábricas e indústrias, passou a ser adaptada à produção artística, como uma nova concepção de se fazer arte e cultura, e com técnicas do sistema capitalista, objetivando o lucro e manutenção do pensamento dominante. • A mercantilização das pessoas e de suas produções culturais. (padrão de mercado) • Três pilares da indústria cultural: • O tempo de lazer tem aspecto tóxico. (redução da capacidade crítica) • Criação de necessidades que não precisamos. (valorização do “ter”) • Totalitarismo e mentalidades intolerantes. (não à oposição) A indústria cultural e a racionalidade moderna Como vimos na seção anterior, a classe dominante sempre “impunha” seus hábitos e gostos como sendo os melhores (mais refinados, mais complexos), porém eles eram disponíveis apenas para poucos. Isso criava uma visão de “superioridade”, uma exclusividade que os diferenciava. Entretanto, nesse período de grandes avanços científicos e tecnológicos emplacados pela Revolução Industrial, quando o Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras capitalismo estava se fortalecendo cada vez mais, o que se priorizou foi a lei do mercado. Assim, tudo se transformou em mercadoria, tudo tinha seu preço e o interesse econômico se sobrepôs aos valores e princípios dos homens. Nesse momento a visão de lucro passou a ser a principal perspectiva das pessoas, guiadas principalmente pelo consumo. A indústria passou a ser responsável por criar “necessidades” nas pessoas, e não aquelas que são básicas do ser humano, como alimentação e habitação, mas o consumismo descontrolado, quase irracional. Essa forma de consumo acaba jogando o indivíduo num ardiloso ciclo, pois o convence de que precisa de tudo, mantendo-o sempre insatisfeito, pois nunca vê seus desejos de posse saciados. O constante avanço tecnológico, a necessidade de escoamento de grandes produções (cultura descartável) e a “obsolescência planejada” contribuem para manter esta roda sempre girando. Em resumo: • A mercantilização é a ação de transformar algo em mercadoria e fazer com que seja comercializado. • Associada ao fortalecimento do sistema capitalista. (lucro e consumismo) • A indústria passa a inventar “necessidades” e desejos supérfluos nas pessoas. • O avanço tecnológico e a “obsolescência planejada” mantêm as pessoas “insatisfeitas”. A obsolescência planejada é o uso de produtos que possuem um ciclo de vida reduzido como estratégia para serem rapidamente substituídos. (FRANZOLIN, 2017). Podemos ver isso principalmente com computadores e aparelhos eletrônicos, que vão se tornando ultrapassados muito rápido, surgindo sempre um melhor que o anterior. Além disso, a durabilidade e o alto custo para consertos (quando ainda existem peças) tornam mais viável a substituição por um novo. Esse processo de mercantilização das pessoas e de suas produções chegou em todos os setores da sociedade e não foi diferente com a cultura. Theodor Adorno, um compositor e filósofo alemão, foi um dos principais nomes a estabelecer forte debate sobre a indústria cultural. Para ele, essa indústria seria capaz de “corromper” os indivíduos e ela se basearia em três pontos: • O tempo de lazer tem aspecto tóxico: Quando temos tempo livre, de descanso, surgem oportunidade de refletirmos criticamente sobre a realidade, porém a indústria cultural entorpece nossa capacidade crítica e nos distrai. • O capitalismo cria necessidades de que não precisamos: passa-se a valorizar mais o “ter” do que o “ser”, o que fortalece o individualismo; a busca Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras por consumir os desejos criados pela indústria ao invés de consumir o que realmente precisamos. • Totalitarismo gerado por mentalidades intolerantes: pensamentos intransigentes não permitem que haja oposição ou discórdia entre ideias, tendo o seu posicionamento como único, o que fomenta a possibilidade da indústria cultural subsidiar tal forma de governo autoritário. Você pode até se espantar quando ouve o termo “indústria cultural”, pois ao pensarmos somente em indústria, vem-nos à cabeça uma produção sob demanda dos consumidores; ao passo que a cultura nos remete a algo mais aberto, com liberdade para apreciação. E é justamente esse contraponto que se objetiva mostrar. Essa indústria que transforma a cultura em mercadoria e vice-versa (atribuindo-lhe um valor) converte uma produção cultural em um “objeto cultural” consumível e, portanto, o artista produtor cultural submete-se aos padrões estéticos ditados pelo mercado. Não é difícil, por exemplo, ouvirmos casos de bandas famosas que mudaram seu estilo para acompanhar as preferências mais populares do momento, a fim de conseguir atingir um público maior. Ou, ainda, alguns filmes que, visando encherem as bilheterias e concorrerem ao prêmio mais importante do cinema mundial, devem seguir o padrão da elite cinematográfica vigente, no caso, Hollywood. Ao tentarmos sair desse padrão estético dominante, ao qual já estamos acostumados, e vermos diferentes estilos de filme, é muito comum que fiquemos incomodados a ponto de julgarmos tais produções como ruins (mesmo sendo apenas diferentes), o que perpetua a influência dos grandes meios de comunicação. À medida que diferentes formas de comunicação surgem, novos bens culturais também são produzidos. Atualmente, com a sociedade exigindo mais personalização e imediatismo, novas formas de acesso a obras estão sendo exploradas (fato que altera os “produtos culturais”), como os diversos catálogos on-line de músicas, livros, filmes e games disponibilizados via streaming. O lazer está sendo customizado para o cliente/consumidor e sendo “entregue” no formato preferido e no local desejado. Cultura como mercadoria na sociedade de massas Na década de 1930, quando apenas as pessoas com maior poder aquisitivo tinham acesso ao teatro e aos espetáculos musicais, aconteceu a Era do Ouro do Rádio. O apogeu das transmissões de rádio popularizou-o como veículo de comunicação em massa. Com essa massificação da cultura, foi preciso aumentar o conteúdo produzido para o rádio e torná-lo mais popular, deixando-o menos complexo (como eram as obras voltadas para a elite), afim de padronizar a nova “mercadoria”, satisfazendo assim o maior número de ouvintes consumidores. O uso dos meios de comunicação de massa consegue trazer uma homogeneização de pensamentos e hábitos, fazendo com que grande parte das pessoas tenha, além do Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras comportamento generalizado, gostos e desejos semelhantes e padronizados. A isso dá-se o nome de sociedade de massas. Uma boa representação da sociedade de massas pode ser vista no videoclipe da banda Pink Floyd lançado em 1979, para a icônica música Another Brick In The Wall, composta pelo baixista Roger Waters, com relevante e expressiva crítica à massificação do ensino e à alienação. MASSIFICAÇÃO DA CULTURA A indústria cultural surge como uma perfeita ferramenta para essa massificação da cultura, que busca a homogeneização através dos meios de comunicação, propagando modelos de cultura alienados, os quais não consideram as diferenças e individualidades. Nessa forma de distribuição, o produto cultural aparece “empacotado” com vistas a atender à maioria das pessoas, deixando de ser algo único e especial, para ser uma simples mercadoria que atende a determinado padrão, não pela qualidade ou preferência, mas pelo lucro. Para ganhar mais, é necessário usar padrões de produção e, para que haja consumo do que foi produzido, é preciso que o “gosto” também seja padronizado. Uma das críticas feitas à cultura como mercadoria é com relação ao consumo passivo desses conteúdos culturais. Quando a pessoa fica exposta, inerte à um conteúdojá completo, que não deixa espaços para a imaginação pois já se encarrega do feito por completo, ela tem cerceada sua espontaneidade ao consumir. Um exemplo são brinquedos a pilha, que se movem sozinhos enquanto a criança fica só assistindo, de forma alienada. Outra mercadoria que se popularizou na sociedade de massas foi o esporte. No Brasil, no final do século XIX, Charles Miller trouxe o futebol para nosso país, que, naquela época, era praticado apenas pela elite branca brasileira (CALDAS, 2000), diferente do período atual, em que é conhecido como o esporte das massas, não carregando mais o glamour e a exclusividade elitista, mas a democratização popular. Fetichismo e cultura (Theodor Adorno) Em algumas culturas, acreditava-se ser possível apreender espíritos dentro de objetos (ou que eles já possuíam espíritos), o que fazia deles algo mágico e com poderes sobrenaturais. Essa prática de atribuir “alma” e poderes a objetos é conhecida como fetichismo. Mas não é desse ponto de vista que vamos tratar aqui; nós o utilizamos apenas para auxiliar no entendimento do que é fetichismo da mercadoria. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Essa expressão foi utilizada por Marx, que trouxe a ideia de os produtos consumidos ganharem “vida própria”, pois, resumidamente, existem alguns fatores que desumanizam essa relação: • Produz-se mais do que as pessoas necessitam, então a produção se torna autônoma em relação à vontade humana, baseando-se no interesse apenas do capital e não das pessoas. A oferta gera a demanda e não o contrário. • Ocultação do caráter social do trabalho, que mascara qualquer tipo de exploração das relações de trabalho e o papel do trabalhador nas engrenagens do capitalismo. Esse fator é benéfico para o lucro, mas prejudicial para a sociedade, colocando o trabalhador como parte na reprodução desse sistema e ao mesmo tempo como o consumidor de sua própria produção. • A mercadoria como objeto de adoração, o que ocorre quando há a chamada “coisificação” das relações sociais, e as pessoas (e suas relações) se tornam objetos com características humanas, como vontades. Nessa alienação, as pessoas são dominadas pelas próprias criações, trazendo uma inversão de valores entre o sujeito e o objeto. Diversos autores utilizaram o fetichismo da mercadoria para estender o assunto a suas áreas específicas, como fez Theodor Adorno, apoiando-se na área de artes, e Guy Debord na área da transformação social. O primeiro ampliou o termo para fetichismo da mercadoria cultural, destacando a produção e o consumo do bem cultural guiado pela indústria cultural; e o segundo, em sua obra A sociedade do espetáculo, trouxe a luta de classes (burguesia e proletariado), já debatida por Marx, agora sob a dominação do espetáculo. O profissional de Educação Física, Alessandro Barreta Garcia, apresenta o debate sobre a ideologia consumista, que trata o corpo como mercadoria e traz a problemática do fetiche para a área da Educação Física. Esse trabalho pode ser visto no artigo: GARCIA, A. B. Da estética privada, para uma estética pública: implicações na Educação Física do fetiche. EFDeportes, Buenos Aires, ano 10, n. 86, 2005. Indústria cultural, sistematização da dominação e o papel da Educação Física Na Sociologia, o sistema da dominação é apresentado em diversos estudos, principalmente pelo fato de o conceito “dominação” ser abordado sob diferentes pontos de vista. Entretanto, apesar das diversas perspectivas, é importante compreender que eles tratam de um sistema hierárquico no qual há desequilíbrio das formas de poder, existindo relações assimétricas de comando entre as pessoas. Na indústria cultural (na qual também há representação de relação social), é possível perceber o sistema de dominação através de elementos culturais. A cultura se torna, então, um meio eficaz de manipulação da ideologia dominante. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Após vermos, de forma bem direta e resumida, os estudos de renomados sociólogos para compreendermos a indústria cultural, o fetichismo, a cultura de massas e os sistemas da dominação, além da estreita relação entre eles, tomamos a liberdade de aproximar da área de Educação Física esses conceitos. O principal elo entre a indústria da cultura e a Educação Física pode ser notado no objeto da nossa área – a cultura corporal do movimento humano. Dentre os principais produtos culturais que envolvem o movimento humano, temos as práticas corporais de lazer e esportivas. No lazer, com as mudanças trabalhistas da era Vargas, houve aumento do tempo livre, aumentando assim a procura por atividades de lazer e entretenimento. Aqui a principal crítica é sobre a utilização desse tempo livre. O lazer alienado pode ser percebido em dois momentos: quando as classes sociais menos favorecidas não possuem opções de lazer ou quando essas escolhas são orientadas (principalmente pelos meios de comunicação de massa) às opções passivas. Lazer ativo – participação ativa da pessoa, permitindo-lhe pensar e escolher, criticar e consequentemente transformar. Lazer passivo – de forma oposta ao anterior, a pessoa não interage, apenas recebe (a informação ou a ação) e geralmente está associado ao consumismo. Com relação às práticas esportivas, além do caráter da atividade (ativo ou passivo), também vemos o uso político delas (como a não participação, em jogos olímpicos, de países em edições específicas por desavenças políticas); o uso do esporte como instrumento ideológico do Estado, baseado na competição e no rendimento (tal qual os valores capitalistas) e a ideia do individualismo e do corpo como máquina (com finalidades competitivas ou laborais) também perpetuam os sistemas de dominação da sociedade. O impacto da mercantilização para a Educação Física não se restringe apenas ao domínio cultural (envolvendo o lazer), mas também se manifesta sobre o corpo e os cuidados com a saúde, sobre as relações humanas e as práticas esportivas, além do conhecimento e das práticas pedagógicas. No ambiente da Educação Física escolar, também é possível dar continuidade à reprodução dos sistemas de dominação ou oportunizar sua compreensão e consequente postura crítica. Este cenário pode ser observado desde as relações de poder que privilegiam os mais aptos (por vezes humilhando os menos habilidosos) até a relação de dominação masculina, durante a realização de atividades práticas, visível ao tratar as meninas como inferiores. Além disso, é importante nos atentarmos também para a escolha de certos conteúdos em detrimento de outros, por afinidade ou apenas pela “facilidade/praticidade” de continuar reproduzindo aulas passivamente. Você acha que os padrões estéticos que regem o mercado influenciam o padrão que conhecemos de corpo (padrão de beleza)? E com relação aos esportes, será que Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras praticamos os que mais gostamos ou aqueles que estão “na moda”? Com uma inteligência artificial programada para nos mostrar apenas as “tendências” na internet, será que realmente temos liberdade de escolher nosso lazer ou acabamos sugestionados entre algumas opções predeterminadas? As manifestações corporais originais e as historicamente construídas Existem várias práticas corporais socialmente produzidas, culturalmente desenvolvidas e historicamente acumuladas pelo ser humano. Elas continuam sendo transmitidas através de esportes, danças, lutas, jogos e brincadeiras, além de serem culturalmente transformadas. O corpo e sua relação consigo mesmo, com o outro e com o meio Desde a fase intrauterina, o bebê já começa a brincar com seu corpo; mesmo sem conseguir enxergá-lo já começa a reconhecê-lo, usando mãos e pés para brincar com o cordão umbilical e com outras partesdo corpo. Esse reconhecimento continua após o parto e, em alguns meses, segue com o auxílio da visão e do tato. Antes de terminar essa “exploração” do próprio corpo, a criança já começa a compreender a existência de outras pessoas (outros corpos) e a relacionar-se com elas, construindo assim seu corpo social. Quase ao mesmo tempo, a criança também é capaz de reconhecer que existem diferentes ambientes, os quais podem deixá-la mais ou menos confortável, mais ou menos segura. Além disso, interage também com outros objetos (corpos inanimados). Essas fases não são sequenciais. Elas acontecem praticamente ao mesmo tempo e, por mais que uma possa iniciar antes que a outra, não é necessário que uma termine para que comece a próxima. Isso se deve principalmente ao fato de os bebês serem dependentes, pois é com a ajuda de outros corpos e do ambiente que é possível conhecer por completo seu corpo e seu funcionamento. É preciso saber como o corpo funciona, mas também suas possibilidades nos diversos ambientes e em contato com outros corpos. Diversos filósofos como Merleau-Ponty e Husserl defenderam a ideia de não TER um corpo, mas de SER um corpo (BARCO, 2012; MERLEAU-PONTY, 1999), pois o contato com o mundo se dá através do corpo (órgãos do sentido) e esse é o ponto de referência de si mesmo e dos outros dentro do espaço. Originalidade do movimento corporal Cada pessoa traz consigo características próprias e uma maneira única de se expressar, pois, por mais que tragam atributos de seus aprendizados coletivos, sempre existem particularidades. Por isso, o movimento humano carrega consigo uma originalidade, como uma assinatura, uma impressão digital. Por exemplo, por mais que exista um padrão eficiente em um arremesso do basquete ou uma braçada Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras da natação, cada atleta realiza o mesmo movimento com algumas características específicas, havendo movimentos parecidos, mas não exatamente iguais. Os movimentos coreográficos de uma dança podem até ser os mesmos, porém cada dançarino transfere suas próprias expressões para seus movimentos, tornando sua apresentação única. Essa forma singular com que usamos nosso corpo para nos expressarmos, trazendo espontaneidade, torna essa experiência significativa, pois nos coloca como foco principal desse processo. Nessa busca pela originalidade, por um toque pessoal, superamos as formas de expressão padronizadas a que somos expostos desde cedo (MIRANDA, 1979). É possível vermos a originalidade no movimento através das diversas práticas corporais. Ao falarmos dos esportes, podemos pensar nos movimentos criativos que podem decidir jogos, como quando um atleta realiza um movimento que ninguém espera, mas principalmente nas modalidades que usam a estética, a beleza e a graça do movimento como fatores determinantes para o resultado, como é o caso da ginástica artística, da patinação e dos saltos ornamentais. No caso das lutas que apresentam golpes predeterminados, a originalidade se mostra na execução e nas sequências dos movimentos. Já na dança fica mais fácil de a verificarmos, pois o leque de possibilidades de movimentação com música é muito amplo, permitindo maior personalização dos movimentos. Talvez a manifestação corporal que apresente mais inovação nos movimentos, por conta de sua característica de flexibilidade, são os jogos e as brincadeiras, principalmente por não se prendem a regras rígidas e por utilizarem a fantasia. Porém, a criatividade desse estilo individual pode ser afetada. Rudolf Laban, inglês considerado o maior teórico da dança no século XX, atribuiu ao produtivismo, advindo da Revolução Industrial, a imposição de gestualidades mecânicas e repetitivas, responsáveis pelo embrutecimento da experiência do corpo, pela perda da espontaneidade e pelo empobrecimento do gesto (BARBOSA, 2016). Como já vimos anteriormente, a sociedade de massas e a indústria cultural talham todas as diferenças e individualidades, alienando e homogeneizando as práticas culturais, incluindo aí corporais. Acompanhando essa abordagem social, percebemos a docilização dos corpos, que, segundo Foucault, é movimento responsável por forjar um corpo obediente politicamente, além de útil e produtivo para a economia (FOUCAULT, 1987). Os diversos movimentos que realizamos hoje nem sempre foram de nosso domínio. Conforme surgiam necessidades, estímulos e desafios, eles foram sendo construídos em diferentes momentos históricos (CASTELLANI et al., 2014). Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Existem várias práticas corporais socialmente produzidas, culturalmente desenvolvidas e historicamente acumuladas pelo ser humano, que estão arraigadas nos diferentes grupos sociais. Elas continuam sendo transmitidas através de esportes, danças, lutas, jogos e brincadeiras, além de serem culturalmente transformadas. É interessante ver como as manifestações corporais foram sendo produzidas ao longo do tempo e modificadas conforme os períodos históricos para chegar ao que temos hoje. Por exemplo, quando o futebol chegou ao país, era praticado apenas pela elite, portanto as vestes traziam toda a pompa de um traje de gala da época; já em um momento posterior, quando começaram as transmissões a cores na televisão (e os patrocínios na camisa), os uniformes não podiam mais aparecer marcados com suor, portanto novos tecidos foram utilizados para a realização dessa prática. Nas manifestações corporais mais antigas é que percebemos toda sua construção histórica, havendo diversas modificações conforme os diferentes momentos. O avanço tecnológico e as inovações que acompanham as diversas práticas demonstram todo esse processo, como o lançamento de dardos, que, no início (no período “antes de Cristo”), simulava a habilidade de um caçador e que hoje é realizado com dardos feitos de fibra de carbono. Trata-se da mesma modalidade esportiva, porém com modificações realizadas ao longo de sua história. Outro exemplo são os esportes adaptados, que tiveram um grande destaque no período após as guerras mundiais, quando diversos soldados voltavam das batalhas com algum comprometimento motor ou físico. As manifestações corporais historicamente produzidas Os diversos movimentos que realizamos hoje nem sempre foram de nosso domínio. Conforme surgiam necessidades, estímulos e desafios, eles foram sendo construídos em diferentes momentos históricos (CASTELLANI et al., 2014). Existem várias práticas corporais socialmente produzidas, culturalmente desenvolvidas e historicamente acumuladas pelo ser humano, que estão arraigadas nos diferentes grupos sociais. Elas continuam sendo transmitidas através de esportes, danças, lutas, jogos e brincadeiras, além de serem culturalmente transformadas. É interessante ver como as manifestações corporais foram sendo produzidas ao longo do tempo e modificadas conforme os períodos históricos para chegar ao que temos hoje. Por exemplo, quando o futebol chegou ao país, era praticado apenas pela elite, portanto as vestes traziam toda a pompa de um traje de gala da época; já em um momento posterior, quando começaram as transmissões a cores na televisão (e os patrocínios na camisa), os uniformes não podiam mais aparecer marcados com suor, portanto novos tecidos foram utilizados para a realização dessa prática. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Nas manifestações corporais mais antigas é que percebemos toda sua construção histórica, havendo diversas modificações conforme os diferentes momentos. O avanço tecnológico e as inovações que acompanham as diversas práticas demonstram todo esse processo, como o lançamento de dardos, que, no início (no período “antes de Cristo”), simulava a habilidade de um caçador e que hoje é realizado com dardosfeitos de fibra de carbono. Trata-se da mesma modalidade esportiva, porém com modificações realizadas ao longo de sua história. Outro exemplo são os esportes adaptados, que tiveram um grande destaque no período após as guerras mundiais, quando diversos soldados voltavam das batalhas com algum comprometimento motor ou físico. Corporeidade e Educação “O corpo que aprende, que cria significados, que se desdobra intencionalmente no espaço e no tempo, é um corpo que não pode estar rigidamente fixado nos movimentos necessários à sobrevivência do organismo e da espécie (como no caso dos animais). Ao contrário, deve ser aberto aos “possíveis” que experiência lhe oferece. Por situar-se em um ambiente cultural, no qual os acontecimentos são ricos e imprevisíveis (inversamente do que ocorre no mundo instintual dos animais), o homem precisa ter à sua disposição um amplo leque de possibilidades motoras para a realização das tarefas a que se propõe. É na dialética do concreto e do abstrato, do real e do virtual, do necessário e dos possíveis, que a corporeidade se manifesta. (OLIVER, 1995, p. 49-50)” Entende-se que a corporeidade vai além do corpo biológico e do corpo físico, pois traz também o caráter social, cultural e histórico, que colocam o ser humano como foco principal. Trata-se de uma visão de como esse corpo se relaciona com o mundo e como interage com as pessoas. São essas características que aproximam a corporeidade da educação, pois esta se apresenta como facilitadora da construção social (na troca de conhecimento) e de formação cultural, transformando os saberes já existentes. O corpo que aprende é o mesmo que expressa todo o conhecimento acumulado, sendo, portanto, algo dinâmico ao mesmo tempo em que é ator e expectador da história e da sociedade. Mais do que sobrevivência, esse corpo busca vivência, experiência. A corporeidade traz o indivíduo por completo, razão e emoção, marcado historicamente e impactado pela cultura, que se comunica e que expressa seus sentimentos através de seu corpo. Toda essa complexidade deve ser tratada pela Educação (em um ambiente formal ou não) não apenas como um corpo correndo em uma escola, como uma quantia de gordura que precisa ser eliminada, como um bíceps que precisa aumentar ou como pernas pedalando em um parque. A Educação, e Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras principalmente a Educação Física, só conseguirá ter um impacto positivo em suas atividades ao considerar o aluno de forma completa em todas suas intervenções. Reflita Compreende-se que todas as pessoas possuem diferentes corpos, com diferentes histórias, diferentes vivências em diferentes culturas, diferentes formas de pensar e ver o mundo, diferentes gostos e crenças, diferentes condições de saúde e aptidões, além de diferentes respostas conforme diferentes estímulos (sem mencionarmos as diferentes condições que a mesma pessoa pode apresentar em dias diferentes, como sentimentos, por exemplo). Sabendo tudo isso, você acredita que seja possível um software (aplicativo) indicar atividades físicas visando atingir determinados objetivos? E a realização de aulas coletivas pode trazer benefícios de forma eficiente para todas as pessoas? Referências: CHIAVENATO, I. Administração nos novos tempos. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2005. DAOLIO, J. Educação Física e o Conceito de Cultura: polêmicas do nosso tempo. Campinas: Autores associados, 2004. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. NIETZSCHE, F. (1873). David Strauss, o confessor e o escritor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020. OGBURN, W. F. (1922). Mudança Social com Respeito à Cultura e Natureza Original. Whitefish: Kessinger Publishing, 2009. SAGGIORATO, A. Rock brasileiro na década de 1970: contracultura e filosofia hippie. Revista História: Debates e Tendências, v. 12, n. 2, p. 293-302, 2012. Disponível em: https://bit.ly/2V8mBgK. Acesso em: 28 set. 2020. TYLOR, E. 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