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III REALIZAÇÃOAPOIO 3 POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA GARANTIA DOS DIREITOS Leila Maria Passos de Souza Bezerra Paula Raquel da Silva Jales GRATUITA Esta publicação não pode ser comercializada Ilustração de Francisco Matheus Braga da Silva com intervenção de Carlus Campos Ilustração de Yasmim Monteiro Gomes Bezerra com intervenção de Carlus Campos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 (RE)CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA 3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 4 SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PROTEÇÕES, EQUIPAMENTOS, SERVIÇOS, PROGRAMAS, PROJETOS E BENEFÍCIOS 5 RESPONSABILIDADES DOS ENTES FEDERADOS, CONTROLE SOCIAL E FINANCIAMENTO REFERÊNCIAS 36 37 39 42 45 47 Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br Este curso é parte integrante do Curso de Capacitação sob o tema PROTEÇÃO SOCIAL na modalidade de Educação a Distância (EaD), em decorrência do Contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS , sob o nº 143/20. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 P967 Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação / vários autores; organizado por Ana Lourdes Maia Leitão; vários ilustradores. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2021. 192 p. : il.; 26cm x 30cm. – (Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação ; 12v.) Inclui bibliografia e apêndice/anexo. ISBN: 978-65-86094-76-3 (Coleção) ISBN: 978-65-86094-85-5 (Fascículo 3) 1. Direitos Humanos. 2. Políticas Públicas. 3. Assistência Social. 4. Drogas. 5. Igualdade Racial. 6. Segurança Alimentar e Nutricional. 7. Proteção à Vida. 8. Direito das Mulheres. 9. População LGBTQIA+. 10. Pessoas com deficiência. I. Leitão, Ana Lourdes Maia. II. Título. III. Série. 2021-1549 CDD 341.4 CDU 341.4 Índice para catálogo sistemático: Direitos Humanos 341.4 Direitos Humanos 341.4 Copyright©2021 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência Luciana Dummar Direção Administrativo-Financeira André Avelino de Azevedo Gerência Geral Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos Raymundo Netto Análise de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis SECRETARIA DE PROTEÇÃO SOCIAL, JUSTIÇA, CIDADANIA, MULHERES E DIREITOS HUMANOS (SPS) Secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS Socorro França Coordenação Técnica PROARES III SPS Maria de Fátima Lourenço Magalhães Gerência Técnica do PROARES III Anete Morel Gonzaga Gerência de Fortalecimento Institucional do PROARES III Selma Maria Salvino Lôbo UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica Viviane Pereira Coordenação de Cursos Marisa Ferreira Design Educacional Joel Lima Front-End Isabela Marques CURSO PROTEÇÃO SOCIAL: PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCOMUNICAÇÃO Concepção e Coordenação Geral Cliff Villar Coordenação de Conteúdo Ana Lourdes Leitão Revisão Daniela Nogueira Projeto Gráfico, Edição de Design e Coordenação de Marketing Andrea Araujo Design Mariana Araujo, Miqueias Mesquita e Kamilla Damasceno Arte-terapia Joana Barroso Ilustrações Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, com intervenção de Carlus Campos Análise de Marketing Digital Fábio Júnior Braga 1 2 36 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 37 (RE)CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA Quando usamos a expressão “assistência social”, não é in-comum encontrarmos pessoas que ainda a identifiquem com “ajuda aos pobres-necessitados-carentes”, “carida-de cristã”, “filantropia laica”, “benesse”, “assistencialis- mo”, mesmo quando as provisões sociais são garantidas pelo Estado, portanto, não restritas às instituições da sociedade civil. Os nomeados de “pobres” seriam, nesse imaginário social vigente, aqueles(as) que, por algum infortúnio, não têm con- dições econômicas para suprir suas mínimas necessidades in- dividuais e/ou familiares, via de regra, circunscritas à “sobrevi- vência biológica”. Talvez também por isso, alguns cidadãos, em especial aqueles(as) em situação de pobreza pluridimensional (BEZERRA, 2015) não busquem e/ou se recusem a solicitar o acesso a serviços, programas, projetos e/ou benefícios socioas- sistenciais, a serem afiançados pela Política Nacional de Assis- tência Social (PNAS, 2004) articulada ao seu modelo de gestão descentralizada e participativa, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS, 2005; 2012b). Importa explicitar, então, as distintas (re)configurações his- tóricas da assistência social até sua recente definição enquanto política pública de Estado, estratégica, não distributiva e trans- versal; garantidora de direitos socioassistenciais voltadas “para quem dela necessitar” (BRASIL, 1993) e, por conseguinte, eleva- da ao status de direito de cidadania no Brasil contemporâneo. Se compreendermos por assistência social o conjunto de práticas institucionalizadas, que visam ao atendimento das ne- cessidades de indivíduos, famílias, coletivos e comunidades sem condições para provê-las, identificaremos que a Igreja Católi- ca foi uma das primeiras que realizaram ações dessa natureza, sob a forma de caridade material e/ou moral (JALES, 2020). Com a laicização do Estado, multiplicaram-se as práticas filantrópi- INTRODUÇÃO No fascículo anterior aprendemos o que são as situações de vulnerabilidade e risco sociais bem como as formas de seu enfrentamento no Brasil. O assunto específico da aula de hoje é a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) brasileira, política pública não contributiva de Seguridade Social, reconhecida como direito e obrigação estatal a partir da Constituição Federal de 1988, destinada ao público em condições de vulnerabilidade e risco sociais. O texto foi organizado em quatro tópicos para facilitar a sua compreensão. No primeiro, fazemos a apresentação resumida das configurações da assistência social no Brasil, a fim de eviden- ciar as marcas socio-históricas que perpassaram essas práticas até ganhar status de política pública. No segundo, ressaltamos a configuração da Política Nacional de Assistência Social e os documentos jurídico-políticos basilares que a regulamentam e instituem seu modelo de gestão. No terceiro, tratamos mais de- talhadamente do Sistema Único de Assistência Social (Suas) que executa uma gestão descentralizada e participativa nos Estados, municípios e Distrito Federal. Por fim, expusemos, com brevida- de, as responsabilidades dos entes federados, dos espaços de participação, dentre eles os destinados ao controle social e do financiamento. Desejamos a você uma excelente leitura! cas laicas. Além desses, a benemerência manifestava-se“[...] na ação do dom, da bondade, que se concretiza pela ajuda ao outro” (MESTRINER, 2008, p. 14). Caridade cristã, filantropia leiga e be- nemerência são, portanto, configurações históricas da assistên- cia social, recorrentemente tratadas como seus sinônimos. Embora cada uma dessas expressões tenha definições e ca- racterísticas singulares, um ponto de confluência entre elas, no Brasil, foi o direcionamento assistencialista atribuído às práti- cas socioassistenciais traduzidas em estratégia da classe domi- nante para minimizar e/ou naturalizar as desigualdades sociais e o processo de pauperização produzidas e reproduzidas no ca- pitalismo (ALAYÓN, 1992). Buscava-se manter subalternizada a população pauperizada, tornadas culpabilizadas pela situação vivida (ALAYÓN, 1992) e gratas pela “ajuda” recebida de seus supostos(as) benfeitores(as). Compreender tais marcas históricas inscritas em discursos e práticas acerca da assistência social brasileira, outrossim pre- sentes neste século XXI, a dificultar seu reconhecimento no plano dos direitos, exige considerarmos nossa formação socio-histórica de matriz político-cultural hierárquica-autoritária-conservadora (DAGNINO, 2004), voltada à pacificação dos conflitos sociais en- tremeada aos silenciamentos, desqualificação e invisibilização social das classes subalternas em termos da legitimidade de suas culturas, demandas-necessidades e participação ativa. País de capitalismo dependente-periférico, o Brasil resguar- da os traços de seu colonialismo inaugural, metamorfoseado em colonialidade do poder, do saber e do ser (MALDONATO- -TORRES, 2008); da experiência da escravidão e do racismo estrutural (ALMEIDA, 2018); da “ideia-força da hierarquização sociomoral” e das desigualdades instituídas entre indivíduos, classes e grupos sociais bem como entre os gêneros e as “raças” (SOUZA, 2017). Situações adensadas e complexificadas de desi- gualdades e pobreza vivenciadas pelas classes subalternas bra- sileiras, historicamente reconhecidas como público principal do campo socioassistencial privado e/ou público-estatal. Para avançarmos nesse rememorar da política pública em tela, apontamos que o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), criado em 1934, na estrutura do Ministério da Educação e Saúde, assinala a primeira forma de regulamentação da assis- tência social pública e privada no país (MESTRINER, 2008). No entanto, sem a reponsabilidade de executar ações na área e sim Ilustração de Yasmim Monteiro Gomes Bezerra com intervenção de Carlus Campos Ilustração de Rafaela Microni Santos com intervenção de Carlus Campos 3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A travessia da assistência social para o campo da polí-tica pública de direitos socioassistenciais inscreve-se em contexto de lutas sociopolíticas protagonizadas por distintos segmentos organizados da sociedade civil, no Brasil, por redemocratização e construção do Estado Democrático de Direito, intensificadas nos anos 1970 e 1980. A Constituição Fe- deral de 1988 resguardou avanços no sistema de proteção social brasileiro, com a regulamentação de direitos sociais e a responsa- bilização pública atribuída ao Estado nas suas três instâncias de governo: federal, estadual e municipal. Entretanto, a despeito das inigualáveis conquistas jurídico-políticas, a preconizada proteção social não se concretizou para a maioria da nossa população nesse século XXI. Acompanhamos, ao contrário, ciclos de contrarreformas do nosso Estado expresso, sobretudo, na desconstrução de direitos sociais e trabalhistas sintonizada com a contenção do orçamen- to público federal destinado às políticas públicas sociais (CAR- VALHO, 2017). E vivenciamos o crescimento e a complexificação das demandas postas à Política de Assistência Social em todo o país mediante a precarização e informalização do trabalho, a agudização do desemprego, das desigualdades (sociais/raciais/ territoriais), da pobreza e extrema pobreza, a atingirem pata- mares inigualáveis durante a pandemia de covid, nesses anos 2020 e 2021. A ruptura com a matriz político-cultural hierárquico-conser- vadora-autoritária (TELLES, 1999; DAGNINO, 2004), vinculada à formação socio-histórica do Brasil e inscrita na gênese do cam- po socioassistencial, ainda conforma indispensável desafio para fins de materialização da PNAS e do Suas no presente. Não obs- tante sua regulamentação pelo Estado, traços conservadores ulteriores intercalados à orientação (neo)liberal à brasileira hi- bridizam-se por dentro da nossa institucionalidade democráti- 38 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 39 escolher as entidades que receberiam as subvenções sociais (MESTRINER, 2008). Segundo Mestriner (2008), o princípio da subsidiariedade estatal, ou seja, o apoio financeiro público às instituições privadas que realizavam e ainda realizam o traba- lho social consiste em traço basilar, e não superado, da assistência social no Brasil. É mister salientarmos a Legião Brasi- leira de Assistência (LBA), organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cria- da em 1942, que, após 26 anos de existên- cia, foi transmutada em Fundação, com sede em quase todos os Estados brasilei- ros, sob a direção das primeiras-damas dos sucessivos presidentes da República (SPOSATI, 2004). Ao longo de sua história, até ser extinta em 1995, essa instituição ofertou serviços de creches, lavanderias públicas, cursos, grupos de apoio, além de distribuir alimentos, cadeiras de rodas e outros itens. Operacionalizou ações nas áreas da saúde, da educação, da segu- rança alimentar, do lazer e da assistência social, de acordo com as demandas apre- sentadas pelas famílias em situação de pobreza ou segundo as percepções dos gestores do que seria, supostamente, o “melhor para elas”. Enunciamos, em síntese, as principais características da assistência social bra- sileira, no campo estatal, sem estatuto de política pública, no período anterior à Constituição Federal de 1988 e, especifica- mente, à promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993), a saber: dubiedade, desarticulação e descoorde- nação das ações e projetos assistenciais, com irracionalidade no uso dos parcos re- cursos; descontinuidade e/ou paralelismo das ações, de caráter eventual, compensa- tório, seletivo e fragmentário; ausência de equipamentos públicos específicos para atendimento da população; falta de um orçamento público e de uma direção geral e unificada das práticas; indefinição entre público e privado, a sublinhar o princípio da subsidiariedade estatal (MESTRINER, 2008); independência das ações assisten- ciais desenvolvidas pela sociedade civil, sem acompanhamento estatal; ênfase nos “incapacitados para o trabalho” e nos classificados pobres/extremamente po- bres; recursos, planejamento e decisões centralizadas no Estado. O campo socioassistencial brasilei- ro encontrava-se eivado por práticas político-ideológicas elitistas, autori- tárias, pautadas em trocas de favores, relações paternalistas e/ou clientelis- tas entre doadores(as), detentores de poderes econômico e político; e os(as) “receptores(as)” de “auxílios” e que, por isso, deveriam lealdade aos seus proteto- res. Distinguia-se, assim, por seu tenden- cial assistencialismo. Outro aspecto significativo na demar- cação da nossa assistência social pré- -política pública remete-nos às particula- ridades da questão social no Brasil, nos termos delineados por Santos (2012): a passivização das lutas sociopolíticas da classe trabalhadora e os processos de superexploração do trabalho pelo capi- tal, sob as marcas da flexibilização e da precariedade estruturantes das nossas relações de trabalho não creditáveis so- mente à crise estrutural do capitalis- mo contemporâneo. Para essa autora, a “flexibilidade/precariedade é erigida, no Brasil, como princípio estruturante dos postos de trabalhoantes e durante o pe- ríodo fordista do capitalismo brasileiro” (SANTOS, 2012, p. 434). Constituiu-se uma dualidade do mer- cado de trabalho no país. De um lado, os(as) trabalhadores(as) formais com carteira de trabalho, a lhes garantir uma “identidade civil”, com acesso à previ- dência social e uma “cidadania regulada” (SANTOS, 1979); de outro, os informais- -precarizados, desempregados(as) e em situação de pobreza, muitos prove- nientes do processo migratório campo- -cidade, mantidos(as) entre a tutela e a assistencialização de suas existências precarizadas. Esta segunda e crescente parcela da classe trabalhadora, sem contrato formal de trabalho – os “autônomos/informais”, com baixíssimos salários e sem nenhum direito – dependia da caridade, da filan- tropia e da benemerência pública e/ou privadas matrizadas pelo assistencialis- mo, que atendeu às suas demandas mais imediatas e urgentes, com intenção de evitar conflitos sociais. Além de social- mente desqualificados, foram tratados como “coitados”, miseráveis, “desvalidos da sorte”, na versão reiterada dos “po- bres-carentes-necessitados”, subalter- nizados, a expressarem a imagem nega- tivada do “pobre incivil” (TELLES, 1999), destituídos de cidadania/direitos ou, no máximo, portadores de uma subcidada- nia (SOUZA, 2018). O avanço da (re)democratização na década de 1980, concomitante ao enfra- quecimento e esgotamento do projeto político-econômico da Ditatura Militar (1964-1985), inseriu a proteção social e, consequentemente, a assistência social, como política pública, na agenda das reivindicações dos movimentos sociais e grupos progressistas. Além da demo- cracia representativa e direitos civis e políticos, estes sujeitos coletivos lutavam pela democracia participativa, com universalização dos direitos sociais e hu- manos imbricada à participação ativa da sociedade civil na gestão das políticas públicas sociais. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 – a “Constituição Cidadã” – tornou-se a legislação soberana que reconhece, no artigo 194, a Assistência Social constitu- tiva da Seguridade Social, junto com a saúde e previdência social, com status de política pública, dever do Estado e di- reito do cidadão. Ilustração de João Victor Batista Veloso com intervenção de Carlus Campos SAIBA MAIS e acesse a Loas em http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8742compilado.htm SAIBA MAIS e acesse a PNAS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/ webarquivos/publicacao/ assistencia_social/Normativas/ PNAS2004.pdf As conquistas e os avanços alcançados no campo socioassis- tencial estatal no período de 2003 a 2014 são, decerto, irrefutá- veis. E precisamos defendê-los, sobretudo, em termos da cons- tituição e da implementação de benefícios, programas, projetos e serviços designados à prevenção e ao enfrentamento de vulnerabilidades e riscos sociais, conforme demarcam a Loas (1993), a PNAS (2004) e a Norma Operacional Básica (NOB/SUAS, 2005; 2012b), ora reconhecidas enquanto normativas jurídico- ca. Essa construção e consolidação da PNAS e a implementação do Suas têm sido marcadas por lutas, tensões, avanços, recuos, limites-desafios em curso no Brasil contemporâneo (RAICHELIS, 2019; SILVA, 2019). Conforme Bezerra (2019, p. 03), a partir de seus dispositivos jurídicos-políticos, a assistência social fora: Elevada ao patamar de Política de Seguridade Social, de caráter não contributivo, destinada a ‘quem dela necessitar’, todavia, desde que dentro de critérios de seletividades instituídos pelo Estado. A emanci- pação política, em perspectiva ampliada da satisfação das necessida- des humanas (PEREIRA,1996) na configuração da garantia de direitos sociais, encontra-se em tensionamento com a tendência de garantia de “mínimos sociais” de sobrevivência – em uma versão minimalista de ‘ci- dadania’ – sendo ambas anunciadas no texto da LOAS (1993) e disputa- das por projetos político-ideológicos distintos nos anos 2000. Não obstante, com a Loas, Lei nº 8.742/1993, os princípios augurados nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 – atinentes ao direito de cidadania à assistência social sob a primazia estatal – foram normatizados. Marco legal a inau- gurar outras bases da Assistência Social inscrita no sistema de proteção social brasileiro, a Loas (1993) vislumbra assegurar direitos socioassistenciais assentada em princípios democráti- cos basilares: universalização, igualdade de acesso, respeito à dignidade, foco nas necessidades sociais e disseminação abrangente de informações. -políticas fundantes da política pública em questão. Nos termos dessas normativas, a situação de vulnerabilidade social é [...] decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras) (BRASIL, 2004, p. 27). Já a situação de risco pessoal e social de indivíduos e fa- mílias, por violação de direitos, vem definida, nesta normativa, enquanto uma face da exclusão social, a saber: “[...] um proces- so que pode levar a um acirramento da desigualdade e da po- breza e, enquanto tal, apresenta-se heterogênea no tempo e no espaço” (BRASIL, 2004, p. 30). Refere-se tanto à fragilização e/ou ruptura dos vínculos familiar e comunitário como às situações de ameaças impelidas a famílias e/ou indivíduos, a exigir a retirada do território vivido (KOGA, 2003; BEZERRA, 2015). Incluem, assim, situações diversas, em especial o abandono; as violências (física, sexual, psicológica, negligência); o cumprimento de medidas so- cioeducativa em meio aberto (Liberdade Assistida – LA e Presta- ção de Serviço à Comunidade – PSC); o trabalho infantil; a explo- ração sexual contra crianças e adolescentes; a situação de rua. Com relação ao público usuário, observamos seu alargamen- to em comparação à sua gênese, pois compreende cidadãos e gru- pos em situações de vulnerabilidade e riscos sociais, com foco na família e na convivência social/comunitária (BRASIL, 2004). Tal normativa mantém os históricos “demandatários(as)” do campo socioassistencial – segmentos sociais ditos “inaptos para o traba- lho” – e inclui os “aptos para o trabalho”, quando imersos em situ- ações de pobreza/extrema pobreza, desemprego, informalidade e precarização do trabalho, suscetíveis ao seu reconhecimento enquanto sujeitos (as) de direitos socioassistenciais. Os marcos legais supracitados assinalam a transversalidade e a intersetorialidade da PNAS em relação às demais políticas sociais setoriais, na perspectiva de “enfrentamento da pobre- za”, segundo elucidado no parágrafo único, do Artigo 2º, da LOAS, alterada pela Lei nº 12.435/2011. No esteio da regulamentação jurídica e institucionalização es- tatal da Assistência Social, cabe-nos salientar também a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-SUAS/RH, 2006) e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS nº 109/2009 e Resolução do CNAS nº 13/2014), que versam, respectivamente, sobre a gestão do trabalho e a padronização dos serviços ofer- 40 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 41 tados no âmbito do Suas, aspectos funda- mentais à sua materialização. A PNAS (2004) instituiu as bases de re- gulação e organização da gestão e oferta das ações socioassistenciais (serviços, programas, projetos e benefícios) matri- zadas no Suas. Normatizado pela Lei nº 12.435/2011 e pelas duas NOB/Suas (2005; 2012b), que disciplinam a gestão públi- ca da assistência social no Brasil, o Suas configura-se em sistema público, não contributivo, descentralizado, partici- pativo, com prerrogativa da cidadania. Outro aspecto destacável da PNAS (2004), no tocante ao delineamento des- se sistema único, consiste na especifi-cação dos seus eixos estruturantes e de subsistemas, também nomeados de bases organizacionais da gestão da As- sistência Social, quais sejam: matriciali- dade sociofamiliar; descentralização po- lítico-administrativa e territorialização; relações entre Estado e sociedade civil sob novas bases; financiamento; controle social; a Política de Recursos Humanos; a informação, o monitoramento e a avalia- ção (BRASIL, 2004; 2012b). A diretriz de descentralização político- -administrativa e o comando único das ações socioassistenciais em cada esfera de governo implica definição de respon- sabilidades de entes federativos – União, Estados e Municípios – e na integração de entidades privadas de assistência social na materialização desta política pública (BRASIL, 2012b). Segundo a Lei nº 12.435/2011, que al- terou a Loas (1993) sobre a organização da Assistência Social, esta política de Estado tem os seguintes objetivos e/ou funções: garantir a proteção social; efe- tuar a vigilância socioassistencial; e as- segurar a defesa de direitos. Desta feita, busca prover as seguranças afiançadas pelo Suas: de acolhida, renda, desenvol- vimento de autonomia, apoio e auxílio, convivência familiar, comunitária e social (BRASIL, 2012b). Mediante a regulamentação e a imple- mentação deste novo modelo de gestão da assistência social estatal, edificou-se uma rede socioassistencial público-privada composta pelo conjunto de serviços, pro- gramas, projetos e benefícios prestados diretamente pelo poder público ou por meio de convênios/parcerias com entida- des socioassistenciais (BRASIL, 2012b). Reafirmamos a primazia da responsa- bilidade estatal na direção da PNAS, de forma a materializar a gestão compartilha- da, o cofinanciamento, a cooperação téc- nica entre os entes federativos, o vínculo Suas, o monitoramento e a avaliação des- ta política pública (BRASIL, 2012b). Nestes parâmetros, o Estado brasileiro propõe-se a garantir uma proteção socioassistencial organizada por níveis/tipos de proteção e de complexidade, a contemplar os portes dos municípios, o respeito às diversidades regionais e municipais, e as dinâmicas so- cioterritoriais, conforme detalharemos no próximo tópico. Ilustração de Francisco Matheus Braga da Silva com intervenção de Carlus Campos Ilustração de Rafaela Microni Santos com intervenção de Carlus Campos SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PROTEÇÕES, EQUIPAMENTOS, SERVIÇOS, PROGRAMAS, PROJETOS E BENEFÍCIOS 4 O Benefício de Prestação Continuada (BPC), os benefícios eventuais, o Programa Bolsa Família (PBF) e os projetos de in- clusão produtiva também compõem a PSB. O primeiro é direito constitucional de uma transferência de renda no valor de um salário mínimo a idosos a partir de 65 anos e à pessoa com de- ficiência em que a renda familiar per capita seja menos que um quarto do salário mínimo (BRASIL, 1993). Apesar de ser um direi- to socioassistencial, o BPC é gerenciado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), única instituição com experiência no cadastramento e pagamento de “benefícios”, como os direitos previdenciários, que tinha, à época, condições de implementar a transferência de renda. Os benefícios eventuais “[...] são provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nasci- mento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de ca- lamidade pública” (BRASIL, 1993, Art. 22). Os auxílios natalidade e funeral são exemplos de benefícios eventuais garantidos e dis- tribuídos nos Cras, pois, como cabe aos Estados, municípios e Distrito Federal legalizá-los e prever dotação orçamentária, eles podem ser específicos para o atendimento das necessidades lo- cais da população usuária. O PBF é uma transferência de renda condicionada, destinada a famílias que possuem renda familiar per capita de até R$ 178. Os valores da transferência dependem da renda mensal declarada e da composição familiar. Além disso, é necessário o cumprimento de condicionalidades nas áreas da saúde, da educação e da as- sistência social para receber regularmente os valores financeiros. Apesar de ter todas as características de um programa socioas- sistencial, o Bolsa Família foi criado como programa intersetorial que abrange as políticas públicas supramencionadas. Contudo, o Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transfe- rências de Renda no âmbito do Suas (Resolução CIT nº 7, de 10 de setembro de 2009) estabeleceu procedimentos para atendimento das famílias do PBF e de outros programas de transferências de renda na estrutura do Suas, por entender que havia uma conver- gência entre as famílias usuárias. Existe, assim, uma priorização deste público nos Cras. O Suas é um sistema nacional público gratuito que materiali-za a Política de Assistência So-cial nos Estados e municípios brasileiros, de forma descentralizada e com a participação da sociedade (BRASIL, 2012b). A proteção social e as cinco segu- ranças socioassistenciais (acolhida, ren- da, convívio, autonomia e apoio) a serem afiançadas são concretizadas no Suas por meio de dois níveis (ou tipos) de proteção, a saber: Proteção Social Básica (PSB) e Pro- teção Social Especial (PSE), de Média e Alta Complexidade (BRASIL, 2004; 2011). A PSB visa prevenir situações de vulnerabilidade e riscos sociais vivenciadas pelos usuários (BRASIL, 2011). Já a PSE centra sua atuação no enfrentamento das violações de direitos sociais e humanos que deterioram e/ou rompem os vínculos estabelecidos entre os sujeitos na sociedade. Para ter acesso ao sistema, a família deve ser atendida primeiramente no Cen- tro de Referência da Assistência Social (Cras), porta de entrada do Suas e equi- pamento público da PSB responsável pela organização e coordenação da rede socioassistencial no território (BRASIL, 2004). Os serviços ofertados pelo Cras são: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif); Serviço de Con- vivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) por faixas etárias; e Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas (BRA- SIL, 2014). O desenvolvimento de um trabalho social continuado com as famílias é a es- pecificidade do Paif. Por isso, ele é reco- nhecido como o principal serviço afiança- do pela PSB, a ser executado no Cras, não sendo permitida terceirização (BRASIL, 2012a). Todos os serviços, programas e projetos da PSB realizados pela rede so- cioassistencial devem ser referenciados ao Cras e estar em articulação com o Paif, a reforçar ainda mais a necessidade de seu pleno funcionamento. As orientações técnicas sobre o Paif, volume 1, conceitua o trabalho social com famílias como: Conjunto de procedimentos efetuados a partir de pressupostos éticos, conhecimento teórico- -metodológico e técnico-operativo, com a finalidade de contribuir para a convivência, reconhecimento de direitos e possibilidades de intervenção na vida social de um conjunto de pessoas, unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade – que se cons- titui em um espaço privilegiado e insubstituí- vel de proteção e socialização primárias, com o objetivo de proteger seus direitos, apoiá-las no desempenho da sua função de proteção e socialização de seus membros, bem como assegurar o convívio familiar e comunitário, a partir do reconhecimento do papel do Estado na proteção às famílias e aos seus membros mais vulneráveis. Tal objetivo materializa-se a partir do desenvolvimento de ações de caráter ‘preventivo, protetivo e proativo’, reconhecen- do as famílias e seus membros como sujeitos de direitos e tendo por foco as potencialidades e vulnerabilidades presentes no seu território de vivência (BRASIL, 2012a, p. 12). 42 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 43 Ilustração de Maia Alease Lima Oliphant com intervenção de CarlusCampos RESPONSABILIDADES DOS ENTES FEDERADOS, CONTROLE SOCIAL E FINANCIAMENTO 5 SAIBA MAIS sobre as responsabilidades dos entes federados em http:// www.mds.gov.br/webarquivos/public/NOBSUAS_2012.pdf e aprofunde leitura do Pacto Federativo do Suas Durante a pandemia de covid-19 e o reconhecimento de estado de calami- dade pública pelo Congresso Nacional, a Política Assistência Social foi conside- rada serviço público essencial, por meio do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, tendo em vista a sua imprescindi- bilidade no atendimento às necessidades básicas dos brasileiros. Nesse sentido, a oferta de serviços, programas, projetos e benefícios teve de se adequar às normas sanitárias para evitar a disseminação do vírus e foram intensificadas diante do aumento da demanda de situações emer- genciais relacionadas, principalmente, à fome, à moradia, ao desemprego, ao crescimento da pobreza pluridimensio- nal e às situações de violências, sobretu- do doméstica. SAIBA MAIS e acesse a NOB/SUA em: http:// www.mds.gov.br/webarquivos/ public/NOBSUAS_2012.pdf e NOB-RH/Suas. http://www. mds.gov.br/webarquivos/ publicacao/assistencia_social/ Normativas/NOB-RH_SUAS_ Anotada_Comentada.pdf Os projetos de inclusão produtiva es- tão relacionados a processos de educa- ção profissionalizante e cidadã que per- mitam as famílias inserção no mercado formal ou informal de trabalho, com o objetivo da empregabilidade e/ou gera- ção de renda. São várias as perspectivas teórico-metodológicas que direcionam esses projetos realizados de acordo com a realidade local dos municípios. A PSE de Média Complexidade possui dois equipamentos sociais públicos, o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) e o Centro de Referência Especializado para Popula- ção em Situação de Rua (Centro Pop). O primeiro oferta o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi); o Serviço Especializa- do em Abordagem Social; o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cum- primento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); e o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias (BRASIL, 2014). E o Centro Pop, o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua (BRASIL, 2014). Os Estados podem em comum acordo com os municípios, criar e fornecer serviços regionalizados, sendo um exemplo os Creas Regionais. O Paefi e o serviço destinado à popu- lação de rua são centrais para a estrutu- ração e efetivação da PSE, no sentido de evitar o acolhimento institucional, sob a reponsabilidade da PSE de Alta Comple- xidade. Os dois níveis de proteção (PSB e PSE) devem manter a referência e a contrarreferência, a fim de garantir a in- tegralidade do sistema. O ideal é que a família acesse o sistema pelo Cras e seja encaminhada aos outros níveis de pro- teção, de acordo com a identificação de demandas. Porém, se o indivíduo ou a família chegar a níveis de proteção mais complexos, sem ser referenciado pelo Cras, caberá ao nível que a está receben- do contrarreferenciar aos níveis de prote- ção precedentes. A PSE de Alta Complexidade propõe- -se a garantir serviços de acolhimento institucional a indivíduos e/ou famílias com direitos violados, que necessitem de afastamento temporário dos convívios familiar e/ou comunitário (BRASIL, 2004). Os serviços são ofertados em equipa- mentos públicos municipais, regionais ou em entidades de assistência social com vínculo Suas, a saber: Serviço de Acolhi- mento Institucional, na forma de abrigo institucional, casa-lar, casa de passagem e residência inclusiva; Serviço de Acolhi- mento em República; Serviço de Acolhi- mento em Família Acolhedora; e Serviço de Proteção em Situações de Calamida- des Públicas e de Emergências, dentre eles alojamentos temporários e supri- mentos materiais (BRASIL, 2014). Por ser uma federação, todo sistema nacional implemen-tado no Brasil precisa da adesão de Estados, municípios e Distrito Federal bem como a cooperação entre eles para a materialização de direitos. No caso do Suas, a maior par- te das adesões foi realizada por meio da NOB/Suas (2005). Caso al- gum ente federado não tenha feito o processo de assentimento, ele pode ser realizado com a apresentação de documentos compro- batórios da criação e do funcionamento do plano, do conselho e do fundo à Comissão Intergestores Bipartite (CIB) (BRASIL, 2012b). Com a adesão ao Suas, a unidade federativa passa a constituir uma modalidade de gestão e um conjunto de responsabilidades. As quatro formas de gestão previstas na última NOB/Suas (2012b) são: da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Em síntese, cabe à União definir as diretrizes gerais da política pública, levando em consideração as deliberações do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e das Conferências Nacio- nais, e o pagamento do BPC e do PBF; aos Estados apoiar admi- nistrativa e tecnicamente os municípios, ofertar serviços regio- nalizados e cofinanciar os benefícios eventuais; e aos municípios operacionalizar os serviços, programas e projetos assim como garantir a efetivação dos benefícios eventuais. 44 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 45 Ilustração de Yasmim Monteiro Gomes Bezerra com intervenção de Carlus Campos Ilustração de Rafaela Microni Santos com intervenção de Carlus Campos O incentivo à organização, à mobili- zação e à participação da sociedade civil assim como a criação de canais nos quais os sujeitos, grupos e comunidades pos- sam ter voz são atribuições relevantes dos entes federados e eixo estruturante da PNAS. Os conselhos e as conferências de assistência social são duas instâncias que, obrigatoriamente, têm de estar presentes nos âmbitos federal, estadual, municipal e do Distrito Federal. A Resolução CNAS nº 11, de 23 de setembro de 2015, também conceitua e reconhece os coletivos, as as- sociações, os fóruns, os conselhos locais, as redes, as comissões ou associações co- munitárias ou de moradores enquanto es- paços de organização dos usuários. Os conselhos de assistência social são instâncias paritárias e deliberativas que trabalham na elaboração, avaliação, con- trole e fiscalização da política pública, inclusive das questões financeiras e or- çamentárias a serem aprovadas em suas reuniões ordinárias. Já nas conferências nacionais, estaduais e municipais bianu- ais, os sujeitos e/ou seus representantes discutem e decidem os direcionamen- tos para o aprimoramento da PNAS e do Suas. São, portanto, espaços institucio- nalizados basilares para uma gestão de- mocrático-participativa. Nesse contexto de atendimento das reivindicações da sociedade civil, uma peça fundamental é o orçamento e o fi- nanciamento da política pública. O or- çamento “[...] expressa o planejamento financeiro das funções de gestão e da prestação de serviços, programas, proje- tos e benefícios socioassistenciais à po- pulação usuária” (BRASIL, 2012b, p. 31) e o financiamento refere-se aos repasses de verbas aos entes federados por meio dos Fundos de Assistência Social. O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Di- retrizes Orçamentarias (LDO) e a Lei Or- çamentaria Anual (LOA) são os três instru- mentos de planejamento do orçamento público (BRASIL, 2005). Só após sua previ- são nos documentos supramencionados e a aprovação do orçamento pelos respecti- vos conselhos de assistência social é que os recursos podem ser alocados nos Fun- dos. Ressaltamos a existência de blocos de financiamentos da PSB e PSE; da ges- tão do Suas, do PBF e do Cadastro Único; e outros específicos a serem observados durante o planejamento e desembolsados de acordo com a sua natureza (BRASIL, 2012b). Além disso, o cofinanciamento, ou seja, a partilha de recursos entre a União, os Estados, os municípios e o Distrito Fe- deral é umadiretriz que deve ser respeita- da a fim de garantir a efetivação dos direi- tos socioassistenciais. A Política de Assistência Social, assim, diferencia-se da “caridade cristã”, da “fi- lantropia laica” e da “benemerência”, si- tuando-se na perspectiva de ruptura com o “assistencialismo”, ao instituir uma pro- teção social pública, não contributiva e garantidora de direitos socioassistenciais, que tem a primazia do Estado na condução e no financiamento dessa política pública sob comando único dos entes federados. Além disso, reconhece seus usuários su- jeitos de direitos que, junto com outros membros da sociedade civil, participam do controle social, no sentido de monitorar, avaliar e fiscalizar os serviços, programas, projetos e benefícios. Em última instância, ressaltamos a necessidade do respeito às particularidades locais e do reconhecimen- to das marcas da formação socio-histórica brasileira no processo de materialização da Política de Assistência Social que vise, de modo transversal e intersetorial a outras políticas públicas, enfrentar as desigualda- des e a pobreza pluridimensional geradas pelo sistema capitalista. 46 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 47 ALAYÓN, Norberto. Assistência e assistencialismo: controle dos pobres ou erradicação da pobreza? São Paulo: Cortez, 1992. ALMEIDA, Silvio de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. BEZERRA, Leila Maria Passos de Souza. Percepções dos (as) sujeitos (as) da pesquisa sobre a Política de Assistência Social e SUAS nas regiões Norte e Nordeste. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva e et al. A realidade empírica do Sistema Único de Assistência Social nas regiões Norte e Nordeste. JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 9., 2019, São Luís. Anais... São Luís: UFMA, 2019. BEZERRA, Leila Maria Passos de Souza. Pobreza e lugar(es) nas margens urbanas: lutas de classificação em territórios estigmatizados do Grande Bom Jardim, 2015. 450 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015. BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988. BRASIL. Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020. Regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 mar. 2020. BRASIL. Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 7 jul. 2011. BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de setembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 set. 1993. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução CIT n. 7, de 10 de setembro de 2009. Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Brasília, DF: MDS, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. 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Referências Ilustração de Mariana Negreiros Lobo com intervenção de Carlus Campos III REALIZAÇÃOAPOIO Autores Leila Maria Passos de Souza Bezerra Tem graduação em Serviço Social (Uece), Especialização sobre Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes (USP), Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Sociologia (UFC). É professora da Graduação em Serviço Social da Uece, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Uece e do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP) da UFC. É líder do Grupo de Pesquisa Margens, Culturas e Epistemologias Dissidentes (Gepe Margens)da Uece e pesquisadora do Laboratório de Seguridade Social e Serviço Social (LASSOSS) e do Centro de Estudos do Trabalho e Ontologia do Ser Social (Cetros), ambos da Uece. Pesquisa sobre margens, desigualdades socioterritoriais/pobreza; Estado e Políticas Públicas na América Latina; Avaliação Contra-Hegemônica de Políticas Públicas; Epistemologias do Sul, Decolonialidade e Práticas Dissidentes. E-mail: leila.passos@uece.br Paula Raquel da Silva Jales Tem graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade pela Uece e Doutorado em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Foi professora dos cursos de Graduação em Serviço Social da Uece e do Centro Universitário Inta (Uninta). É membro do Núcleo de Pesquisa sobre Estado e Políticas Públicas da UFPI, do Grupo de Pesquisa Margens, Culturas e Epistemologias Dissidentes (Gepe Margens) e do Laboratório de Seguridade Social e Serviço Social, ambos da Uece. Discute os seguintes temas: Assistência Social, Estado, Políticas Públicas, Direitos e Programas de Transferência de Renda. E-mail: paularaquel.12@gmail.com Ilustrações Desenhos originais das crianças Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, que participaram da Oficina de Ilustração com Joana Brasileiro Barroso, com intervenção artística de Carlus Campos.
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