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Julgamentos Por Combate - Uma Análise do pensamento Jurídico Medieval

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DO PARANÁ 
 
 
MUSTAFA JEAN MUKSEN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JULGAMENTOS POR COMBATE 
UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL EUROPEU 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2019 
 
 
 
MUSTAFA JEAN MUKSEN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JULGAMENTOS POR COMBATE 
UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL EUROPEU 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado 
como requisito parcial para conclusão do curso 
de Direito da Faculdade Superior do Paraná. 
 
Orientador: Prof. Cleverson Leite Bastos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2019 
 
 
 
MUSTAFA JEAN MUKSEN 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JULGAMENTOS POR COMBATE 
UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL EUROPEU 
 
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial à obtenção do grau de 
Bacharel em Bacharel, no curso de Direito da Faculdade de Educação Superior do 
Paraná, pela seguinte banca examinadora: 
 
Orientador: Prof. Cleverson Leite Bastos 
Faculdade de Educação Superior do Paraná 
 
Prof. _______________________________ 
Faculdade de Educação Superior do Paraná 
 
Prof. _______________________________ 
Faculdade de Educação Superior do Paraná 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Curitiba, ___ de ____________ de 2019. 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho tem por objetivo analisar o pensamento europeu medieval que justificou a 
instituição de métodos jurídicos inconcebíveis aos olhos do homem moderno, expressos nos 
infames "julgamentos por combate", bem como delimitar o próprio conceito deste método jurídico, 
realizando uma recapitulação histórico-sociológica do fenômeno para atingir o escopo 
argumentativo acerca da importância do conhecimento sobre fenômenos sociais do passado 
como os julgamentos por combate. O estudo da Filosofia e da História é fundamental, qualquer 
que seja a disciplina ou ramo de atividade, incluindo-se aí, evidentemente, o Direito, e esta 
análise explica como uma instituição jurídica aparentemente irracional – o Writ of Trial by Combat 
- é consistente com o comportamento racional da Idade Média, discorrendo sobre as razões 
pelas quais essa instituição aparentemente ineficiente desempenhou um papel central no 
sistema jurídico da Europa Medieval, onde durante séculos, o sistema judicial de países como 
Inglaterra e Alemanha decidiu disputas, em especial aquelas sobre direito de propriedade, 
ordenando aos representantes legais das partes que lutassem diante de uma plateia de cidadãos 
espectadores, onde o vencedor confirmava o seu direito e o derrotado, perdia a causa disputada 
e, se ele não tivesse sorte, sua vida. Examinou-se a doutrina, legislação e jurisprudência de 
países europeus durante a Idade Média até a Era Moderna, construindo uma recapitulação do 
processo de nascimento, adoção como método jurídico e o desaparecimento dos julgamentos 
por combate tardiamente no século 19. Por derradeiro, houve análise de dois casos célebres 
onde mecanismo alternativo restou como a única oportunidade para sanar impossível injustiça 
aos olhos dos operadores do direito da época, por último a conclusão alcançada com a análise 
dos temas abordados. 
 
 
Palavras chave: Julgamento por Combate. Idade Média. Duelo
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 5 
2 AS ORIGENS DO COSTUME: CONCEITUANDO O JULGAMENTO POR 
COMBATE ......................................................................................................... 6 
2.1 PRIMEIROS CASOS DE APLICAÇÃO DE JULGAMENTO POR COMBATE 
COMO MÉTODO JURÍDICO, SEU SURGIMENTO E DESAPARECIMENTO 
NO DIREITO POSITIVO .................................................................................. 10 
2.2 O LEX ALAMANORUM .............................................................................. 11 
2.3 OS EINVIGII E HÓLMGANG: JULGAMENTOS POR COMBATE NA 
ESCANDINÁVIA ............................................................................................... 12 
2.4 MECANISMOS LIMITADORES DO HÓLMGANG E SUA EFICÁCIA ....... 24 
3 JULGAMENTOS POR COMBATE NO SACRO IMPÉRIO ROMANO-
GERMÂNICO ................................................................................................... 30 
3.1 TENTATIVAS DE PROIBIÇÃO: COSTUME VERSUS LEI ......................... 31 
3.2 O PAPEL IMPORTANTE NAS ESCOLAS DE ESGRIMA ALEMÃS .......... 31 
4 O JULGAMENTO POR COMBATE NA GRÃ-BRETANHA E IRLANDA ..... 34 
6 SIR JEAN DE CARROUGES VERSUS JACQUES LE GRIS: UM ESTUDO 
DE CASO ......................................................................................................... 38 
7 O ÚLTIMO DUELO JUDICIAL: ASHFORD VERSUS THORNTON ............. 44 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 50 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 52 
 
5 
 
1 INTRODUÇÃO 
O estudo do passado é essencial para a melhor compreensão do presente 
e para a elaboração de perspectivas para o futuro, pois os processos de 
transformações sociais não ocorrem por saltos, mas pela dialética; ou seja, as 
rupturas culturais ao longo das eras são apenas parciais, ou mesmo inexistentes, 
uma vez que o presente não é autossuficiente, mas possui uma longa trajetória 
temporal, que é saturada de passado: a Filosofia do Direito e a História do Direito 
precisam ser estudadas para oferecer a inteligibilidade das formas, discursos e 
instituições jurídicas do presente. Sem esta profundidade temporal, sem esta 
densidade histórica, sem a distância temporal do passado, o Direito-presente é 
enigmático, opaco, incapaz de se pensar e procurar as melhores soluções para 
os problemas jurídicos. 
Diferentemente das ordálias - judicium Dei - provas normalmente de 
cunho religioso e/ou místico às quais um acusado era submetido, e segundo 
critérios metafísicos, o resultado ditava sua inocência ou culpa (HOUAISS A, 
2009) – presentes em praticamente todas as culturas, os julgamentos por 
combate tiveram origem exclusivamente entre os povos germânicos, sendo uma 
característica única surgida do direito consuetudinário desses povos. 
Primeiramente, é necessário traçar uma clara distinção entre os duelos privados 
de honra, civis e militares (doravante referidos apenas “duelos”), legalmente 
permitidos ou não, e os julgamentos por combate propriamente ditos, também 
chamados de “duelos judiciais”: enquanto os duelos eram usados como métodos 
para resoluções de contendas particulares, com pouca ou nenhuma intervenção 
do judiciário no método em si, os julgamentos por combate consistiam um 
método judicial propriamente dito, sancionado por uma autoridade judicial, 
restrito por regras e um método processual que não deixa em nada a desejar em 
relação aos demais procedimentos jurídicos da época, era pois a derradeira 
alternativa, quando se esgotavam todas as demais hipóteses de resolução do 
conflito pacificamente pelas vias judiciais, como verificaremos em diversos 
casos, como o de Sir Jean de Carrouges contra Jacques Le Gris França 
(FROISSART e JOHNES, 2012). 
 
6 
 
2 AS ORIGENS DO COSTUME: CONCEITUANDO O JULGAMENTO POR 
COMBATE 
A ideia em si, de que uma contenda entre duas ou mais partes possa ser 
resolvida pela aplicação direta da força física, entre dois ou mais combatentes 
em paridade de condições, por si só é muito mais antiga que quase qualquer 
outro método judicial, aparecendo em obras como a Ilíada (HOMERO e 
MENDES, 2009) contudo o que define um julgamento por combate é uma série 
de circunstâncias, e neste trabalho será intentada uma possível enumeração 
destas condições, as quais resumem-se à três premissas: Primeiramente, a 
preocupação com a paridade no combate, presente sem exceção nas fontes 
sobre o método, especificando as condições em que se dá o embate. Um 
exemplo explícito é a representação deum combate judicial no presente no 
Codex Sachsenspiegel (originado entre os anos 1220 e 1235, e permanecendo 
em uso até meados de 1900 em certas localidades isoladas), ilustrando a regra 
de que os dois combatentes em um julgamento devem "compartilhar o sol" 
(LEESON, 2019), ou seja, alinhar-se perpendicularmente ao Sol para que 
nenhuma das partes tenha vantagem: 
 
Figura 1 - Representação de um combate judicial no Codex Sachsenspiegel 
 
Fonte: LEESON, 2019, p. 1. 
 
 
 
7 
 
Em segundo, a anuência das autoridades locais (SCHAFF e BALUZIUS, 
1997). Sem esta, o embate não passa de uma disputa de brigões violentos, 
mesmo aos olhos da sociedade contemporânea ao ocorrido (CIKLAMINI, 1963), 
portanto é necessário que o método esteja consolidado no direito 
consuetudinário local, ou descrito/positivado em instrumentos legais, mais 
comumente a primeira, pois a fonte costumeira é a mais comum na Europa 
(durante a Idade Média) como um todo (JANIN, 2004). Contudo, a mera anuência 
não é fator suficiente para atribuir caráter de um julgamento por combate ao 
duelo, e os códigos e compêndios legais como os Capitulários carolíngios, 
buscavam apresentar soluções à problemas imediatos locais e não serem 
coletâneas legais coerentes (DEVROEY, 2016). 
Por último, e talvez a mais marcante de todas as três, é que existe um 
processo judicial, que reúne princípios tidos como modernos, marcantemente o 
princípio de “ouvir-se o outro lado” - Audi alteram partem - e ainda pode ainda 
mesmo reunir elementos como a presunção da inocência, aspectos do processo 
legal que obrigatoriamente precedem a autorização e consumação do 
julgamento por combate (JANIN, 2004). 
A história de nossa civilização é repleta de exemplos onde, mesmo na 
antiguidade, os mesmos princípios foram utilizados na resolução de contendas, 
por exemplo, na obra de Homero, A Ilíada, onde Heitor, o maior herói troiano, 
propõe que o destino da Guerra de Troia seja decidido numa luta entre Menelau 
e Paris. Menelau aceita, exigindo juramento de sangue sobre o pacto de 
respeitar o resultado do duelo, e enquanto os preparativos são feitos, Príamo, rei 
de Troia, no alto de uma torre apenas observa a contenda, resoluto com o meio 
eleito para resolução do conflito, conforme narrado na Ilíada (HOMERO e 
MENDES, 2009, p. 104-105): 
 
[...] Se me queres na liça, Aqueus e Troas 
Sossega: eu só com Menelau a braços 
Dispute Helena; o vencedor aceite 
E reconduza a dama e os seus tesouros. 
Ferido o pacto, em sólida amizade 
[...] 
Nímio têm padecido! Os mais pactuem; 
Morra qualquer um dos dous que a Parca assine. 
8 
 
Preta imole-se à Terra uma cordeira, 
Cordeiro branco ao sol, branco ao Satúrnio. 
Mas Príamo o tratado ratifique; 
Seus filhos com perfídia os juramentos 
Podem quebrar, sem pejo do Supremo. 
Dos mancebos a mente é sempre instável: 
O ancião, reportando-se ao passado, 
Olha ao futuro, concilia todos. 
Alegram-se os Trojúgenas e Aquivos, 
Terminar concebendo a luta infausta. 
Dos coches apeando, os enfileiram; 
As armas despem, que ante si descansam: 
Breve espaço medeia. Dois arautos 
Expede logo Heitor, que as reses tragam, 
E a Príamo convida. A rês terceira 
Manda vir Agamemnon por Taltíbio, 
Que ao rei submisso para as naus caminha. 
 
Os fatos narrados se assemelham muito aos milenarmente posteriores 
duelos judiciais medievais, porém, mesmo que possuam alguns dos elementos 
determinantes, lhes faltam outros: enquanto os duelos propostos na obra de 
Homero, embora sejam claramente sancionados pelo poder estatal na figura do 
monarca, não possuem um método pré-determinado que delimite a paridade 
entre os combatentes, tampouco outras especificidades para garantia do 
cumprimento dos termos, característica marcante dos duelos judiciais medievais 
(WHITE, 1913). Está é a crucial diferença entre os julgamentos por combate 
medievais e os duelos – de honra, duelos civis, etc - comuns em tantas culturas. 
Outro exemplo hiperbólico e anacrônico (século 19) já no novo mundo e 
em terras brasileiras, é o duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires, figuras 
célebres da Revolução Farroupilha. Conforme narra Arthur Ferreira Filho (1985), 
os dois eram primos e com uma longa história juntos, a relação dos dois sofre 
uma reviravolta devido à insatisfação de Onofre para com as condutas 
Gonçalves, chefe da Revolução. Onofre falava abertamente à toda tropa sobre 
sua insatisfação, colocando em dúvida diversas vezes as intenções e a honra do 
primo (FERREIRA FILHO, 1985). 
 
9 
 
Bento, em carta, pediu que Onofre confirmasse ou não, por escrito, as 
acusações ofensivas à sua honra feitas em presença de terceiros. Onofre logo 
respondeu confirmando, abrindo mão de suas imunidades parlamentares e 
colocando-se à disposição de Bento para um duelo, hipótese desejada por 
Onofre Pires, que levava grande vantagem por seu porte atlético e por ter dez 
anos de idade a menos do que Bento, 44 contra 54 anos (FERREIRA FILHO, 
1985). Bento Gonçalves procurou Onofre Pires e o desafiou formalmente para o 
duelo, que aconteceu no dia 27 de fevereiro de 1844, nas margens do rio 
Sarandi, em Santana do Livramento. Onofre foi atingido no antebraço direito, fato 
que interrompeu o duelo. Onofre Pires morreu quatro dias depois, em 
consequência de gangrena, e um ano antes do término da Revolução 
(FERREIRA FILHO, 1985). É claro aqui que, embora haja anuência explícita do 
poder estatal, ainda assim não é possível classificar os fatos narrados como um 
legítimo duelo judicial, pelos mesmíssimos motivos e razões do exemplo anterior, 
muito mais antigo e tão similar. 
Uma vez dados estes exemplos, é necessário mencionar que diferente do 
conceito de duelo militar em que se deram, ambos ocorrendo em tempo de 
guerra, o julgamento por combate era mais comumente prescrito em tempos de 
paz ou trégua, e isto pode ser verificado, por exemplo, na narrativa de Froissart 
acerca do célebre caso Jean de Carrouges IV contra Jacques Le Gris no ano de 
1386, onde observa-se resistência da corte ao autorizar o procedimento, e o 
próprio monarca francês, Carlos VI, o qual se encontrava em Flanders em 
campanha militar, determinou que o duelo judicial entre Carrouges e Le Gris 
fosse postergado devido à seu desejo de presenciar o duelo (FROISSART e 
JOHNES, 2012), pois estava envolvido em certa empreitada militar que o 
impediria de estar presente na cidade na data pretendida do julgamento, o que 
levou à postergar . Aí fica aparente o aspecto “civil” do julgamento por combate, 
que lhe atribui caráter não diferente de outro julgamento qualquer (JAGER, 
2014), exceto que com muito mais pompa, inclusive plateias (GUNN, 2000), não 
diferentes do público ao reunir-se para presenciar julgamentos pelos Tribunais 
do Júri em nossa própria realidade jurídica. 
 
10 
 
2.1 PRIMEIROS CASOS DE APLICAÇÃO DE JULGAMENTO POR COMBATE 
COMO MÉTODO JURÍDICO, SEU SURGIMENTO E DESAPARECIMENTO 
NO DIREITO POSITIVO 
 Uma vez definida a natureza do método, torna-se viável uma investigação 
sobre sua origem e sobre o pensamento que o justifica dentro da realidade 
mental da Europa medieval. Ao contrário do julgamento por Ordálias, que em 
geral está presente em muitas culturas por todo o mundo, o julgamento por 
combate se origina primariamente dentro dos costumes dos povos germânicos, 
como burgúndios, francos, lombardos e suecos (LEESON, 2019). Segundo 
James Thayer (1891), era originalmente estranho ao ordenamento jurídico 
anglo-saxônico, e num primeiro momento foi completamente rejeitado na lei 
romana também estando ausente em tradições da antiguidade do Oriente 
Médio, como o código de Hamurabi ou o Torá dos hebreus: trata-se de um 
costume evidentemente enraizado nas tradições germânicas. 
 O primeiro caso em que o combate singular como método judicial bem 
estruturado foi utilizado foi registrado foi Wulfstan v. Walter (1077) (THAYER, 
1891)onze anos após a Conquista Normanda. Significativamente, os nomes 
das partes sugerem que foi uma disputa entre um saxão e um normando 
enquanto o Tractatus de legibus e consuetudinibus regni Anglie, frequentemente 
chamado apenas de Glanvill e datado de por volta do ano de 1187 d.C. 
(SCRUTTON, 1885, p. 74-77), que parece ter considerado o método como 
principal modo de julgamento, pelo menos entre os aristocratas autorizados a 
portar armas (WHITE, 1913). 
Por volta de 1219, em terras britânicas o julgamento por júri começa a 
eclipsar a prevalência do julgamento por combate, o qual tinha sido o modo de 
prova mais proeminente para os apelos à coroa desde o Assize of Clarendon em 
1166 (HURNARD, 1941), contudo, o Assize of Clarendon não impôs a essa 
mudança imediatamente; O direito ao julgamento por combate não foi 
oficialmente rescindido até 1819, logo após o Caso Thornton (HALL, 1926), 
embora até então tenha caído em desuso. Com o surgimento formal da profissão 
de operador do direito no século XIII, os advogados, tendo em consideração a 
segurança das vidas de seus clientes, costumavam tentar afastar a possibilidade 
do julgamento por combate, criando uma série de ficções legais para permitir 
que os litigantes se valessem do júri, mesmo no tipo de ações que eram 
11 
 
tradicionalmente decididas por meio de julgamentos por combate, e esta prática 
de evitar julgamento por combate levou ao conceito moderno de advogados 
representando litigantes (STEPHENSON e MARCHAM, 1937). 
 
2.2 O LEX ALAMANORUM 
Conforme nos instrui Clausdieter Schott (2014), o Lex Alamannorum e o 
Pactus Alamannorum são dois códigos de lei medievais dos Alamanos. O Pactus 
Alamannorum ou Pactus legis Alamannorum é o mais antigo dos dois códigos, 
datando do início do século VII e se encontra preservado em um único 
manuscrito do século IX ao X. Já o Lex Alamannorum foi escrito na forma de 
cerca de 50 manuscritos datados entre os séculos VIII e XII. O Lex Alamannorum 
é atribuído ao duque Lantfrid (709-730) por dois manuscritos, enquanto a maioria 
dos códices designa a autoria do texto da lei ao rei Chlothar. 
A visão dominante da pesquisa (SCHOTT, 2014) vê Lantfrid como o 
verdadeiro originador, que foi substituído nos textos após a conquista carolíngia 
em favor de Chlothar. O texto está intimamente relacionado com o Lex 
Baiuvariorum e está preocupado com questões eclesiásticas. Em seu capítulo 
81 (“recensio Lantfridana 81”, datado de 712 a 730 d.C.) prescreve um 
julgamento por combate no caso de duas famílias disputando a fronteira entre 
suas terras. De acordo com o texto, punhado de terra retirado da propriedade 
disputada é colocado entre os competidores e eles são obrigados a tocá-lo com 
suas espadas, cada um jurando que sua reivindicação é lícita. A parte derrotada, 
além de perder sua reivindicação para a terra, foi obrigada a pagar uma multa 
como compensação à parte vencedora pelo inconveniente (SCHOTT, 2014). 
Aqui, observa-se o método ser, além do enraizamento nos costumes 
locais, mas positivado no direito com tal naturalidade que as partes recorrem à 
autoridade por prestação jurisdicional especificamente nos termos do julgamento 
por combate (BYOCK, 1982) ou seja, elegendo espontaneamente tal método, 
que lhes parece mais adequado devido à ausência de outras provas e/ou 
testemunhas. Cabe mencionar também que, tal ocorrido, ao ser registrado e ter 
seu procedimento sistematizado já no Lex Alammanorum denota não apenas a 
naturalidade, mas a importância do caso, pois como Jacques Verger menciona 
em sua obra, a manufatura e confecção dos livros medievais, especialmente na 
alta idade média como no caso em questão, estava rodeada por inúmeras 
12 
 
dificuldades que lhes tornavam difícil o acesso, sendo os mais relevantes 
especialmente de ordem econômica, pois o livro custava caro (VERGER, 1999), 
logo, não se registrava nada que não fosse dotado de relevante função na 
sociedade, especialmente em um tomo de caráter legislativo. 
 
2.3 OS EINVIGII E HÓLMGANG: JULGAMENTOS POR COMBATE NA 
ESCANDINÁVIA 
 Embora tenham realizado pouco contato com o resto da Europa no 
período anterior à “Era das Incursões”, ou “Era viking”, os povos escandinavos 
possuíam seu próprio sistema de duelo judicial, o Hólmgang (hólmganga em 
nórdico antigo e moderno islandês, Holmgång em sueco, holmgang em 
dinamarquês e norueguês bokmål e nynorsk), definido por costumes mais ou 
menos homogêneos, nascidos do “Einvigii” (BØ, 1969), cuja origem precisa ser 
traçada a fim de definir suas peculiaridades. 
Entre os escandinavos, o conceito de “honra”, seja pessoal ou familiar, 
era dotado de absoluta relevância: a honra era um tipo de equilíbrio que um 
homem não podia permitir que fosse perturbado. (CIKLAMINI, 1963) Era 
intolerável a ofensa à honra; se você e sua família pudessem ser referidos com 
desdém, o equilibrio social e a boa reputação só poderiam restaurados com 
retaliação bem-sucedida, fosse por meio insulto em resposta ou alguma forma 
de dano proposital causado pelo ofendido (WILSON e FOOTE, 1970). Neste 
contexto, "retaliação" é um termo inadequado para tratar do Trial By Combat, 
no caso, o Hólmgang, pois parece fazer referência à Lei de Talião, a retribuição 
exata de "olho por olho", no entanto, em sociedades germânicas a retribuição 
pode muito bem ser de magnitude muito maior do que o insulto ou injúria 
original, com uma calúnia sendo retaliada pela espada para que a reparação da 
honra fosse satisfeitória, o que é convalidado pelo texto do religioso Hávamál 
(MEDEIROS, 2013). 
Esse padrão de reparação muitas vezes se tornou um ciclo entre 
famílias, com vingança tomada por um parente e uma contra-vingança pelo 
outro, sem maneira de acabar com as hostilidades até que o tempo e as 
gerações apagassem a memória do insulto ou até que uma linhagem inteira 
estivesse morta, sendo a este tipo de disputa ciclica era glorificada na 
sociedade da época, e mesmo imortalizada, como no texto conhecido como 
13 
 
“Beowulf”, um poema épico escrito em língua anglo-saxã, por autor 
desconhecido, possivelmente no século VIII, o qual narra ostensivamente o 
conflito entre duas famílias: 
 
“[...]Então o exílio desejado para partir 
O estrangeiro do lugar; vingança por ofensas 
Eram os seus pensamentos e não a viagem marítima, 
Se ele pode trazer um ataque, 
Sobre os filhos dos jutes1 planejada com espadas de ferro 
Assim, ele não recusou as regras do anfitrião 
Quando Hunlafing descontraído a Luz da Batalha - 
A melhor espada - em seu colo; 
Que era para os jutes uma espada bem conhecida. 
Da mesma forma, abateu sobre Finn, o corajoso no espírito, 
A Cruel espada-maligna em sua própria casa. 
Quando Gudlaf e Oslaf devolveram o ataque sombrio 
Após viagem por mar tristeza sofrida 
Uma grande dor; nem os espíritos inquietos podem 
Dentro de seus seios ser reter. Em seguida, foi o salão 
avermelhado 
Com os corpos dos inimigos, Então assim Finn foi morto, 
O rei com suas tropas..1 (HALL, 2012) 
 
Uma vez que o ciclo de vingança por sua natureza tendia a aumentar 
continuamente, envolvendo mais e mais membros da sociedade em seus laços 
de ódio e derramamento de sangue, foi necessário que sociedade desenvolsse 
mecanismos limitadores (BERNHARÐSSON 2005) para proteger não apenas a 
seus próprios membros e famílias individuais, mas também a sociedade como 
um todo da morte e dissolução. Tendo isso em mente, surgem as precauções 
 
1 […] Then the exile desired to depart, the stranger from the stead; revenge for wrongs were his 
thoughts rather than the sea-voyage, if he might bring about an attack, on the sons of the Jutes 
planned with iron swords. Thus he did not refuse the ruler of the host when Hunlafing laid the 
Light-of-Battle - the best sword - in his lap; that was to the Jutes a sword well-known.Likewise 
after befell Finn, thebold in spirit, cruel sword-evil at his own home. When Gudlaf and Oslaf gave 
back the grim attack after sea-journey sorrow suffered a great grief; nor might the restive spirits 
within their breasts be withheld. Then was the hall reddened with the foemen's bodies, so that 
Finn was slain, the king with his troops. 
 
14 
 
positivadas na “Járnsíða”. Esta por sua vez se trata de um códice legal composto 
por Magnus VI da Noruega, para a Islândia, que passou a estar formalmente sob 
controle norueguês durante os anos de 1262 e 1264 d.C. A Járnsíða foi 
introduzida entre os anos de 1271 e 1274 d.C., substituindo o anterior código de 
leis Grágás. Entre outras coisas, Járnsíða formalmente colocou todos os poderes 
legislativos nas mãos do rei, reformando vários atos legislativos anteriores 
(BERNHARÐSSON, 2005). De acordo com a Járnsíða, as disputas e retaliações 
deveriam ser erradicadas porque “roubam da sociedade seus melhores homens 
e do rei seus melhores súditos”. Isto pode ser uma das razões para o forçado 
desuso do costume, mas dificilmente foi a principal razão para a supressão da 
prática. Na Islândia, não menos do que em outras sociedades feudais, o 
Julgamento por Combate era uma forma de lei-costume local, e era do interesse 
de o Estado e posteriormente a Igreja para reduzir o poder dos costumes locais 
(CLOVER, 1986). 
A preocupação dominante da sociedade escandinava medieval, conforme 
refletida nas sagas islandesas, era "canalizar a violência para padrões aceitaveis 
socialmente e regular conflitos" (BYOCK, 1982). O primeiro passo para limitar os 
problemas com ofensas, disputas e busca por retalizações é estreitar o círculo 
daqueles diretamente envolvidos, impedindo que um incidente isolado se 
transforme num ciclo vicioso de homicídios consecutivos de familiares do autor 
de uma ofensa, e a maneira eleita pelos europeus medievais para atingir este 
objetivo foi desenvolver o combate singular entre dois homens como um meio 
socialmente aceito de reparação por danos, tranformando-o em um 
procediemnto judicial sancionado pelo poder estatal. O conceito em si era muito 
antigo, desenvolvido bem antes dos escandinavos medievais por seus 
ancestrais germânicos: os escandinavos chamavam o duelo de “Einvigii”, 
literalmente "combate individual", e cognatos aparecem no sueco antigo 
(Einvigihe), no alto alemão antigo (einwic) e no inglês antigo (artwig), bem como 
no antigo nórdico (BØ, 1969). 
Contudo, diferente do posterior Hólmgang, o “Einvigi” era um duelo não 
regulamentado, combatido com quaisquer armas, em qualquer local e por 
qualquer método: em suma, uma briga. Os combatentes em um duelo Einvigii 
não contavam com juiz, e não havia tampouco invocação do judicium dei; em 
vez disso, eles confiaram em sua força e "sorte" pessoal para decidir o assunto. 
15 
 
A divindade Ullr, até onde sabemos, é mencionado nas sagas como o deus dos 
Einvigi (STURLUSON, 2014); e poderia ter sido chamado por um ou ambos os 
competidores para favorecer algum tipo de favorecimento divino para o embate, 
mas não há uma única instância nas sagas ou outra literatura escandinava, onde 
qualquer ajuda divina ou interferência é descrita (CIKLAMINI, 1963). 
É descrito por Bø (1969) que os escandinavos não confiavam em 
capricho divino e confiavam apenas na própria força, isso pode ser interpretado 
erroneamente: a afirmação não significa que não confiavam na ajuda dos céus, 
pois eles invocavam frequentemente o poder divino em disputas e batalhas, mas 
que não contavam com interferências diretas nos duelos, embora acreditassem 
que a interferência divina lhes favorecia e poderia até mesmo lhes conceder a 
vitória. Apesar da adoção do Einvigi ter restringido o derramamento de sangue 
em algum grau, ele ainda não era um mecanismo eficiente contra rixas pessoais 
e familiares. Se um dos combatentes fosse morto no Einvigi; seus parentes 
tinham direito ainda ao eptirmál, o direito de processo legal que seguia-se à 
ocorrência de um homicídio (JONES, 1933), onde os sobreviventes ou familiares 
do assassinado poderiam optar por requerer o “wergild”, uma espécie de 
compensação financeira para reparar a morte. 
Embora a oferta de pagar o wergild legalmente obrigasse o potencial 
vingador de permanecer inerte frente ao acusado, oportunizando ao assassino 
a chance de defesa legal em uma assembleia (BØ, 1969) ao mesmo tempo 
cultura escandinava estava socialmente direcionada para vingança, ou seja, ao 
invés de uma indenização, era desejável que se pagasse um preço de sangue. 
Neste contexto nos instrui a obra de Sverre Bagge (2012), relatando o 
surgimento o instituto da “Gulating” ou “Gulathing” (em nórdico antigo, Gulaþing), 
que foi uma das instituições mais importantes da história antiga da Noruega: 
nome refere-se na atualidade tanto a uma das primeiras assembleias legislativas 
(ting) como ao atual tribunal de justiça na Noruega ocidental. É a mais antiga 
instituição regional de Noruega, e deve seu nome a que originalmente estava 
localizada em Gulen no momento que se estabeleceu como instituição, em 
algum momento entre finais do século IX e 930 (BAGGE, 2012). 
 Esta prática de realizar periodicamente assembleias regionais entre os 
homens mais influentes remonta a tempos anteriores à introdução da escrita 
moderna na Noruega, e estabeleceu-se firmemente quando o país se unificou 
16 
 
num reino (900-1030). Estas assembleias funcionavam como um poder 
legislativo e judicial, resolviam disputas e ditavam leis. O Gulating celebrava-se 
em Gulen ao norte de Bergen sobre a costa ocidental de Noruega. Suas leis 
tinham vigência desde os vales interiores de Valdres e Hallingdal no oriente até 
as Ilhas Feroe no ocidente (VOGT, 2010). Tendo isso em mente, a lei de 
Gulaþing ilustra adota o seguinte posicionamento sobre o Einvigi e o direito de 
reparação, visando evitar a arguição excessiva deste instituto: 
 
[...] Agora ninguém, nem homem nem mulher, tem qualquer 
direito pessoal à expiação mais do que três vezes, se ele não se 
vingar enquanto isso2. (WILSON e FOOTE, 1970, p. 428) 
 
O grande dilema desta situação era que cada vingança era seguida de 
uma nova vingança, transformando-se em uma rixa generalizada (CIKLAMINI, 
1963). Com a implementação dos duelos, um insulto não era seguido pela 
rivalidade entre as partes, mas diretamente pelo próprio Einvigii, porém a 
realização do duelo limitava-se em sua eficácia a unicamente retardar o 
aparecimento de uma rivalidade e um consequente ciclo de vingança, mas 
jamais chegou à possuir o condão de impedi-los (JONES, 1933). 
 Como a sociedade escandinava continuou se modificando ao longo da 
Era das Incursões, outros mecanismos para controlar a violência no seio da 
sociedade foram desenvolvidos (BØ, 1969). Dado que a visão de mundo do 
escandinavo pagão era estruturada fortemente na glorificação do guerreiro, 
prometendo uma vida após a morte de luxo para aqueles que morressem em 
batalha (DAVIDSON, 1989), naturalmente que para muitos o modo mais seguro 
de resolução de disputas seria pela espada. O duelo de honra continuaria a ser 
uma parte da sociedade escandinava, porém na parte nórdica ocidental 
(Noruega e Islândia), uma nova forma de duelo evoluiu, investindo-se de caráter 
mais civilizado e técnico: o Hólmgang. Enquanto o Einvigii persistiu até certo 
ponto, lado-a-lado com Hólmgang, na Islândia especialmente Einvigii tornou-se 
cada vez mais raro. (Em alguns casos, na literatura posterior, os dois termos 
tornaram-se confusos (BYOCK, 1982) sendo usando o termo Einvigii quando a 
 
2 Now no one, neither man nor woman, has any personal right to atonement more than thrice if 
he does not avenge himself meantime. 
17 
 
descrição do texto deixa claro que é ao Hólmgang que se refere. O Hólmgang 
ainda era um duelo de honra, travado entre as partes, mas diferente do Einvigii, 
pois foramestabelecidas regras e costumes específicos, conhecidos como 
hólmgangulog (literalmente "regras de Hólmgang"). O hólmgangulog não estava 
presente de forma singular em uma única lei, formalmente estabelecida, mas 
aparentemente espalhou-se rapidamente por toda variando pouco em cada 
localidade Escandinávia (JONES, 1933). Em Hednalagen, a chamada Lei Pagã 
da Suécia que data de 1200, o hólmgangulog foi prescrito da seguinte forma: 
 
Um homem profere uma ofensa inexprimível para outro: "Você 
não está no mesmo nível de um homem e não é um homem em 
seu coração." [Ele responde:] "Eu sou tão homem quanto você." 
Eles devem se encontrar em um lugar onde três estradas se 
juntam. Se aquele que proferiu o insulto comparecer e o outro 
que o recebeu o insulto não, então este será aquilo de que ele 
foi chamado: ele não poderá fazer um juramento legal ou proferir 
testemunho em nome de qualquer homem ou mulher. Se quem 
recebeu o insulto comparecer e não aquele que o proferiu, então 
deixe o ofendido gritar três vezes e marcar o nome do outro 
homem no chão. Aquele que proferiu a ofensa, mas não se 
atreveu a defender sua palavra será o homem pior dos dois em 
consequência. Se ambos se encontrarem totalmente armados, 
e aquele que recebeu o insulto cair, expiar-se-á ele pela metade 
do preço por homicídio culposo. Se aquele que proferiu o insulto 
morrer (o crime de palavras é pior, a língua um matador 
primoroso), deixe-o deitar no campo sem valor [isto é, nenhuma 
expiação é paga por sua morte]3. (WILSON e FOOTE, 1970, p. 
379-80) 
 
 
3 A man uses an unutterable word to another: "You are not a man's equal and not a man at heart." 
[He answers:] "I am as much a man as you." They are to meet at a place where three roads join. 
If the one who comes gave the insult and the other who received it does not come, then he will 
be what he is called: he cannot swear a legal oath or hear witness on the behalf of either man or 
woman. If becomes who received the insult and not the one who gave it, then let him shout three 
niðing-shouts and mark the other man in the ground. Let him who spoke what he did not dare 
maintain be so much worse a man in consequence. If they meet both fully armed, and the one 
falls who received the insult, atone for him with half-price for manslaughter. If he falls who gave 
the insult (the crime of words is worst, the tongue a prime slayer) let him lie in the valueless field 
[i.e. no atonement is paid for his death] 
18 
 
Possivelmente as mais elaboradas regras de duelo ou hólmgangulog de 
todos as fontes sobreviventes se encontra na Saga de Kormák (HOLLANDER, 
1949) que narra a história do poeta islandês do século X, Kormákr Ögmundarson 
e Steingerðr, o amor de sua vida. A saga preserva uma quantidade significativa 
de poesia atribuída ao próprio Kormákr, a maior parte sobre seu amor por 
Steingerðr. Embora se acredite que a saga esteja entre as primeiras compostas, 
como elucidado por Lee Milton Hollander (1949) o manuscrito original está bem 
preservado. O autor desconhecido baseia-se claramente na tradição oral e 
parece não querer adicionar muito de sua própria autoria ou até mesmo integrar 
plenamente nenhum fato diferente do qual ele tivesse conhecimento acerca da 
história de Kormákr. Muitas vezes ele faz pouco mais do que definir brevemente 
as cenas para as estrofes de Kormákr. A saga narra de forma ricamente 
detalhada as regras do duelo, talvez o registro mais complexo de regras de um 
Hólmgang: 
“Estas eram as regras para o Hólmgang: um manto de cinco 
côvados quadrados deveria ser colocado, com laçadas nos 
cantos. Estacas com cabeças deveriam ser presos nesses 
cantos, as quais foram chamadas de tiösnur. 
[...] 
Três bordas, cada uma com um pé de largura, deveriam estar 
ao redor do manto, e na borda dessas bordas devem estar 
quatro postos que são chamados de höslur. E quando tudo isso 
foi feito, o local foi chamado de "hazelled" (völlr haslaðr). Cada 
competidor deveria ter três escudos e, quando fossem 
destruídos, ele deveria pisar novamente no manto se o tivesse 
deixado antes, e defender-se com suas armas depois disso. 
Aquele que foi desafiado possuía o direito ao primeiro golpe. Se 
um dos dois fosse ferido de modo que o sangue fluísse sobre o 
manto, não haveria mais luta a ser travada. Se um dos dois pisa 
fora do höslur com um pé, então isso é chamado de "ele cedeu 
terreno"; mas "ele foge", se com os dois. Cada competidor 
deveria ter alguém para segurar seu escudo para ele. Quem foi 
o mais ferido deveria pagar compensação (hólmlausn) de três 
marcos de prata.”4 (HOLLANDER, 1949, p. 33-34) 
 
4 “These were the roles for the Hólmgang: a cloak five ells square was to be laid down, with loops 
19 
 
 
Como pode-se verificar de forma transcrita na obra de Gwyn Jones 
(1933), em contrapartida ao extenso relato da Saga de Kormákr, o relato contido 
no capítulo 9 de Saga de Svarfdæla, muito menos elaborado, possui diversas 
similaridades o da Saga de Kormákr: 
 
[...] Moldi declarou que recitaria a lei do direito ao combate, “porque eu 
te desafiei. Cada um de nós deve estender o manto sob seus pés. Cada 
um deve ficar em seu manto, e não recuar um dedo fora dele, mas 
aquele que recuar será chamado de covarde, mas aquele que avançar, 
será chamado de homem valente para onde quer que vá. O que for 
ferido ou tornado incapacitado para a luta resgatará a si mesmo do 
hólm com três marcos de prata. (JONES, 1933, p. 208) 
 
Por fim, o talvez mais conhecido caso de um julgamento por combate 
dentre todas as sagas esteja na “Egils saga Skallagrímssonar”, um texto extenso 
que discorre sobre as vidas dos integrantes do clã de Egill Skallagrímsson, 
anglicizado como Egil Skallagrimsson (SCUDDER, SMILEY e KELLOGG, 2000), 
um fazendeiro islandês, viking e skald5. A saga abrange os anos 850-1000 d.C. 
e traça a história da família desde o avô de Egil até seus filhos. Seu manuscrito 
mais antigo (um fragmento) data de 1240 d.C. e compreende a única fonte de 
informação sobre as façanhas de Egil (SCUDDER, SMILEY e KELLOGG, 2000) 
cuja vida não é historicamente registrada em nenhuma outra fonte. Semelhanças 
estilísticas e outras entre a saga de Egil e Heimskringla levaram muitos 
estudiosos a acreditar que eram obra do mesmo autor, Snorri Sturluson 
(EINARSSON, 1957). Contido no texto está um relato detalhado de um duelo 
judicial entre o próprio Egil e Berg-Önundr em nome de sua esposa Ásgerðr, uma 
 
in the corners. Pegs with heads were to be rammed in there which were called tiösnur. 
[…] 
Three borders (or furrows), each a foot in breadth, were to be around the cloak, and at the edge 
of these borders must be four posts which are called höslur (hazels). And when all this had been 
done the spot was called "hazelled" (völlr haslaðr). Each contestant was to have three shields, 
and when they were destroyed then he must step on the cloak again if he had left it before, and 
defend himself with his weapons thereafter. He who had been challenged was to have the first 
blow. If one of the two was wounded so that blood flowed on the cloak, then no further fighting 
was to be done. If either one stepped outside the höslur with one foot, then that is called "he yields 
ground"; but "he flees," if with both. Each contestant was to have someone to hold his shield for 
him. He who was wounded hardest was to pay hólm-ransom (hólmlausn) -- three marks of silver.” 
5 Poeta ou contador de histórias (SILVA, 2014). 
20 
 
vez que Berg-Önundr recusou-se a pagar a parcela da herança da esposa de 
Egil, este desafia-o para um Hólmgang, e sai vitorioso. Retornando à Noruega 
para reivindicar as terras conquistadas no duelo, ao longo do caminho se em 
contra com Arinbjorn, a quem ele convence a ir até a corte do rei Hákon em seu 
nome. Hákon negou areivindicação de Egil, então Arinbjörn compensou Egil com 
quarenta marcos de prata (STURLUSON, 2010). 
Há alguns outros relatos curtos descrevendo as regras do Hólmgang em 
fontes como Gisla saga Sursonar (FOOTE, 1973) e Vatnsdæla saga (HARRIS, 
2010, p. 150-170), e estas explicitamente nomeiam uma hólm ou ilha como o 
local do duelo. Enquanto os relatos anteriormente listados parecem ser muito 
diferentes uns dos outros, existem muitas características comuns do 
“hólmgangulog” entre eles. Todos os duelos foram conduzidos dentro de um 
“hólmgangustadr”, uma área delimitada que estava frequentemente em um 
“lugar” ou “ilha” (o hólm), talvez uma referência ao formato da arena, com uma 
peça de tecido ou “manto” ao centro. É provável que cada localidade possuísse 
seu próprio local de duelo, onde tradicionalmente tais batalhas seriam travadas. 
Segundo as sagas, o Hólmgang na saga de Kormáks foi disputado em Leiðhólm 
(leið é um tribunal, logo, “o local para duelos de leið” ), enquanto Hólmgang que 
acontecessem em Alþing sempre eram travados no hólm em Axewater (JONES, 
1933, p. 213-214). 
De acordo com Gwyn Jones (1933), dentro da área delimitada como hólm 
era posicionado um manto de aproximadamente 250cm, tamanho 
consideravelmente maior que o de uma capa normal para um homem adulto, 
enquanto um padrão de três linhas era demarcado no chão ao redor do manto, 
cada uma das linhas com um pé de distância entre si. É interessante notar que 
o termo nórdico antigo para desafiar um homem a Hólmgang, a palavra em 
nórdico antigo skora, "desafiar", significa literalmente "cortar ou pontuar", assim 
o termo skora a hólm significava literalmente "marcar ou nomear um lugar para 
o combate” (JONES, 1933, p. 213). 
Em torno da marcas traçadas ao redor do manto, havia uma barreira de 
cordas e postes de aveleira (höslur)ou de pedras (markasteina) e esse limite era 
chamado de hólmhring (JONES, 1933, p. 216)Assim, a área de combate total 
não tinha mais do que cerca de doze pés quadrados. Toda a área marcada em 
que o duelo ocorreria era chamada de hólmgöngustaðir e servia no aspecto legal 
21 
 
e ritualístico como uma espécie de tribunal (JONES, 1933, p. 214). 
 Costumeiramente, cada lutador deveria ser assistido por um “portador de 
escudo” ou “escudeiro” desarmado, que fornecia os escudos de substituição ao 
duelista quando estes fossem destruídos no combate (BØ, 1969). O portador de 
escudo, ou “segundo”, provavelmente não deveria participar do conflito, mas as 
descrições das sagas mostram que eles certamente poderiam afetar o resultado 
de um combate, ou mesmo torna-lo ainda mais inflamado ao desafiar o próprio 
adversário ou os segundos do oponente após o Hólmgang inicial ser concluído 
(CIKLAMINI, 1963). 
Conforme nos explica Lee M. Hollander (1949), cada lutador desferia um 
único golpe por vez, com a parte desafiada dando o primeiro golpe. Uma vez que 
os três escudos de um homem fossem destruídos, ele estaria obrigado 
permanecer sobre o manto central e defender-se apenas com a espada: 
aparentemente fugir e esquivar não era permitido como parte da defesa final de 
um lutador; esta sequência de golpes desferidos e recebidos continuava até que 
um dos duelistas fosse ferido, ao que os portadores de escudos e / ou 
testemunhas deveriam impedir que o combate continuasse. Muitas das 
descrições da saga mencionam que a ferida incapacitante do Hólmgang que 
narram tenha sido na coxa ou perna, após a qual o combate era interrompido, 
mesmo que o combatente quisesse continuar. (HOLLANDER, 1949). 
De acordo com Bø (1969), a arma eleita mais comumente para uso em 
Hólmgang era a espada. É dito em alguns textos que duelistas algumas vezes 
carregavam duas espadas consigo, uma na mão e outra em uma tira presa ao 
redor do pulso, o que não apenas dava ao duelista uma arma reserva se sua 
lâmina se quebrasse ou fosse perdida, mas um pedaço extra de metal com o 
qual era possível afastar golpes quando todos os três escudos do combatente 
fossem destruídos, não havendo nenhuma vedação explícita quanto à pratica, 
embora fosse um artifício pouco comum (BØ, 1969, p. 144). 
As regulações de Hólmgang aparentemente prescreviam também o uso 
de uma espada mais curta que a normalmente usada na guerra (GRANCSAV, 
1959),e a maior evidência que corrobora a pratica pode ser verificada em 
diversos momentos nas sagas, por exemplo, na saga de Kormáks, quando 
Þorkell reclama que a espada que Bersi desejava usar era muito longa (BØ, 
1969, p. 14) e também o capítulo 10 da saga de Halfs, onde o autor afirma que 
22 
 
o comprimento adequado da espada de duelo é um covado (BØ, 1969, p. 144). 
As sagas raramente mencionam outras armas sendo usadas no 
Hólmgang, sendo que ocasionalmente os machados são mencionados, como 
na própria Komáks saga (HOLLANDER, 1949) e é brevemente citado que Egil 
Skallagrímsson certa vez usou uma krokaspjót, espécie de lança cortante de 
lâmina mais larga e mais longa que as lanças convencionais (SCUDDER, 
SMILEY e KELLOGG, 2000). 
A prevalência do uso da espada no Hólmgang expõe mais ainda o status 
social de seus usuários: conforme relata Stephen V. Grancsav, a construção de 
tais armas era um esforço altamente especializado e muitas lâminas de espadas 
eram importadas de terras estrangeiras, como a Renânia. O processo de 
fabricação de lãminas tão longas com os métodos da época poderia demorar 
semanas, e atribuia à arma tão alto valor que estas eram passadas de geração 
em geração, fazendo com que muitas vezes, quanto mais velha a espada, mais 
valiosa esta fosse considerada. Os artesãos locais frequentemente adicionavam 
seus próprios punhos elaboradamente decorados, e muitas espadas recebiam 
nomes, como Leg-biter e Gold-hilt (GRANCSAV, 1959, p. 181). Uma espada 
mencionada na saga de Laxdæla (MAGNUSSON e PALSSON, 1969) foi 
avaliada em meia coroa6, o que corresponderia ao valor de 16 vacas leiteiras em 
valores da época. Isso deixa claro que existia um caráter elitista no direito ao 
Hólmgang, pois este, devido ao alto custo do equipamento necessário, não 
estaria ao alcance de qualquer pessoa. 
Conforme dito por Gwyn Jones (1933), ferimentos em duelo resultantes 
do Hólmgang na maior parte das vezes não eram fatais, já que o hólmgangulog 
estipula que a luta terminará com o derramamento do primeiro sangue sobre o 
manto que está preso sob os pés dos lutadores: Jones assinala que grande parte 
dos tipos de lesões de Hólmgang relatados nas sagas remetem o observador 
moderno aos ferimentos e lesões sofridos em duelos de períodos muito 
posteriores: há vários relatos em que o golpe atinge a perna do adversário, o 
polegar, a pele entre os dedos da mão, costelas quebradas quebrado, ombro 
lesionado, e há inclusive um relato de certa luta que terminou quando um 
fragmento da espada quebrada do vencedor voou para cima e cortou a bochecha 
 
6 half a crown, tradução livre. 
23 
 
do seu oponente (JONES, 1933, p. 220). 
O hólmgöngustaðir, ou área em que o Hólmgang era travado, era um 
espaço muito restrito (doze pés quadrados), e o duelista não podia utilizar 
livremente todo o espaço da arena de pronto: como narra a saga de Kormáks, 
diferenciam-se os termos “ceder terreno" ou "recuar", que significa colocar um 
único pé do lado de fora do manto, de "fugir", que seria quando ambos os pés 
ultrapassassem os limites do manto central (HOLLANDER, 1949) o que 
denotaria fortes indícios de covardia, podendo até mesmo atribuir ao duelista em 
questão a mácula de ser niðingr7,uma “desonra” a qual nenhum homem de boa 
índole e alguma reputação poderia ignorar (BØ, 1969). 
A área de movimentação dentro da arena ficava ainda mais limitada 
quando os três escudos de um combatente eram destruídos, pois então ele 
deveria se manter firme no manto central e só podia defender bloqueando os 
golpes do inimigo valendo-se unicamente de sua espada(BØ, 1969). Esses 
escudos não parecem ter sido de construção muito robusta (temos relatos de 
que escudos eram feitos de tília ou madeira de balsa, um material muito macio), 
pois o experiente hólmgangumaðr sabia que sua melhor estratégia seria destruir 
rapidamente todos os três escudos de seus oponentes: essa tática não só 
privaria o adversário de sua melhor defesa (BØ, 1969), como também removeria 
o escudeiro como fator relevante na luta (BYOCK, 1982). 
Gwyn Jones nos lembra também que um bom “portador de escudo” era 
um recurso considerável no Hólmgang, pois enquanto ele não podia atacar 
diretamente o outro lutador (supõe-se que o segundo também não era um alvo 
válido, embora as sagas não digam explicitamente isso) um “segundo” 
experiente poderia prender a espada do oponente em um dos escudos que 
segurava; algumas sagas convalidam isso ao mencionar que os combatentes 
algumas vezes eram obrigados a endireitar repetidamente suas espadas durante 
o combate. Quando o Hólmgang tinha início, a parte desafiada desferia o 
primeiro golpe. Seu oponente atacava em seguida, e assim sucessivamente, até 
que o combate fosse decidido, conforme relata Jones (JONES, 1933, p. 214). 
 
 
7 Na sociedade escandinava medieval, nīþ (nórdico antigo: níð inglês antigo: nīþ, nīð; holandês 
antigo: nīth); Era um termo para um estigma social que implicava a perda de honra e obtenção 
do status de um “vilão” (BOSWORTH, 2018). 
24 
 
2.4 MECANISMOS LIMITADORES DO HÓLMGANG E SUA EFICÁCIA 
Ao analisar o contexto social medieval escandinavo, torna-se nítido que 
desenvolvimento do Hólmgang foi um passo vital para restringir o derramamento 
de sangue causado pelos duelos de honra e retaliação na Escandinávia 
(BYOCK, 1982) . Primeiro, os combatentes estavam fisicamente separados dos 
espectadores e potenciais vingadores, com o duelo sendo localizado em uma 
“ilha”, em uma encruzilhada ou dentro de uma área separada por cordas 
(CIKLAMINI, 1963). Em segundo lugar, o Hólmgang foi estruturado para que a 
luta fosse interrompida após o primeiro sangue ter sido derramado, o que foi 
comprovado pela evidência de manchas de sangue nas capas sob os pés dos 
duelistas (BØ, 1969). Enquanto o assassinato direto do oponente era limitado 
em Hólmgang, um duelista não só tinha a satisfação de enfrentar seu oponente 
à ponta da espada, mas também recebia uma expiação monetária na forma do 
“hólmlausn” como “indenização”, muito similar aos “honorários de sucumbência” 
do nosso ordenamento jurídico (BØ, 1969). Além disso, o perdedor no duelo, 
embora ferido e derrotado, havia sido agraciado com a oportunidade de provar 
sua masculinidade e coragem ao enfrentar o desafio: vivo e honrado, 
relativamente intacto, seus parentes não tinham mais motivos para hostilidades. 
Gwyn Jones (1933) nos aponta que espada era na maioria das vezes 
especificamente escolhida como a arma a ser usada no Hólmgang, o que 
limitava em muito a incidência de ferimentos graves, como os causados pelos 
machados ou "alabardas" (lanças cortantes) que muito raramente aparecem 
como armas no duelo, reduzindo assim o número de mortes (BØ, 1969). Por fim, 
mesmo se a morte fosse o resultado do Hólmgang, as regras de combate 
proibiam especificamente os parentes do homem morto de buscar compensação 
ou vingança (JONES, 1933, p. 217). 
Enquanto as regras do Hólmgang proibiam a continuação de hostilidades 
entre famílias de duelistas (BØ, 1969), os povos escandinavos da Era Viking não 
tinham força policial ou forças militares formais para forçar a aplicação de leis ou 
regras. Portanto, uma das formas de garantir que o hólmgangulog fosse seguido 
à risca foi sacralização o duelo (BØ, 1969). Por rituais como o tiösnublót, uma 
espécie de sacrifício de agradecimento pelo resultado de um Hólmgang 
(DAVIDSON, 1989) e pela marcação do local de duelo como uma área liminar, 
o Hólmgang foi socialmente integrado ao sistema de crenças escandinavo, e 
25 
 
para participantes e observadores tratava-se portanto de uma atividade sagrada, 
e isso, por sua vez, acrescentou peso ao hólmgangulog, tornando mais provável 
que as regras fossem seguidas por todos os envolvidos, e as famílias dos 
participantes não continuariam as tentativas de retaliação em uma situação hostil 
(BYOCK, 1982). 
Enquanto a localização do Hólmgang tendia a separar fisicamente os 
combatentes de quaisquer espectadores que pudessem interferir no andamento 
do procedimento, a colocação do duelo em uma ilha (hólm), fosse em uma 
encruzilhada, ou dentro de uma área especialmente marcada por varas de 
aveleira indicam que a área considerada apropriada para o Hólmgang era aquela 
que já era considerada uma área especial, restrita ou até santa, conforme 
narrativa de Gwyn (JONES, 1933). Áreas semelhantes marcadas com postes de 
aveleira (höslur) e "cordas sagradas" (vébond, "obrigações sagradas") eram 
consideradas “cercados de paz", (frið-garðar) dentro dos quais nenhuma arma 
poderia ser sacada, conforme pode ser verificado na saga de Egil (SCUDDER, 
SMILEY e KELLOGG, 2000). 
Na saga de Skallagrímssonar, a área onde se dava o julgamento, 
especificamente sob a jurisdição da Assembleia de Gulaþing, é uma dessas 
áreas: 
 
“O lugar onde a corte se encontrava era uma planície 
nivelada e postes de aveleira estavam dispostos em um círculo 
na planície, unidos por cordas. Estas cordas eram chamadas de 
santuário. Dentro do círculo estavam os juízes, doze do distrito 
de Fjordane, doze do distrito de Sogn, doze do Hjordaland. 
Esses funcionários dos três distritos devem julgar o processo8.” 
(STURLUSON, 2010) 
 
A crença de que bosques sagrados encerrados por cordas sagradas são 
lugares sagrados nos quais nenhuma arma pode ser desembainhada é antiga, 
 
8 The place where the court sat was a level plain and hazel poles were set in a circle on the 
plain linked by ropes. These were called the sanctuary ropes. Inside the circle sat the judges, 
twelve from the Fjordane District, twelve from the Sogn District, twelve from Hjordaland. These 
three twelves should judge the lawsuit.” (STURLUSON, 2010) 
 
26 
 
pois crenças semelhantes são atestadas por Tácito, senador e historiador 
romano, ao se referir aos Semnones: 
 
“[...]Numa ilha do oceano há um bosque sagrado e dentro dele 
uma carruagem consagrada, coberta com um tecido. Apenas um 
sacerdote tem permissão para tocá-lo. Ele pode perceber a 
presença da deusa neste santuário sagrado, e caminha ao lado 
dela com a maior reverência quando ela é atraída por [sacrifício 
de] novilhas. É uma época de alegria e reina a festa onde quer 
que ela vá e seja recebida. Eles não vão para a batalha ou usam 
armas; todas as armas estão seladas; a paz e a quietude são 
conhecidas e bem-vindas apenas nestes tempos, até que a 
deusa, cansada do intercurso humano, é por fim restaurada pelo 
mesmo sacerdote ao seu templo9.” (TACITUS, 1998, p. 134-135) 
 
Fica evidente que esta associação entre estado de direito e o julgamento 
divino serviu como fator na limitação da violência decorrente de duelos (BØ, 
1969), limitando conceitualmente o conflito para que se restringisse ao duelo 
judicial, sendo que além disso, o peso das expectativas culturais e da crença 
religiosa evitava que os espectadores se envolvessem no conflito (BYOCK, 
1982). Apesar de suas falhas, o Hólmgang era considerado um ato com força 
sagrada e legal (JONES, 1933) o qual serviu eficientemente como um recurso 
alternativo na lei. O homem que não podia pagar testemunhas juradas ou para 
atuarem em seu favor nos tribunais de justiça, ou que estava envolvido em 
disputas legais com homens que tinham muito mais poder aquisitivo e estavam 
em posição social muito elevada, era capaz de igualar o funcionamento da lei, 
tornando-a equânime, recorrendo ao dispositivo legal do Hólmgang, colocando 
a si mesmo e suahabilidade nas armas contra um adversário que ele não 
poderia derrotar de outra maneira. Embora algumas fontes sugiram que o 
Hólmgang foi abolido devido ao advento do cristianismo, há muitas evidências 
 
9 “In an island of the ocean there is a sacred grove, and within it a consecrated chariot, covered 
over with a garment. Only one priest is permitted to touch it. He can perceive the presence of 
the goddess in this sacred recess, and walks by her side with the utmost reverence as she is 
drawn along by heifers. It is a season of rejoicing, and festivity reigns wherever she deigns to go 
and be received. They do not go to battle or wear arms; every weapon is under lock; peace and 
quiet are known and welcomed only at these times, till the goddess, weary of human 
intercourse, is at length restored by the same priest to her temple.” (TACITUS, 1998) 
27 
 
que sugerem o contrário. A saga de Njáls conta como o missionário cristão 
Þangbrandr duelou com um pagão: 
 
“Þorkell desafiou Þangbrandr para um duelo; Þangbrandr se 
defendeu com um crucifixo em vez de um escudo; mas mesmo 
assim ele conseguiu derrotar Þorkell e matá-lo10” (MAGNUSSON 
e PÁLSSON, 1960, p. 218) 
 
A Igreja na Europa Ocidental nessa época (entre o fim da “Era Viking” e o 
século 13) confiava no duelo judicial como método de resolução de suas 
demandas, conforme Marlene Ciklamini (1963) nos instrui, a Igreja era 
participava de diversos litígios: os mosteiros pagavam campeões para 
representá-los em duelos judiciais, e alguns padres eram encontrados como 
combatentes em duelos com certa frequência (CIKLAMINI, 1963). Além disso, o 
mais antigo manual europeu de combate armado - fechtbuch - e um dos mais 
antigos manuais de artes marciais sobreviventes em todo o mundo, o manuscrito 
conhecido como “Ms. I.33”, surge exatamente nesta época, entre os anos de 
1270 e 1320 d.C. (KELLETT, 2012). O manual em questão é também conhecido 
como o “manuscrito de Walpurgis”, pois pode-se ver retratada nele uma figura a 
qual o texto se refere como “[santa] Walpurga”, mostrada na última sequência do 
manuscrito, ou ainda como "o manuscrito da Torre", porque foi mantido na Torre 
de Londres durante os anos de 1950 à 1996 (KENNER, 2015). 
 
 
 
10 “Þorkell challenged Þangbrandr to a duel; Þangbrandr defended himself with a crucifix instead 
of a shield; but even so he managed to defeat Þorkell and kill him” (MAGNUSSON e PÁLSSON, 
1960, p. 218) 
 
28 
 
Figura 2 - Santa Valpurga praticando esgrima com um monge 
 
Fonte:Walpurgis Fechtbuch (MS I.33) 
 
 
Curiosamente, no século 13 os países escandinavos aboliram o duelo 
judicial, bem antes de qualquer outro país da Europa Ocidental, o que pode ser 
verificado na narrativa da Gunnlaugs saga Ormstungu: 
 
[...] Mas no dia seguinte, na legislatura, foi estabelecida a lei de 
que Hólmgang deveria ser eliminado daquele dia em diante para 
sempre. Isso foi feito a conselho de todos os homens mais 
sábios do mundo, onde de fato estavam presentes os homens 
mais sábios de toda a terra. Assim, o duelo de Hrafn e Gunnlaug 
foi o último Hólmgang a ter lugar na Islândia.11 (JONES, 1961, p. 
207-208) 
 
 
11 “But the following day in the legislature it was made law that Hólmgang should be done away 
with from that day forth forever. This was done on the advice of all the wisest men at the Þing, 
where indeed there were present the wisest men of all the land. So this which Hrafn and Gunnlaug 
fought was the last hólmgang to take place in Iceland.” (Gunnlaugs saga Ormstungu, 207-208). 
29 
 
 
No restante da Europa, o julgamento por combate persistiu como método 
extremamente relevante, em especial para questões como direito de 
propriedade, aparecendo diversas vezes em instrumentos legais dos séculos XIII 
e XIV , não foi completamente extirpado até o escândalo britânico do caso 
Ashford vs. Thornton, em 1818 (HALL, 1926). 
 
 
30 
 
3 JULGAMENTOS POR COMBATE NO SACRO IMPÉRIO ROMANO-
GERMÂNICO 
 
Embora a pratica do julgamento por combate não estivesse presente na 
legislação romana mais antiga, Otto, o Grande, em 967, sancionou 
expressamente a prática da lei tribal germânica, absorvendo o instituto do 
julgamento por combate no ordenamento jurídico imperial. O célebre caso de 
Gero, Conde de Alsleben, é um bom exemplo da eleição de tal método, como 
fica claro na analise de David Warner sobre o relado de Dietmar de Merseburgo 
em seu Chronicon (WARNER, 2001), onde relata-se em detalhe os motivos que 
culminaram na escolha e resultado de tal embate. 
O Conde Gero foi acusado perante o Imperador Otto II de um crime pelo 
guerreiro saxão Waldo, contudo, nem a identidade de Waldo nem o crime são 
conhecidos (JANIN, 2004). Por instigação de Adalbert, arcebispo de 
Magdeburgo, e Dietrich, Marquês da Marcha do Norte, Gero foi capturado em 
Sömmering e colocado sob a custódia do pai e tio de Thietmar, Siegfried I, conde 
de Walbeck e Lothair I, Marquês de Nordmark. Wado invocou o direito ao 
julgamento por combate, e este engajou-se em duelo judicial contra Gero em 11 
de agosto de 979. Durante a luta, os ataques de Gero resultaram em dois golpes 
graves no pescoço de Waldo, mas Waldo foi capaz de contra-atacar com um 
forte golpe. atingindo a cabeça de Gero. Com seu oponente muito tonto para 
continuar, Waldo deixou a arena, apenas para morrer logo em seguida em razão 
dos ferimentos causados pela espada de Gero (WARNER, 2001). 
Apesar de claramente ter sido vitorioso no combate, Gero foi declarado 
culpado e sentenciado à morte: por ordem do imperador (JANIN, 2004): Gero foi 
decapitado ao pôr do sol do mesmo dia. Aparentemente, a decisão do imperador 
causou mal estar e insatisfação na corte, pois Otto I, duque da Baviera, que 
chegou no final do dia, e Berthold, conde do Radenzgau, ambos repreenderam 
o imperador por permitir que tal homem fosse julgado por uma pequena 
acusação e condenado após provar-se vitorioso sendo o resultado notável deste 
duelo lembrado por muito tempo na Alemanha medieval, conforme menciona 
Hunt Janin em sua análise de justiça medieval na Europa (JANIN, 2004). 
 
31 
 
3.1 TENTATIVAS DE PROIBIÇÃO: COSTUME VERSUS LEI 
 
Tendo casos notoriamente injustos como o de Gero em mente, o Quarto 
Concílio de Latrão, de 1215 (HERBERMANN, 1913), determinou a suspensão 
dos duelos judiciais, bem como diversas formas de ordálias, e o papa Honório 
III, em 1216, determinou que a Ordem Teutônica que cessasse sua imposição 
de duelos judiciais sobre seus novos convertidos na Livônia, o que desencadeou 
nos três séculos seguintes uma tensão latente entre as leis regionais tradicionais 
e o direito romano. 
Entre os anos de 1220 e 1235 é elaborado um registro do direito 
consuetudinário existente, o Sachsenspiegel, reconhecendo o duelo judicial 
como um instituto importante para estabelecer culpa ou inocência em casos de 
insulto, lesão ou roubo. Este código foi usado em alguns lugares até 1900 
(PÖTSCHKE, 2002), e é dotado de grande relevância, não apenas por seus 
reflexos duradouros sobre a lei alemã posterior, mas também como um dos 
primeiros exemplos de prosa escrita no idioma alemão. 
O Sachsenspiegel é o primeiro livro jurídico abrangente escrito não em 
latim, mas em idioma germânico. É sabido, no entando, de uma edição em latim 
que teria existido existido, mas apenas os capítulos fragmentados resistiram ao 
passar dos séculos. Conforme destacado na obra de Richard Schröder(1932), o 
seguimento imediatamente oposto, o Kleines Kaiserrecht, um código legal 
anônimo de c. 1300, proíbe totalmente os duelos judiciais, afirmando que o 
imperador tinha chegado a essa decisão ao ver que muitos homens inocentes 
eram condenados pela prática apenas por serem fisicamente fracos 
(SCHRÖDER, 1932), no entando, os duelos judiciais continuaramem evidência 
nos séculos XIV e XV. 
 
3.2 O PAPEL IMPORTANTE NAS ESCOLAS DE ESGRIMA ALEMÃS 
 
O julgamento por combate possui um papel significativo nas escolas 
alemãs de artes marciais, e seus tratados e manuais frequentemente 
mencionam ou mesmo ilustram duelos judiciais, fazendo recomendações de 
estratégias a serem adotadas de acordo com as regras do duelo, criando muitas 
vezes um misto entre livro de direito e tratado de esgrima: Hans Talhoffer, em 
32 
 
seu tratado de 1459, cita sete ofensas que, na ausência de testemunhas, foram 
consideradas suficientemente graves para justificar um duelo judicial, a saber: 
assassinato, traição, heresia, deserção do senhor, "aprisionamento" 
(possivelmente no sentido de rapto), perjúrio / fraude e estupro (HERGSELL e 
TALHOFFER, 1890). 
Notavelmente, Hans Talhoffer descreve as técnicas a serem aplicadas em 
tais duelos, separadamente para as variantes legais da Suábia (espada e 
escudo) e Franconiana (maça e escudo) (HERGSELL e TALHOFFER, 1890), 
embora outros Fechtbücher como o e o Codex Wallerstein e o tratado de Paulus 
Kal (CHIDESTER, 2014) mostrem material semelhante. 
Estes duelos moldaram notoriamente a escola alemã de esgrima, que é 
como foi convencionalmente chamado o compêndio de sistemas de combate 
ensinados no Sacro Império Romano-Germânico durante os períodos medieval, 
renascentista e início da modernidade, como descrito nos Fechtbücher - manuais 
de combate - escritos na época. Sabe-se que centro geográfico dessa tradição 
era o que hoje é o sul da Alemanha (Augsburg, Frankfurt e Nuremberg). 
Durante o período em que foi ensinado, era conhecido como o “Kunst des 
Fechtens”, ou a "Arte da Esgrima" (CLEMENTS, 2008).Embora a escola alemã 
de esgrima concentre-se principalmente no uso da espada longa de duas mãos, 
também descreve o uso de muitas outras armas, incluindo armas de haste, 
punhais, facas (com ou sem um broquel) e o cajado, além de descrever combate 
montado e luta desarmada, e a razão disso muitas vezes eram costumes locais 
variados que determinavam armas ou métodos não convencionais para o 
julgamento por combate (KNIGHT, 2008). 
A maioria dos autores de escritos sobre o sistema são, ou dizem estar, na 
tradição do mestre do século XIV Johannes Liechtenauer (HILLS, 1985), sendo 
o mais antigo tratado sobre sobrevivência no sistema de Liechtenauer um 
manuscrito datado de 1389, conhecido como Ms. 3227a (TOBLER, 2010). Mais 
manuscritos sobrevivem a partir do século 15, e durante o século 16 o sistema 
também foi apresentado em versão impressa, mais notavelmente por Joachim 
Meyer em 1570 (MEYER e DUPUIS, 2006). 
 
33 
 
Figura 3 – Representação de preparativos para um duelo judicial 
 
Fonte: TALHOFFER, entre 1446 e 1459 
 
Como podemos verificar no Sachsenspiegel (PÖTSCHKE, 2002), apesar 
de plebeus serem obrigados a apresentar seu caso a um juiz antes de duelar, os 
membros da nobreza tinham o direito de se desafiarem mutuamente para os 
duelos sem o envolvimento do judiciário, de modo que os duelos desse tipo 
fossem separados do duelo judicial já na Idade Média e não foram afetados pela 
abolição da prática como método judicial no início do século 16 pelo Imperador 
Maximiliano I, evoluindo para o duelo cavalheiresco dos tempos modernos o qual 
foi proibido apenas no século XIX, e mesmo assim persiste na forma do 
“mensur”, que até poucas décadas atrás ainda poderia ser encontrado no 
submundo das universidades alemãs (BIASTOCH, 1995). 
 
34 
 
4 O JULGAMENTO POR COMBATE NA GRÃ-BRETANHA E IRLANDA 
O ”Wager of battle”, como o julgamento por combate foi chamado em 
Inglês, parece ter sido introduzido na lei comum do Reino da Inglaterra após a 
conquista normanda e permaneceu em uso durante toda Idade Média. Segundo 
Robert Edgar Megarry, último julgamento deste tipo na Inglaterra que chegou às 
vias de fato ocorreu em 1446: um servo acusou seu mestre de traição, e o mestre 
bebeu muito vinho antes da batalha e foi morto pelo servo (MEGARRY, 2005). 
Na Escócia e na Irlanda, a prática continuou frequenteaté o século XVI: em 1446 
um julgamento por combate foi organizado entre dois magnatas irlandeses, 
James Butler, 5º Conde de Ormonde e o Prior de Kilmainham, mas o rei Henrique 
VI interveio pessoalmente para persuadi-los a resolver suas diferenças 
pacificamente (BURTON, 1843 , p. 92-93). 
Contudo, em terras inglesas, a opção de um duelo judicial nem sempre 
estava disponível para o réu,como comenta o jurista Richard Burn, quando o réu 
enfrentava uma acusação de assassinato, por exemplo, haviam condições que 
lhe impediam de invocar tal direito: Se o réu fosse preso em flagrante (isto é, no 
ato de cometimento do crime), se ele tentasse escapar da prisão, ou se houvesse 
uma forte evidência de culpa em razão da qual não poderia haver negação 
efetiva (grande número de testemunhas, por exemplo), o réu não poderia 
requisitar o julgamento por combate. Da mesma forma, se a autora fosse uma 
mulher, tivesse mais de 60 anos de idade, fosse um menor de idade, cego ou 
aleijado, eles poderiam recusar o desafio, e o caso seria julgado pelo tribunal do 
júri (BURN e MAULE, 2010). 
Os sacerdotes e cidadãos da cidade de Londres (o último de acordo com 
sua garantia de liberdades antigas sob Magna Carta) também poderiam recusar 
o combate se desafiados. Se a batalha real acontecesse, ocorreria em arenas 
judiciais, com 18 metros quadrados, após a tomada de juramentos contra 
feitiçaria e feitiçaria. Se o réu fosse derrotado e ainda estivesse vivo, ele deveria 
ser enforcado no próprio local. No entanto, se ele derrotasse seu oponente, ou 
se ele fosse capaz de se defender de seu oponente do nascer ao pôr do sol, ele 
seria libertado. Se o autor admitisse sua derrota, e desistisse da luta, ele seria 
declarado infame, privado dos privilégios de um homem livre e seria responsável 
por reparar danos a seu oponente bem-sucedido, inclusive indenisando-o (HALL, 
1926, p. 44-45). 
35 
 
Os julgamentos por combate na Inglaterra também permitiram uma 
variedade de armas, particularmente para cavaleiros. George Neilson (2009) 
destaca que mais tarde, os plebeus que se engajariam em um duelo judicial eram 
munidos de porretes ou cajados, algumas vezes com pontas afiadas de ferro, 
afirmação corroborada pelos tratados de combate da época, e o local de duelo 
possuia tipicamente sessenta pés quadrados. Os plebeus recebiam para um 
escudo de couro retangular e podiam ser armados com um colete de couro, com 
os joelhos e cotovelos expostos e cobertos por uma túnica vermelha de um tipo 
de seda leve chamado sendal. O combate deveria começar antes do meio-dia e 
ser concluído antes do pôr do sol os litigantes deveriam representar a si mesmos 
no combate, não sendo admitido o uso de campeões no caso de uma parte 
plebéia (NEILSON e SERENI, 2009). 
Qualquer combatente poderia terminar a luta e admitir a derrota em sua 
causa, parte que o fazia, no entanto, seja litigante ou campeão, era punida com 
a proscrição. A luta deveria continuar até que uma das partes estivesse morta 
ou incapacitada, e o último homem de pé era o vencedor do litígio (KELLETT, 
2012). Por volta da metade do século XV, o julgamento por combate tinha 
praticamente desaparecido, sendo evitado por litigantes e eventualmente 
suplantado, de forma gradual, pelo julgamento por júri (JANIN, 2004). 
Um dos últimos julgamentos por combate em massa na Escócia, a 
Batalha dos Clãs, ocorreu na cidade de Perth em 1396. Conforme nos narra 
Robert Gunn (2000), este evento tomou a forma de uma batalha campal entre 
equipes de cerca de trinta homens cada, representando o Clã Macpherson e o 
Clã Davidson no Norte, que batalharam no Parque North Inch, na presença do 
rei Robert III. Originalmente a richa começou como uma disputa de clãs entre o 
clã Chatten (uma grande confederação de clãs incluindo Macpherson, Davidson, 
Keith, Farquarson, Macintoshes,MacBeans e MacGillicrays - e mais alguns) e 
Clã Cameron (GUNN, 2000). Os clãs membros desta confederação discutiram 
sobre qual clã tomaria o flanco direito (o de maior honra) em batalha. Por 
insistência do rei, David Lindsay, primeiro conde de Crawford e Dunbar, tentou 
fazer com que os dois clãs rivais resolvessem suas diferenças amigavelmente. 
A tentativa falhou miseravelmente, no entanto, o que levou os dois chefes a 
apresentare ao rei o pedido de um julgamento por combate entre os membros 
dos dois partidos, com o monarca concedendo honras aos vencedores e um 
36 
 
perdão aos derrotados. 
Robert Gunn (2000) narra que assim que a batalha se iniciou, ambos os 
lados balançavam suas espadas, machados e maças num embate homem a 
homem, enquanto o rei e sua corte desfrutavam de toda a ação sangrenta. 
Segundo o relato, no começo, foi uma luta equilibrada, mas depois de poucos 
minutos alguns Davidson tombaram, e dentro de meia hora ou menos, havia 
apenas alguns Davidsons para enfrentar cerca de 19 ou 20 Macphersons. 
Quando a próxima leva de combatentes se encontrou, restava apenas um 
Davidson. Este homem, o último dos membros do clã Davidson em campo, 
estava agora enfrentando quase 20 oponentes que com certez, o matariam. 
Enquanto os Macphersons o atacavam, diz-se que o último Davidson pulou nas 
águas geladas do rio próximo para tentar uma possível mas pouco provável fuga, 
e alguns registros dizem que ele realmente nadou para o outro lado e viveu. Os 
Macphersons ganharam o dia e reivindicaram seu direito de tomar o flanco direito 
nas batalhas vindouras (GUNN, 2000). Nada tão estranho, na história das lutas 
entre clãs, ocorreu novamente. Havia muitas brigas e a maioria tinha desfecho 
brutal, mas nenhuma teve platéia e uma audiência real exceto essa. 
Segundo a obra de Hans Claude Hamilton (1867), o último julgamento por 
combate sob a autoridade de um monarca inglês ocorreu durante o reinado de 
Elizabeth I no pátio interno do Castelo de Dublin, Irlanda, no dia 7 de setembro 
de 1583: tratou-se de disputa era entre membros do clã O'Connor sobre King's 
County (moderno Condado de Offaly na província de Leinster.), que foram 
persuadidos por dois juízes a levar a questão ao conselho privado irlandês para 
resolução (HAMILTON, 1867). A disputa provavelmente dizia respeito ao poder 
dinástico dentro do território dos O'Connors, e os partidos Teig e Conor haviam 
acusado uns aos outros de traição; o conselho privado concedeu o desejo de 
que o julgamento fosse travado no dia seguinte, e que outro julgamento desse 
tipo entre dois outros membros dos mesmos partidos ocorresse na quarta-feira 
seguinte. O primeiro combate ocorreu como indicado, com os combatentes "em 
suas camisas com espadas escudos". Este relato do processo como observado 
por um dos conselheiros privados é dado por Hamilton nos documentos do 
Estado na Irlanda: 
 
“[...]O primeiro combate foi realizado no momento e lugar de 
37 
 
acordo com a observação de todas as cerimônias devidas como 
sofreria tão pouco tempo, em que ambas as partes mostraram grande 
coragem por uma luta desesperada: em que Conor foi morto e Teig 
ferido, mas não mortalmente, o mais foi a pena: Nesta quarta-feira 
seguinte Mortogh Cogge [O'Connor] apareceu no mesmo local trazido 
pelos capitães para as listas, e lá ficou 2 horas fazendo proclamação 
contra seu inimigo por tambor e trompete, mas este não apareceu [...] 
A única coisa que recomendamos nesta ação foi a diligente labuta de 
Sir Lucas Dillon e o Mestre dos Rolos, que igual e abertamente 
pareciam apoiar os campeões, mas secretamente com muito boa 
concordância, tanto conosco como entre eles, com tal consideração. 
do serviço de sua majestade, como nos dá motivo para recomendá-los 
aos seus senhorios12.” (HAMILTON, 1867) 
 
Os Annála na gCeithre Máistrí13, que são crônicas da história medieval 
irlandesa, também se referem ao julgamento em questão e censuram as partes 
por terem permitido que os ingleses conduzissem o processo que culminou em 
combate (CUNNINGHAM, 2010). Também há referências aos fatos nas crônicas 
de Holinshed (PATTERSON, 1994) e (CLEGG, 2014). Curiosamente, este foi um 
julgamento que não é de direito consuetudinário, mas que se deu sob jurisdição 
conciliar (consiliar jurisdiction). Com a chegada da Renascença, a prática foi 
esvaecendo-se, e tornou-se cada vez mais rara em terras britânicas. 
 
 
12 “[...]The first combat was performed at the time and place accordingly with observation of all 
due ceremonies as so short a time would suffer, wherein both parties showed great courage by 
a desperate fight: In which Conor was slain and Teig hurt but not mortally, the more was the 
pity: Upon this Wednesday following Mortogh Cogge [O'Connor] appeared in the same place 
brought by the captains to the listes, and there stayed 2 hours making proclamation against his 
enemy by drum and trumpet, but he appeared not ... The only thing we commend in this action 
was the diligent travail of Sir Lucas Dillon and the Master of the Rolls, who equally and openly 
seemed to countenance the champions, but secretly with very good concurrence, both with us 
and between themselves, with such regard of her Majesty's service, as giveth us cause to 
commend them to your Lordships.” 
13 “Anais dos Quatro Mestres”, tradução livre. 
38 
 
5 SIR JEAN DE CARROUGES VERSUS JACQUES LE GRIS: UM ESTUDO 
DE CASO 
 
Em dezembro de 1386, um dos últimos julgamentos por combate travados 
em solo francês, e talvez o mais celebre de todos, foi autorizado pelo rei francês 
Carlos VI. O julgamento foi travado para decidir um litígio proposto por Sir Jean 
de Carrouges em face do escudeiro Jacques Le Gris, a quem ele acusou de 
estuprar sua esposa, Marguerite, enquanto Carrouges estava em uma viagem 
de negócios (JAGER, 2014). 
Conforme relatado em detalhes nas Crônicas de Froissart (FROISSART 
e JOHNES, 2012) depois de longas audiências no Parlamento de Paris, com 
LeGris alegando que ele não havia cometido crime algum, e considerando que 
Marguerite estando grávida, foi decidido que a culpa não poderia ser decidida 
através de um julgamento padrão do júri, e um duelo judicial foi ordenado. O 
duelo colocou as quatro vidas nas mãos do destino: Essas quatro vidas são 
Jacques LeGris, o acusado Jean de Carrouges, a acusadora Marguerite e sua 
criança ainda não nascida: no duelo judicial, o sobrevivente seria considerado o 
vencedor da reivindicação, e sua palavra seria tomada como absoluta verdade. 
Se Jacques LeGris vencesse o duelo, Jean de Carrouges não só morreria, mas 
sua esposa grávida também seria condenada à morte pelo crime de perjúrio 
(FROISSART e JOHNES, 2012). 
O depoimento de Marguerite alegava que um homem de armas chamado 
Adam Louvel bateu na porta de sua residência, que a própria Marguerite abriu 
na ausência de empregados. De acordo com Marguerite, Louvel, em seguida, 
fez perguntas sobre um empréstimo que ele devia a Jean de Carrouges antes 
de repentinamente anunciar que Jacques Le Gris estava do lado de fora da porta 
e insistia em vê-la. Em sua recusa, Louvel exclamou que "ele te ama 
apaixonadamente, ele fará qualquer coisa por você e ele deseja muito vê-la" 
(JAGER, 2014, p. 62-63). Embora Marguerite tenha protestado, Le Gris forçou 
sua entrada na casa e declarou-se, oferecendo dinheiro se ela permanecesse 
em silêncio sobre o adultério que desejava cometer. Quando Marguerite 
recusou, Le Gris violentou-a com a ajuda de Louvel e ameaçou-a de de morte 
caso revelasse o ocorrido à seu marido (JAGER, 2014, p. 69). 
Marguerite permaneceu em silêncio acerca do abuso sofrido por vários 
39 
 
dias, até o retorno de seu marido no dia 21 ou 22 de janeiro daquele ano 
(BELLAGUET, 1840). Ao ouvir sobre o ocorrido, o indignado Carrouges 
convocou seu círculo de familiares e amigos, incluindo sua mãe e a maioria da 
família

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