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Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Unidade 3: Brincadeiras, jogos e esportes O corpo que brinca Desde que nasce, a criança já brinca para conhecer seu corpo e suas possibilidades, e com isso perceber o mundo ao seu redor. A partir de reproduções e situações imaginárias, é possível “simular” o mundo real para aprender por meio de processos de imitação e experiências práticas da realidade. Brincadeiras como “polícia e ladrão” e “casinha” nada mais são do que representações de papéis da vida real. A forma mais completa de aprendizado é por meio das experiências que vivenciamos. Se for possível repeti-las mais vezes, melhor. Os jogos e as brincadeiras oportunizam isso, porém de forma a replicar situações, nas quais é possível separar alguns de seus atributos que envolvam, por exemplo, momentos de perigo ou de maior dificuldade para determinadas idades. Alguns estudiosos definem a brincadeira e os jogos, porém não há um consenso com relação a esses conceitos. O que se apresenta por diferenciação é em relação às brincadeiras apresentarem um caráter mais flexível em suas regras (quando elas existem) e, na maioria das vezes, não há um vencedor, como nos jogos, os participantes continuam a atividade enquanto existir motivação. O jogo se apresenta como uma atividade de natureza voluntária, tendo um fim em si mesmo e com regras obrigatórias, as quais podem ser combinadas previamente. O jogo favorece o desenvolvimento de vínculos afetivos e sociais positivos. Huizinga (1980) traz o jogo como característica essencial da cultura, afirmando que as civilizações surgem e se desenvolvem por meio dele. O autor também o apresenta como um fenômeno cultural, em uma perspectiva histórica, trazendo diversos elementos sociais construídos pelos jogos e, ao mesmo tempo, que fazem parte da sua construção. Uma característica que prevalece nos jogos e nas brincadeiras são as emoções e os sentimentos envolvidos. A vivência proporciona, além dos momentos de prazer, situações que propiciam diversas manifestações de sentimentos. Vale ressaltar que algo que favorece essa exteriorização de sentimentos é o fato de que a participação nestas atividades lúdicas é voluntária, o que também oportuniza a iniciativa dos participantes. Dentre os principais atributos dos jogos e das brincadeiras, podem ser destacados a expressão de sentimentos e ideias; a sensação de prazer e diversão, facilitados pelo caráter lúdico e não-sério; a imaginação e o faz de conta; a flexibilidade das regras; e a espontaneidade na participação. Essas peculiaridades precisam ser levadas em conta durante o planejamento de qualquer atividade na área. Ao planejar uma intervenção profissional com um grupo que tem maior resistência à participação, considerado de “difícil envolvimento”, como é o caso de adultos que não Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras se conhecem, o profissional de Educação Física deve se lembrar das características mais descontraídas das atividades lúdicas e da escolha por aquelas que parecem se encaixar melhor nessa situação. A espontaneidade na participação, a diversão, o caráter não-sério e a sensação de prazer presente nos jogos e nas brincadeiras apontam para uma boa escolha nesse caso. Este grupo pode, inclusive, brincar com danças, esportes, lutas, ginásticas e práticas corporais de aventura. Brincando e jogando na Educação Física Profissionais das áreas de animação/recreação, turismo/hotelaria, apresentadores de televisão e praticamente todo o setor de entretenimento também utilizam jogos e brincadeiras em suas profissões. Em todos esses casos, eles são utilizados apenas explorando o caráter lúdico das atividades, visando à diversão dos participantes. Diversos autores já trouxeram esse tema para a área da educação, porém o foco será específico para os profissionais de Educação Física que utilizam os jogos e as brincadeiras como uma ferramenta de educação. Esse “aprender brincando” é partilhado com outros setores da educação, pois facilita o aprendizado ao torná-lo mais prazeroso. Quando são propostas atividades que não recebem a adesão dos participantes, o profissional de Educação Física costuma utilizar algumas estratégias, dentre elas, jogos e brincadeiras, aproveitando suas principais características e o fato de essas atividades não comprometerem a imagem social das pessoas, pois são apenas “representações” que permitem sua execução de diversas formas diferentes, sem que haja julgamentos ou falhas. A criança também usa os jogos e as brincadeiras como forma de linguagem, conforme observado na unidade anterior, para expressar o que tem certa dificuldade para comunicar em palavras. Ela aproveita esse universo que a deixa mais à vontade para realmente se expressar. Os jogos e as brincadeiras, por suas características “mais leves”, são utilizados, na maioria das vezes, com crianças, e há pouco tempo também começaram a ser usados com pessoas idosas, também chamadas de terceira idade. Essas atividades lúdicas também apresentam um grande potencial com pessoas adultas. Talvez por uma afirmação social de que “brincadeira é coisa de criança”, muitos adultos estão perdendo a oportunidade de vivenciar bons e descontraídos momentos. O corpo que compete A definição mais abrangente do termo “esporte” é a do Prof. Valdir Barbanti, da Escola de Educação Física e Esporte da USP, o qual afirma que: Esporte é uma atividade competitiva institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso ou o uso de habilidades motoras relativamente complexas, por Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras indivíduos, cuja participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos. (BARBANTI, 2006, p. 57) Talvez, a única observação com relação a essa definição é retirar o termo “motora” após habilidades, pois conseguiríamos englobar nessa mesma definição os chamados “jogos mentais”, considerados modalidades esportivas, como o xadrez, o pôquer e os eSports (esportes eletrônicos). Existem diversos tipos de esportes com diferentes características, como: individuais e coletivos; que exigem muito preparo físico ou praticamente nenhum; que envolvem estratégias ou não; que utilizam equipamento ou não; que enfrentam adversários (direta ou indiretamente) ou apenas o cronômetro; que envolvem contato ou ele é proibido; entre outras variáveis. Por isso suas características são bem variáveis e, embora seja mais difícil de agrupá-los, oportuniza uma gama maior de possibilidades. Dificilmente, você encontrará alguma pessoa que não se interesse por nenhum esporte. Dentre as mais diversas variáveis, existem algumas características que as modalidades têm em comum, como é o caso da institucionalização. Esta, inclusive, é uma das principais diferenças apresentadas em relação aos jogos: a utilização de regras padronizadas (na maioria das vezes, internacionalmente) e a fiscalização do cumprimento delas (e suas contravenções punidas) por entidades oficiais. Como exemplo de institucionalização, podemos utilizar a natação, a qual é um esporte bem difundido no mundo e que segue as mesmas regras oficiais estabelecidas pela Federação Internacional de Natação (FINA) em competições oficiais realizadas em qualquer país. As regras são as mesmas em países da Europa ou da América, da África ou da Oceania. Além disso, existe uma equipe oficial de arbitragem previamente associada à competição. Outra característica importante dos esportes é a competição, que ainda é muito criticada por causa de algumas atitudes, como a busca da vitória a qualquer custo, a frustação e decepção com as derrotas, ou as pressões e cobranças internas e externas (geradoras de estresse). Porém, se bem utilizada, traz a ideia de superação, o sentimento de dever cumprido, o aprendizadode atitudes, como o respeito pelo adversário e o saber lidar com as diferentes sensações que o esporte causa – o que alguns profissionais da área esportiva costumam chamar de “saber ganhar” e “saber perder”. Em alguns casos, o esporte também pode ser caracterizado pela cooperação, seja ela com o próprio time nos esportes coletivos (como os atletas, no caso do futebol), ou até mesmo dentro de uma equipe nos esportes individuais (como os pilotos e toda a equipe em uma corrida automobilística). Conforme a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (BRASIL, 1998), o esporte pode se manifestar como educacional (praticado nos sistemas de ensino, objetivando o Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras desenvolvimento integral do indivíduo), de participação (ocorre de modo voluntário), de rendimento (praticado seguindo regras internacionais, visando obter resultados) e de formação (que fomenta a prática inicial do esporte, promovendo o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva). O mesmo esporte pode assumir características diferentes, conforme sua manifestação: Educacional: objetiva o desenvolvimento escolar. Participação: objetiva a participação voluntária na atividade. Rendimento: objetiva vencer competições nacionais e internacionais. Formação: objetiva promover o aperfeiçoamento da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição. Praticando esportes na Educação Física Infelizmente, ainda é muito comum vermos pessoas que gostam do esporte ou que já o vivenciaram (como ex-atletas ou ex-técnicos) se responsabilizando por ele sem a formação necessária. Isso pode levar a diversos problemas a curto e a longo prazo. Não se trata da questão de “reserva de mercado” para os formados na área, mas da complexidade da sua formação, a qual o prepara para utilizar o esporte com os conhecimentos necessários. A Educação Física traz uma compreensão de seu aluno, atleta, paciente ou cliente de forma completa, evitando, assim, lesões, distúrbios de imagem e outros problemas emocionais e de atitude e complicações sociais. Também, traz uma visão mais ampla do esporte, com toda sua bagagem cultural e sua função administrativa. A prática esportiva pode ser um fim nela mesma, mas também pode ser utilizada como um meio para se alcançar determinadas finalidades. Existem pessoas que praticam esportes apenas porque gostam, e outras que os usam para atingirem objetivos relacionados à saúde, à qualidade de vida, entre outros. Nesses casos, é possível vermos o esporte como uma ferramenta para ganhar dinheiro, abandonar vícios, representar uma imagem social, etc. Temos, também, o esporte presente nas instalações esportivas, nas diversas mídias e em vários formatos, que são consumidos pelas pessoas não para sua prática direta, mas para assistir, torcer, colecionar, entre diversas outras formas de consumo. Nestes casos, os profissionais de Educação Física também deveriam atuar, agregando mais conhecimentos para estas intervenções. Ao pensarmos no esporte de alto rendimento, com as diversas lesões dos atletas, suas curtas carreiras e toda a dificuldade que a maioria dos esportistas (salvo alguns jogadores de futebol da primeira divisão) tem em conseguir financiamentos para desempenhar suas práticas ao longo de suas curtas carreiras, o que você acha do jargão “Esporte é saúde”, ou “Esporte é vida”? Você acredita que nesse meio existam profissionais capacitados, independentemente da formação? Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras O corpo que dança Dançar é realizar movimentos ritmados, na maioria das vezes, acompanhados por música. Esses movimentos podem ser livremente improvisados, ou pré-definidos conforme o estilo da música, ou ainda contar com coreografias completas ensaiadas previamente. A dança pode ser realizada individualmente ou acompanhada de mais uma ou diversas pessoas. Ela é uma forma de expressão através do corpo, podendo ser realizada como uma manifestação artística (performática), um cerimonial ritualístico ou simplesmente por diversão. Desde a Antiguidade, percebe-se a utilização da dança para diversas finalidades, dentre as principais, destacam-se: • Homenagem a pessoas importantes e divindades religiosas. • Comemoração e festejos de bons resultados nas colheitas, vitórias em batalhas ou etapas da vida (passagem para a vida adulta, casamentos e até morte). • Forma de entretenimento por meio da prática, ou consumindo-a como espectador, principalmente nos momentos de lazer. • Terapia, autoconhecimento e desenvolvimento global. • Identidade cultural, forma de interação social. • Disputas e competições esportivas. • Movimento social; instrumento político e reflexivo; forma de protesto. • Promoção da saúde como atividade física. • Instrumento pedagógico; ferramenta de educação. Apesar de ser universal e estar totalmente globalizada, a dança também pode guardar características culturais locais, como é possível observar nas diversas danças típicas das regiões, geralmente, associadas a músicas específicas folclóricas dessas localidades. Outra peculiaridade da dança se refere à sua complexidade, que pode variar de movimentos bem simples até os mais difíceis, acompanhando ritmos musicais mais rápidos ou mais lentos, criando, assim, uma gama enorme de possibilidades para sua prática, não sendo desmotivante por ser muito fácil e nem por ser muito difícil. Diversas culturas (como aquelas presentes em algumas regiões do nosso país) carregam um preconceito social com a dança, estimulado por momentos historicamente construídos que a associam a momentos de lazer (em oposição aos homens sérios e trabalhadores da época da Revolução Industrial) e ao “medo” de exposição e julgamento, por conta de alguns tipos de dança vindas de pessoas de classes sociais menos favorecidas. Alguns movimentos, ao serem associados a determinados gêneros ou à sexualidade, também colaboram para a “preservação” do corpo rígido, quando em exposição a outras pessoas. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras A vergonha de dançar com outras pessoas assistindo (principalmente, atrelada aos homens) destoa da imagem de “festeiros” que os brasileiros têm, principalmente quando se associa às danças folclóricas, como o samba e o frevo do Carnaval, ao forró e às quadrilhas das festas juninas e às toadas do Festival de Parintins. Mesmo assim, com um pouco de vergonha e preconceito, encontram-se “pistas” destinadas às danças em diversos locais para lazer, como baladas, danceterias, boates, bailes, discotecas (nomes diferentes conforme a região e a época) e shows (a maioria dos lugares destinados à pessoas em pé). A dança da noiva, com o padrinho/madrinha de formatura e os bailes de debutantes, além de contarem com um local específico nestas tradicionais festas, ainda trazem as novas coreografias para eventos, apresentando outro ramo de intervenção profissional. Além desses locais, ainda tem os palcos, principalmente de teatros, para a contemplação de grandes públicos. Existem algumas “atitudes” que contribuem para propagar a discriminação desta atividade natural do ser humano, o dançar, como associar a dança a um castigo em algumas brincadeiras, usar o termo “dançar” em momentos em que algo deu errado, ou ainda a implicância com homens que praticam balé. Dançando na Educação Física Existem diversas técnicas específicas na dança, que são ensinadas por profissionais de Educação Física ou formados em Dança (que conta, hoje, com todos os graus acadêmicos e tem procura, principalmente, por pessoas mais velhas, que já tem ou tiveram uma carreira profissional no universo da dança). Além disso, os conhecimentos de dança também são transmitidos por pessoas que já praticaram anteriormente, porém sem nenhumapreparação pedagógica e sem a mínima noção do funcionamento corporal e de todas as informações relativas a ele. Um dos grandes debates da nossa área é sobre as competências para saber quem está mais preparado para “ensinar” a dança: o profissional formado em Educação Física, ou a pessoa que dançou e fez aulas durante toda sua vida? Qual sua opinião? Existem casos diferentes, em que uma opção é melhor que a outra? Qual seria a situação ideal do seu ponto de vista? Além das técnicas dos movimentos, também existem diversos métodos de ensino da dança defendidos por alguns estudiosos, dentre os quais, destacam-se: Merce Cunningham, Martha Grahan, Ted Shawn, Isadora Duncan, Rudolf Laban, o casal Klauss e Angel Viana, entre muitos outros. Uma atividade muito interessante dentro da dança é a de percussão corporal, que mescla movimentos coordenados com sons produzidos no próprio corpo, sendo usada para acompanhar uma música, com muito pouco ou nenhum instrumento. Essa atividade exige grande desenvolvimento de percepção corporal, agilidade, ritmo e coordenação. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras No Brasil, é muito comum encontrar escolas e academias de dança (na maioria dos casos, tendo o balé como carro chefe) e estas oferecerem postura e disciplina como destaques. Já as aulas de danças realizadas em academias de ginástica são muito procuradas (principalmente por mulheres) pelos benefícios de perda calórica dessa atividade aeróbia. Nos últimos anos, a dança de salão também começou a ser muito requisitada por pessoas de várias idades (após um passado recente de associação a um público mais velho) e surgiram diversos locais especializados nesse tipo de dança, que atrai, além de casais, pessoas desacompanhadas. Outra área da dança muito requisitada é a de dança para pessoas com deficiência. O corpo que luta As lutas são práticas corporais nas quais se enfrentam dois ou mais competidores que tentam vencer seus oponentes, principalmente, através de submissão, retirada de determinada área, nocaute ou realizando uma maior pontuação. Para isso, os lutadores utilizam golpes com diversas partes do corpo (socos, chutes, joelhadas, cabeçadas e cotoveladas), além de diversos movimentos, visando tirar o equilíbrio do adversário (quedas, arremessos e derrubadas), ou ainda movimentos para fazê-lo desistir da luta (imobilizações, estrangulamentos, chaves e torções). Essas técnicas são permitidas conforme os diversos estilos diferentes de luta existentes. Algumas lutas utilizam implementos ou armas (como espadas, facões e bastões) e proteções (como capacete, coquilha e protetor bucal), enquanto outras usam apenas o próprio corpo para realização dos movimentos de ataque e de defesa. Na maioria das vezes, a meta da luta é atingir a outra pessoa, e como se realizam ações simultaneamente para atacar e defender, o alvo é considerado móvel. As lutas trazem, ainda, uma grande bagagem histórica, existindo diferentes tipos de lutas conforme as regiões e seus históricos de enfrentamentos em combates. A maioria das lutas surgiu para treinar e preparar os soldados dos exércitos para o confronto durante as guerras. Apesar da confusão, existe uma grande diferença entre lutas e brigas: as lutas são baseadas em regras que variam conforme a modalidade, diferente das brigas, nas quais há violência e são práticas realizadas contra adversários que almejam apenas a superação esportiva. Brigas: predominam ações de raiva, indiferença ao outro, agressividade e conflitos. Lutas: predominam atitudes de respeito pelo outro e ações baseadas em regras esportivas definidas previamente. O fato de ser uma atividade na qual o lutador se opõe fisicamente ao outro traz para essa prática um conjunto de atitudes, como a disciplina e o respeito ao outro. Contribuindo com esses valores, tem-se a filosofia encontrada na maioria das modalidades de lutas. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Lutando na Educação Física No Brasil, existem muitos atletas que se destacam nos mais diversos estilos de lutas, como no boxe, judô, taekwondo e jiu-jitsu, mas o maior destaque é o MMA (artes marciais mistas). O UFC (Ultimate Fight Championship) é considerado o maior evento de MMA do mundo e reúne os melhores lutadores de diversos países. Esse evento é tão grande que não é incomum as pessoas chamarem o esporte erroneamente de UFC. O Brasil esteve por muito tempo em destaque, com lutadores como Vitor Belfort, Rodrigo Minotauro, Wanderlei Silva, José Aldo, Amanda Nunes, Anderson Silva, Junior Cigano, Lyoto Machida e Mauricio Shogun. Esse destaque dos brasileiros nos octógonos ajudou a alavancar muitas academias de lutas pelo país e a obter um aumento significativo da prática desse esporte. Ao mesmo tempo que existe uma preocupação por parte de pais e de alguns gestores educacionais em trabalhar com lutas, ele, junto à natação, é um dos esportes individuais mais procurados pelos responsáveis para matricularem suas crianças, além de ser o esporte extracurricular de contraturno mais procurado pelos garotos nas escolas. Esse fato alerta para outra situação nas lutas, que é a predominância masculina no esporte. Assim como na dança (porém, em relação às meninas), durante o passar dos anos, foram se criando preconceitos históricos em relação à prática de modalidades de lutas por mulheres. Em uma sociedade machista, na qual as meninas foram criadas para se tornarem delicadas damas, não cabe a luta como atividade feminina. Esse pensamento, junto a concepções leigas de “masculinização” do corpo motivadas pelas lutas e à falta de liberdade das mulheres na prática de esportes até certo tempo, tornam a prática feminina neste esporte algo bem recente e ainda detentor de discriminação. Outras possibilidades dentro das lutas são as sequências coreografadas (como katis do kung-fu ou os katas do karatê), nas quais se realizam movimentos de ataque e defesa em coreografias pré-determinadas, conforme as respectivas graduações dos atletas. Também, podem ser realizados com implementos (armas). Para aqueles que gostam de algo menos agitado, existem práticas corporais de lutas em ritmos bem lentos, como é o caso da arte milenar chinesa Tai chi chuan. Os lutadores também são graduados conforme seu desempenho. Na maioria dos casos, o atleta utiliza uma faixa ou cordão representando o “nível” em que está; durante as competições, esses atletas disputam com adversários que estão no mesmo estágio de graduação daquela modalidade. Os lutadores demoram anos para alcançar as graduações mais altas e, talvez, este tempo de aprendizado e prática seja a maior justificativa na qual se apoia o grupo que considera melhor o aprendiz ser “guiado” pelo seu “mestre” mais graduado naquele estilo específico de luta do que por um profissional formado em Educação Física. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Pensando em toda a experiência cultural presente nas danças e lutas e em todo o preconceito enraizado, que classifica as danças para as meninas e as lutas para os meninos, é melhor arriscar e utilizar as danças para os homens e as lutas para as mulheres, mesmo existindo a possibilidade de eles não se sentirem “confortáveis” durante essas atividades (por conta de todo o histórico existente), ou não realizar tais atividades e continuar perpetuando essa discriminação com as mulheres lutadoras e os homens dançarinos? Como profissional de Educação Física, qual seria sua postura mais ética? O corpo que faz ginástica A definição de ginástica é tão abrangente que as diversas tentativas de conceituação acabam diminuindo toda a sua dimensão. Para se ter uma ideia dessa abrangência, não é incomum as pessoas usarem esse termo como um sinônimo de exercício físico. As ginásticas podem ser divididasde diversas formas, mas a maneira com maior amplitude a secciona em cinco áreas de desenvolvimento: • Ginástica de condicionamento físico: são as modalidades realizadas com o objetivo de melhora ou manutenção da condição física da pessoa, por exemplo, a ginástica de academia (aulas de step, de jump e de ginástica localizada). • Ginástica fisioterapêuticas: representadas por todas as modalidades que são utilizadas para prevenir ou tratar lesões e doenças, dentre elas, podem ser destacadas RPG (Reeducação Postural Global), ginástica laboral e o Método Pilates. • Ginástica de demonstração: são aquelas cujo foco principal foco é a interação social, trazendo o caráter não competitivo, como a ginástica geral e a ginástica circense. • Ginástica de conscientização corporal: traz a busca para o conhecimento do corpo e suas possibilidades, tentando resolver problemas físicos e de postura. Como exemplos, podem ser citadas a antiginástica, a ginástica de compensação e a ioga. • Ginástica de competições: são as modalidades competitivas, podendo ser divididas nas principais categorias: ginástica acrobática, ginástica artística, ginástica rítmica e ginástica de trampolim. • Ginástica artística: também chamada de ginástica olímpica, consiste em séries de movimentos ginásticos feitos no solo ou sobre aparelhos (argolas, cavalo com alça, barras fixas/assimétricas/paralelas, trave e saltos). • Ginástica acrobática: traz acrobacias em rotinas realizadas com o acompanhamento de músicas, dividindo as tarefas entre os ginastas bases, intermédios e volantes. • Ginástica rítmica: chamada anteriormente de ginástica rítmica desportiva, ou apenas GRD, utiliza movimentos ginásticos mesclados com movimentos de dança em consonância com a música e os equipamentos específicos (bola, corda, arco, fita e maça). Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras • Ginástica de trampolim: os atletas realizam saltos e acrobacias sobre um trampolim (cama elástica). Algumas ginásticas podem pertencer a mais de uma categoria, como é o caso da hidroginástica, que pode ser indicada para melhora do condicionamento físico, prevenção ou tratamento de lesões e como meio de interação social. Uma característica de destaque das ginásticas é que, por existir um vasto leque de diferentes oportunidades, elas podem ser realizadas apenas com o uso do corpo, como também com música, implementos (equipamentos) e até no meio líquido, ampliando, assim, as possibilidades de interesse das pessoas. Fazendo ginástica na Educação Física A Educação Física pode trabalhar com as modalidades competitivas de ginástica na realização de treinamentos, ou adaptá-las conforme as necessidades, com foco no lazer e na promoção da saúde. Já as modalidades não competitivas da ginástica trazem um aporte sólido para intervenções em qualquer área. Os diferentes níveis de dificuldade oportunizam a realização de atividades da ginástica em qualquer faixa etária, desde os mais novos até as pessoas com mais idade. O corpo que realiza práticas corporais de aventura As Práticas Corporais de Aventuras, ou simplesmente PCA, são práticas esportivas com características diferentes dos esportes tradicionais. Na maioria das vezes, não buscam competições e são realizadas em momentos de lazer (embora existam algumas competições que almejam a performance e alguma pessoas as utilizam, ainda, para promover a saúde). Na maioria das vezes, as PCA são realizadas na natureza, em um ambiente menos controlado. Por isso, alguns dos diversos nomes utilizados para descrever essas práticas usam o termo natureza, por exemplo: Práticas Corporais de Aventura na Natureza (PCAN), Atividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN), Esportes na Natureza, Prática Alternativa na Natureza ou Esportes de Aventura na Natureza. Além desses nomes, são conhecidos diversos outros que não trazem o termo natureza, mas que se referem a ela ou à aventura: esportes de aventura, esportes de risco, esportes radicais, esportes californianos, esportes ao ar livre, atividades outdoor, esportes urbanos, entre outros. Ao procurar essas práticas, algumas características associadas à aventura sobressaem, como a fuga da rotina, a experimentação sem rodeios (sem muito treino e repetições), a presença de risco (controlado) e de outras emoções encontradas, como superação de limites e enfrentamento de medos. Já as características associadas à interação com a natureza apresentam um ambiente mais adverso e imprevisível. Também, fortalece uma relação com a educação ambiental. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras O ambiente onde são praticadas as atividades de aventura são bem relevantes, pois reforçam o caráter de imprevisibilidade, característico desse tipo de atividade. As PCA costumam ser classificadas levando em consideração o ambiente onde são praticadas, podendo ser: na terra, na água ou no ar. Algumas das PCA são praticadas na terra, como trekking e skate, le parkour; outras são praticadas na água, como rafting, surfe e mergulho; e outro grupo, ainda, são atividades praticadas no ar, como paraquedismo, asadelta e balonismo. Por mais que existam PCA que podem ser realizadas com poucos equipamentos, em sua maioria, utilizam instrumentos acessórios e equipamentos para segurança e proteção, que podem elevar o custo (e os cuidados) da atividade. Realizando práticas corporais de aventura na Educação Física Algumas atividades, ao se associarem ao termo aventura, podem carregar o estigma de dificuldade e perigo atribuído a ele, mesmo sendo um tranquilo trekking, portanto, dependendo do objetivo e do público-alvo, essa terminologia pode ser utilizada para atrair algumas pessoas e, ao mesmo tempo, deve-se tomar cuidado para não afastar outras pessoas. O turismo tem utilizado essas PCA como uma ferramenta para atrair mais turistas, oferecendo um escape da rotina e um maior contato com a natureza, o que pode gerar mais oportunidades de trabalho ao profissional de Educação Física. A área de Educação Física Escolar também está apostando no fator inovação para conquistar seus alunos com essas práticas. Isso é um excelente investimento também ao campo do bacharel, pois, ao conhecer e criar esse gosto pela prática, tornam-se futuros praticantes quando adultos, além de divulgadores dessas modalidades. Outra área que já vislumbrou pontos fortes nestas modalidades foi o setor empresarial, que utiliza essas atividades em busca do fortalecimento de conteúdos, como trabalho em equipe, liderança e superação de desafios. Adaptações nas atividades são observadas para que pessoas com alguma deficiência ou mobilidade reduzida também possam participar. Outras adaptações com equipamentos e simulações também são utilizadas, principalmente, para que crianças tenham acesso a uma experiência referente à prática, sem precisarem correr riscos (mesmo que controlados). Sabe-se do descaso pelo meio ambiente que muitas pessoas têm hoje em dia. Uma das alternativas para a sensibilização dessa causa é por meio de Práticas Corporais de Aventura na Natureza. O profissional de Educação Física deve realizar intervenções que envolvam estas duas áreas do conhecimento? Ele tem competência para isso? Existem outras formas para se trabalhar isso? Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Unidade 4: Imagem Corporal Imagem corporal e representação mental Vimos então que a imagem corporal é, de maneira geral, uma representação mental. Mas o que vem a ser isso? Representação mental é quando criamos, em nossa mente, uma representação da realidade externa, um modelo do mundo real; é quando imaginamos algo que não está presente. De maneira genérica, é um “desenho” que fazemos em nossa imaginação, um símbolo. Ela é um fator muito importante para a memória e, consequentemente,para a aprendizagem. Conforme abordagem da psicologia cognitiva, há três estágios do processamento da memória: a codificação, que é a transformação dos dados sensoriais em representação mental, seguido do armazenamento, quando mantemos as informações codificadas na memória, e a recuperação, quando acessamos essas informações (STERNBERG, 2018). A representação mental é composta por quatro níveis de atividades mentais (FONSECA, 1995): • Primeiro vem a percepção, que é quando decodificamos a informação. Nesse momento a atenção seletiva é muito importante, podendo impactar no processamento de imagens. • Em seguida há a elaboração de imagens, que trazem informações já recebidas pelas experiências e percepções vividas. • No terceiro nível, está a simbolização, que é a representação dessas imagens, uma função cognitiva, na qual o cérebro representa a realidade e as experiências vivenciadas. • E por último temos a conceitualização, que permite a realização de uma aprendizagem abstrata através da classificação de experiências. Conti (2008) confirmou a multidimensionalidade do conceito "imagem corporal" em uma pesquisa realizada com adolescentes, destacando aspectos perceptivos, afetivos, cognitivos e sociais. Os aspectos perceptivos referem-se a tamanho, formato, peso corporal e características físicas (como cor dos olhos e cabelos). Já os aspectos afetivos trazem informações referentes à maneira como você se sente com a aparência de seu corpo, se está satisfeito ou não com ele ou com partes dele. Os aspectos cognitivos apontam o que você pensa sobre seu corpo e no quê acredita em relação a ele. E, por fim, os aspectos sociais refletem uma percepção corporal que varia conforme a situação. Existem alguns padrões de corpos socialmente construídos, conforme a cultura em que estão inseridos, e bem difundidos pela mídia. Por vezes, esses corpos são feitos com base em produtos que precisam ser vendidos e é quase impossível alcançá-los (visto que precisam continuar “vendendo” outras soluções). Esses corpos, Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras considerados perfeitos, dificilmente são alcançados, o que gera insatisfação com o próprio corpo. Isso nos leva ao consumo de produtos que “prometem” nos ajudar a alcançar tal objetivo, mas que, na maioria das vezes, não são saudáveis, de modo que esse hábito nos passa a ser lesivo e perigoso. Além disso, tal insatisfação traz o sentimento de fracasso quando não se alcançam os prometidos “milagres”, gerando um sofrimento que pode trazer problemas de baixa autoestima, transtornos alimentares, depressão e outras psicopatologias associadas. Em nossa cultura é muito comum as mulheres buscarem a magreza (oportunizando o surgimento de anorexia e bulimia) e os homens, corpos musculosos (facilitando a incidência de vigorexia), principalmente em adolescentes, que estão passando pela fase de aceitação social. Aspectos de Paul Schilder (fisiológicos, libidinais, sociais) O psiquiatra e psicanalista austríaco Paul Schilder, um dos maiores pesquisadores sobre imagem corporal, explica que ela pode ser modificada a cada nova experiência da pessoa e que essas mudanças são contínuas e sofrem influência de fatores relacionados entre si: fisiológicos, libidinais e sociais. Entendemos fatores fisiológicos como os responsáveis pelas organizações anatomofisiológicas. Já os libidinais são as experiências vivenciadas nos relacionamentos ao longo da vida. Esses dois fatores ocorrem o tempo todo em nosso corpo e estão em constante transformação. Eles também trazem a ideia de imagem corporal mais básica pela associação com o físico e o biológico. Enquanto isso, os fatores sociais, que são baseados na aprendizagem de valores socioculturais, gerados principalmente pelas interações entre as pessoas, trazem diversos pontos importantes para construção da imagem corporal (SCHILDER, 1994). A partir de Schilder (década de 1930), passamos a ter uma definição de imagem corporal mais ampliada, mais completa, que levava em consideração aspectos neurofisiológicos, sociais e afetivos. Apesar da relação da imagem corporal com o corpo, ela não está presa nos limites dele e vai, portanto, além dele, apresentando-a como um fenômeno social (SILVA; VENDITTI JR.; MILLER, 2004). Sensações corporais O corpo usa os sentidos para conhecer o mundo: visão, audição, olfato, paladar e tato. Todas as informações e estímulos captados pelos órgãos sensoriais são transmitidos até o sistema nervoso central, onde são processados e geram uma resposta. Além dessas sensações corporais periféricas, o corpo ainda adquire informações de sensações mais profundas do corpo, vindas de músculos, inervações e vísceras. Essas informações são chamadas de proprioceptivas. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Propriocepção é a capacidade de reconhecer a localização espacial do nosso corpo e de cada parte dele em relação às outras partes, através da posição, da orientação e da quantidade de força usada na contração dos músculos. Ela ajuda na postura e na posição correta quando estamos parados ou em movimento. Essas informações são enviadas por células chamadas de proprioceptores (que se encontram principalmente em músculos, tendões e ligamentos) ao sistema nervoso central. A vivência das sensações corporais, ainda que baseadas na subjetividade humana, permite a construção da imagem corporal (TAVARES, 2003) através do desenvolvimento de nossa identidade corporal. A percepção corporal é influenciada a todo momento em que há uma nova postura, um novo movimento ou a realização destes de forma diferente, garantindo, assim, novas informações sensitivas para o desenvolvimento da imagem corporal. A relevância das sensações corporais para a identidade pode ser percebida nesse trecho apresentado por Tavares (2003, p. 81): Toda sensação é individual, singular, pertinente a um sujeito determinado. O sujeito constrói sua identidade corporal baseado na vivência de suas sensações. Como a imagem corporal é a representação mental dessa identidade corporal, se ampliarmos nossa compreensão sobre a dimensão de cada percepção no contexto existencial do homem, podermos olhar sob novas perspectivas o desenvolvimento da identidade corporal e de sua imagem. Identidade e imagem corporal Nosso corpo permite que nos conheçamos e que nos relacionemos com as pessoas e com o mundo ao nosso redor, gravando todo esse aprendizado em nossa identidade corporal, que serve como base para a construção de nossa identidade. Nesse “processo de construção da identidade, a imagem corporal assume o papel de principal veículo da identificação” (FERREIRA, 2008, p. 476). A imagem corporal está em constante modificação, quer seja por fatores intrínsecos, com possíveis alterações do corpo (como engordar, engravidar, perder um membro, envelhecer) ou com o aprendizado de diferentes movimentos, quer seja por fatores extrínsecos, como alterações em padrões de beleza na sociedade ou, ainda, o início de um relacionamento. Além disso, a imagem corporal pode ser alterada por roupas e adornos (como colares, brincos, pulseiras, enfeites para o cabelo), que estão diretamente ligados ao status e à sensação de pertencimento conforme a cultura. Esse corpo socialmente construído pode carregar consigo informações sobre a cultura em que a pessoa está inserida, através das vestimentas, de marcas no corpo, de cortes e cores de cabelo, de alongadores de orelha, utilizando assim o corpo como um objeto de interação e adaptação ao meio social. Os movimentos que esse corpo realiza também se baseiam no contexto sociocultural, como a maneira de falar e de se expressar, de se movimentar, de se entreter e tantas outras. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras O contexto socioculturalinfluencia o corpo, estando ele parado ou em movimento. Podemos ver exemplos disso ao compararmos movimentos de pessoas de países diferentes, como as gesticulações dos espanhóis e italianos quando falam, ou a discrição dos japoneses nessas ocasiões. Também podemos observar, como exemplo, as possibilidades de lazer para um garoto que vive num meio rural, comparadas às para um outro que raramente sai de seu apartamento. No entanto, a identidade é o que permite distinguirmos as pessoas, é algo individual. Mesmo sofrendo a influência constante dos meios sociais, essas marcas de distinção trazem a importante individualidade para o ser social. Seja na busca pelo pertencimento social, seja pela diferenciação individual, algumas vezes o corpo acaba sendo submetido a medidas extremas na busca por determinada aparência, como dietas exageradas, treinos além da capacidade. Por conta dessa “pressão” gerada pela busca de padrões sociais de beleza, acaba sendo comum haver distorções na imagem corporal, o que leva a doenças como a anorexia nervosa ou a vigorexia. Da mesma forma, na busca por alteração na identidade ou por uma nova forma de encarar o mudo, é muito comum que isso seja representado por reais modificações em seu corpo. Outro constructo que está diretamente ligado à imagem corporal é a autoestima, que traz valoração positiva ou negativa com relação à satisfação do indivíduo com ele mesmo. Diversos estudos vêm sendo realizados com diferentes populações, como idosos (CHAIM et al., 2009; MAZO et al., 2006), adolescentes (DEL CIAMPO; DEL CIAMPO, 2010; RENTZ-FERNANDES et al., 2017) e obesos (SILVA et al., 2009; FERRIANI et al., 2005), afim de compreender essa relação da autoestima com a imagem corporal. Foi possível notar que a imagem corporal é composta pelas sensações corporais (superficiais e profundas) juntamente com aspectos afetivos e sociais, conforme a cultura na qual um indivíduo está inserido. Pensando nisso, reflita sobre a possibilidade de utilizar, durante a fase de crescimento da criança, enquanto ela está criando sua identidade, alguns estímulos para que ela consiga ter uma imagem corporal que a deixe satisfeita e não venha a ter futuros problemas com relação a isso. Distorções da imagem corporal As distorções na percepção da imagem corporal podem levar as pessoas a diversos distúrbios, dentre eles os Transtornos Alimentares (TAs), como a anorexia, a bulimia e a vigorexia, que interferem no estado nutricional das pessoas. A anorexia nervosa é um transtorno alimentar grave, no qual o paciente tem muita perda de peso por causa da restrição alimentar feita por ele mesmo por medo de ganhar peso. É muito comum que pessoas nessa condição façam atividade física em excesso, chequem suas medidas constantemente, realizem grandes períodos de jejum ou diminuam consideravelmente a quantidade de alimentos, passando a escolher Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras determinados alimentos com base na quantidade de calorias (ALCKMIN-CARVALHO et al., 2020). É um problema de saúde mental considerado grave e crônico, o qual traz comumente queixas de fadiga, fraqueza, tonturas e visão turva. Além disso, também são associados a ele diversos outros problemas como: inanição, anemia, hipotermia, bradicardia e erosão no esmalte dentário (APA, 2014). Esse transtorno alimentar também impacta as relações sociais, pois é acompanhado de relatos de solidão e isolamento, além de dificuldades para conceber e manter relações amorosas e de amizade. O tratamento da anorexia é complexo e de difícil manejo clínico, exigindo, portanto, uma equipe multidisciplinar. Está associada também a altas taxas de morbidade e de mortalidade (ALCKMIN-CARVALHO et al., 2020). A bulimia nervosa é outro transtorno alimentar caracterizado pela compulsão alimentar (geralmente em um curto período de tempo), que é acompanhando pela sensação de perda de controle, culpa e remorso seguidos de comportamentos compensatórios inadequados, como indução de vômitos e abuso de laxantes e diuréticos (APA, 2014). A ocorrência desses episódios bulímicos é causada pela preocupação excessiva com o peso e com a imagem do corpo, devido a uma grande insatisfação com relação a ele. O excesso de exercícios, além da realização deles em horários e contextos inapropriados também a caracterizam. A bulimia traz ainda um desconforto interpessoal, pois a pessoa sente a necessidade de esconder esse comportamento para não ser julgada. Apesar de ambas as doenças apresentarem pacientes muito preocupados com seu peso e com a forma de seu corpo, é possível percebermos diferenças entre eles no modo de agir, pois enquanto na bulimia o paciente come demasiadamente e depois realiza os comportamentos compensatórios, na anorexia o paciente ingere pouca ou nenhuma quantidade de alimento. Apesar da anorexia nervosa e da bulimia nervosa serem Transtornos Alimentares, nos quais seus pacientes carregam o mesmo medo de engordar, elas trazem características que as diferem. Elas podem ser visualizadas no corpo, pois na anorexia os pacientes apresentam corpos demasiadamente magros, diferentemente da bulimia, em que os corpos são, em sua maioria, eutróficos, por vezes até com sobrepeso. Esses dois transtornos acometem predominantemente mulheres, enquanto que os indivíduos do sexo masculino desenvolvem com mais frequência a vigorexia, que é outro transtorno alimentar cuja origem é a distorção da imagem corporal. Porém, ao contrário da anorexia, na qual os pacientes se consideram acima do peso, neste caso os pacientes se consideram abaixo da forma, magros e sem músculos (mesmo com a musculatura desenvolvida acima da média). Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras A Síndrome de Adônis, como também é conhecida a vigorexia, é uma obsessão pela boa forma física do corpo a um nível considerado patológico. O paciente pratica atividade física excessivamente (menos atividades aeróbias, com medo de perder massa muscular). Boa parte desses pacientes também consomem suplementos alimentares em excesso (mesmo esteroides anabolizantes) e fazem dietas hiperproteicas visando a um maior ganho de massa muscular. O fato de ficar muito tempo praticando atividade física pode trazer um impacto em seu convívio social. Outra característica social é que esse paciente costuma esconder seu corpo utilizando diversas roupas (mesmo estando calor) (CAMARGO et al., 2008). Além dos diversos distúrbios causados pela distorção da imagem corporal, é preciso também lembrar que existem diferentes perspectivas sobre o corpo, cujo entendimento e cujas relações podem se alterar conforme o momento e o local, o que interfere também na construção dessa imagem corporal. Nem toda sociedade vê o corpo da mesma maneira. O olhar filosófico sobre o corpo nas diferentes culturas O corpo também pode ser visto sob a perspectiva da filosofia, segundo a qual já foi considerado como prisão da alma e objeto de poder e de prazer, além de outros. No debate filosófico sobre o corpo, encontramos os modelos antropológicos monistas e dualistas. Os defensores dualistas, que nos dividem em corpo e alma, além de apresentarem duas dimensões para o ser humano, ainda nos mostram uma hierarquia, com a alma sobrepondo-se ao corpo ou, como afirmava Platão, com o corpo como cárcere da alma. Nessa perspectiva, o corpo carregava tudo o que era considerado mal, como as paixões, as loucuras, as patologias e a discórdia. Em oposição ao dualismo, temos o monismo, que “unifica” as substâncias, eliminando a dicotomia entre corpo e mente. A visão sobre o corpo também vem sendo redefinida com o passar dos tempos. Durante a Idade Média, eram comuns as penitências corporais, as mortificações e até a mutilação do corpo, desprezando-o e reforçando a ideia de que ele atrapalhaa relação com Deus. Na Idade Moderna, o corpo já passa a ser visto como uma máquina. Já na Idade Contemporânea, entende-se que o corpo tem diversas funções dentro de um contexto social, intervindo de várias maneiras no mundo e ainda trazendo a noção de finitude (é preciso cuidar do corpo para ele não adoecer e perecer). Atualmente, o grande desafio é a formação desse corpo através da autonomia de suas próprias experiências vividas em detrimento da dependência do meio, da cultura e da sociedade em que vive, esta última sob forte influência midiática (FLORENTINO; FLORENTINO, 2007). Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Padrões de beleza e o culto ao corpo Em diversas sociedades, utiliza-se um modelo ideal como referência de beleza e isto é o que chamamos de padrão de beleza. A construção social desse padrão vem se modificando há muito tempo através das mais diversas formas de aceitação e também de repúdio social. Em uma época não muito distante, o padrão de beleza estabelecido para as mulheres enaltecia as mulheres mais gordas, diferente do que acontece hoje. (...) por trás da construção dos padrões de boa forma e beleza esconde-se uma ideologia política, elitista e social (...) a estética corporal serve como divisor social, na medida em que exclui os que não estão de acordo com os arquétipos difundidos principalmente pelos meios de comunicação de massa. (FLOR, 2009, p. 298) Cada vez mais é possível visualizarmos a crescente preocupação com o corpo, com a alimentação e com o consumo excessivo de cosméticos, principalmente pela massificação das mídias, na década de 1980 no Brasil, do estilo de vida glamoroso e dos novos padrões de beleza difundidos por Hollywood através do cinema, reafirmando essa ditadura de comportamentos padronizados e difundidos pela sociedade. Tal padronização dos corpos e da beleza surge como um meio de estímulo do consumismo exacerbado de diversos produtos relacionados a essa enorme indústria da beleza. A indústria corporal através dos meios de comunicação encarrega-se de criar desejos e reforçar imagens, padronizando corpos. Corpos que se veem fora de medidas, sentem-se cobrados e insatisfeitos (...) existe então uma grande batalha pessoal em busca do corpo ideal, pois a estética corporal passou a ter diversos valores impregnados a este. (BARBOSA, 2016, p. 684) Essa busca exacerbada pelo corpo ideal, que pretende aproximar-se dos padrões de beleza divulgados pela mídia, é chamada de culto ao corpo e compreende a prática de atividades físicas, dietas e cirurgias plásticas estéticas. No Brasil, o culto ao corpo impulsionou diversos mercados, como o de cosméticos, de vestuário, de equipamentos fitness, de suplementos alimentares, ente outros. Vale lembrar que somos influenciados principalmente pelos Estados Unidos, considerado o berço do corpo magro e com músculos aparentes, o qual surgiu na década de 1980. Além desse mercado estar bem aquecido, ainda tem todo um aparato de mídia de alcance internacional, reforçando o tempo todo a “necessidade” desse corpo. Podemos ver diversos estudos mostrando o alcance do culto ao corpo, como a relação com o status nas pesquisas de Flor (2009), ou, ainda, associados com as redes sociais no trabalho de Rigoni, Nunes e Fonseca (2017). Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Quando esse culto ao corpo é transformado no principal foco da vida da pessoa, recebe o nome de corpolatria. A preocupação com o embelezamento sem foco na saúde pode ser considerada um transtorno. Existem algumas profissões que reforçam essa ideia da busca pelo corpo perfeito, como é o caso de modelos, hostess e promoters. Nelas ocorre o “uso” do corpo para ganhar dinheiro, de modo que ele passa a ser visto como um corpo-mercadoria. Mercadorização do corpo A sociedade do consumo promove o corpo como uma mercadoria, tornando-o um objeto e submetendo-o às leis da economia. Agora, como um produto, precisa atender aos padrões preestabelecidos e precisa ter investidos nele tempo e dinheiro. Esse corpo terá grandes chances de realizar atividade física, regimes e cirurgias estéticas, procedimentos que nem sempre estarão alinhados com práticas saudáveis. Junto com o corpo “ideal”, a mídia vende a ideia de saúde, sucesso e felicidade, que logo acaba gerando uma frustação nas pessoas que consomem diversos produtos “tentando” atingir determinado perfil, o qual, se fosse fácil alcançar, acabaria com todo esse comércio que gira ao redor do corpo “perfeito”. Além dessa decepção, ao definir um modelo de corpo como sendo o ideal para uma sociedade inteira (às vezes mais de uma sociedade, por conta da globalização), passa-se a não respeitar as diferenças individuais, iniciando assim uma perigosa e velada atitude discriminatória com todos aqueles que não atendem aos requisitos impostos. Os poucos que conseguem a façanha de alcançar determinado objetivo também ficam insatisfeitos, pois, após todo o investimento (financeiro, em atividades e abrindo mão de outras coisas), a falsa promessa não é atendida. Por vezes a meta acaba sendo extremamente oposta àquela “vendida” e idealizada, pois, nessa busca descontrolada, o risco de lesão, de consumo de produtos ilícitos e de grandes aportes financeiros e de dedicação ampliada (deixando outras coisas e pessoas para trás) feitos em vão é muito grande. O corpo bem cuidado pode garantir ao indivíduo melhor performance e aceitação social, podendo ser considerado um capital social, cultural e simbólico. Como a posse de uma mercadoria identifica status, grupo social, bom ou mau gosto, a beleza também faz este papel. A sensação de possuir um corpo de acordo com os padrões impostos pela mídia se assemelha às sensações e esforços para adquirir um produto que satisfaça as necessidades emocionais, físicas e sociais, tal como uma necessidade (...) que associa a felicidade não somente a simples satisfação das necessidades básicas, mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la. (SOUZA et al., 2011, [s.p.]) O profissional de Educação Física, ao atuar com a cultura corporal do movimento, precisa conhecer essas relações, que envolvem a imagem corporal e suas distorções, para atuar na sua prevenção e no auxílio ao tratamento; precisa saber que existem padrões mercadológicos de beleza, a mercadorização do corpo e a corpolatria, os quais Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras andam praticamente juntos e, na maioria das vezes, bem afastados de hábitos salutares; e, ainda, precisa compreender que existem diversas perspectivas sobre o corpo, as quais podem influenciar a compreensão e a sua relação com ele, alterando a imagem corporal. Ao encontrar com um aluno corpólatra, existe uma grande possibilidade de ele estar exagerando na quantidade/volume do treino. Qual seria sua postura diante disso, já que é um profissional da saúde? Você o alertaria mesmo sabendo que existe a possibilidade de perder esse aluno caso ele não goste da abordagem e ache que você o está criticando? O que você faria nesse caso? O papel da mídia na Educação Física: prós e contras Partindo da compreensão que a mídia influencia diversos aspectos da vida das pessoas, desde o jeito de pensar e enxergar o mundo até seus hábitos e o modo de agir, devemos entender que com a Educação Física não poderia ser diferente. A mídia nos oferece um estilo de vida “ideal” e nos insere nessa roda de consumo de produtos e serviços. Apesar dessa perniciosa “missão”, algumas vezes, mesmo sem querer, a mídia acaba favorecendo a nossa área. Talvez isso não ocorra pelos motivos certos, porém ela cria uma oportunidade para que o profissional de Educação Física tenha contato com o alunoe possa aproveitar esse momento para realizar uma intervenção, agora, de forma ética. Com relação ao corpo, a mídia se apropria de um modelo midiático padronizado. Não é algo evidente, para o qual se olhe e se diga: “Este é o modelo padrão!”, no entanto os personagens de séries, novelas e filmes que são considerados os mocinhos e heróis, as modelos que são capas de revista, os perfis que são utilizados para encenar as propagandas comerciais trazem implicitamente essa mensagem, sempre associando esse perfil ao sucesso e à felicidade. É preciso que o profissional de Educação Física haja sempre pensando no aluno, mostrando para ele toda essa lógica de mercado e incentivando-o a enfrentar esses desafios, partindo de uma contextualização crítica e reflexiva. Vimos anteriormente o quanto é frustrante e desanimador para a maioria das pessoas que tentam a todo custo alcançar o modelo dito “ideal” de corpo, mas que não conseguem. Esse comportamento gera uma pressão que traz apenas problemas sociais, afetivos, físicos e cognitivos. Por isso, é muito significativo quando o profissional de Educação Física consegue “abrir os olhos” de seus alunos e ensinar-lhes como (re)conhecer, aceitar e modificar (caso queiram e seja possível) seus corpos de forma que possam se sentir bem com eles. Sentir-se bem consigo mesmo é o primeiro passo para resolver problemas externos. No universo esportivo, pensando principalmente no alto rendimento, o fato de a mídia colocar diversos esportes em evidência é muito proveitoso, pois atrai mais Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras marcas/empresas para patrocinar equipes, atletas, competições e até algumas instalações esportivas. Essa exposição ajuda a promover algumas modalidades e, consequentemente, a atrair mais público. Parte desse grupo pode se dedicar à prática da modalidade, mesmo que de forma recreativa. Assim, quando se aumenta a prática esportiva (profissional ou por lazer), são mais pessoas exercendo um estilo de vida mais ativo e, em consequência, expandindo o campo de atuação do profissional de Educação Física. Um exemplo de esporte em evidência foi o tênis de campo no Brasil. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando Gustavo Kuerten, o Guga, sagrou-se campeão em torneios internacionais importantes e passou a aparecer mais na mídia, despertou em muitos jovens a vontade de iniciarem a prática do esporte. Esse foi o período em que o tênis mais ganhou adeptos: nessa época abriram-se muitas escolinhas de tênis e foi o momento em que mais se transmitiram partidas de tênis em canal aberto na TV. Outra faceta do esporte diz respeito à atribuição da imagem de sucesso e riquezas à maioria dos atletas, sendo que, na verdade, os grandes salários só vão para uma pequena parcela deles, restando para a maioria dos atletas o básico necessário, que muitas vezes recebem apenas a ajuda de custo do patrocinador (em caso de término do contrato, o atleta é dispensado ou paga do próprio bolso para competir). Essa informação falsa pode causar frustação em pessoas que desejam seguir tal carreira. Outro fato a que devemos ficar atentos é a associação de atletas com algumas marcas, com as quais apenas há um contrato comercial (muitas vezes o atleta não é um real consumidor do produto). Antes de sair do esporte e ir para a escola, vamos analisar algumas situações que acontecem na escola, mas que trazem o problema original do esporte. Da mesma forma que as crianças começam a praticar alguns esportes por conta de seus ídolos, eles também passam a replicar algumas das atitudes inadequadas deles. Um exemplo são as crianças pequenas que acham normal “simular” uma falta (atitude muito valorizada no Brasil, pois reflete a imagem do “malandro”). Ou, ainda, desrespeitar os árbitros, ofendendo-os e enfrentando-os (tal qual algumas estrelas do nosso esporte bretão). Cabe ao professor de Educação Física mostrar aos alunos os valores e atitudes que valem a pena ou não repetir. Apesar da reprodução de algumas situações inadequadas, a mídia também traz para dentro da escola a admiração, o interesse e o encorajamento de conteúdos a serem trabalhados em aula. O professor tem mais um instrumento atrativo para conquistar o aluno. Pensando na saúde, apesar de a mídia nem sempre mostrar o caminho certo, ela acaba por direcionar as pessoas para uma busca por qualidade de vida, por cuidar melhor de si e isso leva mais pessoas a procurarem um estilo de vida ativo. Porém, o acesso fácil à informação, não necessariamente de qualidade, cria oportunidades para compra e uso de substâncias ilegais, como esteroides anabolizantes, por exemplo. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras Ainda sobre Saúde, é muito comum pessoas não qualificadas ficarem trocando dietas e treinos entre si, principalmente pela internet. Sob a “argumentação” de que funcionou para “fulano”, reproduzem, de forma arriscada, algo que foi preparado para uma pessoa específica. Além disso, é muito comum a pessoa querer resolver seu problema mais rápido e, como não conhece as características anatomofisiológicas, biomecânicas e de periodização de exercícios, decide aumentar seu treino por conta própria, seja na dificuldade do exercício, seja no volume e/ou na intensidade, facilitando assim o risco de lesões. O uso de produtos e de equipamentos com promessas milagrosas também atenta contra a saúde, uns porque são de acesso ilegal, outros porque não apresentam o acompanhamento correto de um profissional da saúde. A mídia ainda influencia negativamente nos distúrbios cognitivos referentes à imagem corporal, como anorexia nervosa, bulimia nervosa e vigorexia nervosa, por indiretamente sugerir e reforçar padrões estéticos. Quando a mídia, no reflexo que apresenta da sociedade, não mostra pessoas com corpos “normais” praticando esportes ou fazendo exercícios, acaba criando a falsa ideia de que é errado indivíduos com corpos fora desse padrão midiático realizarem suas atividades. Isso chega ao ponto de as pessoas terem vergonha de colocar uma roupa mais confortável para se exercitarem ou até de se privarem de ir a espaços destinados a essas práticas. Tal situação acaba virando um ciclo, no qual a pessoa não pratica atividade física, consequentemente aumenta seu sedentarismo e, como resultado, precisa cada vez mais se tornar ativa. Além da limitação de opções de atividade física para essas pessoas, o efeito emocional também pesa sobre elas. A sensação de impotência, culpa e não pertencimento acompanha grande parte delas, que acabam se excluindo de diversas atividades, aumentando as chances de apresentarem transtornos como a ansiedade e a depressão. O momento para relaxar desse desgaste mental e buscar alívio para o estresse é o lazer. Porém, diversas opções de lazer estão ligadas à prática de atividade física e esportes. Apesar de, também, afastar algumas pessoas por acharem que não podem participar desse tipo de atividade, o caráter mais lúdico dessas atividades auxilia a trazer mais pessoas para essas práticas. A partir do momento que menos pessoas são atraídas para essas práticas, pode-se pensar que esse mercado está perdendo dinheiro. Entretanto, a indústria esportiva conseguiu enxergar outras formas de consumo, ganhando tanto com os consumidores ativos (aqueles que praticam o esporte) quanto com os passivos (aqueles que assistem ao esporte). Um exemplo são as disputas esportivas transmitidas pela mídia, às quais diversos produtos e serviços são atrelados, pois a prioridade dela não é o bem-estar da pessoa e sim seu próprio lucro. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras A indústria esportiva lucra, com os praticantes de atividades físicas, principalmente com aluguel de espaços esportivos, equipamentos, vestimentas e competições (pagas,patrocinadas ou ambas). Porém, ela não deixa de ganhar com aqueles que não praticam, pois assistem às práticas tanto na instalação esportiva quanto através da mídia e consomem equipamentos, souvenires, títulos de sócio torcedor, jornalismo especializado e até vestimentas. Você já parou para pensar que ninguém disse que era preciso usar a camisa do time para assistir a jogos em casa? Entretanto, foi criada essa “cultura” e boa parte das pessoas que assistem aos jogos em casa usam, inclusive, as camisas “oficiais”, as quais, além de carregar a marca do patrocinador, ainda têm o custo bem mais elevado por serem feitas com uma tecnologia especial antitranspirante e que facilita o movimento, aspectos pensados para a prática do esporte. Cultura do consumo e a Educação Física Carvalho (2016) reforça a importância da criticidade na formação do estudante de Educação Física para que o futuro profissional atenda à real necessidade de seus alunos e não à lógica de mercado. A autora questiona corajosamente a relação entre saúde e atividade física, apresentada como verdade absoluta, mostrando, por exemplo, o incentivo da mídia para o aumento no número de praticantes de exercícios físicos influenciados, dentre outros, pela indústria cultural e pela da beleza, além da sociedade do consumo (CARVALHO, 2016). A cultura do consumo não faz uma crítica ao consumo, que é algo cultural e existe há muito tempo, mas ao consumismo, que é o consumo excessivo e geralmente alienado, por meio do qual as pessoas consomem mais do que precisam. As indústrias, através da mídia, criam a “necessidade” de obter diversos produtos e serviços, sugerindo que, quando você age igual a toda a “massa”, você tem uma maior sensação de pertencimento; criam também a fantasia de que será através do consumo que iremos preencher nossa sensação de vazio. Atrelada a essa cultura, temos ainda a cultura do supérfluo, também chamada de cultura do desperdício, cuja característica principal é o consumo excessivo, que resulta em grande quantidade de descarte ou, às vezes, em acúmulo de itens sem utilização. O consumo compulsivo e o hábito de acumular são considerados transtornos, respectivamente chamados de oneomania (ou transtorno de compra compulsiva) e acumulação compulsiva (ou transtorno de acumulação), ambas trazendo diversos problemas para as pessoas, principalmente sociais. Além disso, contribuindo também para esta sociedade do lixo, temos a obsolescência. Conforme vimos anteriormente, a obsolescência programada apresenta um desgaste programado para os produtos e uma falta de compatibilidade deles com tecnologias mais novas, diminuindo assim seu ciclo de vida. Além dela, também existe a obsolescência técnica, que é quando um novo produto substitui outro anterior, “aposentando-o”, como o CD fez com os discos de vinil e as fitas K-7, logo depois como o DVD fez com o CD e como as músicas em formato digital fizeram com o DVD. Ela Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras também ocorre quando o custo-benefício não vale mais a pena. E, por último, ainda existe a obsolescência percebida, a qual ocorre com os produtos que ainda funcionam, mas que apresentam modelos novos mais bonitos e melhores. Ela pode ser vista na constante substituição de smartphones por outros mais modernos, um hábito que muitas pessoas têm nos dias de hoje. Na contramão da cultura do consumo, apareceram alguns movimentos como a cultura do minimalismo, também conhecida como cultura da eficiência, que nada mais é do que consumir (principalmente os bens materiais) de forma mais consciente e sustentável. Ela defende a ideia de que podemos manter apenas as coisas necessárias, eliminando os excessos. Isso não quer dizer que a pessoa deva abrir mão de sua qualidade de vida, mas que comece a prestar mais atenção ao que realmente tem valor para ela, onde e com o que ela prefere gastar seu dinheiro. Donatelli (2019, p. 24) afirma que “em uma cultura onde o consumo é condicionado, tanto pela economia quanto pela mídia, surgem movimentos de contracultura anti- consumistas”. Nessa sociedade consumista, imediatista e que desperdiça muito, surgem diversos problemas que afetam o mercado de trabalho do profissional de Educação Física. Um exemplo é a ausência de hábitos saudáveis como a boa alimentação e a prática de atividade física, o que leva ao estresse, ao sedentarismo e a outros problemas associados. A importância dada ao acúmulo de riquezas faz o ser humano trabalhar cada vez mais e, consequentemente, ter menos tempo de descanso e de lazer. Geralmente sua alimentação não é a mais adequada e a prática de exercícios físicos é comprometida. A pressa oportuniza o consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, geralmente não saudáveis, altamente calóricos e com muito sal e/ou gorduras. O crescimento das cidades diminui cada vez mais os espaços de lazer e coloca em evidência a violência e a criminalidade, que acabam se apresentando como motivações para ficar mais tempo dentro de casa. Unindo isso ao avanço tecnológico, as pessoas dedicam cada vez mais tempo para TV, videogames, computadores e celulares, além de se movimentarem cada vez menos por conta das automações (por exemplo, controle remoto e sensores). O tipo de trabalho também está ficando cada vez menos braçal (uso de máquinas) e com menos esforços físicos para os deslocamentos devido ao uso de carros. O bacharel em Educação Física deve se preparar para compreender os prejudiciais efeitos que essa sociedade do consumo deposita em seus futuros clientes/pacientes para que, assim, possa lutar diariamente contra isso. Além disso, o professor de Educação Física, tem a crucial tarefa de conscientizar seus alunos, a fim de que eles possam agir criticamente nesse mecanismo cultural, evitando agir de forma alienada. Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras O corpo outdoor A cultura do consumo destaca a importância da aparência e estabelece a imagem do corpo considerado “bonito”. Na busca por esse corpo, descartam-se características físicas individuais, as quais as pessoas não apreciam, independentemente se forem biológicas ou genéticas, incentivando as cirurgias para modificar o corpo e aproximá- lo dos padrões midiáticos. Através dos meios de comunicação de massa, são divulgadas desde rotinas de exercícios e dietas, até o uso de cosméticos e de algumas terapias, cujo foco é a imagem da pessoa que utilizará esse corpo para propagar tendências mercadológicas, expondo um tipo de corpo outdoor (SILVA; CARVALHO, 2019). Esse tipo de estrutura física também representa a identidade cultural de indivíduos que expõem, em seus corpos, principalmente suas memórias, suas pertenças e suas escolhas para um grupo, conforme apresentam Pavan e Silva (2010) referindo-se a tatuagens. Porém, podemos ampliar um pouco mais esse entendimento ao pensarmos em outras modificações corporais permanentes, como alargamentos de orelha (também de lábios e de pescoço) e implantes subcutâneos. Além destes, existem outras modificações como as escarificações (cicatrizes produzidas com instrumentos cortantes), as mutilações (perda total ou parcial de um membro do corpo) e o branding corporal (marcação com ferro quente), que podem também estar associadas ao Transtorno de Identidade de Integridade Corporal. Manipulação midiática na construção de ideologias de corpo Ao falarmos em manipulação midiática, que são as estratégias utilizadas para apresentar as informações veiculadas pelos meios de comunicação em massa, favorecendo interesses específicos, não podemos deixar de abordar as dez estratégias sugeridas pelo francês Sylvain Timsit em 2002, usadas por poderes políticos e econômicos para controlar massivamente as pessoas. São elas: • Distração – apresentar muitas informações sem importância e relevânciaao público para desviar a atenção dele de problemas significativos e de decisões políticas e econômicas que o afetam. Dessa forma, o público não se interessa por áreas importantes e, como consequência, não reflete sobre elas nem questiona ninguém sobre os problemas sociais. • Criar problema para oferecer a solução – criando um problema, é possível aparecer com a resolução salvadora e fomentar a própria imagem, além da possibilidade de conseguir a aceitação de medidas não populares. • Gradualidade – é o ato de progressivamente conquistar a concordância do público com decisões injustas, para que passem praticamente despercebidas. • Adiar – apresentando antecipadamente uma decisão futura, as pessoas vão se acostumando com resignação ao “pior que está por vir” e vão fazendo “sacrifícios” para tentar alterar o quadro lá na frente, o que se torna um hábito. • Infantilizar o público – dirigir-se ao público como se não tivesse maturidade ou como se tivesse alguma debilidade mental, usando argumentos, Cultura Corporal do Movimento – Educação Física – Pitágoras personagens e/ou entonações doces, buscando, através da sugestionabilidade, uma reação submissa, sem traços de senso crítico. • Usar o aspecto emocional – basear-se no registro afetivo das pessoas, para que não façam uma análise racional, usando as emoções para introduzir facilmente ideias, desejos, temores, compulsões ou para induzir comportamentos. • Manter o público na ignorância – distantes da intelectualidade e da cultura, as pessoas são incapazes de reconhecer os métodos usados para controlá-las, fato que as torna mais fáceis de serem manipuladas. • Estimular a continuidade da mediocridade – é incentivar as pessoas a viverem na superficialidade (banalidade e consumismo), sem quererem se aprofundar em nada (propagando a imagem de que as pessoas que argumentam são chatas e mal-humoradas). Isso é bem representado pela mídia através das pessoas que, apesar das dificuldades sociais, como pobreza e exclusão, estão sempre alegres. • Autoculpabilidade – quando a pessoa acredita que é culpada pela própria desgraça devido à falta de capacidade ou de esforço próprio, usando a lógica da meritocracia e individualizando problemas que na verdade são sociais, ela se sente a culpada e sua mobilização social passa a ser inativa. • Conhecimento total do público – graças aos avanços tecnológicos e das áreas psicobiológicas, as grandes empresas sabem muito sobre as pessoas, às vezes até mais do que elas mesmas, de modo que conseguem manipulá-las como lhes convêm. O profissional de Educação Física deve estar preparado para atuar no mercado de trabalho não apenas munido com as competências técnicas da área. Sua atividade não se restringe à reprodução de um sistema ideológico social (baseado na mídia e no mercado), com foco apenas na aparência (pautados em ícones de beleza e referências de supremacia) e com o objetivo voltado exclusivamente ao lucro, pois acabaria apenas replicando preconceitos e desigualdades sociais. Sua atuação deve ser pensada eticamente, buscando toda a integralidade do ser humano, baseando-se nas dimensões psicossocial e física, apoiando diretamente o bem-estar e a saúde das pessoas. Alguns clichês são utilizados pela mídia para atrair o público consumidor. Dentre eles, talvez os mais famosos em nossa área dizem: Esporte é saúde! e O importante é competir! Você concorda com eles? O esporte sempre é saúde? É acessível a todos? O competir é mais valorizado que o vencer? Você acredita que são frases motivadoras ou existe alguma intenção (boa ou não) por trás destes chavões e modismos? Referências: BARBANTI, V. O que é esporte? 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