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HISTÓRIA DO BRASIL POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 2 O inteiro teor desta apostila está sujeito à proteção de direitos autorais. Copyright © 2019 Loja do Concurseiro. Todos os direitos reservados. O conteúdo desta apostila não pode ser copiado de forma diferente da referência individual comercial com todos os direitos autorais ou outras notas de propriedade retidas, e depois, não pode ser reproduzido ou de outra forma distribuído. Exceto quando expressamente autorizado, você não deve de outra forma copiar, mostrar, baixar, distribuir, modificar, reproduzir, republicar ou retransmitir qualquer informação, texto e/ou documentos contidos nesta apostila ou qualquer parte desta em qualquer meio eletrônico ou em disco rígido, ou criar qualquer trabalho derivado com base nessas imagens, texto ou documentos, sem o consentimento expresso por escrito da Loja do Concurseiro. Nenhum conteúdo aqui mencionado deve ser interpretado como a concessão de licença ou direito de qualquer patente, direito autoral ou marca comercial da Loja do Concurseiro. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 3 PROGRAMA: HISTÓRIA DO BRASIL 1. A Revolução de 1930 e a Era Vargas. 2. As Constituições Republicanas. 3. A estrutura política e os movimentos sociais no período militar. 4. A abertura política e a redemocratização do Brasil. 5. Canudos. 6. Cabanagem. A REVOLUÇÃO DE 1930 E A ERA VARGAS. A REVOLUÇÃO DE 30 “A Revolução de 1930 põe fim à hegemonia da burguesia do café, desenlace inscrito na própria forma de inserção do Brasil, no sistema capitalista internacional. Sem ser um produto mecânico da dependência externa, o episódio revolucionário expressa a necessidade de reajustar a estrutura do país, cujo funcionamento, voltado essencialmente para um único gênero de exportação, se torna cada vez mais precário. A oposição ao predomínio da burguesia cafeeira não provém, entretanto, de um setor industrial, supostamente interessado em expandir o mercado interno. Pelo contrário, dadas as características da formação social do país, na sua metrópole interna há uma complementaridade básica entre interesses agrários e industriais, temperada pela limitadas fricções. Ao momento de reajuste do sistema, por isso mesmo, não corresponde o ascenso ao poder do setor industrial, seja de modo direto, seja sob a forma da ‘revolução de alto’, promovida pelo Estado. A burguesia cafeeira se constitui ao longo da Primeira República como única classe nacional, no sentido de que só ela reúne condições para articular formas de ajustamento e integrar assim o país, na medida de seus interesses. Em face dela, não emerge nenhuma classe ou fração com semelhante força, capaz de oferecer uma alternativa econômica e política viável. A disputa, no interior das classes dominantes, tem a forma de um embate regional, mitigado pelos próprios limites da contestação. Tendo-se em vista a passividade da massa rural, quebrada somente por explosões importantes, mas desprovidas de conteúdo político (Canudos, Contestado), os limites de intervenção do proletariado, a heterogeneidade das classes médias, dependentes em regra dos núcleos ‘tradicionais’, o elo mais fraco do sistema é constituído pelo Exército e, no seu interior, pelos ‘tenentes’. Na década de vinte, o tenentismo é o centro mais importante de ataque ao predomínio da burguesia cafeeira, revelando traços específicos, que não podem ser reduzidos simplesmente ao protesto das classes médias. Se a sua contestação tem um conteúdo moderado, expresso em um tímido programa modernizador, a tática posta em prática é radical, e altera as regras do jogo, com a tentativa aberta de assumir o poder pelo caminho das armas. Sob este aspecto, embora inicialmente isolado, o movimento tenentista está muito à frente de todas as oposições regionais, ao iniciar a luta, em julho de 1922. O agravamento das tensões no curso da década de vinte, as peripécias eleitorais das eleições de 1930, a crise econômica propiciam a criação de uma frente difusa, em março/outubro de 1930, que traduz a ambiguidade da resposta à dominação da classe hegemônica: em equilíbrio instável, contando com o apoio das classes médias de todos os centros urbanos, reúnem-se o setor militar, agora ampliado com alguns quadros superiores, e as classes dominantes regionais. (Vitória da Revolução de 30) HISTÓRIA DO BRASIL POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 4 Vitoriosa a revolução, abre-se uma espécie de vazio de poder, por força do colapso político da burguesia do café e da incapacidade das demais frações de classe para assumi-lo, em caráter exclusivo. O Estado de compromisso é a resposta para esta situação. Embora os limites da ação do Estado sejam ampliados para além da consciência e das intenções de seus agentes, sob o impacto da crise econômica, o novo governo representa mais uma transação no interior das classes dominantes, tão bem expressa na intocabilidade sagrada das relações sociais no campo. Mas o reajuste, obtido após um doloroso processo de gestação – marcado pela Revolução de 1932, a Ação Integralista, a liquidação do tenentismo como movimento autônomo, a Aliança Nacional Libertadora e a tentativa insurrecional de 1935 – significa uma guinada importante no processo histórico brasileiro. A mudança entre o poder estatal e a classe operária é a condição do populismo; a perda do comando político pelo centro dominante, associada à nova forma de estado, possibilita, a longo prazo, o desenvolvimento industrial, no marco do compromisso; as Forças Armadas tornam-se um fator decisivo como sustentáculo de um Estado que ganha maior autonomia, em relação ao conjunto da sociedade. Na descontinuidade de outubro – 1930, o Brasil começa a trilhar enfim o caminho da maioridade política. Paradoxalmente, na mesma época em que tanto se insistia nos caminhos originais autenticamente brasileiros, para a solução dos problemas nacionais, iniciava-se o processo de efetiva constituição das classes dominadas, abriam-se os caminhos nem sempre lineares da polarização de classes e as grandes correntes ideológicas que dividem o mundo contemporâneo penetravam no país”. A REPÚBLICA POPULISTA 1. A Moldura Oligárquica Tá-i, eu fiz tudo pra você gostar de mim Ó meu bem, não faça assim comigo não Você tem, você tem que me dar seu coração (Marcha de carnaval cantada por Carmem Miranda, em 1930.) Apesar da rápida vitória, logo no início do governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934) as divergências entre os grupos no poder eram evidentes. Com uma ponta de arrependimento e muita insegurança, os representantes das oligarquias regionais viam chegar interventores, geralmente tenentes, nomeados pelo Presidente, para dirigirem seus estados com poderes ditatoriais. No Norte- Nordeste, havia até um vice-rei, como ironicamente era chamado o “tenente” Juarez Távora, responsável pela supervisão política de toda a região. A cúpula do Exército também estava apreensiva com o poder excessivo que os tenentes – por eles combatidos durante a década de 1920 – agora exerciam em todo o país. À frente de todos estava Vargas, mas naqueles primeiros meses ninguém sabia ao certo quem ocupava de fato o poder. O clima de instabilidade política decorria da incapacidade dos principais atores sociais (oligarquias regionais, classes médias, militares e trabalhadores) de exercer, com isso, sua hegemonia sobre os demais. No núcleo do governo provisório, Vargas, os tenentes e representantes das várias oligarquiastinham interesses contraditórios, muitas vezes conflitantes. Ao redor do poder, as Forças Armadas espreitavam os acontecimentos com cautela. Longe dos gabinetes, o ruidoso movimento operário continuava a apresentar suas reivindicações reformistas e planos revolucionários. As oligarquias regionais sentiam-se duplamente ameaçadas. De um lado, devido à presença de interventores, que muitas vezes aproximavam-se perigosamente dos operários e trabalhadores rurais, com propostas de apelo popular. Medidas, como redução do preço de aluguéis, melhorias nos serviços de saúde, organização de sindicatos e expropriação das terras dos fazendeiros comprometidos com o antigo governos, punham em confronto interventores e oligarcas. 2- Congresso Nacional e oligarquias Por outro lado, era visível a intenção de Vargas de não se tornar refém dos grupos regionais. Assim, o Presidente de imediato dissolveu o Congresso Nacional, espaço privilegiado de representação das elites brasileiras, concentrado os poderes no Executivo federal. A mesma medida foi aplicada aos estados e municípios. A representação legislativa, com as eleições controladas pela máquina oligárquica, foi desativada de 1930 a 1933. Além disso, a autonomia regional foi reduzida em relação à possibilidade de POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 5 contrair empréstimos no exterior – que dependiam agora de aprovação do governo central – e efetivos não podiam mais exceder os do Exército nem contar com aviões e peças de artilharia. Empossado em 3 de novembro de 1930, Vargas assumiu o compromisso de convocar uma Assembléia Constituinte, a fim de elabora uma nova constituição para o Brasil. No entanto, os “tenentes”, organizados no Clube 3 de Outubro, procuravam prolongar o governo provisório, com o objetivo de enfraquecer o poder regional no Brasil e consolidar suas posições políticas. Através de Getúlio Vargas, os tenentes viam a possibilidade de estabelecer um Estado forte e centralizado no Brasil. Um velho projeto acalentado desde o final do século passado por grande parte do Exército. Os descontentamentos logo se transformaram em clara oposição. As oligarquias regionais exigiam o restabelecimento do jogo parlamentar. Antigos aliados ergueram-se contra o governo e exigiram a convocação da Constituinte e o fim do governo provisório. A maior parte dos estados Norte-Nordeste, Minas Gerais e até mesmo o Rio Grande do Sul, terra de Vargas, voltaram- se contra o Presidente. Mas o principal foco de oposição residia em São Paulo. A chamada Revolução Constitucionalista de 1932, derrotada em menos de três meses, era indicativa das dificuldades políticas daquele momento. Apesar de contar com simpatias entre oligarquias de várias partes do país, os paulistas ficaram isolados. Nenhum grupo de arriscou nem viu perspectivas de sucesso na destituição de Vargas e numa nova aliança com São Paulo. Por outro lado, apesar de derrotados, os paulistas obtiveram concessões do governo federal, que visava com isso diminuir sua oposição a Getúlio, como a nomeação de Armando de Sales Oliveira, ligado ao Partido Democrático (PD), como interventor e a criação da Universidade de São Paulo, em 1934. Os tenentes, por sua vez, desgastados em termos políticos, tenderam a se desarticular, engajando-se, individualmente, em grupos à esquerda e à direita. Mais uma vez, vale insistir, nenhuma força sociopolítica tinha condições de impor-se ao Brasil de forma hegemônica. A solução foi uma espécie de pacto político ou compromisso entre os vários grupos dominantes. Enquanto isso, Vargas ganhava terreno. As oligarquias, sem condições de afastar Vargas e os militares que o cercavam, fossem das Forças Armadas ou do tenentismo, acabaram por aceitar sua direção. Ao mesmo tempo, a maioria dos tenentes era cooptada pelo jogo político dos grupos regionais, enfraquecendo as propostas reformadoras para o mundo rural. Começava a se delinear o compromisso entre o governo central e as oligarquias regionais: fortalecimento do Executivo, direção política de Vargas e manutenção das relações sociais no campo, ou seja, do latifúndio, da exploração da mão-de-obra livre e do mandonismo da burguesia rural brasileira. 3- Constituinte Nas eleições para a Constituinte, realizadas em maio de 1933, o governo estabeleceu um conjunto de regras que aperfeiçoava o processo eleitoral ao mesmo tempo em que enfraquecia o poder oligárquico. O estabelecimento do voto secreto diminuía a ocorrência de fraudes e a corrupção eleitoras. Por outro lado, a extensão do direito de voto para as mulheres ampliava o eleitorado. Por fim, a instituição da bancada classista, eleita através dos sindicatos de patrões e empregados, e composta por 40 delegados, diminuía a influência dos outros 214 representantes eleitos em seus estados e, em sua maioria, defensores de interesses oligárquicos. Ao final dos trabalhos, em julho de 1934, a Assembléia Constituinte escolheu Getúlio Vargas para governar o Brasil até 1938. O país ganhava o mais avançado texto constitucional de sua história até então, que estabelecia direitos trabalhistas, garantias individuais e apresentava uma forte inclinação nacionalista quanto aos seus recursos minerais. O presidente conseguia enquadrar as oligarquias no novo arranjo político e assumia um novo mandato com uma nova Constituição. 4. A Moldura Autoritária Eu hoje vou mudar minha conduta, Eu vou pra luta Pois eu quero me aprumar. Vou tratar você com força bruta, Pra poder me reabilitar Pois esta vida não está sopa E eu pergunto: com que roupa, Com que roupa eu vou Ao samba que você me convidou? (Noel Rosa, Com que roupa, 1931.) POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 6 “A Constituição é como as virgens. Foi feita para ser violada.” Essa frase. Atribuída a Getúlio Vargas, teria sido proferida alguns anos depois da elaboração da Constituição de 1934. Naquela altura, a deselegância e o desprezo pelos princípios liberais e democráticos não eram particularidades de Vargas. Na Alemanha, desde 1933, Adolf Hitler governava com mãos de ferro, exterminando seus opositores políticos, perseguindo os judeus e estabelecendo a ditadura nazista. Na Europa presenciava-se a escalada de regimes autoritários, inspirados nas idéias fascistas: Hungria, Polônia, Áustria, Romênia, em breve também Portugal e Espanha. Na União Soviética, implantara-se a ditadura do proletariado como o recurso para consolidar a revolução e estabelecer a sociedade comunista. Voltada inicialmente contra os representantes das classes dominantes russas, logo a ditadura passou a perseguir outras tendências do movimento operário, como os anarquistas e socialistas. Em 1924, com a morte de Lênin, o principal dirigente da Revolução, o poder foi conquistado por Stálin, que empreendeu uma sistemática política de afastamento e eliminação de seus adversários políticos, inclusive importantes lideranças revolucionárias, como Leon Trotsky, assassinado no México em 1940 por um agente da polícia secreta russa. O berço do sonho socialista, talvez a maior e mais bela construção utópica da cultura ocidental, transformava-se numa ditadura que glorificava seu líder máximo, Josef Stálin. 5- Integralistas e comunistas No Brasil, diversos grupos de direito organizaram-se, em 1932, na Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. A AIB, que chegou a ter um contingente de mais de 600 mil adeptos, possuía um projeto de Estado totalitário, onde não se verificaria a separação e a independência de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Como razão suprema da sociedade e da nação, os interesses do Estado deveriam prevalecer sobre os direitos e interesses particulares de seus membros. Estabelecia- se, assim, uma concepção corporativista, pelaqual a sociedade, tida como um corpo, deveria ser dirigida por um líder supremo, no caso o fundador do movimento, o jornalista e escritor Plínio Salgado. Nacionalistas ardorosos, os integralistas saudavam-se mutuamente erguendo o braço direito e gritando Anauê, expressão tupi que quer dizer “você é meu parente”. Uniformizados com camisas verdes e calças pretas, tinham como símbolo a letra grega sigma, para expressar a idéia de integridade, e o lema “Deus, Pátria e Família”. A perspectiva autoritária dos integralistas tornava-os opositores do liberalismo econômico e da democracia burguesa. Seus principais adversários eram os socialistas e os judeus, estes últimos tidos como estrangeiros e apátridas. Entre os seus adeptos figuravam intelectuais (alguns do movimento modernista), católicos, militares, empresários, representantes das classes médias e operários. Em março de 1934, Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, tornava-se o principal nome do PCB. Juntamente com alguns “tenentes” de esquerda, Prestes lançava, no ano seguinte, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Tratava-se de uma frente popular, constituída a partir do PCB, que procurava atrair os setores democráticos e antifascistas da sociedade em torno de um programa de reformas políticas e sociais, que compreendia a suspensão do pagamento da dívida externa, a reforma agrária, a nacionalização das empresas e a defesa das liberdades individuais. As rivalidades entre integralistas e aliancistas incendiaram o país. Grandes comícios da ANL aglutinavam milhares de trabalhadores e representantes das classes médias. Os integralistas desfilavam seus estandartes em disciplinadas marchas militarizadas. Os confrontos tornaram-se cada vez mais frequentes. O discurso pelas liberdades democráticas da ANL encobria, contudo, um plano revolucionário estabelecido em Moscou por Prestes e pela Internacional Comunista. Junto com o Cavaleiro da Esperança, vieram dólares e militares da Internacional, entre os quais o alemão Artur Ernst Ewert, o argentino Rodolfo Ghioldi, o norte-americano Victor Baron, o russo Pavel Stuchevsky e a alemã Olga Benário, que se tornaria a companheira de Prestes. O objetivo era destituir Vargas e estabelecer um governo POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 7 revolucionário e popular no Brasil, alinhado com a União Soviética. Em 5 de julho de 1935, no aniversário do levante do Forte de Copacabana, Prestes, num inflamado discurso, conclamava os presentes à derrubada do governo. Como represália, ainda nesse mesmo mês Vargas decretou a ilegalidade da ANL e as centenas de sedes do movimento espalhadas pelo Brasil foram fechadas pela polícia. Os dirigentes do PCB decidiram, então, quatro meses depois, em novembro, pôr em prática o plano de insurreição armada. A chamada Intentona Comunista foi facilmente derrotada pelo governo, o que acabou por fortalecer ainda mais o poder de Vargas. Logo após o levante, o Presidente solicitou ao Congresso Nacional a aprovação do estado de sítio, que suspendia as garantias individuais, facilitava a prisão dos revoltosos e permitia intervir em estados da União. Muito semelhante às revoltas tenentistas, a Intentona comunista restringiu-se a uns poucos batalhões em Natal, no Recife e no Rio de Janeiro. Após as prisões de seus participantes e dirigente, Prestes e Olga Benário foram capturados em março de 1936, no bairro carioca do Méier. Sob uma feroz repressão, milhares de pessoas foram presas e centenas brutalmente torturadas. O Plano Cohen O “perigo vermelho” ofereceu a Vargas justificativa que o auxiliaram a permanecer no poder até 1945, e a morte de soldados e oficiais do Exército no combate à Intentona seria explorada durante décadas para alimentar o sentimento anticomunista entre os militares. Em meados de 1936, com a prisão de todo o comando do levante comunista, não havia mais motivos para a manutenção do estado de sítio. Para tornar mais complexa a situação, a cada novo pedido de prorrogação dos poderes extraordinários do Presidente, maiores eram as resistências do Congresso Nacional, principalmente dos parlamentares articulados em torno do paulista Armando de Sales Oliveira (PD), que pretendia disputar as eleições presidenciais marcadas para maio de 1938. Assim, em junho de 1937, o Congresso acabou por negar um novo pedido de Getúlio. As oligarquias temiam um golpe de Vargas. Nesse momento, três candidaturas já haviam sido apresentadas. Além da de Sales Oliveira, a do paraibano José Américo de Almeida, ex-ministro de Vargas, e a de Plínio Salgado, líder dos integralistas. Mesmo assim, tudo indicava que Getúlio Vargas não estava disposto a deixar o poder. Em setembro de 1937, o país era surpreendido por uma grave denúncia: o PCB preparava uma nova insurreição comunista, liderada por um agente internacional denominado Cohen. Além do assalto ao poder, os revolucionários tramavam o assassinato de centenas de personalidades públicas e atentados a igrejas e prédios do governo. Um documento interceptado por militares atestava o plano. Na verdade, tratava-se de uma farsa montada pelo capitão do Exército (e militante integralista) Olímpio Mourão Filho e utilizada como justificativa para ações enérgicas do governo federal. Diante da “denúncia”, Vargas solicitou ao Congresso a decretação do estado de guerra que lhe concederia mais poderes que os anteriores estados de sítio. Apesar de algumas resistências, em 1º de outubro os parlamentares deram ao Presidente os poderes extra- ordinários. “Quem não for contra o comunismo é comunista”. Esse era o lema das perseguições e intimidações políticas, que se caracterizaram por intervenções nos estados, prisões e criação de campos de concentração militares para os militares comunistas e simpatizantes. Tais medidas conseguiram imobilizar as oposições, já caladas pela censura aos órgãos de imprensa. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 8 6- O Estado Novo No dia 10 de novembro daquele ano, o Congresso Nacional foi fechado. Violava-se a Constituição e, em seu lugar, Vargas impunha à nação uma nova, elaborada pelo jurista Francisco Campos, que eliminava a autonomia dos estados, extinguia o Poder Legislativo em todos os níveis (das câmaras municipais ao Congresso Nacional) e fortalecia o Poder Executivo. A ditadura de Getúlio Vargas inspirava-se no fascismo europeu. A Constituição de 1937 baseava-se nos fundamentos legais do regime fascista polonês e por isso ficou conhecida como a “Polaca”. O Estado Novo, como foi denominado o novo sistema político, fazia uma clara alusão à ditadura que Antônio de Oliveira Salazar exercia em Portugal. Crítica à democracia parlamentar, anticomunismo, fim das liberdades individuais, centralização político-administrativa, censura à imprensa e repressão política davam as cores do painel político autoritário que delineava a figura de Vargas como chefe supremo do país. Os integralistas, defensores de um regime totalitário e corporativista, auxiliaram Getúlio na perseguição aos comunistas e aplaudiram entusiasticamente o golpe de Estado. O fortalecimento do Executivo preencheu o “vazio de poder” verificado desde 1930. Diante da incapacidade de qualquer grupo social de exercer sua hegemonia sobre o conjunto da sociedade, o Estado acabou se transformando no principal agente político da nação. Os interesses divergentes e conflitantes que opunham os diversos setores oligárquicos, as classes médias, os militares e a classe trabalhadora passaram a ser arbitrados autoritariamente pelo Presidente. O Estado, por meio de dura repressão e de intensa propaganda, confundia-se com a figura paternalista de seu Presidente. Como pai “severo, mas justo”, Vargas consolidaria o regime autoritário através do apoio do Exército e de um crescentee inigualável prestígio junto às massas populares. 7. A Moldura Operária “Quem trabalha é que tem razão Eu digo isso e não tenho medo de errar O bonde São Januário Leva mais um operário Sou eu que vou trabalhar” Durante a República Oligárquica (1889-1930), a política era exercida e definida, principalmente, nos gabinetes e câmaras legislativas, estaduais e federais, e nos currais eleitorais pelo Brasil afora. A chamada Revolução de 1930 ampliou o espaço e o ambiente do exercício do jogo político. Aos gabinetes e currais somaram-se as praças e ruas das grandes cidades brasileiras. As manifestações de apoio popular a Vargas, iniciadas durante a campanha eleitoral e intensificadas desde os primeiros dias de seu governo, tornaram-se um ingrediente constante do seu modo de fazer política. Os gabinetes, no entanto, eram pequenos para acomodar as massas populares. Vargas consolidaria um novo estilo de atuação, no qual a figura do Presidente estaria mais próxima da população de seu país. Alguns, mais afortunados, conseguiram até um aperto de mãos ou um autógrafo. Outros iriam espichar-se em meio à multidão para enxergar aquele presidente de pequena estatura. Por quinze anos seguidos, de 1930 a 1945, a maioria conseguiria ouvir sua voz aguda e penetrante, que assim iniciava seus discursos: “Trabalhadores do Brasil”. Num país onde as questões sociais eram tratadas como caso de polícia, em que as reivindicações dos trabalhadores eram concebidas como desordem e baderna, as atitudes de Vargas indicavam uma nítida mudança de rumos. A classe operária passava a figurar nos discursos de parte da pomposa elite brasileira. 8. Os Direitos Trabalhistas Desde o início de seu governo, Getúlio procurou fixar uma imagem paternalista junto aos operários, uma espécie de “pai dos pobres”. Ao final de1930, era criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a cargo do gaúcho Lindolfo Collor, com o objetivo de POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 9 impulsionar a industrialização e de “atender” a determinadas reivindicações da classe trabalhadora. Na verdade, o Poder Executivo chamava para si a tarefa de “arbitrar” os conflitos entre a classe operária e a burguesia industrial. Como vimos, o movimento operário mostrou-se particularmente ruidoso nas primeiras décadas do século XX. Nesses momentos, apesar de contar com a ação repressiva dos diversos governos, a nascente burguesia industrial brasileira inquietava-se diante das mobilizações do proletariado. Ao contê-las, o Estado enquadrava tanto a classe operária quanto a burguesia. A regulamentação de direitos trabalhistas, consagrada na Constituição de 1934, fruto de inúmeras lutas e contestações operária desde a República Oligárquica, foi anunciada à nação como uma doação do Presidente aos trabalhadores, “concedendo” jornada de trabalho de oito horas diárias, férias remuneradas, descanso semanal, proibição do trabalho de menores de 14 anos e licença para as mulheres gestantes. A “concessão” tinha um sentido muito claro: apagar da memória coletiva a importância da organização operária e de suas lutas, e dar ênfase à atenção de Getúlio Vargas para com a classe trabalhadora. O Corporativismo O enquadramento do operariado não se fazia apenas pela regulamentação das conquistas trabalhistas. Em 1931, o governo federal estabeleceu que os sindicatos, para funcionar e reclamar seus direitos ao Ministério do Trabalho, deveriam contar entre seus associados 2/3 de brasileiros natos. Foi um duro golpe na militância anarquista, em grande parte constituída de imigrantes e muito mais impetuosa que os hierarquizados comunistas. Mas foi também resposta a uma alteração que começava a se processar no Brasil, dada pela ampliação do número de operários nascidos no país, descendentes de imigrantes ou vindos de outras regiões brasileiras. Em 1935, foi aprovada a Lei de Segurança Nacional (LSN), que definia os crimes contra a ordem social: greves de funcionários públicos, propaganda subversiva e incentivo às rivalidades e conflitos entre os grupos sociais. Em lugar da luta de classes, proibida por lei, Vargas impunha a conciliação social, que na realidade significava a subordinação do operariado aos interesses da burguesia e do Estado nacional. Conciliação entre as classe, valorização do trabalho, disciplina, ordem e nacionalismo compunha os elementos da ideologia trabalhista que começava a ser gestada no Brasil, sob forte influência do corporativismo fascista. Com o golpe de 1937 e a instauração da ditadura do Estado Novo, consolidou-se a ideologia trabalhista e completou-se o controle sobre as atividades sindicais. Além de prender diversos dirigentes anarquistas, socialistas e comunistas, o governo fez dos sindicatos meros departamentos do Ministério do Trabalho, com funções assistenciais e recreativas. Em vez de greves e manifestações, os sindicatos organizavam festas, grêmios esportivos e colônias de férias para seus associados. Em lugar das combativas lideranças de outrora, proliferaram os pelegos, representantes operários que defendiam os interesses dos patrões em vez das reivindicações dos trabalhadores. O controle sobre o movimento operário teve como desfecho a criação do salário mínimo e da obrigatoriedade do imposto sindical, em 1940, e a elaboração de um código de direito trabalhista denominado Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, baseado na Carta del Lavoro, legislação da Itália fascista. Graças a uma intensa propaganda, o trabalhismo ganhou os corações e as mentes da população brasileira. 9- Legitimação e propaganda A legitimação do regime era buscada através da idéia de que entre o Presidente e as massas trabalhadoras não deveria haver nenhuma intermediação. Assim, por exemplo, a relação direta e “próxima” entre Vargas e o povo justificava o fechamento do Poder Legislativo e a ofensiva contra os poderes oligárquicos. Em 1939, com o objetivo de garantir tal proximidade, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável por controlar os meios de comunicação e promover a propaganda do regime, o que incluía censura a todas as manifestações cívicas e concursos musicais, estímulo à produção de filmes nacionais e o aproveitamento sistemático do programa Hora do Brasil, que desde 1934 era irradiado para todo o país por todas as emissoras de rádio entre 19 e 20 horas. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 10 Além de notícias políticas e de informações, a Hora do Brasil transmitia músicas dos cantores mais populares da época, como Francisco Alves e Carmem Miranda, e discursos de Getúlio Vargas e do ministro do Trabalho. O programa representava o reconhecimento da existência da classe trabalhadora e de suas questões sociais. Quase todas as noites, através das ondas do rádio, Vargas penetrava os lares brasileiros. No país marcado pelo “você sabe com quem está falando?”, isso era inovador. A voz do Presidente era conhecida por grande parte da população brasileira, acostumada, até então, a ser completamente ignorada por sua elite dirigente. O conteúdo das mensagens alterava-se ao sabor dos acontecimentos, mas um sentido era fixado: esse Presidente importava-se como povo. Em grandes comícios e desfiles, os trabalhadores carregavam bandeiras brasileiras e estandartes com o retrato de Vargas. Através da cerimônia cívica, ritualizava-se o compromisso entre o Presidente, “pai da nação” e os trabalhadores, seus “filhos mais pobres”. Nessa “comunhão” emergia o Estado, um verdadeiro corpo místico onde não deveria haver disputas entre seus órgãos e membros. Acima dos indivíduos e interesses de classes, deveriam prevalecer os interesses nacionais e a vontade de seu líder. Essas inovações das práticas políticas devem ser creditadas tanto à sensibilidade pessoalde Getúlio quanto às condições gerais que cercaram o Brasil pós- 1930. O “vazio de pode” e a instabilidade verificada nos primeiros anos desse período foram solucionados com o crescente fortalecimento do Presidente. As massas populares eram convocadas para o jogo político, legitimado e fortalecendo o poder de Getúlio Vargas. Clientes de suas doações e benefícios, elas eram controladas a partir de duras medidas repressivas e pelo prestígio do Presidente, que imobilizava suas iniciativas autônomas. A legitimação junto às massas conferia poder e estabilidade ao Estado Novo. O golpe de 1937 marcou o fim da transição do Estado Oligárquico, característico das primeiras décadas da República (1889 a 1930), para o Estado Populista, que dominaria a vida da nação de 1930 até 1964. O enfraquecimento do poder político das oligarquias registrara-se simultaneamente à crescente incorporação da classe trabalhadora ao jogo político e à ampliação do Poder Executivo. O Poder Legislativo, espaço privilegiado da expressão oligárquica, permaneceu fechado provisoriamente de 1930 a 1933, funcionou sob medidas de exceção (estado de sítio e estado de guerra) de 1935 a 1937 e ficou completamente desativado durante o Estado Novo até 1945. Numa significativa cerimônia cívica, em dezembro de 1937 o Presidente assistiu à queima e destruição das bandeiras estaduais e ao hasteamento do pavilhão nacional no Rio de Janeiro. Foi uma espécie de ritual fúnebre do Estado Oligárquico, que dava lugar ao Estado Populista. Como uma bandeira nacional, o retrato de Vargas, carregado em desfiles e pregado nas repartições públicas, representava o próprio Estado brasileiro. Mas esse era agora um novo Estado. A Política Externa Brasileira O governo brasileiro soube tirar proveito da tensa situação internacional ao final da década de 1930. Desenvolvendo uma política pragmática, o Brasil manteve estreitas relações diplomáticas e econômicas tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha. A indefinição do quadro internacional e a divisão interna das lideranças políticas brasileiras impediam o alinhamento direto com qualquer das duas potências. Em setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelas tropas alemãs, tinha início a Segunda Guerra Mundial. De um lado, Alemanha, Itália e em breve o Japão, denominadas forças do Eixo. De outro, os Aliados: França, Inglaterra e mais tarde Estados Unidos e União Soviética. Era hora de definições para o governo brasileiro. Em 1942, alegando o torpedeamento de navios brasileiros pelos alemães, Vargas declarou guerra às forças do Eixo. A agressão alemã não foi gratuita, como pode parecer à primeira vista. Após quase três anos de negociações, o Brasil chegara a um importante acordo com os Estados Unidos, que emprestaram 20 milhões de dólares para a construção de uma usina siderúrgica no país. Em troca, os americanos ganharam o direito de estabelecer bases militares, utilizar portos, aeroportos, meios de comunicação e estradas de ferro e de rodagem no Brasil, em caso de necessidade militar. Em abril de 1941 Vargas anunciou o início da construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda, Rio de Janeiro. No mês seguinte, os norte- americanos já estavam na guerra. Em janeiro de 1942 o governo brasileiro rompeu as relações diplomáticas com o Eixo. O Brasil já tinha feito a sua escolha. E ganhara com ela. Quando os alemães atacaram as embarcações brasileiras, o país, na prática, não estava mais numa posição de neutralidade. Para os norte-americanos, a América Latina fazia parte do círculo de segurança de suas fronteiras. Não se esperava o envio de tropas brasileiras para a Europa. Bastava estabelecer bases de ação militar e impedir que os alemães tivessem livre trânsito pelo hemisfério Sul. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 11 Antes de entrar na guerra, os Estados Unidos garantiram sua retaguarda com uma ampla ofensiva política, cultural e econômica que, além do Brasil, também se dirigiu à Argentina e ao México. Foi a política de boa vizinhança, implantada oficialmente a partir de 1940. Afora a CSN, o governo brasileiro criou, em 1942, a Companhia Vale do Rio Dose, para a extração de minérios em Minas Gerais, e a Fábrica Nacional de Motores (FNM), no Rio de Janeiro. Com essas empresas buscava abastecer o mercado interno com matérias- primas, bens intermediários (barras de aço, motores, chassis, peças e engrenagens) e bens de produção (máquinas e equipamentos industriais) necessários à produção de outros bens e à diversificação industrial. O impulso à industrialização e à modernização do país realizavam-se sob o signo do autoritarismo e do pragmatismo diplomático. Ma a ambigüidade de Vargas teria seu preço. O Fim do Estado Novo A participação do Brasil na guerra, ao lado das forças antifascistas, expôs as contradições do regime brasileiro. Apesar da forte influência fascista, o Brasil lutava contra os Estados autoritários europeus, ao lado de países democráticos e da Rússia comunista. A Força Expedicionária Brasileira (FEB), com cerca de 25 mil homens, combateu de 1944 a 1945. Curiosamente, o envio dos contigentes militares ocorreu por iniciativa do governo brasileiro, contra a vontade de norte- americanos e ingleses. A guerra era o último esteio do regime autoritário. Com o avanço das forças aliadas a partir de 1943, Vargas comprometeu-se a convocar eleições gerais ao final dos conflitos militares. Pelo rádio, milhões de brasileiros acompanhavam os noticiários das frentes de batalha. A resistência heróica de Stalingrado (atual Volgogrado), o desembarque na Normandia, a campanha da Itália e, finalmente, a tomada de Berlim pelos soviéticos. Uma verdadeira aula de Geografia. E de Política. A direção do processo de democratização do país seria alvo de intensas disputas. O enfraquecimento do prestígio pessoal de Vargas e a iminente reabertura do Poder Legislativo indicavam uma nova correlação de forças políticas. O Estado Populista teria de se adaptar à democracia representativa e os compromissos entre os diversos grupos sociais teriam de ser atualizados. Com o poder adquirido ao longo do Estado Novo e o prestígio da guerra, alguns militares não aceitariam mais a posição de coadjuvantes do processo política nacional. Desde 1930 as Forças Armadas ganharam coesão, recursos e efetivos militares. Nos anos da Segunda Guerra, muitos oficiais haviam se impressionado com a organização e o poder do Exército norte-americano e já demonstravam seu descontentamento em apoiar uma ditadura personalista como a de Getúlio Vargas. Entre o final de 1944 e o início de 1945, dois militares lançaram suas candidaturas à presidência da República: o major- brigadeiro Eduardo Gomes e o general Eurico Gaspar Dutra. As forças políticas passaram a organizar seus partidos. Opositores oligárquicos, liberais, intelectuais e dissidentes do Estado Novo agruparam-se na União Democrática Nacional (UDN), em torno da candidatura de Eduardo Gomes. Do interior do governo Vargas surgiram dois partidos: o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O PSD reunia representantes oligárquicos próximos a Getúlio e membros da burocracia do Estado Novo. Oficialmente, seu candidato era o general Dutra. O PTB tinha uma feição marcadamente urbana, agrupando dirigentes sindicais e representantes do Ministério do Trabalho. Getúlio Vargas foi escolhido presidente dos dois partidos. Não era coincidência. Em abril de 1945, Luís Carlos Prestes foi anistiado pelo governo e deixou a prisão junto com centenas de outros presos políticos. No mesmo mês, o governo brasileiro estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética. Naquele ano o Partido Comunista do Brasil (PCB) passou a funcionar legalmente. No entanto a transição democrática ainda era incerta. Desde o início das manifestaçõescontra a ditadura, em 1943, ocorreram diversos conflitos entre cidadãos e forças policiais, e prisões de lideranças políticas. Mesmo assim, Getúlio Vargas prometia a democracia e afirmava que não concorreria à presidência, nas eleições agora marcadas para dezembro de 1945. Mas suas declarações eram recebidas com muita desconfiança. “Lembrai-vos de 37.” Esse era o slogan da forte campanha oposicionista da UDN. Como naquela ocasião, temia-se um golpe de Getúlio. A oposição tentaria antecipar-se ao ditador. 10- Queremismo Em meio às inseguranças que cercavam os preparativos para as eleições, num comício no estádio do Pacaembu em São Paulo, Prestes surpreendeu a nação com um discurso em que defendia a permanência de Getúlio Vargas na presidência até a elaboração de uma nova Constituição para o Brasil. “Constituinte com Getúlio”, POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 12 passou a ser o lema dos comunistas recém-libertados das prisões do Estado Novo. Na verdade, diante de seu relativo enfraquecimento junto aos grupos no poder (Exército e oligarquias) e ao fortalecimento da oposição, Vargas aproximava-se do movimento popular. Novamente tentava equilibrar-se no poder. “Queremos Getúlio.” Em pouco tempo, um amplo movimento de massas passou a exigir a permanência de Vargas na condução da transição democrática. Seus participantes foram denominados queremistas. Temia- se que, sob a influência das oligarquias e sob as pressões norte-americanas, os grupos mais conservadores controlassem o poder. O PCB, apesar das perseguições sofridas, seguia as orientações de Moscou para apoiar os governos que haviam lutado contra os regimes nazi-fascistas. Na avaliação de seus dirigentes, uma Constituinte com Getúlio traria mais avanços para a classe trabalhadora. A ambigüidade do ditador era contagiante. Enquanto flertava com os comunistas, Vargas conduzia o processo eleitoral de maneira a interferir em seus resultados. Um ato político-administrativo serviu de pretexto para a articulação que envolveu todos os que temiam a permanência da República. Em 29 de outubro de 1945, o ex-tenente João Alberto comunicou seu remanejamento da chefia da Polícia para a Prefeitura do Distrito Federal. Não se tratava de uma promoção. Desde agosto desse mesmo ano, ele tentava impedir, sem sucesso, a realização de comícios queremistas e reunia-se, com freqüência, com militares de alta-patente interessados no afastamento de Vargas da presidência da República. Para o seu lugar, Getúlio nomeou seu irmão Benjamim Vargas, que nem sequer chegou a exercer a estratégica função na capital do país. Horas depois do comunicado, liderados pelo general Góis Monteiro, colaborador de Vargas desde 1930 e seu ministro da Guerra na ocasião, os chefes das Forças Armadas depuseram o Presidente. José Linhares, presidente do Supremo Tribunal assumiu a presidência da República em caráter provisório. Manteve o calendário eleitoral e, assim, em 2 de dezembro de 1945, pouco mais de 6 milhões de brasileiros participaram da tão esperada eleição, que resultou na vitória de Eurico Gaspar Dutra. Apesar de deposto, e recolhido à sua fazenda de São Borja, no Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas seria ainda por muito tempo o divisor de águas da política brasileira. AS CONSTITUIÇÕES REPUBLICANAS Prólogo A partir de 1889 o Brasil passou a viver sua experiência republicana. Para efetivar essa experiência, se tornou preponderante a elaboração da Carta Magna, a nossa Constituição. No decorrer da História Brasileira foram seis Constituições republicanas, sendo que uma delas, a de 1937 foi Outorgada. O Texto abaixo possui o objetivo de descrever os Itens mais importantes de cada uma delas, que foi retirado da Câmara dos Deputados. Desejando aprofundar o conhecimento, recomendo o sitehttp://www.senado.gov.br/noticias/especiais/consti tuicao25anos/historia-das-constituicoes.htm 1- CONSTITUIÇÃO DE 1891 Foi promulgada pelo Congresso Constitucional, o mesmo que elegeu Deodoro da Fonseca Presidente. Tinha caráter liberal e federalista, inspirado na tradição republicana dos Estados Unidos. Instituiu o presidencialismo, concedeu grande autonomia aos estados da federação e garantiu a liberdade partidária. Estabeleceu eleições diretas para a Câmara, o Senado e a Presidência da República, com mandato de quatro anos. Estabeleceu o voto universal e não-secreto para homens acima de 21 anos e vetava o mesmo a mulheres, analfabetos, soldados e religiosos; determinou a separação oficial entre o Estado e a Igreja Católica; instituiu o casamento civil e o habeas corpus; aboliu a pena de morte e extinguiu o Poder Moderador. Também nesta Constituição ficou estabelecida, em seu artigo terceiro, uma zona de 14.400 Km2 no Planalto Central, para a futura Capital Federal. A Constituição de 1891 vigorou por 39 anos. 2- CONSTITUIÇÃO DE 1934 Foi promulgada pela Assembleia Constituinte no primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas e preservou a essência do modelo liberal da Constituição anterior. Garantiu maior poder ao governo federal; instituiu o voto obrigatório e secreto a partir dos 18 anos e o voto feminino, já instituídos pelo Código Eleitoral de 1932; fixou um salário mínimo; introduziu a organização sindical mantida pelo Estado. Criou o mandado de segurança. Sob a rubrica “Da Ordem Econômica e Social”, explicitava que deveria possibilitar “a todos existência digna” e sob a rubrica “Da família, da Educação e da Cultura” proclamava a educação POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 13 “direito de todos”. Mudou também o enfoque da democracia individualista para a democracia social. Estabeleceu os critérios acerca da criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral. O Poder Legislativo seria exercido pela Câmara dos Deputados com colaboração do Senado, sendo aquela constituída por representantes eleitos pela população e por organizações de caráter profissional e trabalhista. A Constituição de 1934 vigorou por 3 anos. 3- CONSTITUIÇÃO DE 1937 No início de novembro de 1937, tropas da polícia militar do Distrito Federal cercaram o Congresso e impediram a entrada dos parlamentares. No mesmo dia, Vargas apresentou uma nova fase política e a entrada em vigor de nova Carta Constitucional. Começava oficialmente o “Estado Novo”. Deu-se a supressão dos partidos políticos e a concentração de poder nas mãos do chefe supremo. A Carta de 1937 possuía clara inspiração nos modelos fascistas europeus, institucionalizando o regime ditatorial do Estado Novo. Ficaria conhecida como “Polaca”, devido a certas semelhanças com a Constituição Polonesa de 1935. Extinguiu o cargo de vice-presidente, suprimiu a liberdade políticopartidária e anulou a independência dos Poderes e a autonomia federativa. Essa Constituição permitiu a cassação da imunidade parlamentar, a prisão e o exílio de opositores. Instituiu a eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos; a pena de morte e a censura prévia nos meios de comunicação. Manteve os direitos trabalhistas. A Constituição de 1937 vigorou por 8 anos. 4- CONSTITUIÇÃO DE 1946 Promulgada durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, foi elaborada sob os auspícios da derrota dos regimes totalitários na Europa ao término da Segunda Guerra Mundial, refletia a redemocratização do Estado brasileiro. Restabeleceu os direitos individuais, extinguindo a censura e a pena de morte. Devolveu a independência dos três poderes, a autonomia dos estados e municípios e a eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos. Em 1961 sofreu importante reforma com a adoção do parlamentarismo. Foi posteriormente anulada pelo plebiscito de 1963, que restaurava o regime presidencialista. A Constituição de 1946 vigorou por 21 anos. 5- CONSTITUIÇÃO DE 1967 Foi promulgadapelo Congresso Nacional durante o governo Castelo Branco. Oficializava e institucionalizava a ditadura do Regime Militar de 1964. Foi por muitos denominada de “Super Polaca”. Conservou o bipartidarismo criado pelo Ato Adicional n° 2. Estabeleceu eleições indiretas, por meio do Colégio Eleitoral, para a presidência da República, com quatro anos de mandato. Foram incorporadas nas suas Disposições Transitórias os dispositivos do Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 1968, dando permissão ao presidente para, dentre outros, fechar o Congresso, cassar mandatos e suspender direitos políticos. Permitiu aos governos militares total liberdade de legislar em matéria política, eleitoral, econômica e tributária. Desta forma, o Executivo acabou por substituir, na prática, o Legislativo e o Judiciário. Sofreu algumas reformas como a emenda Constitucional no 1, de 1969, outorgada pela Junta Militar. Tal emenda se apresenta como um “complemento” às leis e regulamentações da Constituição de 1967. Embora seja denominada por alguns como Constituição, já que promulgou um texto reformulado a partir da Constituição de 1967, muitos são os que não a vêem como tal. A verdade é que, a partir desta emenda, ficam mais claras as características políticas da ditadura militar. Continuava em vigor o Ato Institucional no 5 e os demais atos institucionais anteriormente baixados. A Constituição de 1967 autorizava a expedição de decretos-lei, a nomeação de senadores pelas Assembléias Legislativas, a prorrogação do mandato presidencial para seis anos e a alteração da proporcionalidade de deputados no Congresso. A Constituição de 1967 vigorou por 21 anos. 6- CONSTITUIÇÃO DE 1968 Atualmente em vigor, a Constituição de 1988 foi promulgada no governo de José Sarney. Foi elaborada por uma Assembleia Constituinte, legalmente convocada e eleita e a primeira a permitir a incorporação de emendas populares. O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, ao entregá-la à nação, chamou-a de “Constituição Cidadã”. Seus pontos principais são a República representativa, federativa e presidencialista. Os direitos individuais e as liberdades públicas são ampliados e fortalecidos. É garantida a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O Poder Executivo mantém sua forte influência, permitindo a edição de medidas provisórias com força de lei (vigorantes por um mês, passíveis de serem reeditadas enquanto não forem aprovadas ou POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 14 rejeitadas pelo Congresso). O voto se torna permitido e facultativo a analfabetos e maiores de 16 anos. A educação fundamental é apresentada como obrigatória, universal e gratuita. Também são abordados temas como o dever da defesa do meio ambiente e de preservação de documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como os sítios arqueológicos. Reformas constitucionais começaram a ser votadas pelo Congresso Nacional a partir de 1992. Algumas das principais medidas abrem para a iniciativa privada atividades antes restritas à esfera de ação do Estado, esvaziando, de certa forma, o poder e a influência estatais em determinados setores. A iniciativa privada, nacional ou internacional, recebe autorização para explorar a pesquisa, a lavra e a distribuição dos derivados de petróleo, as telecomunicações e o gás encanado. As empresas estrangeiras adquirem o direito de exploração dos recursos minerais e hídricos. Na esfera política ocorrem mudanças na organização e regras referentes ao sistema eleitoral; o mandato do presidente da República é reduzido de cinco para quatro anos e, em 1997, é aprovada a emenda que permite a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos. Os candidatos processados por crime comum não podem ser eleitos, e os parlamentares submetidos a processo que possa levar à perda de mandato e à inelegibilidade não podem renunciar para impedir a punição. Até o momento a Constituição de 1988 já sofreu alterações 45 vezes, com emendas constitucionais versando sobre os mais variados temas. A ESTRUTURA POLÍTICA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO PERÍODO MILITAR GOVERNOS MILITARES Na mitologia greco-romana, os deuses foram criados pelo Universo. O Céu (Urano) unido à Terra (Géia) produzia filhos que, tão logo nasciam, eram devolvidos ao seio materno. Em nome da liberdade, Saturno, o filho caçula, revoltou-se contra o pai. Castrou-o, libertou seus irmãos e, logo em seguida, tomou seu lugar e passou a governar o mundo. No entanto, com receio de perder o poder, aprisionou seus irmãos nas trevas e passou a devorar seus filhos assim que vinham à luz. No Brasil, a aliança entre os setores civil e militar pôs fim ao populismo. Em nome da liberdade, da ordem, dos valores cristãos e, principalmente, da segurança nacional, o presidente Goulart foi deposto. Um novo governo viria a se formar a partir dessa aliança. No entanto, como na mitologia grega, o golpe de 1964 também devoraria seus filhos. E muitos de seus pais. Refugiado no Rio Grande do Sul e depois asilado no Uruguai, Jango recusou-se a tentar uma resistência armada ao movimento militar. Em dois de abril de 1964, a presidência da República foi declarada vaga e novamente empossado, interinamente, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. A intervenção militar era anunciada como passageira e saneadora dos “desmandos provocados pela infiltração esquerdista no país”. Tratava-se, segundo seus atores, de uma verdadeira missão salvacionista, na qual as Forças Armadas assumiam uma função tuteladora da sociedade, como haviam ensaiado à época da crise do regime monárquico e, de 30 e o golpe de 1937, e diversas vezes durante o regime populista. Confiante, a maioria dos jornais de todo o país saudava a vitória do movimento “democrático”. Às forças sociais que efetuaram a ruptura constitucional cabia agora a tarefa de reorganizar o país. Praticamente consensual era a necessidade de um Poder Executivo forte, que desmobilizasse e desarticulasse as diversas organizações populares, e impedisse a ação de seus principais dirigente. Por outro lado, caberia formar o novo governo a partir das alianças entre os representantes da UDN e do PSD, das principais lideranças militares e dos diversos setores do empresariado. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 15 No seio das Forças Armadas, unidas contra o comunismo e a esquerdização da República, restavam ainda os setores “reformista” ou “nacionalistas”, cuja adesão ao golpe contra João Goulart fora obtida graças às seguidas insubordinações hierárquicas relevadas pelo Presidente. Gradativamente esse grupo foi afastado do centro das decisões e alguns de seus representantes passaram à oposição ao regime. Os militares distinguiam-se ainda em dois outros agrupamentos: a chamada “Sorbonne” ou os moderados, como eram conhecidos os ideólogos da Escola Superior de Guerra (ESG), que forneceriam as bases doutrinárias para a intervenção político-social, e os representantes da “linha dura”, que comandavam as principais unidades militares. Durante os vinte anos de ditadura, esses dois grupos disputaram o controle político do país e compuseram o núcleo do poder. A hegemonia política, tão instável durante a República Populista, seria exercida pelos militares. A. A Institucionalização do Regime Em nove de abril, o Comando Supremo da Revolução, uma junta militar que assumiu de fato o poder, promulgou um conjunto de regras políticas denominado Ato Institucional nº (AI-1). Seu principal autor foi o jurista Francisco Campos, cuja experiência em leis autoritárias remontava à década de 1930, quando elaborava a Constituição de 1937. O Ato Institucional fortalecia o Poder Executivo e concedia ao presidente poderes parasuspender direitos políticos, cassar mandatos e exonerar funcionários públicos. As garantias constitucionais eram interrompidas por seis meses. Antecipando as disposições da Constituição, que previa eleições pelo Congresso Nacional trinta dias após a declaração de vacância dos cargos de presidente e vice- presidente, os deputados e senadores escolheram o general Humberto de Alencar Castelo Branco como presidente do Brasil, tendo como vice o político do PSD mineiro, José Maria Alkmin. O governo de Castelo Branco deveria durar cerca de dois anos, tempo que ainda restava ao mandato de Goulart, quando então o Brasil retornaria à “normalidade” democrática. A eleição presidencial estava marcada para outubro de 1965. Os principais postulantes à sucessão eram Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, da UDN, Juscelino Kubitschek, do PSD, e Ademar de Barros, do PSP. No entanto, pressões de udenistas e da linha dura levaram o novo governo a incluir o ex-presidente mineiro na lista das cassações políticas, acusado de corrupção em junho de 1964. Com isso, grande parte do PSD passou à oposição. Um mês depois foi aprovada uma emenda constitucional adiando a eleição presidencial para o final de 1966 e prorrogando o mandato de Castelo até março de 1967. A anunciada normalidade democrática começa a ser protelada. Dessa vez as medidas autoritárias atingiam em cheio as pretensões do irrequieto e temido líder udenista Carlos Lacerda, que passou a criticá-las publicamente. Em seu currículo constavam tentativas de golpe e desestabilização contra todos os últimos governantes brasileiros eleitos desde 1950. Magalhães Pinto e Ademar de Barros também viam ameaçados seus projetos de ocupar a presidência. As divergências entre os líderes golpistas tornaram-se mais agudas a partir de 1965. Em outubro, as eleições demonstraram certa desaprovação popular ao governo, que apoiou ostensivamente os candidatos da UDN. A oposição venceu na Guanabara, em Minas Gerais, em Santa Catarina e no Mato Grosso. Setores militares da linha dura ameaçaram destituir Castelo Branco – que havia anunciado respeitar o resultado das eleições – e estabelecer um verdadeiro “governo revolucionário”. Exigiam do presidente o veto à posse dos governadores eleitos da Guanabara e de Minas Gerais. Nem mesmo o acordo firmado entre os eleitos e o governo federal – acalmou os setores mais reacionários das Forças Armadas. Sob forte tensão política, no dia 27 de outubro, foi lançado o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que aboliu os partidos existentes, transformou em indiretas as eleições para a presidência da República, interveio na composição do Supremo Tribunal Federal e retomou a prática de expurgos e cassações. Abriu-se uma crise política no interior do regime. Pressionado pela extrema direita, Castelo Branco não dispunha de resultados eleitorais que pudessem neutralizar e equilibrar o jogo político. Contraditoriamente o militar que prometera a normalidade democrática adotava, cada vez mais, medidas arbitrárias que consolidavam e aprofundavam a ditadura. Em fevereiro de 1966 foi baixado o Ato Institucional nº 3 (AI-3), que tornou indiretas as eleições para os governos estaduais e suspendeu as eleições para prefeitos de capitais e de municípios considerados de segurança nacional, cuja escolha tornou-se privilégio dos governadores. No mesmo ano a reorganização do sistema partidário deu origem ao bipartidarismo. Os partidários do governo articularam-se na Aliança Renovadora Nacional (Arena) e a oposição organizou-se POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 16 no Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Sob constantes ameaças e intimidações, a oposição política teve seu espaço cada vez mais reduzido. Ironicamente a Arena ficou conhecida como o partido do sim, senhor e o MDB como o agrupamento do acho que sim. A contestação ao regime não se daria no Parlamento. C .Frente Ampla “No fundo, chegamos à conclusão de que fizemos a revolução contra nós mesmos.” Essa lamentosa frase de Ademar de Barros sintetizava o ânimo de alguns conspiradores civis com os rumos do governo militar. Após duras críticas ao regime, Ademar chegou a exigir a renúncia do presidente Castelo Branco em um manifesto à nação. Em junho de 1966 teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Muito mais agitado, Carlos Lacerda não se limitou a discursos e artigos nos jornais contra a ditadura que ajudara a instaurar. Procurando organizar um terceiro partido político que viabilizasse suas pretensões presidenciais, ele recorreu até mesmo aos ex- presidentes exilados Jango e Juscelino, seus antigos inimigos, para formar a Frente Ampla. Aproveitando-se do descontentamento geral e com a gradativa perda de espaço político, o ex-governador da Guanabara tentava uma cartada desesperada. Passou a adotar um discurso nacionalista e exigia o retorno do país à democracia. Desde 1965, intensificou seus ataques a líderes do golpe militar. No entanto, além de contraditória, a aliança entre as velhas raposas do período democrático populista se mostrou ineficaz. Brizola e Jânio negaram-se a participar, e Goulart e Juscelino ficaram reticentes em apoiar seu antigo desafeto. A Frente Ampla foi posta na ilegalidade em 1968. Ao final do mesmo ano, Lacerda foi preso e teve seus direitos políticos cassados. O bipartidarismo iria durar até 1980. Os tempos eram outros. E bem duros. Radical. Hoje a palavra pode significar uma manobra arrojada sobre um skate ou uma prancha de surfe. Uma ousada forma de vestir ou um difícil passo de dança. Até mesmo um refrigerante de sabor exótico e cor surpreendente. Na década de 1960 os significados eram outros. O mundo vivia uma intensa efervescência política e cultural. Em meio à Guerra Fria os norte-americanos assumiam o papel de defensores do capitalismo internacional, realizando intervenções militares na República Dominicana (com apoio de tropas brasileiras) e no Vietnã. Na China o líder comunista Mao Tsé-tung consolidava-se no poder com sua revolução cultural. Em Cuba o regime socialista de Fidel Castro desafiava os Estados Unidos. Na Bolívia, em 1967, a morte de Che Guevara firmava-o como modelo do herói revolucionário. Na América Latina proliferavam as ditaduras patrocinadas pelos norte-americanos. No Brasil, apesar das crescentes medidas repressivas e das dificuldades políticas estabelecidas para a oposição, crescia o sentimento contrário à ditadura. Incursões armadas a partir do Rio Grande do Sul e atentado à bomba – um deles visando um dos líderes da linha dura, o general Costa e Silva – foram frequentes em 1965. No ano seguinte, apesar da repressão, os estudantes voltaram a se manifestar em todo o país e procuraram reorganizar a UNE, posta na ilegalidade desde 1964. A esquerda estudantil voltou a protestar. Além disso, a insatisfação popular era alimentada pelos insuficientes resultados econômicos obtidos pelo governo. Herdeiro de uma grave crise econômica, Castelo encarregou os economistas Roberto Campos e Octávio Bulhões de implementar medidas que resolvessem o déficit público e contivessem a taxa inflacionária. Através do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), os salários foram comprimidos, reduziram-se os gastos públicos, cortaram-se subsídios, ampliou-se a arrecadação de impostos e procurou-se conceder facilidades ao capital estrangeiro, revogando a Lei de Remessa de Lucros regulamentada por João Goulart. Apesar da redução da inflação de quase 100% ao ano, em 1964, para cerca de 35%, em 1965, e 40%, em 1966, a taxa permanecia elevada e em alguns setores específicos (eletricidade, combustíveis e trigo) ocorreu aumento de preços, provocando o descontentamento dos assalariados. O terreno estava propício a contestações. D. Sucessão Presidencial Em 1967 a linha dura chegou ao poder. A sucessão de Castelo Branco foi decididapelo alto comando das Forças Armadas. Desde 1964 o general Artur da Costa e Silva vinha angariando simpatias para sua candidatura. Em maio de 1966, a convenção da Arena simplesmente ratificou o nome do general. O MDB não lançou candidato, em protesto contra as seguidas mudanças das regras eleitorais, intimidações, cassações e impugnações de candidatos da oposição, que resultaram na ampla maioria parlamentar de governistas. Para vice-presidente foi escolhido o udenista Pedro Aleixo. Poucos dias antes de deixar o governo, Castelo Branco lançou o decreto que instituía a Lei de Segurança POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 17 Nacional, pela qual toda ação considerada desestabilizadora do regime – entenda-se greves, manifestações, pronunciamentos e articulações políticas – passou a ser alvo de severas punições. Na prática todos aqueles que fossem enquadrados nessa lei teriam seus direitos civis suspensos. Em sete de dezembro de 1966, através do Ato Institucional nº 4 (AI-4), os deputados e senadores foram convocados para a eleição do novo presidente e para a elaboração de uma nova Constituição para o país. A Constituinte foi convocada com prazo definido para terminar seus trabalhos e funcionou sob forte pressão militar. Em 21 de janeiro de 1967, foi aprovada uma nova Constituição, que procurava legitimar o Estado autoritário e manter o Poder Legislativo coagido pela repressão. Reorganizava-se, assim, a legislação do novo governo que, entre os anos de 1964 e 1966 estabeleceu quatro atos institucionais, 36 atos complementares, 312 decretos-leis e 3.746 atos punitivos. Na nova Carta, toda essa legislação era agora disposta de modo a conferir “legalidade” ao regime. O autoritarismo virava lei. Mas o pior ainda estaria por vir. E. Manifestações de protesto As restrições políticas impostas pelo regime desencadearam uma imensa onda de protestos em todo o país. Além da vacilante Frente Ampla e do limitado MDB, ganhou força no cenário político o movimento estudantil, em sintonia com a rebeldia dos jovens norte-americanos e europeus nos inquietos anos 60. Articulando reivindicações específicas aos grandes temas nacionais, os estudantes organizaram grandes manifestações exigindo o fim da ditadura militar. Como suporte, difundia-se uma cultura engajada, que propunha transformações radicais na sociedade brasileira através da aliança entre intelectuais, estudantes, camponeses e operários. No horizonte dessas propostas estava o socialismo. Os confrontos com policiais tornaram-se frequentes, aumentando o clima de radicalização política. Policiais e grupos paramilitares invadiam universidades, teatros e centros culturais, realizando prisões e espancamentos de professores, estudantes, artistas e intelectuais. De um lado, bombas de gás lacrimo gênio, cavalaria, cassetetes, espadas e tiros. De outro, lenços e garrafas com água ou amoníaco (para suportar o efeito do gás), bolinhas de gude e rolhas (para derrubar os soldados de seus cavalos), coquetéis molotov, faixas contra a ditadura e palavras de ordem que revelavam as disputas pela hegemonia do movimento: “só o povo organizado derruba a ditadura” contra “só o povo armado derruba a ditadura”. Como em outras partes do mundo, muitas bandeiras dos Estados Unidos, queimadas em público, num ritual que pretendia destruir simbolicamente o poder da maior potência capitalista da época. O clima de efervescência política levou parlamentares a condenarem as ações repressivas contra a população civil e a denunciar a prática de tortura por parte dos agentes policiais. Diante disso, o governo passou a exigir a suspensão das imunidades parlamentares dos autores de pronunciamentos críticos às ações policiais e o seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional. Em especial tinham em mira o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, que se pronunciara contra a ação das Forças Armadas na repressão aos estudantes. O governo exigia o direito de processar o deputado. Para tanto, era necessária a aprovação do Congresso Nacional. A essa altura, as arbitrariedades cometidas em nome do regime haviam aberto dissidências nas bases governistas. Para surpresa geral, os deputados negaram o pedido do Executivo, impondo-lhe uma fragorosa derrota em 12 de dezembro de 1968. Era a hora da verdade. Os governantes poderiam ceder às manifestações e protestos e restabelecer a democracia no país. Ou então aprofundar a ditadura. F. O AI 5 Na noite de 13 de dezembro de 1968, menos de 24 horas após a corajosa sessão parlamentar, foi anunciado à nação o Ato Institucional nº 5 (AI-5) e um novo Ato Suplementar que fechava o Congresso indefinidamente. Pelo AI-5, cuja vigência só expiraria por decreto do Executivo – o que só viria a ocorrer dez anos depois –, ficavam suspensos todos os direitos civis e constitucionais. Nesse período, qualquer cidadão brasileiro poderia ser preso e perder seus direitos políticos por ordem do Poder Executivo. Todos os veículos de comunicação passaram à vigilância militar, que operava a censura prévia de qualquer matéria de teor oposicionista ou que desse publicidade a manifestações de contestação ao regime. O Poder Judiciário passou, por uma série de mecanismos, à órbita do Executivo. Ocorreram centenas de prisões, cassações políticas e expurgos no serviço público, além de aposentadorias compulsórias nas universidades. Foram suprimidas as garantias básicas do Estado de direito, como o mandado de segurança para prisões e buscas e o habeas corpus para crimes políticos. Nos meses seguintes, novos atos institucionais procuraram "legalizar" a atribuição de poderes discricionários ao Executivo. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 18 O AI-5 marcava o início de uma nova fase da República Militar. Consolidavam-se a institucionalização da ditadura e o Estado de Segurança Nacional - o primeiro de muitos a se estabelecerem na América Latina –, que identificava, como seus inimigos internos, determinados setores da sociedade, tidos como agentes do comunismo internacional. Disseminada pelos Estados Unidos, logo após a Segunda Guerra, e desenvolvida no Brasil pela Escola Superior de Guerra (ESG), a partir de 1949, a ideologia de segurança nacional tornara-se peça-chave da propaganda e das ações militares ocidentais contra o "expansionismo vermelho". A formação de lideranças civis e militares tinha como pressuposto a incapacidade governamental das elites civis e, consequentemente, previa a atribuição aos militares da missão de salvar o país da infiltração comunista. Ampliando o conceito de guerra para o cotidiano da política e submetendo esta última aos desígnios geopolíticos do Brasil – país ocidental, capitalista, cristão –, obtinha-se uma perigosa identificação entre a nação e o Estado, tido como sua representação política. Assim, as discordâncias oposicionistas eram identificadas como crimes contra o Estado, cujos objetivos visavam desestabilizar o regime e subjugar a soberania nacional. A espessa e negra cortina autoritária cobriria o Brasil por mais de uma década. G- NAVALHA NA CARNE "[. ] que várias vezes seguidas procederam à imersão da cabeça do interrogatório, a boca aberta, num tambor de gasolina cheio d'água, conhecida essa modalidade como “banho chinês” [... ] [...] que, inclusive, ameaçaram de tortura seus dois filhos; que torturaram seu marido também; que seu marido foi obrigado a assistir a todas as torturas que fizeram consigo; que também sua irmã foi obrigada a assistir à suas torturas; [... ] [...] sofreu violências sexuais nó presença e na ausência do marido; [... ] [...] a interroganda quer ainda declarar que durante a primeira fase do interrogatório foram colocadas baratas sobre o seu corpo, e introduzida uma no seu anus." Depoimentos de vítimas da repressão militar, Apud Brasil: nunca mais, p. 39-48. "Nossos acusadoresreclamam com frequência de nossos interrogatórios. Alegam que presos inocentes eram mantidos horas sob tensão, sem dormir, sendo interrogados. Reclamam, também, de nossas ‘invasões de lares’, sem mandados judiciais. É necessário explicar porém, que não se consegue combater o terrorismo amparado nas leis normais, eficientes para um cidadão comum. Os terroristas não eram cidadãos comuns." Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra Rompendo o silêncio, p. 157. A tortura degrada tanto aqueles que são submetidos a ela quanto os que a cometem. De um lado ou de outro, o elemento sombrio e indigno do ser humano aflora. À mercê das atrocidades, sem direitos civis que o possam amparar, o homem submetido à tortura vê-se desumanizado. A manutenção de sua dignidade custa-lhe, muitas vezes, sua sanidade mental. Ou sua vida. O torturador, por mais cruel e sádico que possa parecer, não escapa da bestialização que procura impor às suas vítimas. Pior. Sua dignidade não pode ser mantida nem pela loucura nem através da morte. A memória da barbárie é o tormento de seus atos. O ofício do historiador não é vingativo nem cruel, mas não deve omitir a crueldade. O Estado de Segurança Nacional institucionalizou a tortura, que passou a integrar o cotidiano da luta política no país. Suprimidas as garantias e os direitos civis dos cidadãos, estes se tomaram vulneráveis às violências praticadas pelo Estado em nome da defesa da nação. Transgressor dos direitos humanos, o regime militar permitiu que a nação devorasse seus filhos. O endurecimento do regime militar com o AI-5 provocou uma profunda alteração na política brasileira. Eliminada a possibilidade da oposição legal e da resistência civil, começou a ganhar corpo a opção do confronto militar. Muitos grupos de esquerda, compostos em sua maioria por estudantes e intelectuais, passaram a organizar a luta armada como instrumento de oposição à ditadura. Entusiasmados com os sucessos revolucionários chinês e cubano, grupos guerrilheiros desejavam estabelecer uma república socialista no Brasil. Audaciosas operações político-militares, como assaltos a bancos, treinamentos de tropas, fugas de presos políticos, ataques a quartéis militares e roubos de armamentos e explosivos, alimentaram o sonho dos revolucionários brasileiros. POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL 19 H- A repressão Um grande aparato repressivo foi montado para combater a oposição armada. Ligado diretamente ao Conselho de Segurança Nacional, o poderoso Serviço Nacional de Informações (SNI) subordinava todas as secretarias estaduais de Segurança e seus respectivos Departamentos de Ordem Política e Social – DOPS), além de coordenar os serviços secretos e centros de operações das três Armas. Uma dialética nefasta impunha-se: o endurecimento do regime fortalecia a opção da resistência armada; esta fortalecia os setores mais identificados com a ideologia de segurança nacional, que tinha nesse confronto campo fértil para sua expansão. Paradoxalmente, com Costa e Silva, a linha dura implementou e levou às últimas consequências a doutrina desenvolvida pelo grupo da. "Sorbonne". Os militares assumiam o controle completo da sociedade. No Exército foram criados dois organismos de operações especiais: o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi). Vinculando as ações das polícias e do Exército, e financiadas por industriais brasileiros e multinacionais, foram organizadas em São Paulo ações de varredura de militantes de esquerda, denominadas Operação Bandeirantes (Oban). Em diversas delegacias, quartéis militares e mesmo em fazendas particulares de membros da repressão, os representantes da esquerda tinham de responder a intensos interrogatórios e sofriam sessões de torturas. Os presos eram submetidos a choques elétricos, pau- de-arara, estupros, afogamentos, queimaduras, lesões físicas e psicológicas de toda a espécie. A humilhação e a degradação eram acompanhadas por sofisticadas técnicas de tortura e especialistas no ramo. Médicos ajudavam os torturadores a manter vivos os seus prisioneiros. Torturadores renomados eram designados para cuidar de presos que pudessem revelar importantes informações. Em plena guerra subversiva - uma das expressões caras à ESG - o poder militar viveu mais uma crise,. O presidente Costa e Silva, acometido de graves problemas de saúde, teve de ser afastado do cargo. No lugar de permitir a posse do vice-presidente civil Pedro Aleixo, o Alto Comando das Forças Armadas passou o governo do Brasil a uma Junta de Ministros Militares em agosto de 1969. Em Outubro do mesmo ano, num clima de forte divisão nas Forças Armadas, foi indicado para a Presidência da República o general Emílio Garrastazu Médici. Setores militares ligados ao grupo da "Sorbonne" temiam que o aparato repressivo se tomasse incontrolável. As audaciosas ações dos guerrilheiros, principalmente do ex-campeão do Exército Carlos Lamarca e de Carlos Marighela, deputado constituinte pelo PCB em 1945, não foram suficientes para vencer a ditadura. Divididas em inúmeros grupúsculos, isoladas politicamente e submetidas a uma intensa repressão militar, em pouco tempo as organizações guerrilheiras passaram à defensiva. Sequestros de embaixadores tomaram-se a forma desesperada de libertar companheiros aprisionados pela repressão. Em 1969, poucos dias após o afastamento de Costa e Silva, militantes do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) e da Aliança Libertadora Nacional (ALN) sequestraram o embaixador norte-americano Charles Burke Erick. Em 1970 foram sequestrados os embaixadores da Suíça e da Alemanha Ocidental e o cônsul do Japão. A cada uma dessas ações guerrilheiras, grupos de militantes eram retirados dos locais de tortura e banidos do país. No entanto, para cada militante libertado, muitos eram presos ou mortos. Marighela morreu em novembro de 1969. Lamarca, em setembro de 1971. Ao final de 1973, as organizações de esquerda haviam sido completamente derrotadas. O sonho havia acabado. I - A resistência Apesar de amordaçada pela censura, a sociedade brasileira encontrou meios para resistir à onda de violências que dominava o pais. As reações eram pequenas se comparadas com outros momentos de mobilização, mas nem por isso menos importantes. Com a repressão sobre os estudantes, intelectuais e operários, com as cassações e perseguições aos parlamentares de oposição e Com o declínio dos grupos guerrilheiros, era necessária muita habilidade para enfrentar a ditadura. Jornais que tinham suas matérias censuradas passaram a publicar trechos de poesias, O Estado de S. Paulo estampava estrofes de Os lusíadas e o Jornal da Tarde, receitas de bolos. Era uma forma de lembrar aos leitores que haviam sido censurados pela repressão. Compositores elaboravam letras para canções repletas de duplos-sentidos, que pudessem confundir os censores. Chico Buarque, cansado de ter suas músicas proibidas, criou um novo nome - Julinho da Adelaide - a quem atribuiu a autoria de três de suas canções: Acorda amor; Jorge Maravilha e Milagre brasileiro. Irônico, o compositor fez Julinho dar uma entrevista ao jornal POLÍCIA MILITAR DO PARÁ - SOLDADO HISTÓRIA DO BRASIL - LEI 5.810/94 20 Última Hora em setembro de 1974. No ano seguinte, Julinho já havia "morrido", mais uma vez por obra de seu criador. Mas foram as lideranças progressistas da Igreja católica, através de suas pastorais, que exerceram o principal papel de resistência nesses anos tão difíceis. "Voz daqueles que não tinham voz", ela colocou advogados à disposição das famílias dos presos políticos. O objetivo inicial era encontrar os prisioneiros e garantir-lhes assistência jurídica. O cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, fez duras críticas aos militares, condenou publicamente as torturas praticadas e Denunciou os assassinatos
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