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Anotações de Alcides Villaça sobre o conto O espelho

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DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA IV 
PROF DR ALCIDES VILLAÇA 
AULA 1 – 05.08.2010 
A tipologia do conto de Machado de Assis 
Machado é feliz no conto que aborda o cotidiano, de circunstância. As palavras que estão no conto 
acabam tendo mais peso do que as que estão no romance. O que se encontra nos romances de 
Machado? Capítulos desproporcionais, minúsculos, somente com sinal de pontuação, o que mostra que 
ele como narrador de romance está livre para fazer o que quiser nesse gênero. 
No gênero romance, Machado é formalmente mais inventivo, já no conto não há grandes audácias de 
narrador. No conto ele acura muito sua capacidade de análise, suas teses estão lá em estado de síntese, 
seria um grande portal para o universo de Machado. Ele como suas teses, as mesmas que desenvolvem 
no seu romance. 
Se não tem a peripécia do narrado do romance, no conto Machado pode controlar seu material. 
Merchior argumenta que machado teria aprendido muito com a crônica porque, como fazia ambos 
simultaneamente, teria absorvido o gênero. A entrada do texto deve ser interessante, não enfadonha. 
Seus contos têm na abertura um elemento de atração irresistível, como em uma notícia, entra falando de 
seu tema, mas de uma maneira que não podemos responder. 
Exemplo: 
“Ah! O senhor quem é o Pestana?” 
Início de um conto. Sinhazinha Mota pergunta para o compositor de polcas, interessada em se casar com 
ele. Machado entra logo de chofre, logo no drama do conto: a crise de Pestana em ser reconhecido como 
compositor de polca porque quer ser visto como compositor erudito. Mundo real X Mundo de seus desejos. 
Na abertura já está configurado o tema nuclear da peça de Machado. Além de mostrar seu desejo de 
captar o leitor, machado também mostra que desde o início já tem o controle da estrutura do conto, que é 
extremamente orgânico, nada é descartável, tudo é essencial, nada é acidental – como em um poema. Em 
um romance isso até pode ser perdoado, porém em poemas e contos, a unidade fica comprometida. 
O que os autores comentam do conto machadiano? 
Em Machado de Assis – Antologia & Estudos, Bosi (visão culturalista, religiosa, moral) chama de 
contos teorias e contos enigmas. As teorias são quando machado está mais preocupado com a defesa 
de sua tese do que de explorar uma situação viva, a própria ação. Vemos isso em O alienista, Teoria do 
Medalhão, O espelho – note-se seu subtítulo, que explora uma teoria da alma humana, identidade na 
prática social ou naquilo que nós idealizamos como identidade profunda, onde estaria o eu? Em “O 
espelho”, ele faz não uma metáfora, já que o espelho é um móvel no conto, para dizer que somos, 
sobretudo, uma forma visível. Isso seria triste para o ser humano porque não gostaríamos de ser 
reconhecidos como uma forma, uma aparência. Para machado, os fatos são tudo, para o pragmático só 
existem fatos. 
Contos enigmas é o lado do sujeito que não aparecem exatamente revelados. No próprio O espelho, há 
dois narradores. Um deles vai narrar o conto até o fim, em primeira pessoa, pessoa que, por essência, 
quer produzir sua própria opinião. Esse narrador é Jacobino, mas quem seria Jacobino? Machado quando 
quer tornar um narrador problemático, ele usa primeira pessoa. Nesse conto, quer apresentar quem é o 
protagonista. Não sabemos se o personagem é um capitalista, materialista ou alguém que não conseguiu 
ter sucesso na vida. 
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Em o conto A noite do almirante, quem seria Deolindo, o homem que, à duras penas, cumpre sua 
promessa? É um enigma. 
Sônia Brainer apresenta quatro tipos de contos. No conto anedótico, o que importa é o fato. Anedótico, 
não no sentido que o vulgo lhe deu, mas uma coisa que ainda não foi editado, publicado, um fato original. 
Essa análise parece complicado porque machado parece estar preocupado com o problema, com a 
questão, e não com o fato. Machado tem o controle até antipático de controle sobre suas personagens. 
Machado não é um escritor presa de suas paixões, mas as controla. Interessa-se por problemas e não por 
fatos. Villaça não acredita muito no anedótico porque Machado, para ele, não parece ser bem um contador 
de casos, até porque não parece haver casos, nenhuma ruptura, mas uma séria de problemas que 
surgem. 
Mas o que teria acontecido para que machado começasse a escrever contos mais profundo após 1840? 
Adoentado depois desse ano, ele vê uma reviravolta no seu modo literário. Parece haver uma quebra: até 
certo momento, ele teria valores a defender, por exemplo, a gratidão em Helena, já na segunda fase, 
esses valores sofrem abalos de relativização todo o tempo. Tendo o escritor nos tirado completamente o 
chão, induz o leitor a pensar seus valores e fazer suas escolhas. Essa é a diferença entre os primeiros 
contos e os de segunda etapa. 
Contos psicológicos (SB) como A Missa do Galo. Esse conto explora o desejo de cada um. Mas essa 
tipologia não esgota o conto, visto que esse vai além ao trabalhar a questão história da submissão 
feminina na sociedade brasileira de então. Na frase de análise social “Dona Conceição foi para a sala, 
como quem custa levar seu corpo”, porque ela não seria a dona do seu próprio corpo, porque ela não tem 
história, estando na inteira dependência de “um homem de cartório”. Quem contradiria as vontades do 
patriarca de ir encontrar a amante e mentir que ia ao teatro? Por isso, o conto não se esgota somente na 
psicologia dos personagens, porque a mulher tem sua faceta histórica e sociológica. A mulher do patriarca 
estaria “rangendo sedas na alcova”, ou seja, sendo humilhada embora instalada no conforto. 
Contos de inspiração satírica (SB). Mas não é possível dizer se Machado tem sátira. O que qualificaria o 
gênero sátira? Seu fundamento é um movimento crítico tendo como suposição um movimento positivo, se 
destrói algo porque se quer construir outra coisa. Quando Gregório de Matos faz sátira dos padres, dos 
mulatos etc., ridicularizando-os, ele tinha um ressentimento de classe. Ou seja, de Matos tem um ponto de 
vista e ridiculariza a oposta dessa sua posição. Já Machado não tem absolutamente uma posição, uma 
opinião formada. Essa teoria parece falha porque Machado não impõe nenhum valor legítimo, antes, os 
relativiza. Isso descaracterizaria a sátira, que necessita de uma ideologia para se fazer. A ironia 
machadiana é algo que ainda está pendente porque ainda está em interpretação. 
O Conto de tipos (SB). Também tem problemas porque Machado não constrói somente os tipos porque 
ele trata da natureza humana. 
Já Otto Maria Carpeaux pensa que Machado tem contos do tipo de Guy de Maupassant (os 
maupassantianos), que têm uma matéria narrativa como uma surpresa, contando acontecimentos. Depois 
vêm os contos parábolas, como os de teoria de Bosi. E também os contos como os de Tchékov, os 
tchekovianos, que são sem enredo que revelam mais uma atmosfera que um fato. 
Todas essas interpretações apontam para as várias possibilidades que Machado tinha de montar seu 
conto, ou em teorias ou em situações, que tinham sempre algo mais profundo. 
Lúcia Miguel Pereira interpreta e análise o conto de Machado, dentro do livro Prosa de Ficção. 
 
LER “O ESPELHO” PARA PRÓXIMA AULA 
 
 
AULA 2 – 10.08.2010 
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Continuação Preâmbulo. 
Aproximação ou distanciamento do leitor? 
Lúcia Miguel Pereira, em Prosa de Ficção, que acredita que machado contista é melhor que machado 
romancista, para ela, o cuidado com o pormenor é muito importante porque o conto não tem tempo para 
cuidar de outra coisa. O conto tem de dar certo no espaço que tem, conformando seu objeto com rapidez e 
essencialidade. Para ela, "o acento tônico está mais no pormenor que nas linhas gerais" (isso quer dizer 
que ela acredita que o primeiro tem mais peso que o último). 
Em machado, o pormenor revela grandes teorias. A psicologia do adolescente e a condição da mulher 
aristocrata em que uma atmosfera rarefeita desensualidade, "clima" nunca se realiza. Ele usa um 
pormenor, a situação da sala de visita para expor sua teoria. As questões abordadas excedem, extrapolam 
o cômodo, trazendo questões complexas da essência humana. Trata-se do pormenor que emerge como 
teoria complexa, uma questão estrutural da sociedade brasileira. O detalhe, portanto, já tem a capacidade 
de generalizar, criando o todo do conto. Coloca-se em xeque, dessa forma, a teoria de Lúcia Pereira 
porque as linhas gerais e os pormenores se unem para estruturar os objetivos do autor, tendo o mesmo 
peso. 
A OPINIÃO DOS GRANDES ESCRITORES DOS CLÁSSICOS É VÁLIDA ATEMPORALMENTE, MESMO 
COM A MUDANÇA SOCIAL, AVANÇO DO TEMPO ETC. 
Antônio Gramsci - was an Italian philosopher, writer, politician and political theorist, Marxista italiano: 
PARTIDOS POLÍTICOS = PRÍNCIPE DE MAQUIÁVEL 
Busca pelo poder - Estratégias políticas - Mudança social, mas a essência continua a mesma. 
Já Augusto Meyer acredita que machado é pobre no examinar a complexidade do "bicho da terra", o 
homem. Talvez Meyer tenha se sentido desconfortável com a escrita de Machado durante sua juventude. 
No entanto, em fase superior: "Machado, então, me fascinava e irritava ao mesmo tempo", em uma 
reflexão sobre o que sentia quando jovem. O machado exerceria, para ele, gozadamente e até 
morbidamente sua expressão nas obras. 
 
"A TARDE TALVEZ FOSSE AZUL 
SE NÃO HOUVESSE TANTO DESEJO" Acompanhamento da tese de Schopenhauer 
Carlos Drummond 
A vontade, o desejo faz sofrer 
Machado por vezes quer mostrar uma indiferença do drama humano, da questão doída. Talvez ele jamais 
tenha enfrentado seu aspecto trágico, mostrando somente seu lado distante. 
A partir de 1880, em sua fase madura, começou a introduzir suas obras com prólogos, que permitem 
sondar o contista machadiano. Na advertencia "Papeis Avulsos", parece que o autor recolheu várias 
história do fundo de uma gaveta, porque juntou várias histórias para não perdê-las. Mas Machado diz 
sobre a aparência que as palavras dão de que não há uma organização na obra, o que desvalorizaria a 
coletanea do autor. São avulsos, mas não inteiramente. Têm um objetivo para estarem juntos, "são 
pessoas de uma só família que a obrigação do pai os fez sentar na mesma mesa". Isso aponta para 
unidade dos contos por conta de quem os reuniu, talvez sem que os "filhos" entendam o porque de 
estarem todos juntos. Então o que parece não é. machado ama se fazer de humilde, desvalorizando sua 
obra. "o livro está nas mãos do leitor", será que o leitor compreenderia o livro, essa frase já mostra um 
autor desconfiado da compreensão do leitor sobre sua obra. 
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Machado transita em o prazer e a morte. 
"E eis a razão do encyclopedista: é que quando se faz um conto, o espírito fica alegre, o tempo escoa-se, 
e o conto da vida acaba sem a gente dar por isso". (ou seja, ficar "alegrinho", esperar passar o tempo até 
que a morte venha, sem nos apercebermos.) 
Machado, como em suas Histórias sem data, que são muito bem datadas, explora sua própria sociedade, 
seu local, Rio de Janeiro, para examina-la e inferir traços gerais da essência humana. Isso significa que, 
apesar das histórias sejam datadas e localizadas, elas são mais universais, perenes e gerais do que 
parecem. 
Queremos saber quem somos, queremos viver, queremos saber o futuro. Essas são vontades inalienáveis 
do homem, o que traça uma linha que os iguala. Apesar de existirem particularidades temporais, regionais 
etc., todo homem é igual. 
Montaigne é frequentemente citado nas obras machadianos. 
Em O empréstimo, Machado começa o conto com um prólogo. Aponta que em seu conto há elementos 
suficientes para dar conta de uma vida inteira e questões muito mais extensas que ele consegue tratar em 
"trinta ou sessenta minutos". 
 
AULA 3 – 12.08.2010 
LEITURA DE CONTO: 
“O ESPELHO – ESBOÇO DE UMA NOVA TEORIA DA ALMA HUMANA” 
Minhas próprias reflexões 
Quatro ou cinco cavalheiros debatiam (DUPLICIDADE), uma noite, várias questões de alta 
transcendência, sem que a disparidade dos votos 
trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, 
alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora (AS DUAS ALMAS 
ESTÃO ADIANTADAS NESSE PONTO, REPRESENTAM AS DUAS ALMAS DA TEORIA DE JACOBINA, 
INSINUAÇÃO DO TEMA). Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas 
pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada (OUTRA DUPLICIDADE, ESPAÇO DOS 
HOMENS E ESPAÇO DAS ESTRELA, CONTRAPOSIÇÃO DA ETERNIDADE DAS ESTRELAS E 
AGITAÇÃO HUMANA, A NATUREZA ESTARIA INDIFERENTE), estavam os nossos quatro ou cinco 
investigadores de 
coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo. (IRONIA QUE 
COLOCA SOBRE SUSPEITA A SERIEDADE DA CONVERSA DESSES SENHORES, MACHADO 
DESQUALIFICA A CONVERSA) 
Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um 
quinto personagem, 
calado, pensando, cochilando, cuja espórtula (esmola, gorjeta) no debate não passava de um ou outro 
resmungo de aprovação (OUTRA DUPLICIDADE: QUATRO PESSOAS QUE CREEM NO DEBATE 
SOBRE METAFÍSICA E UMA PESSOA QUE, SE SENTINDO SUPERIOR, NÃO CRÊ NESSA 
DISCUSSÃO, ISSO PREPARA O LEITOR PARA O NARRADOR, QUE NÃO É MUITO SIMPÁTICO). Esse 
homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinqüenta anos, era provinciano, 
capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece (MACHADO COLOCA UMA DÚVIDA, UMA 
HIPÓTESE, NÃO AFIRMA COM CERTEZA SUA TESE), astuto e cáustico (que queima, irônico, mordaz). 
Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma 
polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os 
serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse 
esta mesma resposta naquela noite, contestou-lha um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que 
dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante, e respondeu: 
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- Pensando bem, talvez o senhor tenha razão. 
Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três 
minutos, mas trinta ou 
quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente 
os quatro amigos. 
Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão 
impossível, pela multiplicidade 
das questões que se deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. 
Um dos 
argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos. 
- Nem conjetura, nem opinião, redargüiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como 
sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de minha vida, em 
que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma 
só alma, há duas... 
- Duas? 
- Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro 
para fora, outra que olha 
de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não 
admito réplica. Se me 
replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, 
muitos homens, um 
objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de 
uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma 
cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; 
as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma dasmetades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma 
exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os seus 
ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me 
enterras no coração." Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. 
Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma... 
- Não? 
- Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com 
a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas 
enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por 
exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde 
uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, - na verdade, 
gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera; 
cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua do 
Ouvidor, Petrópolis... 
- Perdão; essa senhora quem é? 
- Essa senhora é parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais casos. 
Eu mesmo tenho 
experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. 
Um episódio dos meus vinte e cinco anos... 
Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa 
curiosidade! tu não és só a 
alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro sabor que não aquele pomo da 
mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física e metafísica, é agora um mar morto; todos os olhos estão 
no Jacobina, que conserta a ponta do 
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charuto, recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou a narração: (narrador dentro de uma 
primeira narrativa) 
- Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não 
imaginam o acontecimento 
que isto foi em nossa casa. Minha mãe ficou tão orgulhosa! tão contente! Chamava-me o seu alferes. 
Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e 
ranger de dentes, como na Escritura; e o motivo não foi outro senão que o posto tinha muitos candidatos e 
que esses perderam. Suponho também que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da 
simples distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram a olhar-me de revés, 
durante algum tempo. Em compensação, tive muitas pessoas que ficaram satisfeitas com a nomeação; e a 
prova é que todo o fardamento me foi dado por amigos... Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, 
viúva do Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e solitário, desejou ver-
me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda. Fui, acompanhado de um pajem, que daí a dias 
tornou à vila, porque a tia Marcolina, apenas me pilhou no sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não 
me soltava antes de um mês, pelo menos. E abraçava-me! Chamava-me também o seu alferes. Achava-
me um rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou a confessar que tinha inveja da moça que 
houvesse de ser minha mulher. Jurava que em toda a província não havia outro que me pusesse o pé 
adiante. E sempre alferes; era alferes para cá, alferes para lá, alferes a toda a hora. Eu pedia-lhe que me 
chamasse Joãozinho, como dantes; e ela abanava a cabeça, bradando que não, que era o "senhor 
alferes". Um cunhado dela, irmão do finado Peçanha, que ali morava, não me chamava de outra maneira. 
Era o "senhor alferes", não por gracejo, mas a sério, e à vista dos escravos, que naturalmente foram pelo 
mesmo caminho. Na mesa tinha eu o melhor lugar, e era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes 
disser que o entusiasmo da tia Marcolina chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um 
grande espelho, obra rica e magnífica, que destoava do resto da casa, cuja mobília era modesta e 
simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que esta herdara da mãe, que o comprara a uma 
das fidalgas vindas em 1808 com a corte de D. João VI. Não sei o que havia nisso de verdade; era a 
tradição. O espelho estava naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em parte pelo 
tempo, uns delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns enfeites de madrepérola e outros 
caprichos do artista. Tudo velho, mas bom... 
- Espelho grande? 
- Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza, porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da 
casa. Mas não houve 
forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas, e 
finalmente que o 
"senhor alferes" merecia muito mais. O certo é que todas essas coisas, carinhos, atenções, obséquios, 
fizeram em mim uma 
transformação, que o natural sentimento da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu? 
- Não. 
- O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou 
que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a 
alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e 
passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me 
falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o 
exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não? 
- Custa-me até entender, respondeu um dos ouvintes. 
- Vai entender. Os fatos explicarão melhor os sentimentos: os fatos são tudo. A melhor definição do amor 
não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um filósofo antigo demonstrou o movimento 
andando. Vamos aos fatos. Vamos ver 
como, ao tempo em que a consciência do homem se obliterava, a do alferes tornava-se viva e intensa. As 
dores humanas, as 
alegrias humanas, se eram só isso, mal obtinham de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor. 
No fim de três semanas, era outro, totalmente outro. Era exclusivamente alferes. Ora, um dia recebeu a tia 
Marcolina uma notícia grave; uma de suas filhas, casada com um lavrador residente dali a cinco léguas, 
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estava mal e à morte. Adeus, sobrinho! adeus, alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem, pediu 
ao cunhado que fosse com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio que, se não fosse a aflição, 
disporia o contrário; deixaria o cunhado e iria comigo. Mas o certo é que fiquei só, com os poucos 
escravos da casa. Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao 
efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior 
que se reduzia; estava agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em mim, 
embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil. Os escravos punham uma nota de 
humildade nas suas cortesias, que de certa maneira compensava a afeição dos parentes e a intimidade 
doméstica interrompida. Notei mesmo, naquela noite, que eles redobravam de respeito, de alegria, de 
protestos. Nhô alferes, de minuto a minuto; nhô alferes é muito bonito; nhô alferes há de ser coronel; nhô 
alferes há de casar com moça bonita, filha de general; um concerto de louvores e profecias, que me 
deixou extático. Ah ! pérfidos! mal podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados. 
- Matá-lo? 
- Antes assim fosse. 
- Coisa pior? 
- Ouçam-me. Na manhã seguinte achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou de movimento 
próprio, tinham resolvido 
fugir durante a noite; e assim fizeram. Achei-me só, sem mais ninguém, entre quatroparedes, diante do 
terreiro deserto e da roça 
abandonada. Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo; ninguém, um molequinho que 
fosse. Galos e galinhas 
tão-somente, um par de mulas, que filosofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os mesmos 
cães foram levados pelos 
escravos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que isto era melhor do que ter morrido? era pior. Não por 
medo; juro-lhes que não tinha medo; era um pouco atrevidinho, tanto que não senti nada, durante as 
primeiras horas. Fiquei triste por causa do dano causado à tia Marcolina; fiquei também um pouco 
perplexo, não sabendo se devia ir ter com ela, para lhe dar a triste notícia, ou ficar tomando conta da casa. 
Adotei o segundo alvitre, para não desamparar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava mal, eu 
ia somente aumentar a dor da mãe, sem remédio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do tio Peçanha 
voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha saído havia já trinta e seis horas. Mas a manhã passou 
sem vestígio dele; à tarde comecei a sentir a sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a 
ação nervosa, e não tivesse consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou nesse dia, 
nem no outro, nem em toda aquela semana. Minha solidão tomou proporções enormes. Nunca os dias 
foram mais compridos, nunca o sol abrasou a terra com uma obstinação mais cansativa. As horas batiam 
de século a século no velho relógio da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior, como um 
piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma poesia americana, creio que de 
Longfellow, e topei este famoso estribilho: Never, for ever! - For ever, never! confesso-lhes que tive um 
calafrio: recordei-me daqueles dias medonhos. Era justamente assim que fazia o relógio da tia Marcolina: - 
Never, for ever!- For ever, never! Não eram golpes de pêndula, era um diálogo do abismo, um cochicho do 
nada. E então de noite! Não que a noite fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a 
noite era a sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém, nas salas, 
na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte nenhuma... Riem-se? 
- Sim, parece que tinha um pouco de medo. 
- Oh! fora bom se eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem 
sequer podia ter medo, 
isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era como um defunto andando, 
um sonâmbulo, um 
boneco mecânico. (PASSOU A NÃO MAIS EXISTIR PARA AS OUTRAS PESSOAS, A NÃO MAIS SER 
IMPORTANTE) Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da 
morte, mas por 
outra. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma 
exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos 
amigos, que me elogiavam o garbo, que me 
chamavam alferes; vinha um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão 
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ou major; e tudo isso 
fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se com o sono a consciência do meu ser novo e 
único -porque a alma 
interior perdia a ação exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar... Não 
tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se descobria algum sinal de regresso. Soeur Anne, soeur 
Anne, ne vois-tu rien venir? Nada, coisa nenhuma; tal qual como na lenda francesa. Nada mais do que a 
poeira da estrada e o capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado, estirava-me no 
canapé da sala. Tic-tac, tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos vidros das janelas, assobiava. 
Em certa ocasião lembrei-me de escrever alguma coisa, um artigo político, um romance, uma ode; não 
escolhi nada definitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e frases soltas, para intercalar 
no estilo. Mas o estilo, como tia Marcolina, deixava-se estar. Soeur Anne, soeur Anne... Coisa nenhuma. 
Quando muito via negrejar a tinta e alvejar o papel. 
- Mas não comia? 
- Comia mal, frutas, farinha, conservas, algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo 
alegremente, se não fora a terrível 
situação moral em que me achava. Recitava versos, discursos, trechos latinos, liras de Gonzaga, oitavas 
de Camões, décimas, 
uma antologia em trinta volumes. As vezes fazia ginástica; outra dava beliscões nas pernas; mas o efeito 
era só uma sensação 
física de dor ou de cansaço, e mais nada. Tudo silêncio, um silêncio vasto, enorme, infinito, apenas 
sublinhado pelo eterno tic-tac da pêndula. Tic-tac, tic-tac... 
- Na verdade, era de enlouquecer. 
- Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. 
Não era abstenção 
deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo 
tempo, naquela casa 
solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito 
dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O 
próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas 
vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho 
reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a 
minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar 
mais tempo, e enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau humor, 
e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas disperso, esgaçado, 
mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, 
afligindo-me a frio com os botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente 
para o espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos... 
Continuei a vestir-me. Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-
me... Se forem capazes de adivinhar qual foi a minha idéia... 
- Diga. 
- Estava a olhar para o vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições 
derramadas e 
inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o pensamento... Não, não são capazes de 
adivinhar. 
- Mas, diga, diga. 
- Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, 
levantei os olhos, e...não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de 
menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma 
ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai um 
homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver, distingue 
as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que este é 
Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim 
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foi comigo. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia 
tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa 
hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, 
três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os 
sentir... 
Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas. 
Identidade subjetiva e identificação social 
A identidade é algo dado, já a identificação social é um processo. O espelhoé um elemento de grande 
densidade simbólica, além do papel que ele tem em nossa vida. Um lugar estranho que causa fascínio ou 
horror. A experiência do espelhamento nos leva a uma sensação de incomodo, o que a realidade pode ser 
como representação. O espelho é o símbolo da própria representação, é o símbolo do símbolo. Isso é arte, 
a partir de elementos do mundo material, ela compõe imagens que podemos nos identificar nelas. 
Podemos ver o espelho como algo que oferece a passagem do que é real para o que é representação, 
matéria para a imagem, que dá sensação de que houve um deslocamento. Os cachorros procuram não 
olhar no espelho, parecem ser mais espertos que nós. 
Essa simbolização é algo do duplo que Machado emprega. Seus símbolos têm um porquê. Eles pesa o 
peso concreto das relações que existem na vida. Embora o espelho do conto favoreça a simbolização, 
Machado faz questão de torná-lo real, trazendo um história do espelho, dizendo que ele é um móvel real e 
pesado, com um passado. Não se trata simplesmente de um símbolo. 
A alma da pessoa seria algo a ser iluminado no espelho, encontrando sua identidade para dizer “eu sou 
isso”. Ao mesmo tempo há algo de demoníaco aí, o espanto é “este sou eu? Eu sou este?”. 
Duplicidade: mundo materializado e alta simbolização. O conto se apóia o tempo todo no duplo, e isso vai 
se sucedendo nele. 
ESPELHO – (LATIM) ESPECULU – ESPECERE = VER, OLHAR 
A definição de alma está relacionada com o ato de VER. 
Jacobina aposta na duplicidade, diz que há duas almas e cada uma delas depende do exterior. O espelho 
simboliza a reciprocidade, o eu e o outro como sujeito e objeto ao mesmo tempo na sua ação de ver: ver 
alguém e ser visto por alguém, eu mesmo. 
Machado chama a atenção para o espelho social, a imagem que os outros constroem de nós. Todo o 
conto desenvolve a questão da alma exterior, o narrador não teoriza sobre a alma interior. Não há uma 
palavra sobre isso. 
Logo no início do conto Machado já antecede a teoria de Jacobina citando as luz que adentra e a outra luz. 
Uma pessoa cáustica ironiza aos outros e a si mesmo, não satisfeito com sua identidade, região amarga, 
rancorosa e de ressentimento. O conto tem dois narradores e o leitor deve se perguntar a razão. Por que 
então a escolha? Diz respeito ao tema do conto, certa duplicidade que Machado quer explicar. 
Jacobina não discutia nunca porque não achava que os outros não mereciam a sua atenção. Seria uma 
estratégia autoritária. Desqualificava os contendores como pessoas que não valiam a pena a discussão. 
Repentinamente o homem taciturno passa a ser o homem falastrão que começa uma narrativa. 
Nome Jacobina: o nome lembra os jacobinos na Revolução Francesa. Mas Machado vai além trazendo a 
imagem de Jacob bíblico. Jacob foi o enganador que se travestiu com uma pele de carneiro para se 
passar por seu irmão para seu pai. A personagem bíblica, usando aquela “farda”, eliminou o homem, como 
aconteceu com a personagem do conto. 
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Define uma perspectiva de narrador extremamente autoritária, ou os outros os escutam ou ele vai dormir. 
Ao invés de demonstrar racionalmente sua teoria, ele recorre aos fatos para, a sua história para 
demonstrar sua teoria. Entra-se aí em um narrador que tem ouvintes que não têm a atenção de seu 
interlocutor. 
A alma é associada ao ver. Alma exterior: dependeríamos de um objeto no mundo exterior para definir 
nossa identidade. Nossa alma poderia ser resumida a uma fixação a elementos da exterioridade? 
Teriamos fixações por coisas fora de nós que nos convertemos nisso e fora disso não há mais ninguém, 
não existe nada além do que valorizamos, os objetos. Seriamos um ser ou algo que faz coisas? 
Precisariamos fazer estas coisas para ser? A alma exterior não necessariamente são fúteis. Podem sim 
ser grandiosas como a pátria para Camões e o poder para Cromwell ou César. Nossas fixações poderiam 
ir de coisas que vão de um simples chocalho ao poder, de coisas insignificantes a outras grandiosíssimas. 
Desde a infância seriamos assim. Sem as atrações mundanas como a “ópera”, o “cassino”, “a rua do 
Ouvidor” e “Petrópolis” não seriamos nada. Uma senhora é assim: chama-se Legião, ou seja, todo mundo 
é assim, uma legião de pessoas, a total multidão é assim. 
Machado saiu do nada, um simples agregado de chácara para uma referencia cultura na época e imortal. 
Ele, como o alferes, conhece bem o valor das coisas externas e do sistema da escala social. 
POMO DA DISCÓRDIA: A FRUTA, NA MITOLOGIA, “PARA A MAIS BELA”, QUE GEROU A GUERRA DE 
TRÓIA. 
Guarda nacional: era os olhos e ouvidos do imperador, nomeavam os coronéis, uma força conservadora 
que ficava acionada para uma emergência como protetora do imperador. Possuiam uma farda imponente, 
garbosa. Jacobina foi nomeado, esse fato situação o contexto brasileiro, porque não houve mérito, foi por 
favor. Havia muita gente interessada no cargo, mas ele “conseguiu” o cargo. 
Sua nomeação implicou a mudança não somente para Jacobina, mas para sua família inteira. Deixou de 
ser “meu filho” ou “Joãozinho” para ser “O alferes”. Há uma mudança social, as relações mudaram, surge 
um interesse, tema nodal para Machado. 
Pagaram a farda para Jacobina, é uma simbolização da investidura social. Agora “você é o alferes, cumpra 
seu papel, não se esqueça de nós”. Assim se estipula uma relação de interdependência. Todos se 
dispõem a ver o colega como alferes. 
Machado precisou construir um sitio para isolar seu protagonista. O enredo tinha de ser montado para 
propiciar a solidão de Jacobina. Ele, sem mais ninguém, suportaria a ausência do louvor que recebia de 
seus conhecidos. 
D. Marcolina, qualificada como “patusca”, isso é assanhada, queria ver a farda. Essa personagem expõe o 
traço humano de nos interessarmos pelos que têm a oferecer. 
Quando chega ao sítio, Jacobina ainda não havia se dado conta de que ele não era mais o Joãozinho, 
mas o alferes. Pedia a tia que o chamasse por alferes, um momento que não nos damos conta que 
devemos interiorizar essa identidade que vem de fora. Acha que tem uma outra identidade que não 
somente o Joãozinho. 
“Alferes, alferes, alferes”. Essa repetição torna óbvia a fixação pelos títulos. 
Machado põe na narrativa um espelho real e não somente uma simbolização. Segundo Gledson, o 
espelho de que veio de Portugal da corte, será a imagem do Brasil na visão do outro, da corte, do 
português. 
O deslocamento do espelho da sala para o quarto diz alguma coisa. O espelho é interiorizado pelo alferes, 
participando de sua intimidade e individualismo. Faz parte do processo de interiorização do espaço social, 
sala – quarto. Machado faz questão de tornar o espelho real, pesado. 
Algo exterior pode ser tão presente que poderia eliminar qualquer coisa que estivesse no interior. 
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Para Bosi, ninguém vive sem a administração da própria imagem, das aparências no mercado social. 
Ainda para o crítico, há sim algo dentro de nós, o desejo, que se contrapõe à exterioridade. Portanto, sem 
a alma interior o conto seria possível? A arte precisaria de um lado interior para existir? A arte vem de 
dentro? Existiria mais do que somente o exterior, o que valorizamos ou o que nos é forçado a valorizar? 
Todo o conto diz que a força que realmente conta é a alma exterior que se sobrepõe à interior. Para o 
contista, não existiria nada de mais importante do que o exterior. Por isso Meyer teria se sentido tão 
ultrajado ao ler o conto, uma vez que iria de encontro com o que ele valorizava, a defesa de que há sim 
uma alma interior, um desejo, um “enigma”, nas palavras de Alfredo Bosi. 
TENTAR LER “O ESPELHO” DE GUIMARÃES ROSA, in Primeiras Estórias. 
 
AULA 4 – 17.08.2010 
LEITURA DE CONTO: 
“O ESPELHO – ESBOÇO DE UMA NOVA TEORIA DA ALMA HUMANA” 
CONTINUAÇÃO 
Jacobina está interessada na exposição de fatos e não no esboço de uma teoria sobre a alma humana. 
Alma exterioré qualquer coisa fora de nós que prenda nossa atenção e se transforma numa obsessão, 
uma justificativa para nossa própria vida. Fixações que nos cercam, um chocalho, a pátria, um cargo 
público. A alma exterior e interior é uma questão do olhar, ou seja, do mundo que aparece e não do mundo 
que realmente é. A alma exterior está ligada às coisas de fora e, por isso, podem mudar ao longo da vida. 
Processo de identificação: toda vez que a alma exterior muda a identidade da pessoa, os indivíduos no 
meio social também sofre uma mudança. A indicação do posto alterou a relação, até no parentesco. 
A farda exuberante junto ao espelho, que também tinha seus atributos, monta uma cena estranha se 
contextualizada num sítio excluso e longínquo. O espelho, que não é um espelho simbólico apenas, é 
levado da sala para o quarto, dando a entender que o alferes precisava de algo digno para se vestir e o 
espelho, alguém para refletir, alguém de autoridade. 
É difícil identificar qualquer outra coisa que não seja alma exterior. A interior poderia ser as aspirações 
sem língua, os desejos sem aspiração, a vontade que não se cumpre, no fundo de nós. 
Machado trata a alma exterior como a “primitiva”. A cada vez que alguém lhe chamava de alferes, ele se 
sentia mais alferes. 
“Os fatos são tudo” mostra a teoria de Jacobina em síntese, somente os fatos importariam. Um discurso 
autoritário que mostra que fatos não se interpretam mas se impõem. Isso dá ao pragmatismo a autoridade 
de ser o que é. Jacobina vai na direção do narrador machadiano. Mas os fatos estão sempre arranjados 
na órbita de quem os conta ou os vê. Para Carpeaux, os fatos não lhe interessam, mas sim os problemas, 
somente pelos fatos problemáticos os fatos se tornam visíveis. Isto é, não há nada no mundo que não 
tenha em si mesmo uma tensão, tudo é complexo e nada é simplório no mundo, quando chamamos algo 
de fato, estamos tentando resumir ou simplificar a complexidade das coisas, ou da obra de arte. Quando 
se considera a história uma sucessão de fatos, pensa-se que a história é factual e fatal. Deveria-se 
considerar os problemas do contexto? 
Boa parte da obra de Machado finge apostar nisso. O narrador nomeia Jacobina de cáustico. Não teria 
algo a ser explorado aí? O próprio conto não nasceria da alma exterior, seria alguém vendo de fora ou 
alguém vendo de dentro e ironizando esse interior, o que corroer a própria certeza dele. 
Afetivamente o alferes endureceu, e no fim de três semana era outro, “exclusivamente alferes”. Tornar-se 
outro é uma espécie de alienação, tomar uma outra identidade. Não estaria consciente de sua condição de 
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sujeito social. Para Jacobina, tornar-se outro foi vantajoso, não se interessava pelo que era antes. Para ter 
prestígio, é preciso receber elogios de quem se respeita. Portanto, os elogios que recebia dos escravos 
não adiantavam nada porque eles lhe é inferior. Machado expõe aqui sua teoria de quão baixa a 
sociedade é, não considerando aqueles que “valham” menos. Naquela época, discutia-se até existência ou 
não da alma de um escravo negro. “Os pérfidos fugiram” revela a ironia de Assis acerca da ideologia social 
da época que considerava um absurdo um escravo fugir para deixar de ser servo de alguém. 
COMPARAÇÃO COM A PEÇA HUIS CLOS (ou em inglês, No exit, ou em português, Quatro Paredes), 
redigida em 1943 por Jean Paul Sartre. 
Ele sentia a sensação do tempo reduzido a ele mesmo. Há uma ansiedade porque sem personagem e 
sem ação, o tempo fica lentíssimo. O movimento do pêndulo é o movimento do duplo, “sim” e “não” (Never, 
for ever! For ever, never!). Aqui acontece a aparição da alma interior, somente porque alma exterior foi 
eliminada. 
A alma interior aparece no sonho, mas o recado que Assis dá é que, mesmo em nossos sonhos, 
continuamos a viver nossa alma exterior. Como para Freud, o sonho tem a capacidade de nos dar, por 
meio de um regime simbólico, aquilo que não podemos ter na vida real. Para Assis, não há grande 
diferença entre as duas almas. A interior é dada como uma ausência, como um vazio. “Soeur Anne, souer 
Anne, ne vois-tu rien venir?” “Je ne vois rien que le soleil qui poudroie, et l'herbe qui verdoie.” “Não só vejo 
o cintilar do sol e o verde do capim”, para Assis, “Nada mais do que a poeira da estrada e o capinzal”. 
Assis evoca a lenda francesa do Barba Azul. Como para a moça que estava para ser assassinada por seu 
marido, o Barba Azul, a chegada de alguém era crucial para que pudesse sobreviver. 
“Era eu mesmo, o alferes”, Jacobina não era mais “eu”, o “alferes”. Quando ele recupera a identidade por 
meio da farda, as coisas voltam a existir. A necessidade de identidade é tão forte, que sem ela, as outras 
coisas também não existem. 
Por que Jacobina teria saído de repente? Os debatedores e os leitores são deixados sem condição de 
rebater a tese de Jacobina. 
Nossa identidade está inteiramente dependente da constatação e reconhecimento do outro? Não somos 
muito diferentes daquilo que temos como imagem, e essa imagem depende do reconhecimento do outro 
para existir. 
Essa teoria se assemelha aquela do conto do Medalhão. 
O conto de Guimarães Rosa, que parece ter se sentido muito provocado pessoalmente pelo conto, para 
ele os fatos não são tudo, o que interessaria seria a junção de real e mito. 
Ressonância crítica e crítica política que o conto repassa para o leitor. 
Por que seria Jacobina cáustico e não simplesmente sínico, feliz ou conformado? Ao que parece astuto e 
cáustico. O conto só existe porque existe algo inexplicável sobre a alma exterior e a interior. Quem 
qualifica e análise a alma de fora? Ela mesma? Ou outra coisa, outro ser. Ela parece não estar sozinha. 
Existe mais alguma coisa. Além disso, o desconforto cáustico de Jacobina pode ser proveniente dessa 
dúvida que ele tem sobre a predominância ou não da alma exterior. 
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