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João Carlos Braga Torres IFCE Umirim Fichamento a Literatura Vive de Paolo Ronai Nas palavras de Paolo Rónai, podemos refletir em sua obra A tradução vívida acerca da concepção de tradução bem como de tradutor. “A maioria das pessoas, quando pensa em tradução, faz ideia de uma atividade puramente mecânica em que um indivíduo conhecedor de duas línguas vai substituindo uma por uma, as palavras de uma frase na língua A por seus equivalentes na língua B” (RONAI, 2012, p. 20) O que não condiz com a realidade, pois as palavras em um determinado idioma não devem, necessariamente, corresponder aos mais diversos valores semânticos de um outro idioma. Portanto, é necessário considerar os aspectos essencialmente culturais e contextuais, especialmente da língua que está sendo traduzida para que adaptações mais próximas dos valores semânticos do novo idioma possam ocorrer. Capítulo 01 Definição da tradução e do tradutor “Entendido assim, o papel do tradutor torna-se singularmente mais importante; perde o que tinha de mecânico e se transforma numa atividade seletiva e reflexiva.” (RONÁI, 2012, p. 22). A tradução, portanto, não se limita as traduções literais das palavras que correspondem a um mesmo valor semântico em outro idioma, nesse sentido, o tradutor necessita refletir sobre a aplicação de um determinado termo. Outrossim, é necessário considerar as demais palavras que antecedem e que são posteriores a um termo específico, para que possam compreender claramente em que contexto o termo ou expressão está inserido e é empregado. “Ora, ninguém pode qualificar essas traduções de livres, já que representam as únicas versões possíveis, exatas e fiéis das formulas originais.”, “[…] uma frase latina tão simples como Puer ridet […]” (RONÁI, 2012, p. 22) Pode ser utilizada para a seguinte explicação: para Rónai, não há traduções totalmente literais, pois nem sempre há termos correspondentes na língua para a qual a obra está sendo traduzida. Na língua portuguesa, por exemplo, tem-se artigos definidos e indefinidos e, os seus usos atribuem, em contexto amplo, um grau de maior ou menor conhecimento ao substantivo que é precedido do artigo. Nesse sentido, ao analisarmos os exemplos, “um menino veio aqui e perguntou por você”, nota-se que é diferente de “o menino veio aqui e perguntou por você”. Na primeira sentença, se considerarmos um contexto específico, a ideia perpassada é que, não se sabe exatamente quem era o menino que perguntou por alguém. Na segunda sentença, por sua vez, infere-se que a pessoa pela qual “o menino” perguntou, sabe exatamente sobre qual menino se trata. “De mais a mais, o profissional que traduz um texto em português para o inglês não tem de enfrentar problemas iguais aos dos colegas que o verte para o francês” (RONÁI, 2012, p. 23). Cada língua possui suas particularidades internas como elementos sintáticos, especialmente, suas formas de organização em uma sentença, bem como elementos externos, como os culturais que, entre outros aspectos, tornam a língua singular e particular em uma comunidade. Isso reflete a ideia de que a tradução de uma obra com idioma A para um idioma B, não apresentará as mesmas facilidades ou problemas, caso o idioma a ser traduzido venha a ser um C. “Essa problemática se complica ainda mais quando o texto a traduzir é de caráter literário.” (RONÁI, 2012, p. 23) Isso, porque há diferentes concepções acerca do que se pode considerar literatura. Nesse sentido, nos cabe refletir se podemos considerar como tradutor-poeta aquele que traduz poesia. Quais os critérios mínimos para que uma pessoa possa realizar a tradução de textos literários? Em literatura de cordel, por exemplo, a melodia é ocasionada pela métrica e pela rima de algumas palavras, normalmente localizadas no fim dos versos. Um tradutor sem conhecimento técnico, provavelmente não se atentará a estas especificidades no momento da tradução. Por outro lado, um tradutor com conhecimento técnico poderá realizar a tradução sem perdas melódicas, no entanto, poderá realizar muitas adaptações para que as rimas prevaleçam e soe o aspecto melódico na tradução. O que se deve priorizar? Nesse sentido há diferentes concepções acerca daquilo que deve ser considerado. “[…] como diz Jules Legras, “traduzir consiste em conduzir determinado texto para o domínio de outra língua que não aquela em que está escrito”” e “[…] é ao leitor que o tradutor pega pela mão para levá-lo para outro meio linguístico.” (RONÁI, 2012, p. 24) Dessa forma, podemos inferir que, até mesmos entre os estudiosos sobre Tradução Literária, não há consenso em relação ao que deve consistir na tradução; se adaptar a obra com aspectos culturais do novo idioma, ou perpassar, mesmo após a tradução para um novo idioma, os aspectos culturais do idioma nativo. “Porém, já no mesmo século, Dryden, tradutor ilustre da Eneida de Virgílio, queixou-se da maneira desdenhosa porque ele e seus colegas eram tratados.” (RONÁI, 2012, p. 25), “D’Amblert, porém, tem opinião oposta: “Se quiserdes ser traduzido um dia, começai vós mesmo por traduzir.”” (RONÁI, 2021, p. 29) Quando refletimos sobre o trabalho de um tradutor, especialmente sobre o que diz alguns estudiosos, nos deparamos com concepções que velejam entre as extremidades de posicionamentos positivos e negativos sobre sua importância. Para John Lehmann, falar sobre tradução era como falar sobre o vidro de um quadro, ou seja, o crítico não acredita muito na fidelidade perpassada em uma tradução. Além disso, há quem diga que o trabalho de um tradutor reflete um perfeito plágio. Por outro lado, há aqueles que acreditam na importância do ato de traduzir, como o próprio Rónai, que coloca a tradução como o melhor e talvez o único exercício realmente eficaz para nos fazer penetrar na intimidade de um grande espirito. Para isso é necessário que o tradutor possua algumas habilidades, como o conhecimento profundo da língua nativa; conhecimento suficiente da língua a ser traduzida, considerando muitos aspectos culturais e locais, a crença de que, algumas vezes poderá necessitar de um bom dicionário, bem como de que, muitas vezes, apenas consulta-lo não será suficiente. Em resumo é necessário a familiaridade com aspectos históricos, geográficos, costumes, folclore, ou seja, da cultura em geral. Infere-se que, é bastante desafiador o trabalho de um tradutor e o contato com obras estrangeiras nos permite ter contato com a cultura de outros países que nos permite expandir nossa capacidade de enxergar o mundo bem como entender aquilo que é particular de sociedades das quais não fazemos parte e que ainda assim, é relevante compreender. Há quem duvide da importância do trabalho de um tradutor, sendo esta profissão muitas vezes não valorizada e atribuída às pessoas sem as qualificações ideais para uma tradução que se aproxime o máximo possível do original. Outrossim, ainda há certa invisibilidade daquele que deve analisar os aspectos mais íntimos da escrita, tendo o seu trabalho não tão reconhecido. Capítulo 02 As armadilhas da tradução “O trabalho do tradutor passa por um caminho ladeado de armadilhas. Até os melhores profissionais guardam a lembrança de algum tremendo contrassenso que cometeram. São diversas as causas de tais erros.” (RÓNAI, 2012, p.41) Entre os erros mais comuns, está a ideia de que uma palavra em um determinado idioma, corresponderá as mesmas acepções no idioma para o qual se realiza a tradução. Além disso, problemas voltados para a etimologia, polissemia, palavras com falsos cognatos, homônimos em uma própria língua, bem como parônimos e sinônimos também podem ser apontados como principais dificuldades que o tradutor encontra na realização de seu ofício. “[…] uma das principais culpadas das cincadas de tradução é a etimologia […], […] em face da diferenciação nas nações,uma mesma palavra ganha vários sentidos novos no decorrer de sua evolução […]” (RÓNAI, 2012, p.42) Etimologicamente, muitas palavras de diferentes idiomas tiveram a estrutura base de suas palavras originadas de um mesmo prefixo e, na sua origem com um único valor semântico. No entanto, a língua por ser um artefato cultural e que se transforma ao longo do tempo ao encontro das necessidades de uma determinada sociedade, atribui novos valores semânticos para palavras, etimológica e originalmente com significados distintos. “Essa diversificação de sentido, a que se dá o nome de polissemia, faz com que a uma palavra possam corresponder diversos equivalentes segundo o contexto. Ora, palavras cognatas de duas línguas quase nunca apresentam polissemia no mesmo grau.” (RÓNAI, 2012, p.43) A polissemia é definida, portanto, como as diversas possibilidades semânticas que uma palavra pode possuir quando traduzida para um novo idioma. Nesse sentido é necessário e indispensável que o tradutor, considere primordialmente, não apenas os valores conotativos, mas também os denotativos que são aqueles que, por mais que não constem em dicionários formais, ainda assim possuem valor semântico para uma determinada comunidade. Tais valores, muitas vezes, durante a tradução de um idioma para o outro se torna mais dificultoso do que apenas realizar comparações entre as variações de um mesmo idioma. “[…] o francês vagabound traduz-se em português por “vagabundo”, mas este tem uma conotação pejorativa que falta à variante francesa, e, portanto, se verte para o francês, em muitos casos, para uma palavra totalmente diversa.” (RÓNAI, 2012, p.44) Aqui temos um exemplo de denotação, pois, no Brasil, por exemplo, se atribui a carga semântica negativa a palavra vagabundo, e na França, entre outros significados há o de “viajante”. Percebe-se, portanto que, o tradutor, muitas vezes se deparará com situações em que poderá não haver uma acepção totalmente correspondente. No exemplo citado, considerando as informações supramencionadas, teríamos uma tradução para a língua portuguesa, com valor semântico igualitário, no entanto, se o tradutor se atentasse apenas aos aspectos etimológicos e cognatos da palavra, certamente, em uma tradução como a exemplificada, cometeria “o erro” ao atribuir valor semântico pejorativo a um personagem viajante. “Os falsos amigos muitas vezes são palavras de origem comum, cujo sentido se distanciou por efeito da evolução semântica diferente”. (RÓNAI, 2012, p.45) Isso é resultante das denotações que ocorreram e ocorrem ao longo da história, especialmente com as expansões de territórios e exploração de locais já povoados e com um idioma já articulado. As trocas culturais ocorriam não apenas nos costumes, mas também na atribuição de significados das palavras. A denotação é, então, um dos aspectos mais delicados no momento da tradução, pois, é muito difícil conhecermos todos os aspectos do idioma pai, principalmente porque um idioma apresenta variações linguísticas ocasionadas por fatores internos e externos a língua. Outrossim, há as variações regionais que podem também implicar valores semânticos diferentes a uma palavra que também é utilizada na região do tradutor. Se é difícil, muitas vezes, compararmos as acepções semânticas dentro de um mesmo idioma, por suas variações, maior dificuldade terá o tradutor em considerar palavras com ortografia semelhantes em idiomas diferentes. Por isso que, o conhecimento dos falsos cognatas se mostra essencial para garantir uma tradução que caminhe ao encontro do sentido “fiel” do original, evitando, portanto, traduções, muitas vezes que soam como absurdas. “Com pouco chegamos aos parônimos, que, segundo Jean Maillot, são palavras do mesmo radical [ou] […] palavras semelhantes com sentidos totalmente diferentes” (RÓNAI, 2012, p.53) Muito frequentemente, como coloca Rónai, ocorre de, algumas vezes, os escritores de obras originais cometerem erros parônimos, com a utilização de palavras que, ortográfica e fonologicamente falando possuem escrita e pronúncia muito similar, no entanto, com significados totalmente diferentes, como as palavras parônimas ‘descrição’ que remete a ideia de caracterizar, falar sobre algo e ‘discrição’ que remete a ideia de manter-se omisso sobre algo. “E os sinônimos, palavras de sentido idêntico ou quase idêntico?” eles representam outro tipo de emboscada. Por não haver sinônimos perfeitos, eles são permutáveis em todos os enunciados. […] (RÓNAI, 2012, p.53) O diminuitivo de pai, no português refere-se a palavra ‘pai’ acrescida da vogal de ligação ‘z’ + sufixo ‘inho’. Temos dessa forma uma ideia gramatical de diminuitivo e que remete semanticamente falando diversos significados. O significado de um pai literalmente pequeno é pouco usual, mesmo se considerarmos contextos de diferentes regionais de nosso Brasil. Em uma tradução para o inglês, seria necessário para perpassar a ideia supramencionada de ‘paizinho’, a presença do adjetivo little seguido da palavra father que, em tradução literal para a língua portuguesa, teríamos a expressão ‘pequeno pai’. Percebe-se que, não há na língua inglesa uma palavra que, sozinha, corresponda a ‘paizinho’, na língua portuguesa. E isso explica a acepção singular que os nativos da língua inglesa construíram ao longo da história para expressar as ideias intrínsecas em ‘litlle father’. Tais reflexões são necessárias pois, quando não há na língua traduzida uma palavra correspondente na língua de origem, será necessário a utilização de um sinônimo da língua de origem que corresponda a ideia no idioma a ser traduzido, no entanto, é necessário que o tradutor estude o que, normalmente orbita no imaginário de sua comunidade quando esta pensa sobre determinada palavra a ser utilizada como sinônimo. Seria, esta palavra a ideal para representar algo no idioma para o qual será traduzido? “Outra série de problemas é constituída pelas palavras holofrásticas. Dá-se o nome holófrase às palavras que exprimem noção peculiar a um idioma” (RÓNAI, 2012, p.54). No Brasil, por exemplo, usamos as palavras cunhado ou cunhada para nos referirmos aos irmãos de alguém que nos relacionamos mais intimamente, no entanto, em russo, há quatro possibilidades, pois as acepções conotativas e culturais da língua, perpassam a ideia de diferentes maneiras, considerando não apenas o sexo das pessoas, mas também se tal pessoa é integrante da família do homem ou da mulher. Diante dos pontos supramencionados que implicam em problemas na arte de traduzir, é essencial que o tradutor conheça a fundo sobre estes, e considere especialmente a denotação refletida tanto no idioma de origem quanto naquele para o qual será traduzido. Capitulo 03 Os limites da tradução e Usos e abusos da tradução "O capítulo anterior [...] poderia ter dado a algum leitor distraído ou apressado a impressão de que traduzir é vencer uma série de dificuldades isoladas, encontrando equivalências para cada palavra ou expressão do original" (RONÁI, 2012, p. 71). A tradução consiste em considerar os diversos elementos sintáticos e semânticos já fichados no capítulo anterior, no entanto, deve cumprir o papel de traduzir a comunicação intrínseca, nas palavras. Em palavras mais simples, a tradução não consiste em considerar apenas os aspectos internos de duas línguas, mas também aqueles relacionados à comunicação de forma geral, incluindo os elementos de pontuação que podem ter significados distintos entre a língua com texto original e aquela para o qual será traduzido. "[...] a comunicação é completada pela entoação, por gestos e por jogos fisionômicos. Cada língua faz uso diverso desses meios complementares da linguagem" (RONÁI, 2012, p. 72). Dessa forma, o tradutor terá de ler quantas vezes forem necessárias o texto original com o objetivo de inferir intimamente as possibilidades possíveise dentre estas, a mais próxima, daquilo que o autor realmente quer perpassar na forma de pronunciar as palavras e atribuir-lhe sentido. Na língua chinesa, por exemplo, há a presença de palavras homônimas homógrafas, ou seja, possuem exatamente a mesma grafia, no entanto, refletem significados distintos apenas pela forma de entonação. A própria gesticulação ou comunicação corporal de forma geral, consegue perpassar no imaginário do leitor, como que uma determinada personagem se sentia ao proferir uma palavra. "[...] pois a língua escrita também possui recursos acessórios além das palavras. São, em primeiro lugar, os sinais de pontuação" (RONÁI, 2012, p. 73). A entonação é, muitas vezes marcada pela presença de elementos da língua, como os sinais de pontuação. Na língua portuguesa, por exemplo, utilizamos do sinal '?' para sentenças interrogativas. No entanto, quando está se refere a uma sentença muito longa, não conseguimos perceber precocemente que se trata de uma interrogativa e tendemos a realizar tal entonação somente no final da frase. Em contrapartida, no castelhano, ocorre a presença no início e ao final de frases interrogativas. "Mas assim como os elementos da linguagem silenciosa, os sinais tipográficos podem mudar de sentido conforme o país" (RONÁI, 2012, p. 75). A cultura reflete, em sua totalidade as peculiaridades apresentadas por um povo, nas mais diferentes áreas da sociedade, e por esse motivo, nem sempre elementos que em nosso imaginário poderiam ser considerados como universais, como o balançar da cabeça para cima e para baixo que entendemos como um sinal afirmativo, ou mesmo a utilização de vestes pretas para caracterizar o luto a um ente querido, devem ser traduzidos na concepção de que se trata de um ideal universal. "Nos livros ingleses, ele [travessão] não indica nem o começo nem o fim da fala (marcados ambos por aspas), ficando seu uso restrito a marcar uma pausa (de suspensão, surpresa ou espanto) ou a introduzir uma proposição incidente." (RONÁI, 2012, p. 76). Um exemplo de um sinal de pontuação que tem funções diferentes entre as línguas portuguesa e inglesa, é o travessão. Normalmente, este é utilizado em nossa língua, como um elemento que abre a fala para algum personagem em uma narrativa. Entretanto, nos Estados Unidos, o mesmo é utilizado com o objetivo de marcar pausas específicas durante a leitura com a ideia de pausa, espanto, bem como de suspensão. "[...] ao contrário, quando um autor adota pontuação pessoal, divergente da em geral adotada, o bom tradutor tentará conservar essa particularidade em sua versão." (RONÁI, 2012, p. 77). Muitas vezes, o tradutor, além de conhecer as especificidades de um idioma, deverá também conhecer mais intimamente a forma em que o autor costuma escrever em suas obras para entender a complexidade e particularidade com que muitos autores escrevem. Cap 04 Usos e abusos da tradução “[…] na prática. […] a tradução se apresenta como uma operação de muitas faces, que envolve aspectos comerciais técnicos, psicológicos, etc.” (RONÁI, 2012, p. 107) Normalmente ao falarmos de tradução pensamos essencialmente nos aspectos intelectuais que um bom tradutor deve possuir para perpassar os ideais que equilibram a versão original com aquilo que é relevante em ser adaptado para a cultura local. No entanto, estes aspectos que são de extrema importância para garantir a qualidade de uma boa tradução, são muitas vezes, influenciados negativamente por fatores comerciais que demandam uma rapidez da tradução, o que nem sempre contempla proporcionalmente a qualidade do serviço. “Mas de uns vinte anos para cá a influência crescente dos meios de comunicação vem contribuindo para o abandono progressivo da literatura de alta classe em prol dos eventuais “best-selles”, mesmo com prejuízo de qualidade.” (RONÁI, 2012, p. 109) Honestamente, por mais que essas laudas não sejam destinadas para que eu possa expor “abertamente” sobre minha opinião, me incomoda encontrar na literatura científica, ideais que supervalorizam uma época, bem como o espirito que ali existia. É inevitável que todos os ideais os quais caracterizam o que o cânone da literatura considera ser literário não sofram alterações ao longo da história. Não seria as obras literárias o reflexo da percepção que o autor tem sobre aquilo que acontece com o meio o qual a cerca, especialmente com o que ocorre com o homem? É inevitável que as mudanças não ocorram e, nesse sentido, em que consiste a ideia de que a literatura escrita em períodos anteriores aos best-selles são superiores a estes atuais escritos? Por que não valorizar aquilo que nossos escritores da atualidade percebem como reflexo do comportamento do homem e da própria sociedade? Se no momento atual, os autores refletem aquilo que o cerca com aspectos ficcionais, quais os parâmetros que fundamentam inferioridade quando comparados com “os cânones da literatura”? Por que superestimar os aspectos essencialmente culturais de vinte anos atrás e crer que os atuais que são refletidos em uma perspectiva ficcional não são bons os suficientes? Me pergunto como mero acadêmico destituído de muito conhecimento literário, se as concepções enraizadas não poderiam abrir espaço para novas reflexões sobre o que é Literatura. “Os editores tentam garantir a recuperação rápida de seus investimentos, procuram obras de escoamento certo, e para isso querem aproveitar-se da propaganda internacional, enquanto quente. Importa, pois que a obra do momento seja publicada quanto antes e, para consegui-lo, faz-se tudo, inclusive, nalguns casos, aumenta-se o honorário do tradutor. A vítima n° 1 é o livro. […]” (RONÁI, 2012, p.109) Um exemplo do contexto supramencionado são os seriados de TV, os quais, por terem uma propagação altamente significativa devido aos serviços de streaming, são rapidamente popularizados, especialmente entre os jovens. Muitos destes seriados são inspirados em romances e, quando o sucesso do seriado é certo, há crescimentos gritantes de pessoas dos diversos lugares do mundo buscando adquirir a obra que inspirou uma a série da qual tanto se popularizou. A urgência em destinar obras traduzidas para o idioma das diferentes regiões é alarmante, levando as editoras a apressarem as publicações devido ao calor do momento. O fato, implica diversas consequências, especialmente àquelas em que foram discorridas no capítulo anterior. “O que se deve desaconselhar, especialmente é a tradução feita direto sobre o texto sem uma leitura prévia: […]”, […] lido o original com antecedência, marcados os vocábulos difíceis, esclarecidos as alusões, ele não precisará mais interromper o seu serviço e estará em condições de executá-lo num ritmo uniforme, podendo calcular-lhe a duração com exatidão razoável.” (RONÁI, 2012, p.110, 111). Nem sempre, especialmente quando o texto a ser traduzido é literário, é possível que, o tradutor consiga traduzir simultaneamente a obra, sem ter lido previamente a mesma completamente. Na esperança de “ganhar tempo para traduzir”, isso pode se tornar um problema maior e necessitar de bem mais tempo do que levaria, no caso de o tradutor ter realizado uma leitura completa para compreender a obra e os seus contextos. É indispensável para a qualidade da tradução que o profissional a leia, marque vocábulos desconhecidos e, busque compreender seus significados. “Este caso, leva-me a examinar dois problemas da tradução literária: o do recurso a uma língua intermediária quando o tradutor desconhece a língua do original, e o da adaptação.” (RONÁI, 2012, p.112). A tradução intermediária, torna-se um mal necessário, pois existem obras que possibilitam reflexões significativas para o ser humano, no entanto, infelizmente são e/ou foram escritas por nativos que pertencem a uma sociedade com falantes numericamente reduzidos. Como vimos até então, traduzir éuma arte, mas nem todos são artistas. Não é necessário apenas ser nativo/falante de um idioma, mas também conhecer os diversos aspectos fichados no capítulo anterior. Outrossim, a tradução, pelo menos não deveria se restringir apenas à aspectos técnicos; um tradutor deve conhecer a máximo possível da literatura universal e se possível, ter uma imaginação artística, afinal a tradução pode ser vista como a arte de perpassar sensações na imaginação dos leitores, mesmo utilizando da percepção e compreensão de um intermediário. À vista desses perigos da tradução direta, não seria preferível, no caso dos originais inacessíveis ao tradutor, recorrer ao método do trabalho a quatro mãos? (RONÁI, 2012, p.114). Muitos tradutores por desconhecerem a língua original em que uma obra foi publicada, podem recorrer a tradução da tradução, ou seja, traduz sobre a perspectiva da tradução de outro profissional, o que pode tornar a qualidade da tradução no que diz respeito aos aspectos de proximidade adequada e ideal do original, duvidosa. Rónai, coloca que, em casos excepcionais, o tradutor pode recorrer ao método trabalho a quatro mãos, no qual, um nativo, mesmo sem ser tradutor, no entanto conhecedor dos aspectos linguísticos da língua e com sensibilidade estética, realiza a tradução e em seguida, esta é revisada pelo tradutor que deve ter pelo menos, o mínimo de conhecimento possível do idioma original da obra. “[…] paradoxalmente, o tradutor plagiário admite que o seu predecessor fez excelente trabalho, e por isso vai pilhando-o sem qualquer preocupação, e ao mesmo tempo, dá ideia de que esse trabalho não merece respeito.” (RONÁI, 2012, p.116). A tradução da tradução, além de tornar duvidosa a fidedignidade da obra traduzida, não dá a real credibilidade da pessoa a qual realizou a primeira tradução sobre a obra original. Ao mesmo tempo em que o tradutor da tradução, realiza o trabalho, admite que o trabalho está muito bem feito, no entanto, não irá dar os créditos devidos, pois isso refletiria, em muitos casos, a incapacidade não admitida que possui para realizar tal exercício. “[…] uma excelente tradutora italiana de Hemingway queixa-se de que o revisor riscou todas as repetições do tipo he said e she said tão características do autor.” (RONÁI, 2012, p.120). Um outro aspecto que pode dificultar a fidedignidade da obra traduzida com a obra original é a revisão realizada por outra pessoa que, algumas vezes, pode não se dar ao trabalho de compreender contextualmente a narrativa, tampouco se atentar a aspectos externos a obra, como as características peculiares do autor. Muitas vezes, a ênfase que é atribuída a expressões, aparentemente irrelevantes, e que pode ocorrer de ser removida, traz consigo o contexto que fará toda a diferença para o desenrolar da história. Outras vezes, essa característica também pode se tornar importante por diferentes motivos, muitos destes desconhecidos por quem se dispõem a revisar uma tradução. “O título é uma unidade completa em si, e tem de transmitir uma mensagem e um impacto, no conjunto de suas poucas palavras” (RONÁI, 2012, p. 122). Em todas as vezes o tradutor necessita ter sensibilidade estética e artística para traduzir, especialmente o título da obra. Nem todas as vezes, a tradução literal conseguirá contemplar tudo o que a obra original pretende perpassar através de seu título e, nesse momento o tradutor poderá ou não optar por domesticar o título, ou seja, fazer alterações que, no contexto ao qual a obra está sendo traduzida tenha carga semântica mais significativa para o público do novo idioma. Para tanto, a sensibilidade artística e o bom senso são critérios essenciais e indispensáveis, especialmente nesse momento. “Às vezes, a alteração deixa-nos intrigados. Vidas Secas parece bem expressivo: entretanto, o editor alemão, sem consultar ao tradutor Willy Keller, mudou em Nach Eden ist weit (“O caminho é longo até o Éden”)”. (RONÁI, 2012, p.129). Um aspecto muito importante e que não deveria ser desconsiderado é o fato do tradutor se atentar a não fazer traduções com viés que, por mais que universalmente conhecidos, não façam parte da cultura de todas as pessoas de diferentes sociedades. Na citação supramencionada, por exemplo, o tradutor utilizou de um viés com perspectiva religiosa para traduzir uma obra que, em sentido nacional, não traz em sua essência uma semântica religiosa em seus contextos, pelo menos, não enfaticamente para que o título deixe explicito tão enfaticamente. Capítulo 05 As falácias da tradução “UMA DAS FALÁCIAS DA TRADUÇÃO é a ilusão de poder aprendê-la por tratados. Ora, como organizar um manual de tradução, se esta arte (ou ofício, se querem) escapa a toda sistematização? Na verdade, a tradução aprende-se traduzindo” (RONÁI, 2012, p.133). Entre os muitos conflitos que abordamos ao longo dos capítulos já fichados, nos deparamos com a tentativa de se sistematizar um método para que a tradução possa possibilitar a fidelidade idealizada. Theodory Savory é responsável por sistematizar um método tratadista o qual classifica os textos a serem traduzidos em quatro categorias: informações de caráter prático, obras literárias comuns, grandes obras literárias e textos técnicos científicos. Outrossim, Savory ainda coloca que o tradutor deve responder três perguntas que ao seu ver são fundamentais e essenciais para que a tradução cumpra seu papel ideal: “que é que o autor diz?”, “que foi que ele quis dizer?” e “como disse?”. No entanto, para Rónai, o método se mostra falho por n motivos e, este não acredita na possibilidade de se sistematizar um método único, no entanto, utilizar diversas estratégias que podem ser particulares de cada tradutor. “[…] e assim, o problema ficaria reduzido ao terceiro grupo, o das obras de artes literárias”. (RONÁI, 2012, p.134). Ainda na percepção de Savory, entre suas categorias elencadas, somente as grandes obras de cunho literário é que requerem mais do que um tradutor pode facilmente oferecer, pois é necessário mergulhar profundamente na percepção do autor e tentar considerar o máximo possível como que os nativos da língua da obra original receberiam a frase, o parágrafo, a lauda ou mesmo o capítulo da obra. “Outro ensaísta, este alemão, Julius Wirl, em Problemas básicos da interpretação e da tradução, procede também à classificação dos originais que divide em textos específicos […] e não específicos, o que nós chamaríamos de literários. Quanto aos primeiros, eles são de traduzibilidade absoluta; quanto aos segundos, são na verdade, aproximações não havendo uma tradução perfeita para nenhuma obra literária” (RONÁI, 2012, p. 140). O que é consenso entre a maioria dos profissionais que trabalham com tradução de obras, especialmente, literárias, é a dificuldade de diferentes naturezas em perceber e compreender a obra de forma idealizada. Nesse sentido, o primeiro questionamento a ser refletido seria quais os critérios que definiriam uma tradução ideal. São muitas as discussões, cada estudioso apresenta suas fundamentações e motivos na tentativa de justificar seu pensamento. “Qualquer leigo, se interrogado, deve responder-nos que o primeiro dever da tradução é ser fiel ao original” (RONÁI, 2012, p.150). E se pedíssemos o mesmo autor para reescrever um capítulo de um se seus romances, será se este seria igual em todos os aspectos do texto original escrito há 10 anos, por exemplo? Provavelmente, não. Isso porque a escrita não implicaria apenas em aspectos intrínsecos a própria obra, mas sim e, talvez, principalmente, ao fato daquele autor de dez anos atrás não ser mais o mesmo da atualidade. A forma de encarar os fatos da vida e, muito provavelmente de encarar o contexto daquele capítulo específico poderá ter mudado, logo a escrita, poderá ser diferente, pois refletirá a percepção atual de quem o autor é e de como percebe o mundoe, consequentemente, reflete em sua obra. Disso, concluímos que uma tradução nunca é ideal, e por esse motivo, não pode ser fiel ao original. São n aspectos como os fichados em capítulos anteriores que devem ser considerados. “O que nos faz escolher uma ou outra dessas traduções é o conhecimento que temos da situação graças ao trecho anterior, isto é, o parágrafo a que a frase pertence. […]” (RONÁI, 2012, p. 151). Já ficou claro que, a tradução literal não é de longe a forma adequada para se realizar a tradução de textos, especialmente quando se trata de um texto literário. A tradução, deve ocorrer de forma contextual. Nesse sentido, muitas vezes, será necessário, mesmo depois de realizar uma leitura prévia e anotar vocabulários desconhecidos e buscar seus significados, que o tradutor não utilize de períodos curtos para realizar seu ofício, mas considerar, o capítulo inteiro para compreender em que contexto aquela ideia está incumbida. Nem sempre, apenas a leitura da lauda anterior e posterior será suficiente para a tradução ser efetiva. “O tradutor mais fiel, já disse, seria aquele que, graças a uma capacidade excepcional, estivesse em condições de esquecer as palavras da mensagem original e, logo depois, de lembrar-se de seu conteúdo, para reformulá-la na sua própria língua, de maneira mais completa” (RONÁI, 2012, p.152). Nessa perspectiva, de acordo com Rónai, os aspectos contextuais seriam considerados acima de qualquer outro, entretanto, aspectos estruturais linguísticos, os quais, em textos literários, normalmente, refletem uma importância muito significativa, especialmente em poesias, seriam perdidos. Em conclusão, uma tradução nunca será ideal ou perfeita e não há consenso na literatura quanto a um método perfeito a ser seguido. Destarte, é necessário, sobretudo, considerar aspectos culturais originais, no entanto, se necessário, contextualizar na obra traduzida quando aquele elemento não for conhecido pela cultura local. REFERÊNCIAS RÓNAI, P. A tradução vívida. Definições da tradução e do tradutor. RÓNAI, P. A tradução vívida. As armadilhas da tradução.2012 RÓNAI, P. A tradução vívida. Os limites da tradução.2012 RÓNAI, P. A tradução vívida. Usos e abusos da tradução.2012 RÓNAI, P. A tradução vívida. As falácias da tradução.2012
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