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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ CENTRO DE ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E EDUCAÇÃO LICENCIATURA EM HISTÓRIA DIEICY TAYNARA LISBOA Saúde dos escravos da região de Minas Gerais durante o Brasil colonial de acordo com o Tratado I do Erário Mineral (1735) UNIÃO DA VITÓRIA – PR 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ CENTRO DE ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E EDUCAÇÃO LICENCIATURA EM HISTÓRIA DIEICY TAYNARA LISBOA Saúde dos escravos da região de Minas Gerais durante o Brasil colonial de acordo com o Tratado I do Erário Mineral (1735) Projeto de Pesquisa apresentação à disciplina de Iniciação a Pesquisa Histórica, do curso de História da Universidade Estadual do Paraná, como parte do processo de avaliação. Professora e Orientadora: Naiara Krachenski UNIÃO DA VITÓRIA – PR 2020 INTRODUÇÃO Neste trabalho buscamos entender as questões da saúde dos escravos no período colonial brasileiro, a fonte utilizada para esta pesquisa será o Tratado Erário Mineral de Luís Gomes Ferreira, publicado em Lisboa no ano de 1735. Ainda é necessário entender a mentalidade e de forma sucinta a sociedade daquela época, que estava em uma constante busca pelo ouro e diamantes, e também as noções básicas de medicina do século XVIII. A escravidão de negros no Brasil teve seu início com a produção açucareira já no século XVI, e vai durar oficialmente até 1888, com a abolição da escravatura pela Lei Áurea. Através da historiografia podemos esboçar um panorama da escravidão no período anterior a publicação do Tratado Erário Mineral, e pensar em que condições ela se estruturou. O período de exploração de ouro e mais tarde de diamantes demandou uma enorme quantidade de mão-de-obra especializada, que precisava ser reposta com frequência, pois o trabalho nas minas era árduo e deixava muitos escravos mortos ou lesionados. Sendo assim, o período de exploração aurífera exigiu um maior tráfico de escravos africanos para essas regiões. O período de exploração aurífera levou muitas pessoas a abandonarem tudo para tentar a sorte com o ouro, como aconteceu com o cirurgião português Luís Gomes Ferreira, que se mudou para a região mineira do Brasil com a intenção de enriquecer explorando ouro, como isso não aconteceu ele teve que exercer sua profissão de cirurgião, por necessidade financeira, e acabou se tornando muito famoso por seu trabalho e suas curas. O Erário Mineral é um tratado médico dividido em duas partes, escrito pelo cirurgião-barbeiro Luís Gomes Ferreira, formado em cirurgia pelo Hospital Real de Todos os Santos em Lisboa. Luís Gomes Ferreira escreveu o tratado durante sua estadia na região de mineira do Brasil, onde ficou por cerca de vinte anos exercendo sua profissão, até que em 1731 retorna a Portugal. Erário Mineral é publicado em 1735, e infelizmente as vendas do livro não atingem o esperado, já que o livro trata de doenças e curas muitos específicas do clima e ambiente brasileiro, não podendo servir para os moradores de Portugal. O livro é vendido com maior frequência para o Brasil ou quem costuma visitar o Brasil. O livro Erário Mineral é divido em dois tratados, e cada tratado é dividido em capítulos, que contam várias lesões e doenças que Luís foi chamado para atender e quais remédios ele usou para obter a cura. O foco desse trabalho será na saúde dos escravos e suas causas, e como o proprietário buscava ajuda médica apenas para os escravos mais fortes e que, consequentemente fariam mais falta à casa grande ou a exploração aurífera. Para o presente trabalho, fizemos a leitura apenas do primeiro Tratado contido no Erário Mineral, e com um foco maior nos atendimentos que Luís Gomes Ferreira realizou em escravos. O Tratado é uma ótima ferramenta para analisar a sociedade brasileira e de forma mais pessoal a sociedade mineira do período colonial, de forma mais centrada nas condições de saúde da população escrava. 1. A saúde dos escravos A sociedade colonial daquele período era divida entre os grandes senhores que correspondiam a elite, que apesar de serem um número menor eram detentores de todo o poder, e entre os escravos africanos, cuja vida era marcada pela violência e eram a maioria dos trabalhadores desse período. Entre essas duas camadas, encontramos aqueles que pertenciam ao meio termo, poderiam ser escravos alforriados, mestiços, índios, camponeses ou artesãos. Toda a sociedade de minas irá se desenvolver sob as perspectivas da exploração do ouro e suas demandas e consequentemente sobre as noções escravagistas da época. O período de exploração de metais preciosos na região mineira demanda uma enorme quantidade de mão de obra, que de forma alguma poderia ser suprido naturalmente, e toda ela será abastecida com escravos trazidos da África. O tráfico de escravos vai crescer exponencialmente e, com isso cada vez mais acessível o valor de compra dos escravos vai se tornar. Desde o início da escravidão é possível perceber a relação de dependência que os senhores tinham dos serviços de seus escravos, tudo na casa grande era realizado por eles. Como o valor de compra dos escravos era baixo se considerado com o lucro que o senhor obteria com sua expectativa de vida nas minas, muitos senhores nem chegavam a procurar ajuda médica para seu escravo, e em muitos casos ainda, desacreditavam de suas queixas. Jardim diz a respeito que: [...] não lhe vinha prejuízo algum, pois quando comprava um escravo, era só com o intuito de desfrutá-lo durante um ano, tempo além do qual poucos poderiam sobreviver; mas que não obstante, fazia-os trabalhar por tal modo, que chegava não só a recuperar o capital neles empregado, porém ainda a tirar lucro considerável. 1 Ademais, os cuidados oferecidos aos escravos eram custosos ao senhor, roupas e higiene adequados não eram nenhuma prioridade. E como citado acima, dificilmente o senhor acreditaria que o escravo estivesse doente, na certa imaginaria que era uma desculpa para não trabalhar, recorrendo a ajuda médica apenas quando já fosse tarde demais. Um grande problema enfrentado por toda a colônia será a falta de médicos e cirurgiões, e a região mineira por ser uma região recém descoberta e ainda sem habitantes fixos, também sofrerá com essa escassez. Gomes Ferreira vai justificar 1 JARDIM, David Gomes. Algumas considerações sobre a higiene dos escravos. Tese apresentada à Faculdde de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1847. p. 12. sua atuação como médico e boticário, mesmo sendo habilitado apenas para praticar a função de cirurgião, pela falta de profissionais na região. No trecho a seguir podemos ver como Gomes Ferreira esclarece a sua atuação sem formação: Se for censurado por escrever da Medicina sendo professor de Cirurgia, respondo que a Cirurgia é parte inseparável da Medicina; e demais que, nas necessidades da saúde, os cirurgiões suprem em falta os senhores médicos, [...] o meu intento não é satisfazer políticas, mas sim remediar necessitados. 2 Como visto anteriormente, alguns médico e cirurgiões exerciam as duas funções por uma questão de necessidade. Por essa mesma questão que os médicos, cirurgiões e boticários recorriam a ervas, raízes e outros alimentos em geral, com propriedades curativas nativos do Brasil para compor os seus remédios, mesmo que no início não fossem bem vistos. O Brasil foi o lugar onde diversos saberes médicos se encontraram, o dos indígenas, dos africanos e dos portugueses. No decorrer de seu Tratado I, Gomes Ferreira nos apresenta um lado contrário às condições oferecidas aos escravos naquela época, e chega a dizer a um senhor a respeito de seu escravo que: “Se lhe dê boa cobertura, casa bem recolhida e o comer de boa sustância, que nisso pecam muitoos senhores de escravos que hão de dar conta a Deus3”. Ligado a negligência aos escravos a um pecado, assim como faziam alguns jesuítas. A partir desse conselho oferecido por Gomes Ferreira podemos constatar a situação dos escravos nesse período. Que seria uma longa jornada de trabalho, alimentação insuficiente, vestimenta inadequada e uma precária moradia, tudo isso combinado só poderia acarretar em uma saúde instável e frágil. A esse respeito Luís Gomes Ferreira declara: Outrossim, advirto que os senhores vão ver os seus escravos quando estiverem doentes e lhes façam boa assistência, porque nisto lhe darão muito confiança e consolação, metendo-lhes ânimo e esforço para resistirem melhor à doença; e se assim o não fizerem, como há muitos que tal não fazem, enchem-se tais de confusão, vendo que não têm outro pai, e se deixam ir passando sem comer, ainda que lhe mandem, até que ultimamente morrem, o que digo pelo ter visto assim suceder; e assim, por conveniência, como por obrigação, devem trata-los bem em saúde e melhor nas doenças, não lhes faltando com o necessário, que desta sorte farão o que devem, serão bem servidos, terão menos doenças, mais conveniência, experimentarão menos perdas e terão menos contas que no dia deles 4 . 2 FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral/ Luís Gomes Ferreira; org. Júnia Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. p. 184. 3 FERREIRA, Luís Gomes. p. 258. 4 FERREIRA, Luís Gomes. p. 258. Como vemos diante dessas palavras de Gomes Ferreira, ele acredita que o melhor tratamento aos escravos evitaria muitas doenças, e se já doentes os cuidados os curariam mais depressa. Também estariam mais dispostos ao trabalho e mais conformados com sua situação de escravo5. Sendo assim, o cuidado com a saúde dos escravos, caso ele existisse, sempre estaria ligado com uma preocupação com os lucros e maiores rendimentos, e em segundo plano com um afligimento caso desagradasse a Deus. Na grande maioria dos tratamentos médicos ou cirúrgicos que Gomes Ferreira realizou no Tratado I, as preocupações dos senhores eram as mesmas: perder um escravo forte e robusto que faria falta na exploração das minas. A preocupação econômica costumava vir antes da afetiva, caso ela existisse. Gomes Ferreira nos oferece ainda através de seu Tratado, uma nova perspectiva, a da saúde, para observar o cotidiano dos escravos, como relata a seguir: As pontadas lhe precedem, umas vezes, por causa de grande enchimento de humores frios em todo o corpo, que é comum; outras vezes, por causa de resfriamentos e constipação dos poros fechados; outras, por causa da circulação e mais líquidos se retardarem e andar mais vagarosa do que convém, ou estar quase parada; outras vezes, por causa de alguma obstrução, ou também por causa de grandes frios que hajam neste tempo; e muito poucas vezes sucederá haver pontada por causa de abundância de sangue. Os enchimentos lhes procedem por causa de comerem tarde, fora de horas, que comumente é depois de meia-noite e depois de dormirem, malcozidos e de diversas qualidades, e também por ser em muita quantidade, que tudo isso conduz a haver muitos enchimentos no estômago e no corpo. As obstruções também lhes procedem das mesmas causas, porque, aonde há maus cozimentos no dito estômago, há muitas cruezas nele, e dele passam a fazer as obstruções e enchimentos de humores no corpo e outras muitas doenças, e também por causa de serem muitos dos seus mantimentos frios, flatulentos, malcozidos, por cuja razão indigestos 6 . Como já mencionado anteriormente, as próprias condições que os escravos das minas estavam inseridos era o suficiente para lhe causarem as diversas doenças que Gomes Ferreira relatou em seu tratado, além de que as noções de higiene nessa época eram muito antiquadas. Com a abolição do tráfico e da escravidão, houve um aumento no valor dos escravos e sendo assim, seria mais lucrativo oferecer o mínimo de condições do que perdê-lo para alguma doença. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisar a obra Erário Mineral de Luís Gomes Ferreira percebemos como ela consegue abordar diversas questões, como as doenças, as formas de cura, a 5 EUGÊNIO, Alisson. Relatos de Luís Gomes Ferreira sobre a saúde dos escravos na obra Erário mineral (1735). História, Ciência, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.3, jul-set. 2015, p. 885. 6 FERREIRA, Luís Gomes. p. 239-240. hierarquia médica, a organização social no Brasil Colônia, a realidade dos escravos das minas, entre outras diversas questões. Sendo dessa forma, uma fonte muito rica de informações e material para a realização de pesquisas em diversas áreas, pois é capaz de oferecer a partir de sua leitura acesso à imagem dessa sociedade em seu dia-a-dia. Assim sendo, Junia Ferreira Furtado reforça que: O Erário Mineral revela que sua maior riqueza no calidoscópio de leituras que seus conteúdos nos abre, fornecendo ricas informações não só sobre as doenças e suas práticas curativas, mas também sobre costumes e características da região das Minas Gerais, no século XVIII. Aborda um leque de temas que abarca desde o dia-a-dia dos escravos, o sistema de mineração aurífera, as crenças, a alimentação, a vida familiar, dentre inúmeros outros 7 . A obra Erário Mineral ainda possuiu a função de um tratado médico acessível naquele período, podendo chegar onde médicos e cirurgiões não conseguiam. E não tem como deixarmos de citar a importância que teve o discurso de Luís Gomes Ferreira ao criticar as condições oferecidas aos escravos no período que permaneceu no Brasil. 7 FURTADO, Junia Ferreira. Arte e segredo: o Licenciado Luís Gomes Ferreira e seu caleidoscópio de imagens. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral/ Luís Gomes Ferreira; org. Júnia Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002, p. 27. REFERÊNCIAS BADINELLI, Isaac Facchini. Saúde e Doença no Brasil Colonial: Práticas de cura e uso de plantas medicinais no Tratado Erário Mineral de Luís Gomes Ferreira (1735). Florianópolis, 2014. CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. O Trabalho na Colônia. In: História Geral do Brasil. 9° ed. rev. e atual. 20° reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990. EUGÊNIO, Alisson. Relatos de Luís Gomes Ferreira sobre a saúde dos escravos na obra Erário mineral (1735). História, Ciência, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.3, jul-set. 2015, p.881-897. FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral/ Luís Gomes Ferreira; org. Júnia Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. FURTADO, Junia Ferreira. Arte e segredo: o Licenciado Luís Gomes Ferreira e seu caleidoscópio de imagens. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral/ Luís Gomes Ferreira; org. Júnia Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. JARDIM, David Gomes. Algumas considerações sobre a higiene dos escravos. Tese apresentada à Faculdde de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1847. SANTOS, Gabriela Lira dos. A saúde dos escravos no período da América portuguesa colonial através do Tratado Erário Mineral (1735). Florianópolis, 2019.
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