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FACULDADE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DO PARANÁ MUSTAFA JEAN MUKSEN JULGAMENTOS POR COMBATE UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL EUROPEU CURITIBA 2019 MUSTAFA JEAN MUKSEN JULGAMENTOS POR COMBATE UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL EUROPEU Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de Direito da Faculdade Superior do Paraná. Orientador: Prof. Cleverson Leite Bastos CURITIBA 2019 MUSTAFA JEAN MUKSEN JULGAMENTOS POR COMBATE UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL EUROPEU Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Bacharel, no curso de Direito da Faculdade de Educação Superior do Paraná, pela seguinte banca examinadora: Orientador: Prof. Cleverson Leite Bastos Faculdade de Educação Superior do Paraná Prof. _______________________________ Faculdade de Educação Superior do Paraná Prof. _______________________________ Faculdade de Educação Superior do Paraná Curitiba, ___ de ____________ de 2019. RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar o pensamento europeu medieval que justificou a instituição de métodos jurídicos inconcebíveis aos olhos do homem moderno, expressos nos infames "julgamentos por combate", bem como delimitar o próprio conceito deste método jurídico, realizando uma recapitulação histórico-sociológica do fenômeno para atingir o escopo argumentativo acerca da importância do conhecimento sobre fenômenos sociais do passado como os julgamentos por combate. O estudo da Filosofia e da História é fundamental, qualquer que seja a disciplina ou ramo de atividade, incluindo-se aí, evidentemente, o Direito, e esta análise explica como uma instituição jurídica aparentemente irracional – o Writ of Trial by Combat - é consistente com o comportamento racional da Idade Média, discorrendo sobre as razões pelas quais essa instituição aparentemente ineficiente desempenhou um papel central no sistema jurídico da Europa Medieval, onde durante séculos, o sistema judicial de países como Inglaterra e Alemanha decidiu disputas, em especial aquelas sobre direito de propriedade, ordenando aos representantes legais das partes que lutassem diante de uma plateia de cidadãos espectadores, onde o vencedor confirmava o seu direito e o derrotado, perdia a causa disputada e, se ele não tivesse sorte, sua vida. Examinou-se a doutrina, legislação e jurisprudência de países europeus durante a Idade Média até a Era Moderna, construindo uma recapitulação do processo de nascimento, adoção como método jurídico e o desaparecimento dos julgamentos por combate tardiamente no século 19. Por derradeiro, houve análise de dois casos célebres onde mecanismo alternativo restou como a única oportunidade para sanar impossível injustiça aos olhos dos operadores do direito da época, por último a conclusão alcançada com a análise dos temas abordados. Palavras chave: Julgamento por Combate. Idade Média. Duelo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 5 2 AS ORIGENS DO COSTUME: CONCEITUANDO O JULGAMENTO POR COMBATE ......................................................................................................... 6 2.1 PRIMEIROS CASOS DE APLICAÇÃO DE JULGAMENTO POR COMBATE COMO MÉTODO JURÍDICO, SEU SURGIMENTO E DESAPARECIMENTO NO DIREITO POSITIVO .................................................................................. 10 2.2 O LEX ALAMANORUM .............................................................................. 11 2.3 OS EINVIGII E HÓLMGANG: JULGAMENTOS POR COMBATE NA ESCANDINÁVIA ............................................................................................... 12 2.4 MECANISMOS LIMITADORES DO HÓLMGANG E SUA EFICÁCIA ....... 24 3 JULGAMENTOS POR COMBATE NO SACRO IMPÉRIO ROMANO- GERMÂNICO ................................................................................................... 30 3.1 TENTATIVAS DE PROIBIÇÃO: COSTUME VERSUS LEI ......................... 31 3.2 O PAPEL IMPORTANTE NAS ESCOLAS DE ESGRIMA ALEMÃS .......... 31 4 O JULGAMENTO POR COMBATE NA GRÃ-BRETANHA E IRLANDA ..... 34 6 SIR JEAN DE CARROUGES VERSUS JACQUES LE GRIS: UM ESTUDO DE CASO ......................................................................................................... 38 7 O ÚLTIMO DUELO JUDICIAL: ASHFORD VERSUS THORNTON ............. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 52 5 1 INTRODUÇÃO O estudo do passado é essencial para a melhor compreensão do presente e para a elaboração de perspectivas para o futuro, pois os processos de transformações sociais não ocorrem por saltos, mas pela dialética; ou seja, as rupturas culturais ao longo das eras são apenas parciais, ou mesmo inexistentes, uma vez que o presente não é autossuficiente, mas possui uma longa trajetória temporal, que é saturada de passado: a Filosofia do Direito e a História do Direito precisam ser estudadas para oferecer a inteligibilidade das formas, discursos e instituições jurídicas do presente. Sem esta profundidade temporal, sem esta densidade histórica, sem a distância temporal do passado, o Direito-presente é enigmático, opaco, incapaz de se pensar e procurar as melhores soluções para os problemas jurídicos. Diferentemente das ordálias - judicium Dei - provas normalmente de cunho religioso e/ou místico às quais um acusado era submetido, e segundo critérios metafísicos, o resultado ditava sua inocência ou culpa (HOUAISS A, 2009) – presentes em praticamente todas as culturas, os julgamentos por combate tiveram origem exclusivamente entre os povos germânicos, sendo uma característica única surgida do direito consuetudinário desses povos. Primeiramente, é necessário traçar uma clara distinção entre os duelos privados de honra, civis e militares (doravante referidos apenas “duelos”), legalmente permitidos ou não, e os julgamentos por combate propriamente ditos, também chamados de “duelos judiciais”: enquanto os duelos eram usados como métodos para resoluções de contendas particulares, com pouca ou nenhuma intervenção do judiciário no método em si, os julgamentos por combate consistiam um método judicial propriamente dito, sancionado por uma autoridade judicial, restrito por regras e um método processual que não deixa em nada a desejar em relação aos demais procedimentos jurídicos da época, era pois a derradeira alternativa, quando se esgotavam todas as demais hipóteses de resolução do conflito pacificamente pelas vias judiciais, como verificaremos em diversos casos, como o de Sir Jean de Carrouges contra Jacques Le Gris França (FROISSART e JOHNES, 2012). 6 2 AS ORIGENS DO COSTUME: CONCEITUANDO O JULGAMENTO POR COMBATE A ideia em si, de que uma contenda entre duas ou mais partes possa ser resolvida pela aplicação direta da força física, entre dois ou mais combatentes em paridade de condições, por si só é muito mais antiga que quase qualquer outro método judicial, aparecendo em obras como a Ilíada (HOMERO e MENDES, 2009) contudo o que define um julgamento por combate é uma série de circunstâncias, e neste trabalho será intentada uma possível enumeração destas condições, as quais resumem-se à três premissas: Primeiramente, a preocupação com a paridade no combate, presente sem exceção nas fontes sobre o método, especificando as condições em que se dá o embate. Um exemplo explícito é a representação deum combate judicial no presente no Codex Sachsenspiegel (originado entre os anos 1220 e 1235, e permanecendo em uso até meados de 1900 em certas localidades isoladas), ilustrando a regra de que os dois combatentes em um julgamento devem "compartilhar o sol" (LEESON, 2019), ou seja, alinhar-se perpendicularmente ao Sol para que nenhuma das partes tenha vantagem: Figura 1 - Representação de um combate judicial no Codex Sachsenspiegel Fonte: LEESON, 2019, p. 1. 7 Em segundo, a anuência das autoridades locais (SCHAFF e BALUZIUS, 1997). Sem esta, o embate não passa de uma disputa de brigões violentos, mesmo aos olhos da sociedade contemporânea ao ocorrido (CIKLAMINI, 1963), portanto é necessário que o método esteja consolidado no direito consuetudinário local, ou descrito/positivado em instrumentos legais, mais comumente a primeira, pois a fonte costumeira é a mais comum na Europa (durante a Idade Média) como um todo (JANIN, 2004). Contudo, a mera anuência não é fator suficiente para atribuir caráter de um julgamento por combate ao duelo, e os códigos e compêndios legais como os Capitulários carolíngios, buscavam apresentar soluções à problemas imediatos locais e não serem coletâneas legais coerentes (DEVROEY, 2016). Por último, e talvez a mais marcante de todas as três, é que existe um processo judicial, que reúne princípios tidos como modernos, marcantemente o princípio de “ouvir-se o outro lado” - Audi alteram partem - e ainda pode ainda mesmo reunir elementos como a presunção da inocência, aspectos do processo legal que obrigatoriamente precedem a autorização e consumação do julgamento por combate (JANIN, 2004). A história de nossa civilização é repleta de exemplos onde, mesmo na antiguidade, os mesmos princípios foram utilizados na resolução de contendas, por exemplo, na obra de Homero, A Ilíada, onde Heitor, o maior herói troiano, propõe que o destino da Guerra de Troia seja decidido numa luta entre Menelau e Paris. Menelau aceita, exigindo juramento de sangue sobre o pacto de respeitar o resultado do duelo, e enquanto os preparativos são feitos, Príamo, rei de Troia, no alto de uma torre apenas observa a contenda, resoluto com o meio eleito para resolução do conflito, conforme narrado na Ilíada (HOMERO e MENDES, 2009, p. 104-105): [...] Se me queres na liça, Aqueus e Troas Sossega: eu só com Menelau a braços Dispute Helena; o vencedor aceite E reconduza a dama e os seus tesouros. Ferido o pacto, em sólida amizade [...] Nímio têm padecido! Os mais pactuem; Morra qualquer um dos dous que a Parca assine. 8 Preta imole-se à Terra uma cordeira, Cordeiro branco ao sol, branco ao Satúrnio. Mas Príamo o tratado ratifique; Seus filhos com perfídia os juramentos Podem quebrar, sem pejo do Supremo. Dos mancebos a mente é sempre instável: O ancião, reportando-se ao passado, Olha ao futuro, concilia todos. Alegram-se os Trojúgenas e Aquivos, Terminar concebendo a luta infausta. Dos coches apeando, os enfileiram; As armas despem, que ante si descansam: Breve espaço medeia. Dois arautos Expede logo Heitor, que as reses tragam, E a Príamo convida. A rês terceira Manda vir Agamemnon por Taltíbio, Que ao rei submisso para as naus caminha. Os fatos narrados se assemelham muito aos milenarmente posteriores duelos judiciais medievais, porém, mesmo que possuam alguns dos elementos determinantes, lhes faltam outros: enquanto os duelos propostos na obra de Homero, embora sejam claramente sancionados pelo poder estatal na figura do monarca, não possuem um método pré-determinado que delimite a paridade entre os combatentes, tampouco outras especificidades para garantia do cumprimento dos termos, característica marcante dos duelos judiciais medievais (WHITE, 1913). Está é a crucial diferença entre os julgamentos por combate medievais e os duelos – de honra, duelos civis, etc - comuns em tantas culturas. Outro exemplo hiperbólico e anacrônico (século 19) já no novo mundo e em terras brasileiras, é o duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires, figuras célebres da Revolução Farroupilha. Conforme narra Arthur Ferreira Filho (1985), os dois eram primos e com uma longa história juntos, a relação dos dois sofre uma reviravolta devido à insatisfação de Onofre para com as condutas Gonçalves, chefe da Revolução. Onofre falava abertamente à toda tropa sobre sua insatisfação, colocando em dúvida diversas vezes as intenções e a honra do primo (FERREIRA FILHO, 1985). 9 Bento, em carta, pediu que Onofre confirmasse ou não, por escrito, as acusações ofensivas à sua honra feitas em presença de terceiros. Onofre logo respondeu confirmando, abrindo mão de suas imunidades parlamentares e colocando-se à disposição de Bento para um duelo, hipótese desejada por Onofre Pires, que levava grande vantagem por seu porte atlético e por ter dez anos de idade a menos do que Bento, 44 contra 54 anos (FERREIRA FILHO, 1985). Bento Gonçalves procurou Onofre Pires e o desafiou formalmente para o duelo, que aconteceu no dia 27 de fevereiro de 1844, nas margens do rio Sarandi, em Santana do Livramento. Onofre foi atingido no antebraço direito, fato que interrompeu o duelo. Onofre Pires morreu quatro dias depois, em consequência de gangrena, e um ano antes do término da Revolução (FERREIRA FILHO, 1985). É claro aqui que, embora haja anuência explícita do poder estatal, ainda assim não é possível classificar os fatos narrados como um legítimo duelo judicial, pelos mesmíssimos motivos e razões do exemplo anterior, muito mais antigo e tão similar. Uma vez dados estes exemplos, é necessário mencionar que diferente do conceito de duelo militar em que se deram, ambos ocorrendo em tempo de guerra, o julgamento por combate era mais comumente prescrito em tempos de paz ou trégua, e isto pode ser verificado, por exemplo, na narrativa de Froissart acerca do célebre caso Jean de Carrouges IV contra Jacques Le Gris no ano de 1386, onde observa-se resistência da corte ao autorizar o procedimento, e o próprio monarca francês, Carlos VI, o qual se encontrava em Flanders em campanha militar, determinou que o duelo judicial entre Carrouges e Le Gris fosse postergado devido à seu desejo de presenciar o duelo (FROISSART e JOHNES, 2012), pois estava envolvido em certa empreitada militar que o impediria de estar presente na cidade na data pretendida do julgamento, o que levou à postergar . Aí fica aparente o aspecto “civil” do julgamento por combate, que lhe atribui caráter não diferente de outro julgamento qualquer (JAGER, 2014), exceto que com muito mais pompa, inclusive plateias (GUNN, 2000), não diferentes do público ao reunir-se para presenciar julgamentos pelos Tribunais do Júri em nossa própria realidade jurídica. 10 2.1 PRIMEIROS CASOS DE APLICAÇÃO DE JULGAMENTO POR COMBATE COMO MÉTODO JURÍDICO, SEU SURGIMENTO E DESAPARECIMENTO NO DIREITO POSITIVO Uma vez definida a natureza do método, torna-se viável uma investigação sobre sua origem e sobre o pensamento que o justifica dentro da realidade mental da Europa medieval. Ao contrário do julgamento por Ordálias, que em geral está presente em muitas culturas por todo o mundo, o julgamento por combate se origina primariamente dentro dos costumes dos povos germânicos, como burgúndios, francos, lombardos e suecos (LEESON, 2019). Segundo James Thayer (1891), era originalmente estranho ao ordenamento jurídico anglo-saxônico, e num primeiro momento foi completamente rejeitado na lei romana também estando ausente em tradições da antiguidade do Oriente Médio, como o código de Hamurabi ou o Torá dos hebreus: trata-se de um costume evidentemente enraizado nas tradições germânicas. O primeiro caso em que o combate singular como método judicial bem estruturado foi utilizado foi registrado foi Wulfstan v. Walter (1077) (THAYER, 1891)onze anos após a Conquista Normanda. Significativamente, os nomes das partes sugerem que foi uma disputa entre um saxão e um normando enquanto o Tractatus de legibus e consuetudinibus regni Anglie, frequentemente chamado apenas de Glanvill e datado de por volta do ano de 1187 d.C. (SCRUTTON, 1885, p. 74-77), que parece ter considerado o método como principal modo de julgamento, pelo menos entre os aristocratas autorizados a portar armas (WHITE, 1913). Por volta de 1219, em terras britânicas o julgamento por júri começa a eclipsar a prevalência do julgamento por combate, o qual tinha sido o modo de prova mais proeminente para os apelos à coroa desde o Assize of Clarendon em 1166 (HURNARD, 1941), contudo, o Assize of Clarendon não impôs a essa mudança imediatamente; O direito ao julgamento por combate não foi oficialmente rescindido até 1819, logo após o Caso Thornton (HALL, 1926), embora até então tenha caído em desuso. Com o surgimento formal da profissão de operador do direito no século XIII, os advogados, tendo em consideração a segurança das vidas de seus clientes, costumavam tentar afastar a possibilidade do julgamento por combate, criando uma série de ficções legais para permitir que os litigantes se valessem do júri, mesmo no tipo de ações que eram 11 tradicionalmente decididas por meio de julgamentos por combate, e esta prática de evitar julgamento por combate levou ao conceito moderno de advogados representando litigantes (STEPHENSON e MARCHAM, 1937). 2.2 O LEX ALAMANORUM Conforme nos instrui Clausdieter Schott (2014), o Lex Alamannorum e o Pactus Alamannorum são dois códigos de lei medievais dos Alamanos. O Pactus Alamannorum ou Pactus legis Alamannorum é o mais antigo dos dois códigos, datando do início do século VII e se encontra preservado em um único manuscrito do século IX ao X. Já o Lex Alamannorum foi escrito na forma de cerca de 50 manuscritos datados entre os séculos VIII e XII. O Lex Alamannorum é atribuído ao duque Lantfrid (709-730) por dois manuscritos, enquanto a maioria dos códices designa a autoria do texto da lei ao rei Chlothar. A visão dominante da pesquisa (SCHOTT, 2014) vê Lantfrid como o verdadeiro originador, que foi substituído nos textos após a conquista carolíngia em favor de Chlothar. O texto está intimamente relacionado com o Lex Baiuvariorum e está preocupado com questões eclesiásticas. Em seu capítulo 81 (“recensio Lantfridana 81”, datado de 712 a 730 d.C.) prescreve um julgamento por combate no caso de duas famílias disputando a fronteira entre suas terras. De acordo com o texto, punhado de terra retirado da propriedade disputada é colocado entre os competidores e eles são obrigados a tocá-lo com suas espadas, cada um jurando que sua reivindicação é lícita. A parte derrotada, além de perder sua reivindicação para a terra, foi obrigada a pagar uma multa como compensação à parte vencedora pelo inconveniente (SCHOTT, 2014). Aqui, observa-se o método ser, além do enraizamento nos costumes locais, mas positivado no direito com tal naturalidade que as partes recorrem à autoridade por prestação jurisdicional especificamente nos termos do julgamento por combate (BYOCK, 1982) ou seja, elegendo espontaneamente tal método, que lhes parece mais adequado devido à ausência de outras provas e/ou testemunhas. Cabe mencionar também que, tal ocorrido, ao ser registrado e ter seu procedimento sistematizado já no Lex Alammanorum denota não apenas a naturalidade, mas a importância do caso, pois como Jacques Verger menciona em sua obra, a manufatura e confecção dos livros medievais, especialmente na alta idade média como no caso em questão, estava rodeada por inúmeras 12 dificuldades que lhes tornavam difícil o acesso, sendo os mais relevantes especialmente de ordem econômica, pois o livro custava caro (VERGER, 1999), logo, não se registrava nada que não fosse dotado de relevante função na sociedade, especialmente em um tomo de caráter legislativo. 2.3 OS EINVIGII E HÓLMGANG: JULGAMENTOS POR COMBATE NA ESCANDINÁVIA Embora tenham realizado pouco contato com o resto da Europa no período anterior à “Era das Incursões”, ou “Era viking”, os povos escandinavos possuíam seu próprio sistema de duelo judicial, o Hólmgang (hólmganga em nórdico antigo e moderno islandês, Holmgång em sueco, holmgang em dinamarquês e norueguês bokmål e nynorsk), definido por costumes mais ou menos homogêneos, nascidos do “Einvigii” (BØ, 1969), cuja origem precisa ser traçada a fim de definir suas peculiaridades. Entre os escandinavos, o conceito de “honra”, seja pessoal ou familiar, era dotado de absoluta relevância: a honra era um tipo de equilíbrio que um homem não podia permitir que fosse perturbado. (CIKLAMINI, 1963) Era intolerável a ofensa à honra; se você e sua família pudessem ser referidos com desdém, o equilibrio social e a boa reputação só poderiam restaurados com retaliação bem-sucedida, fosse por meio insulto em resposta ou alguma forma de dano proposital causado pelo ofendido (WILSON e FOOTE, 1970). Neste contexto, "retaliação" é um termo inadequado para tratar do Trial By Combat, no caso, o Hólmgang, pois parece fazer referência à Lei de Talião, a retribuição exata de "olho por olho", no entanto, em sociedades germânicas a retribuição pode muito bem ser de magnitude muito maior do que o insulto ou injúria original, com uma calúnia sendo retaliada pela espada para que a reparação da honra fosse satisfeitória, o que é convalidado pelo texto do religioso Hávamál (MEDEIROS, 2013). Esse padrão de reparação muitas vezes se tornou um ciclo entre famílias, com vingança tomada por um parente e uma contra-vingança pelo outro, sem maneira de acabar com as hostilidades até que o tempo e as gerações apagassem a memória do insulto ou até que uma linhagem inteira estivesse morta, sendo a este tipo de disputa ciclica era glorificada na sociedade da época, e mesmo imortalizada, como no texto conhecido como 13 “Beowulf”, um poema épico escrito em língua anglo-saxã, por autor desconhecido, possivelmente no século VIII, o qual narra ostensivamente o conflito entre duas famílias: “[...]Então o exílio desejado para partir O estrangeiro do lugar; vingança por ofensas Eram os seus pensamentos e não a viagem marítima, Se ele pode trazer um ataque, Sobre os filhos dos jutes1 planejada com espadas de ferro Assim, ele não recusou as regras do anfitrião Quando Hunlafing descontraído a Luz da Batalha - A melhor espada - em seu colo; Que era para os jutes uma espada bem conhecida. Da mesma forma, abateu sobre Finn, o corajoso no espírito, A Cruel espada-maligna em sua própria casa. Quando Gudlaf e Oslaf devolveram o ataque sombrio Após viagem por mar tristeza sofrida Uma grande dor; nem os espíritos inquietos podem Dentro de seus seios ser reter. Em seguida, foi o salão avermelhado Com os corpos dos inimigos, Então assim Finn foi morto, O rei com suas tropas..1 (HALL, 2012) Uma vez que o ciclo de vingança por sua natureza tendia a aumentar continuamente, envolvendo mais e mais membros da sociedade em seus laços de ódio e derramamento de sangue, foi necessário que sociedade desenvolsse mecanismos limitadores (BERNHARÐSSON 2005) para proteger não apenas a seus próprios membros e famílias individuais, mas também a sociedade como um todo da morte e dissolução. Tendo isso em mente, surgem as precauções 1 […] Then the exile desired to depart, the stranger from the stead; revenge for wrongs were his thoughts rather than the sea-voyage, if he might bring about an attack, on the sons of the Jutes planned with iron swords. Thus he did not refuse the ruler of the host when Hunlafing laid the Light-of-Battle - the best sword - in his lap; that was to the Jutes a sword well-known.Likewise after befell Finn, thebold in spirit, cruel sword-evil at his own home. When Gudlaf and Oslaf gave back the grim attack after sea-journey sorrow suffered a great grief; nor might the restive spirits within their breasts be withheld. Then was the hall reddened with the foemen's bodies, so that Finn was slain, the king with his troops. 14 positivadas na “Járnsíða”. Esta por sua vez se trata de um códice legal composto por Magnus VI da Noruega, para a Islândia, que passou a estar formalmente sob controle norueguês durante os anos de 1262 e 1264 d.C. A Járnsíða foi introduzida entre os anos de 1271 e 1274 d.C., substituindo o anterior código de leis Grágás. Entre outras coisas, Járnsíða formalmente colocou todos os poderes legislativos nas mãos do rei, reformando vários atos legislativos anteriores (BERNHARÐSSON, 2005). De acordo com a Járnsíða, as disputas e retaliações deveriam ser erradicadas porque “roubam da sociedade seus melhores homens e do rei seus melhores súditos”. Isto pode ser uma das razões para o forçado desuso do costume, mas dificilmente foi a principal razão para a supressão da prática. Na Islândia, não menos do que em outras sociedades feudais, o Julgamento por Combate era uma forma de lei-costume local, e era do interesse de o Estado e posteriormente a Igreja para reduzir o poder dos costumes locais (CLOVER, 1986). A preocupação dominante da sociedade escandinava medieval, conforme refletida nas sagas islandesas, era "canalizar a violência para padrões aceitaveis socialmente e regular conflitos" (BYOCK, 1982). O primeiro passo para limitar os problemas com ofensas, disputas e busca por retalizações é estreitar o círculo daqueles diretamente envolvidos, impedindo que um incidente isolado se transforme num ciclo vicioso de homicídios consecutivos de familiares do autor de uma ofensa, e a maneira eleita pelos europeus medievais para atingir este objetivo foi desenvolver o combate singular entre dois homens como um meio socialmente aceito de reparação por danos, tranformando-o em um procediemnto judicial sancionado pelo poder estatal. O conceito em si era muito antigo, desenvolvido bem antes dos escandinavos medievais por seus ancestrais germânicos: os escandinavos chamavam o duelo de “Einvigii”, literalmente "combate individual", e cognatos aparecem no sueco antigo (Einvigihe), no alto alemão antigo (einwic) e no inglês antigo (artwig), bem como no antigo nórdico (BØ, 1969). Contudo, diferente do posterior Hólmgang, o “Einvigi” era um duelo não regulamentado, combatido com quaisquer armas, em qualquer local e por qualquer método: em suma, uma briga. Os combatentes em um duelo Einvigii não contavam com juiz, e não havia tampouco invocação do judicium dei; em vez disso, eles confiaram em sua força e "sorte" pessoal para decidir o assunto. 15 A divindade Ullr, até onde sabemos, é mencionado nas sagas como o deus dos Einvigi (STURLUSON, 2014); e poderia ter sido chamado por um ou ambos os competidores para favorecer algum tipo de favorecimento divino para o embate, mas não há uma única instância nas sagas ou outra literatura escandinava, onde qualquer ajuda divina ou interferência é descrita (CIKLAMINI, 1963). É descrito por Bø (1969) que os escandinavos não confiavam em capricho divino e confiavam apenas na própria força, isso pode ser interpretado erroneamente: a afirmação não significa que não confiavam na ajuda dos céus, pois eles invocavam frequentemente o poder divino em disputas e batalhas, mas que não contavam com interferências diretas nos duelos, embora acreditassem que a interferência divina lhes favorecia e poderia até mesmo lhes conceder a vitória. Apesar da adoção do Einvigi ter restringido o derramamento de sangue em algum grau, ele ainda não era um mecanismo eficiente contra rixas pessoais e familiares. Se um dos combatentes fosse morto no Einvigi; seus parentes tinham direito ainda ao eptirmál, o direito de processo legal que seguia-se à ocorrência de um homicídio (JONES, 1933), onde os sobreviventes ou familiares do assassinado poderiam optar por requerer o “wergild”, uma espécie de compensação financeira para reparar a morte. Embora a oferta de pagar o wergild legalmente obrigasse o potencial vingador de permanecer inerte frente ao acusado, oportunizando ao assassino a chance de defesa legal em uma assembleia (BØ, 1969) ao mesmo tempo cultura escandinava estava socialmente direcionada para vingança, ou seja, ao invés de uma indenização, era desejável que se pagasse um preço de sangue. Neste contexto nos instrui a obra de Sverre Bagge (2012), relatando o surgimento o instituto da “Gulating” ou “Gulathing” (em nórdico antigo, Gulaþing), que foi uma das instituições mais importantes da história antiga da Noruega: nome refere-se na atualidade tanto a uma das primeiras assembleias legislativas (ting) como ao atual tribunal de justiça na Noruega ocidental. É a mais antiga instituição regional de Noruega, e deve seu nome a que originalmente estava localizada em Gulen no momento que se estabeleceu como instituição, em algum momento entre finais do século IX e 930 (BAGGE, 2012). Esta prática de realizar periodicamente assembleias regionais entre os homens mais influentes remonta a tempos anteriores à introdução da escrita moderna na Noruega, e estabeleceu-se firmemente quando o país se unificou 16 num reino (900-1030). Estas assembleias funcionavam como um poder legislativo e judicial, resolviam disputas e ditavam leis. O Gulating celebrava-se em Gulen ao norte de Bergen sobre a costa ocidental de Noruega. Suas leis tinham vigência desde os vales interiores de Valdres e Hallingdal no oriente até as Ilhas Feroe no ocidente (VOGT, 2010). Tendo isso em mente, a lei de Gulaþing ilustra adota o seguinte posicionamento sobre o Einvigi e o direito de reparação, visando evitar a arguição excessiva deste instituto: [...] Agora ninguém, nem homem nem mulher, tem qualquer direito pessoal à expiação mais do que três vezes, se ele não se vingar enquanto isso2. (WILSON e FOOTE, 1970, p. 428) O grande dilema desta situação era que cada vingança era seguida de uma nova vingança, transformando-se em uma rixa generalizada (CIKLAMINI, 1963). Com a implementação dos duelos, um insulto não era seguido pela rivalidade entre as partes, mas diretamente pelo próprio Einvigii, porém a realização do duelo limitava-se em sua eficácia a unicamente retardar o aparecimento de uma rivalidade e um consequente ciclo de vingança, mas jamais chegou à possuir o condão de impedi-los (JONES, 1933). Como a sociedade escandinava continuou se modificando ao longo da Era das Incursões, outros mecanismos para controlar a violência no seio da sociedade foram desenvolvidos (BØ, 1969). Dado que a visão de mundo do escandinavo pagão era estruturada fortemente na glorificação do guerreiro, prometendo uma vida após a morte de luxo para aqueles que morressem em batalha (DAVIDSON, 1989), naturalmente que para muitos o modo mais seguro de resolução de disputas seria pela espada. O duelo de honra continuaria a ser uma parte da sociedade escandinava, porém na parte nórdica ocidental (Noruega e Islândia), uma nova forma de duelo evoluiu, investindo-se de caráter mais civilizado e técnico: o Hólmgang. Enquanto o Einvigii persistiu até certo ponto, lado-a-lado com Hólmgang, na Islândia especialmente Einvigii tornou-se cada vez mais raro. (Em alguns casos, na literatura posterior, os dois termos tornaram-se confusos (BYOCK, 1982) sendo usando o termo Einvigii quando a 2 Now no one, neither man nor woman, has any personal right to atonement more than thrice if he does not avenge himself meantime. 17 descrição do texto deixa claro que é ao Hólmgang que se refere. O Hólmgang ainda era um duelo de honra, travado entre as partes, mas diferente do Einvigii, pois foramestabelecidas regras e costumes específicos, conhecidos como hólmgangulog (literalmente "regras de Hólmgang"). O hólmgangulog não estava presente de forma singular em uma única lei, formalmente estabelecida, mas aparentemente espalhou-se rapidamente por toda variando pouco em cada localidade Escandinávia (JONES, 1933). Em Hednalagen, a chamada Lei Pagã da Suécia que data de 1200, o hólmgangulog foi prescrito da seguinte forma: Um homem profere uma ofensa inexprimível para outro: "Você não está no mesmo nível de um homem e não é um homem em seu coração." [Ele responde:] "Eu sou tão homem quanto você." Eles devem se encontrar em um lugar onde três estradas se juntam. Se aquele que proferiu o insulto comparecer e o outro que o recebeu o insulto não, então este será aquilo de que ele foi chamado: ele não poderá fazer um juramento legal ou proferir testemunho em nome de qualquer homem ou mulher. Se quem recebeu o insulto comparecer e não aquele que o proferiu, então deixe o ofendido gritar três vezes e marcar o nome do outro homem no chão. Aquele que proferiu a ofensa, mas não se atreveu a defender sua palavra será o homem pior dos dois em consequência. Se ambos se encontrarem totalmente armados, e aquele que recebeu o insulto cair, expiar-se-á ele pela metade do preço por homicídio culposo. Se aquele que proferiu o insulto morrer (o crime de palavras é pior, a língua um matador primoroso), deixe-o deitar no campo sem valor [isto é, nenhuma expiação é paga por sua morte]3. (WILSON e FOOTE, 1970, p. 379-80) 3 A man uses an unutterable word to another: "You are not a man's equal and not a man at heart." [He answers:] "I am as much a man as you." They are to meet at a place where three roads join. If the one who comes gave the insult and the other who received it does not come, then he will be what he is called: he cannot swear a legal oath or hear witness on the behalf of either man or woman. If becomes who received the insult and not the one who gave it, then let him shout three niðing-shouts and mark the other man in the ground. Let him who spoke what he did not dare maintain be so much worse a man in consequence. If they meet both fully armed, and the one falls who received the insult, atone for him with half-price for manslaughter. If he falls who gave the insult (the crime of words is worst, the tongue a prime slayer) let him lie in the valueless field [i.e. no atonement is paid for his death] 18 Possivelmente as mais elaboradas regras de duelo ou hólmgangulog de todos as fontes sobreviventes se encontra na Saga de Kormák (HOLLANDER, 1949) que narra a história do poeta islandês do século X, Kormákr Ögmundarson e Steingerðr, o amor de sua vida. A saga preserva uma quantidade significativa de poesia atribuída ao próprio Kormákr, a maior parte sobre seu amor por Steingerðr. Embora se acredite que a saga esteja entre as primeiras compostas, como elucidado por Lee Milton Hollander (1949) o manuscrito original está bem preservado. O autor desconhecido baseia-se claramente na tradição oral e parece não querer adicionar muito de sua própria autoria ou até mesmo integrar plenamente nenhum fato diferente do qual ele tivesse conhecimento acerca da história de Kormákr. Muitas vezes ele faz pouco mais do que definir brevemente as cenas para as estrofes de Kormákr. A saga narra de forma ricamente detalhada as regras do duelo, talvez o registro mais complexo de regras de um Hólmgang: “Estas eram as regras para o Hólmgang: um manto de cinco côvados quadrados deveria ser colocado, com laçadas nos cantos. Estacas com cabeças deveriam ser presos nesses cantos, as quais foram chamadas de tiösnur. [...] Três bordas, cada uma com um pé de largura, deveriam estar ao redor do manto, e na borda dessas bordas devem estar quatro postos que são chamados de höslur. E quando tudo isso foi feito, o local foi chamado de "hazelled" (völlr haslaðr). Cada competidor deveria ter três escudos e, quando fossem destruídos, ele deveria pisar novamente no manto se o tivesse deixado antes, e defender-se com suas armas depois disso. Aquele que foi desafiado possuía o direito ao primeiro golpe. Se um dos dois fosse ferido de modo que o sangue fluísse sobre o manto, não haveria mais luta a ser travada. Se um dos dois pisa fora do höslur com um pé, então isso é chamado de "ele cedeu terreno"; mas "ele foge", se com os dois. Cada competidor deveria ter alguém para segurar seu escudo para ele. Quem foi o mais ferido deveria pagar compensação (hólmlausn) de três marcos de prata.”4 (HOLLANDER, 1949, p. 33-34) 4 “These were the roles for the Hólmgang: a cloak five ells square was to be laid down, with loops 19 Como pode-se verificar de forma transcrita na obra de Gwyn Jones (1933), em contrapartida ao extenso relato da Saga de Kormákr, o relato contido no capítulo 9 de Saga de Svarfdæla, muito menos elaborado, possui diversas similaridades o da Saga de Kormákr: [...] Moldi declarou que recitaria a lei do direito ao combate, “porque eu te desafiei. Cada um de nós deve estender o manto sob seus pés. Cada um deve ficar em seu manto, e não recuar um dedo fora dele, mas aquele que recuar será chamado de covarde, mas aquele que avançar, será chamado de homem valente para onde quer que vá. O que for ferido ou tornado incapacitado para a luta resgatará a si mesmo do hólm com três marcos de prata. (JONES, 1933, p. 208) Por fim, o talvez mais conhecido caso de um julgamento por combate dentre todas as sagas esteja na “Egils saga Skallagrímssonar”, um texto extenso que discorre sobre as vidas dos integrantes do clã de Egill Skallagrímsson, anglicizado como Egil Skallagrimsson (SCUDDER, SMILEY e KELLOGG, 2000), um fazendeiro islandês, viking e skald5. A saga abrange os anos 850-1000 d.C. e traça a história da família desde o avô de Egil até seus filhos. Seu manuscrito mais antigo (um fragmento) data de 1240 d.C. e compreende a única fonte de informação sobre as façanhas de Egil (SCUDDER, SMILEY e KELLOGG, 2000) cuja vida não é historicamente registrada em nenhuma outra fonte. Semelhanças estilísticas e outras entre a saga de Egil e Heimskringla levaram muitos estudiosos a acreditar que eram obra do mesmo autor, Snorri Sturluson (EINARSSON, 1957). Contido no texto está um relato detalhado de um duelo judicial entre o próprio Egil e Berg-Önundr em nome de sua esposa Ásgerðr, uma in the corners. Pegs with heads were to be rammed in there which were called tiösnur. […] Three borders (or furrows), each a foot in breadth, were to be around the cloak, and at the edge of these borders must be four posts which are called höslur (hazels). And when all this had been done the spot was called "hazelled" (völlr haslaðr). Each contestant was to have three shields, and when they were destroyed then he must step on the cloak again if he had left it before, and defend himself with his weapons thereafter. He who had been challenged was to have the first blow. If one of the two was wounded so that blood flowed on the cloak, then no further fighting was to be done. If either one stepped outside the höslur with one foot, then that is called "he yields ground"; but "he flees," if with both. Each contestant was to have someone to hold his shield for him. He who was wounded hardest was to pay hólm-ransom (hólmlausn) -- three marks of silver.” 5 Poeta ou contador de histórias (SILVA, 2014). 20 vez que Berg-Önundr recusou-se a pagar a parcela da herança da esposa de Egil, este desafia-o para um Hólmgang, e sai vitorioso. Retornando à Noruega para reivindicar as terras conquistadas no duelo, ao longo do caminho se em contra com Arinbjorn, a quem ele convence a ir até a corte do rei Hákon em seu nome. Hákon negou areivindicação de Egil, então Arinbjörn compensou Egil com quarenta marcos de prata (STURLUSON, 2010). Há alguns outros relatos curtos descrevendo as regras do Hólmgang em fontes como Gisla saga Sursonar (FOOTE, 1973) e Vatnsdæla saga (HARRIS, 2010, p. 150-170), e estas explicitamente nomeiam uma hólm ou ilha como o local do duelo. Enquanto os relatos anteriormente listados parecem ser muito diferentes uns dos outros, existem muitas características comuns do “hólmgangulog” entre eles. Todos os duelos foram conduzidos dentro de um “hólmgangustadr”, uma área delimitada que estava frequentemente em um “lugar” ou “ilha” (o hólm), talvez uma referência ao formato da arena, com uma peça de tecido ou “manto” ao centro. É provável que cada localidade possuísse seu próprio local de duelo, onde tradicionalmente tais batalhas seriam travadas. Segundo as sagas, o Hólmgang na saga de Kormáks foi disputado em Leiðhólm (leið é um tribunal, logo, “o local para duelos de leið” ), enquanto Hólmgang que acontecessem em Alþing sempre eram travados no hólm em Axewater (JONES, 1933, p. 213-214). De acordo com Gwyn Jones (1933), dentro da área delimitada como hólm era posicionado um manto de aproximadamente 250cm, tamanho consideravelmente maior que o de uma capa normal para um homem adulto, enquanto um padrão de três linhas era demarcado no chão ao redor do manto, cada uma das linhas com um pé de distância entre si. É interessante notar que o termo nórdico antigo para desafiar um homem a Hólmgang, a palavra em nórdico antigo skora, "desafiar", significa literalmente "cortar ou pontuar", assim o termo skora a hólm significava literalmente "marcar ou nomear um lugar para o combate” (JONES, 1933, p. 213). Em torno da marcas traçadas ao redor do manto, havia uma barreira de cordas e postes de aveleira (höslur)ou de pedras (markasteina) e esse limite era chamado de hólmhring (JONES, 1933, p. 216)Assim, a área de combate total não tinha mais do que cerca de doze pés quadrados. Toda a área marcada em que o duelo ocorreria era chamada de hólmgöngustaðir e servia no aspecto legal 21 e ritualístico como uma espécie de tribunal (JONES, 1933, p. 214). Costumeiramente, cada lutador deveria ser assistido por um “portador de escudo” ou “escudeiro” desarmado, que fornecia os escudos de substituição ao duelista quando estes fossem destruídos no combate (BØ, 1969). O portador de escudo, ou “segundo”, provavelmente não deveria participar do conflito, mas as descrições das sagas mostram que eles certamente poderiam afetar o resultado de um combate, ou mesmo torna-lo ainda mais inflamado ao desafiar o próprio adversário ou os segundos do oponente após o Hólmgang inicial ser concluído (CIKLAMINI, 1963). Conforme nos explica Lee M. Hollander (1949), cada lutador desferia um único golpe por vez, com a parte desafiada dando o primeiro golpe. Uma vez que os três escudos de um homem fossem destruídos, ele estaria obrigado permanecer sobre o manto central e defender-se apenas com a espada: aparentemente fugir e esquivar não era permitido como parte da defesa final de um lutador; esta sequência de golpes desferidos e recebidos continuava até que um dos duelistas fosse ferido, ao que os portadores de escudos e / ou testemunhas deveriam impedir que o combate continuasse. Muitas das descrições da saga mencionam que a ferida incapacitante do Hólmgang que narram tenha sido na coxa ou perna, após a qual o combate era interrompido, mesmo que o combatente quisesse continuar. (HOLLANDER, 1949). De acordo com Bø (1969), a arma eleita mais comumente para uso em Hólmgang era a espada. É dito em alguns textos que duelistas algumas vezes carregavam duas espadas consigo, uma na mão e outra em uma tira presa ao redor do pulso, o que não apenas dava ao duelista uma arma reserva se sua lâmina se quebrasse ou fosse perdida, mas um pedaço extra de metal com o qual era possível afastar golpes quando todos os três escudos do combatente fossem destruídos, não havendo nenhuma vedação explícita quanto à pratica, embora fosse um artifício pouco comum (BØ, 1969, p. 144). As regulações de Hólmgang aparentemente prescreviam também o uso de uma espada mais curta que a normalmente usada na guerra (GRANCSAV, 1959),e a maior evidência que corrobora a pratica pode ser verificada em diversos momentos nas sagas, por exemplo, na saga de Kormáks, quando Þorkell reclama que a espada que Bersi desejava usar era muito longa (BØ, 1969, p. 14) e também o capítulo 10 da saga de Halfs, onde o autor afirma que 22 o comprimento adequado da espada de duelo é um covado (BØ, 1969, p. 144). As sagas raramente mencionam outras armas sendo usadas no Hólmgang, sendo que ocasionalmente os machados são mencionados, como na própria Komáks saga (HOLLANDER, 1949) e é brevemente citado que Egil Skallagrímsson certa vez usou uma krokaspjót, espécie de lança cortante de lâmina mais larga e mais longa que as lanças convencionais (SCUDDER, SMILEY e KELLOGG, 2000). A prevalência do uso da espada no Hólmgang expõe mais ainda o status social de seus usuários: conforme relata Stephen V. Grancsav, a construção de tais armas era um esforço altamente especializado e muitas lâminas de espadas eram importadas de terras estrangeiras, como a Renânia. O processo de fabricação de lãminas tão longas com os métodos da época poderia demorar semanas, e atribuia à arma tão alto valor que estas eram passadas de geração em geração, fazendo com que muitas vezes, quanto mais velha a espada, mais valiosa esta fosse considerada. Os artesãos locais frequentemente adicionavam seus próprios punhos elaboradamente decorados, e muitas espadas recebiam nomes, como Leg-biter e Gold-hilt (GRANCSAV, 1959, p. 181). Uma espada mencionada na saga de Laxdæla (MAGNUSSON e PALSSON, 1969) foi avaliada em meia coroa6, o que corresponderia ao valor de 16 vacas leiteiras em valores da época. Isso deixa claro que existia um caráter elitista no direito ao Hólmgang, pois este, devido ao alto custo do equipamento necessário, não estaria ao alcance de qualquer pessoa. Conforme dito por Gwyn Jones (1933), ferimentos em duelo resultantes do Hólmgang na maior parte das vezes não eram fatais, já que o hólmgangulog estipula que a luta terminará com o derramamento do primeiro sangue sobre o manto que está preso sob os pés dos lutadores: Jones assinala que grande parte dos tipos de lesões de Hólmgang relatados nas sagas remetem o observador moderno aos ferimentos e lesões sofridos em duelos de períodos muito posteriores: há vários relatos em que o golpe atinge a perna do adversário, o polegar, a pele entre os dedos da mão, costelas quebradas quebrado, ombro lesionado, e há inclusive um relato de certa luta que terminou quando um fragmento da espada quebrada do vencedor voou para cima e cortou a bochecha 6 half a crown, tradução livre. 23 do seu oponente (JONES, 1933, p. 220). O hólmgöngustaðir, ou área em que o Hólmgang era travado, era um espaço muito restrito (doze pés quadrados), e o duelista não podia utilizar livremente todo o espaço da arena de pronto: como narra a saga de Kormáks, diferenciam-se os termos “ceder terreno" ou "recuar", que significa colocar um único pé do lado de fora do manto, de "fugir", que seria quando ambos os pés ultrapassassem os limites do manto central (HOLLANDER, 1949) o que denotaria fortes indícios de covardia, podendo até mesmo atribuir ao duelista em questão a mácula de ser niðingr7,uma “desonra” a qual nenhum homem de boa índole e alguma reputação poderia ignorar (BØ, 1969). A área de movimentação dentro da arena ficava ainda mais limitada quando os três escudos de um combatente eram destruídos, pois então ele deveria se manter firme no manto central e só podia defender bloqueando os golpes do inimigo valendo-se unicamente de sua espada(BØ, 1969). Esses escudos não parecem ter sido de construção muito robusta (temos relatos de que escudos eram feitos de tília ou madeira de balsa, um material muito macio), pois o experiente hólmgangumaðr sabia que sua melhor estratégia seria destruir rapidamente todos os três escudos de seus oponentes: essa tática não só privaria o adversário de sua melhor defesa (BØ, 1969), como também removeria o escudeiro como fator relevante na luta (BYOCK, 1982). Gwyn Jones nos lembra também que um bom “portador de escudo” era um recurso considerável no Hólmgang, pois enquanto ele não podia atacar diretamente o outro lutador (supõe-se que o segundo também não era um alvo válido, embora as sagas não digam explicitamente isso) um “segundo” experiente poderia prender a espada do oponente em um dos escudos que segurava; algumas sagas convalidam isso ao mencionar que os combatentes algumas vezes eram obrigados a endireitar repetidamente suas espadas durante o combate. Quando o Hólmgang tinha início, a parte desafiada desferia o primeiro golpe. Seu oponente atacava em seguida, e assim sucessivamente, até que o combate fosse decidido, conforme relata Jones (JONES, 1933, p. 214). 7 Na sociedade escandinava medieval, nīþ (nórdico antigo: níð inglês antigo: nīþ, nīð; holandês antigo: nīth); Era um termo para um estigma social que implicava a perda de honra e obtenção do status de um “vilão” (BOSWORTH, 2018). 24 2.4 MECANISMOS LIMITADORES DO HÓLMGANG E SUA EFICÁCIA Ao analisar o contexto social medieval escandinavo, torna-se nítido que desenvolvimento do Hólmgang foi um passo vital para restringir o derramamento de sangue causado pelos duelos de honra e retaliação na Escandinávia (BYOCK, 1982) . Primeiro, os combatentes estavam fisicamente separados dos espectadores e potenciais vingadores, com o duelo sendo localizado em uma “ilha”, em uma encruzilhada ou dentro de uma área separada por cordas (CIKLAMINI, 1963). Em segundo lugar, o Hólmgang foi estruturado para que a luta fosse interrompida após o primeiro sangue ter sido derramado, o que foi comprovado pela evidência de manchas de sangue nas capas sob os pés dos duelistas (BØ, 1969). Enquanto o assassinato direto do oponente era limitado em Hólmgang, um duelista não só tinha a satisfação de enfrentar seu oponente à ponta da espada, mas também recebia uma expiação monetária na forma do “hólmlausn” como “indenização”, muito similar aos “honorários de sucumbência” do nosso ordenamento jurídico (BØ, 1969). Além disso, o perdedor no duelo, embora ferido e derrotado, havia sido agraciado com a oportunidade de provar sua masculinidade e coragem ao enfrentar o desafio: vivo e honrado, relativamente intacto, seus parentes não tinham mais motivos para hostilidades. Gwyn Jones (1933) nos aponta que espada era na maioria das vezes especificamente escolhida como a arma a ser usada no Hólmgang, o que limitava em muito a incidência de ferimentos graves, como os causados pelos machados ou "alabardas" (lanças cortantes) que muito raramente aparecem como armas no duelo, reduzindo assim o número de mortes (BØ, 1969). Por fim, mesmo se a morte fosse o resultado do Hólmgang, as regras de combate proibiam especificamente os parentes do homem morto de buscar compensação ou vingança (JONES, 1933, p. 217). Enquanto as regras do Hólmgang proibiam a continuação de hostilidades entre famílias de duelistas (BØ, 1969), os povos escandinavos da Era Viking não tinham força policial ou forças militares formais para forçar a aplicação de leis ou regras. Portanto, uma das formas de garantir que o hólmgangulog fosse seguido à risca foi sacralização o duelo (BØ, 1969). Por rituais como o tiösnublót, uma espécie de sacrifício de agradecimento pelo resultado de um Hólmgang (DAVIDSON, 1989) e pela marcação do local de duelo como uma área liminar, o Hólmgang foi socialmente integrado ao sistema de crenças escandinavo, e 25 para participantes e observadores tratava-se portanto de uma atividade sagrada, e isso, por sua vez, acrescentou peso ao hólmgangulog, tornando mais provável que as regras fossem seguidas por todos os envolvidos, e as famílias dos participantes não continuariam as tentativas de retaliação em uma situação hostil (BYOCK, 1982). Enquanto a localização do Hólmgang tendia a separar fisicamente os combatentes de quaisquer espectadores que pudessem interferir no andamento do procedimento, a colocação do duelo em uma ilha (hólm), fosse em uma encruzilhada, ou dentro de uma área especialmente marcada por varas de aveleira indicam que a área considerada apropriada para o Hólmgang era aquela que já era considerada uma área especial, restrita ou até santa, conforme narrativa de Gwyn (JONES, 1933). Áreas semelhantes marcadas com postes de aveleira (höslur) e "cordas sagradas" (vébond, "obrigações sagradas") eram consideradas “cercados de paz", (frið-garðar) dentro dos quais nenhuma arma poderia ser sacada, conforme pode ser verificado na saga de Egil (SCUDDER, SMILEY e KELLOGG, 2000). Na saga de Skallagrímssonar, a área onde se dava o julgamento, especificamente sob a jurisdição da Assembleia de Gulaþing, é uma dessas áreas: “O lugar onde a corte se encontrava era uma planície nivelada e postes de aveleira estavam dispostos em um círculo na planície, unidos por cordas. Estas cordas eram chamadas de santuário. Dentro do círculo estavam os juízes, doze do distrito de Fjordane, doze do distrito de Sogn, doze do Hjordaland. Esses funcionários dos três distritos devem julgar o processo8.” (STURLUSON, 2010) A crença de que bosques sagrados encerrados por cordas sagradas são lugares sagrados nos quais nenhuma arma pode ser desembainhada é antiga, 8 The place where the court sat was a level plain and hazel poles were set in a circle on the plain linked by ropes. These were called the sanctuary ropes. Inside the circle sat the judges, twelve from the Fjordane District, twelve from the Sogn District, twelve from Hjordaland. These three twelves should judge the lawsuit.” (STURLUSON, 2010) 26 pois crenças semelhantes são atestadas por Tácito, senador e historiador romano, ao se referir aos Semnones: “[...]Numa ilha do oceano há um bosque sagrado e dentro dele uma carruagem consagrada, coberta com um tecido. Apenas um sacerdote tem permissão para tocá-lo. Ele pode perceber a presença da deusa neste santuário sagrado, e caminha ao lado dela com a maior reverência quando ela é atraída por [sacrifício de] novilhas. É uma época de alegria e reina a festa onde quer que ela vá e seja recebida. Eles não vão para a batalha ou usam armas; todas as armas estão seladas; a paz e a quietude são conhecidas e bem-vindas apenas nestes tempos, até que a deusa, cansada do intercurso humano, é por fim restaurada pelo mesmo sacerdote ao seu templo9.” (TACITUS, 1998, p. 134-135) Fica evidente que esta associação entre estado de direito e o julgamento divino serviu como fator na limitação da violência decorrente de duelos (BØ, 1969), limitando conceitualmente o conflito para que se restringisse ao duelo judicial, sendo que além disso, o peso das expectativas culturais e da crença religiosa evitava que os espectadores se envolvessem no conflito (BYOCK, 1982). Apesar de suas falhas, o Hólmgang era considerado um ato com força sagrada e legal (JONES, 1933) o qual serviu eficientemente como um recurso alternativo na lei. O homem que não podia pagar testemunhas juradas ou para atuarem em seu favor nos tribunais de justiça, ou que estava envolvido em disputas legais com homens que tinham muito mais poder aquisitivo e estavam em posição social muito elevada, era capaz de igualar o funcionamento da lei, tornando-a equânime, recorrendo ao dispositivo legal do Hólmgang, colocando a si mesmo e suahabilidade nas armas contra um adversário que ele não poderia derrotar de outra maneira. Embora algumas fontes sugiram que o Hólmgang foi abolido devido ao advento do cristianismo, há muitas evidências 9 “In an island of the ocean there is a sacred grove, and within it a consecrated chariot, covered over with a garment. Only one priest is permitted to touch it. He can perceive the presence of the goddess in this sacred recess, and walks by her side with the utmost reverence as she is drawn along by heifers. It is a season of rejoicing, and festivity reigns wherever she deigns to go and be received. They do not go to battle or wear arms; every weapon is under lock; peace and quiet are known and welcomed only at these times, till the goddess, weary of human intercourse, is at length restored by the same priest to her temple.” (TACITUS, 1998) 27 que sugerem o contrário. A saga de Njáls conta como o missionário cristão Þangbrandr duelou com um pagão: “Þorkell desafiou Þangbrandr para um duelo; Þangbrandr se defendeu com um crucifixo em vez de um escudo; mas mesmo assim ele conseguiu derrotar Þorkell e matá-lo10” (MAGNUSSON e PÁLSSON, 1960, p. 218) A Igreja na Europa Ocidental nessa época (entre o fim da “Era Viking” e o século 13) confiava no duelo judicial como método de resolução de suas demandas, conforme Marlene Ciklamini (1963) nos instrui, a Igreja era participava de diversos litígios: os mosteiros pagavam campeões para representá-los em duelos judiciais, e alguns padres eram encontrados como combatentes em duelos com certa frequência (CIKLAMINI, 1963). Além disso, o mais antigo manual europeu de combate armado - fechtbuch - e um dos mais antigos manuais de artes marciais sobreviventes em todo o mundo, o manuscrito conhecido como “Ms. I.33”, surge exatamente nesta época, entre os anos de 1270 e 1320 d.C. (KELLETT, 2012). O manual em questão é também conhecido como o “manuscrito de Walpurgis”, pois pode-se ver retratada nele uma figura a qual o texto se refere como “[santa] Walpurga”, mostrada na última sequência do manuscrito, ou ainda como "o manuscrito da Torre", porque foi mantido na Torre de Londres durante os anos de 1950 à 1996 (KENNER, 2015). 10 “Þorkell challenged Þangbrandr to a duel; Þangbrandr defended himself with a crucifix instead of a shield; but even so he managed to defeat Þorkell and kill him” (MAGNUSSON e PÁLSSON, 1960, p. 218) 28 Figura 2 - Santa Valpurga praticando esgrima com um monge Fonte:Walpurgis Fechtbuch (MS I.33) Curiosamente, no século 13 os países escandinavos aboliram o duelo judicial, bem antes de qualquer outro país da Europa Ocidental, o que pode ser verificado na narrativa da Gunnlaugs saga Ormstungu: [...] Mas no dia seguinte, na legislatura, foi estabelecida a lei de que Hólmgang deveria ser eliminado daquele dia em diante para sempre. Isso foi feito a conselho de todos os homens mais sábios do mundo, onde de fato estavam presentes os homens mais sábios de toda a terra. Assim, o duelo de Hrafn e Gunnlaug foi o último Hólmgang a ter lugar na Islândia.11 (JONES, 1961, p. 207-208) 11 “But the following day in the legislature it was made law that Hólmgang should be done away with from that day forth forever. This was done on the advice of all the wisest men at the Þing, where indeed there were present the wisest men of all the land. So this which Hrafn and Gunnlaug fought was the last hólmgang to take place in Iceland.” (Gunnlaugs saga Ormstungu, 207-208). 29 No restante da Europa, o julgamento por combate persistiu como método extremamente relevante, em especial para questões como direito de propriedade, aparecendo diversas vezes em instrumentos legais dos séculos XIII e XIV , não foi completamente extirpado até o escândalo britânico do caso Ashford vs. Thornton, em 1818 (HALL, 1926). 30 3 JULGAMENTOS POR COMBATE NO SACRO IMPÉRIO ROMANO- GERMÂNICO Embora a pratica do julgamento por combate não estivesse presente na legislação romana mais antiga, Otto, o Grande, em 967, sancionou expressamente a prática da lei tribal germânica, absorvendo o instituto do julgamento por combate no ordenamento jurídico imperial. O célebre caso de Gero, Conde de Alsleben, é um bom exemplo da eleição de tal método, como fica claro na analise de David Warner sobre o relado de Dietmar de Merseburgo em seu Chronicon (WARNER, 2001), onde relata-se em detalhe os motivos que culminaram na escolha e resultado de tal embate. O Conde Gero foi acusado perante o Imperador Otto II de um crime pelo guerreiro saxão Waldo, contudo, nem a identidade de Waldo nem o crime são conhecidos (JANIN, 2004). Por instigação de Adalbert, arcebispo de Magdeburgo, e Dietrich, Marquês da Marcha do Norte, Gero foi capturado em Sömmering e colocado sob a custódia do pai e tio de Thietmar, Siegfried I, conde de Walbeck e Lothair I, Marquês de Nordmark. Wado invocou o direito ao julgamento por combate, e este engajou-se em duelo judicial contra Gero em 11 de agosto de 979. Durante a luta, os ataques de Gero resultaram em dois golpes graves no pescoço de Waldo, mas Waldo foi capaz de contra-atacar com um forte golpe. atingindo a cabeça de Gero. Com seu oponente muito tonto para continuar, Waldo deixou a arena, apenas para morrer logo em seguida em razão dos ferimentos causados pela espada de Gero (WARNER, 2001). Apesar de claramente ter sido vitorioso no combate, Gero foi declarado culpado e sentenciado à morte: por ordem do imperador (JANIN, 2004): Gero foi decapitado ao pôr do sol do mesmo dia. Aparentemente, a decisão do imperador causou mal estar e insatisfação na corte, pois Otto I, duque da Baviera, que chegou no final do dia, e Berthold, conde do Radenzgau, ambos repreenderam o imperador por permitir que tal homem fosse julgado por uma pequena acusação e condenado após provar-se vitorioso sendo o resultado notável deste duelo lembrado por muito tempo na Alemanha medieval, conforme menciona Hunt Janin em sua análise de justiça medieval na Europa (JANIN, 2004). 31 3.1 TENTATIVAS DE PROIBIÇÃO: COSTUME VERSUS LEI Tendo casos notoriamente injustos como o de Gero em mente, o Quarto Concílio de Latrão, de 1215 (HERBERMANN, 1913), determinou a suspensão dos duelos judiciais, bem como diversas formas de ordálias, e o papa Honório III, em 1216, determinou que a Ordem Teutônica que cessasse sua imposição de duelos judiciais sobre seus novos convertidos na Livônia, o que desencadeou nos três séculos seguintes uma tensão latente entre as leis regionais tradicionais e o direito romano. Entre os anos de 1220 e 1235 é elaborado um registro do direito consuetudinário existente, o Sachsenspiegel, reconhecendo o duelo judicial como um instituto importante para estabelecer culpa ou inocência em casos de insulto, lesão ou roubo. Este código foi usado em alguns lugares até 1900 (PÖTSCHKE, 2002), e é dotado de grande relevância, não apenas por seus reflexos duradouros sobre a lei alemã posterior, mas também como um dos primeiros exemplos de prosa escrita no idioma alemão. O Sachsenspiegel é o primeiro livro jurídico abrangente escrito não em latim, mas em idioma germânico. É sabido, no entando, de uma edição em latim que teria existido existido, mas apenas os capítulos fragmentados resistiram ao passar dos séculos. Conforme destacado na obra de Richard Schröder(1932), o seguimento imediatamente oposto, o Kleines Kaiserrecht, um código legal anônimo de c. 1300, proíbe totalmente os duelos judiciais, afirmando que o imperador tinha chegado a essa decisão ao ver que muitos homens inocentes eram condenados pela prática apenas por serem fisicamente fracos (SCHRÖDER, 1932), no entando, os duelos judiciais continuaramem evidência nos séculos XIV e XV. 3.2 O PAPEL IMPORTANTE NAS ESCOLAS DE ESGRIMA ALEMÃS O julgamento por combate possui um papel significativo nas escolas alemãs de artes marciais, e seus tratados e manuais frequentemente mencionam ou mesmo ilustram duelos judiciais, fazendo recomendações de estratégias a serem adotadas de acordo com as regras do duelo, criando muitas vezes um misto entre livro de direito e tratado de esgrima: Hans Talhoffer, em 32 seu tratado de 1459, cita sete ofensas que, na ausência de testemunhas, foram consideradas suficientemente graves para justificar um duelo judicial, a saber: assassinato, traição, heresia, deserção do senhor, "aprisionamento" (possivelmente no sentido de rapto), perjúrio / fraude e estupro (HERGSELL e TALHOFFER, 1890). Notavelmente, Hans Talhoffer descreve as técnicas a serem aplicadas em tais duelos, separadamente para as variantes legais da Suábia (espada e escudo) e Franconiana (maça e escudo) (HERGSELL e TALHOFFER, 1890), embora outros Fechtbücher como o e o Codex Wallerstein e o tratado de Paulus Kal (CHIDESTER, 2014) mostrem material semelhante. Estes duelos moldaram notoriamente a escola alemã de esgrima, que é como foi convencionalmente chamado o compêndio de sistemas de combate ensinados no Sacro Império Romano-Germânico durante os períodos medieval, renascentista e início da modernidade, como descrito nos Fechtbücher - manuais de combate - escritos na época. Sabe-se que centro geográfico dessa tradição era o que hoje é o sul da Alemanha (Augsburg, Frankfurt e Nuremberg). Durante o período em que foi ensinado, era conhecido como o “Kunst des Fechtens”, ou a "Arte da Esgrima" (CLEMENTS, 2008).Embora a escola alemã de esgrima concentre-se principalmente no uso da espada longa de duas mãos, também descreve o uso de muitas outras armas, incluindo armas de haste, punhais, facas (com ou sem um broquel) e o cajado, além de descrever combate montado e luta desarmada, e a razão disso muitas vezes eram costumes locais variados que determinavam armas ou métodos não convencionais para o julgamento por combate (KNIGHT, 2008). A maioria dos autores de escritos sobre o sistema são, ou dizem estar, na tradição do mestre do século XIV Johannes Liechtenauer (HILLS, 1985), sendo o mais antigo tratado sobre sobrevivência no sistema de Liechtenauer um manuscrito datado de 1389, conhecido como Ms. 3227a (TOBLER, 2010). Mais manuscritos sobrevivem a partir do século 15, e durante o século 16 o sistema também foi apresentado em versão impressa, mais notavelmente por Joachim Meyer em 1570 (MEYER e DUPUIS, 2006). 33 Figura 3 – Representação de preparativos para um duelo judicial Fonte: TALHOFFER, entre 1446 e 1459 Como podemos verificar no Sachsenspiegel (PÖTSCHKE, 2002), apesar de plebeus serem obrigados a apresentar seu caso a um juiz antes de duelar, os membros da nobreza tinham o direito de se desafiarem mutuamente para os duelos sem o envolvimento do judiciário, de modo que os duelos desse tipo fossem separados do duelo judicial já na Idade Média e não foram afetados pela abolição da prática como método judicial no início do século 16 pelo Imperador Maximiliano I, evoluindo para o duelo cavalheiresco dos tempos modernos o qual foi proibido apenas no século XIX, e mesmo assim persiste na forma do “mensur”, que até poucas décadas atrás ainda poderia ser encontrado no submundo das universidades alemãs (BIASTOCH, 1995). 34 4 O JULGAMENTO POR COMBATE NA GRÃ-BRETANHA E IRLANDA O ”Wager of battle”, como o julgamento por combate foi chamado em Inglês, parece ter sido introduzido na lei comum do Reino da Inglaterra após a conquista normanda e permaneceu em uso durante toda Idade Média. Segundo Robert Edgar Megarry, último julgamento deste tipo na Inglaterra que chegou às vias de fato ocorreu em 1446: um servo acusou seu mestre de traição, e o mestre bebeu muito vinho antes da batalha e foi morto pelo servo (MEGARRY, 2005). Na Escócia e na Irlanda, a prática continuou frequenteaté o século XVI: em 1446 um julgamento por combate foi organizado entre dois magnatas irlandeses, James Butler, 5º Conde de Ormonde e o Prior de Kilmainham, mas o rei Henrique VI interveio pessoalmente para persuadi-los a resolver suas diferenças pacificamente (BURTON, 1843 , p. 92-93). Contudo, em terras inglesas, a opção de um duelo judicial nem sempre estava disponível para o réu,como comenta o jurista Richard Burn, quando o réu enfrentava uma acusação de assassinato, por exemplo, haviam condições que lhe impediam de invocar tal direito: Se o réu fosse preso em flagrante (isto é, no ato de cometimento do crime), se ele tentasse escapar da prisão, ou se houvesse uma forte evidência de culpa em razão da qual não poderia haver negação efetiva (grande número de testemunhas, por exemplo), o réu não poderia requisitar o julgamento por combate. Da mesma forma, se a autora fosse uma mulher, tivesse mais de 60 anos de idade, fosse um menor de idade, cego ou aleijado, eles poderiam recusar o desafio, e o caso seria julgado pelo tribunal do júri (BURN e MAULE, 2010). Os sacerdotes e cidadãos da cidade de Londres (o último de acordo com sua garantia de liberdades antigas sob Magna Carta) também poderiam recusar o combate se desafiados. Se a batalha real acontecesse, ocorreria em arenas judiciais, com 18 metros quadrados, após a tomada de juramentos contra feitiçaria e feitiçaria. Se o réu fosse derrotado e ainda estivesse vivo, ele deveria ser enforcado no próprio local. No entanto, se ele derrotasse seu oponente, ou se ele fosse capaz de se defender de seu oponente do nascer ao pôr do sol, ele seria libertado. Se o autor admitisse sua derrota, e desistisse da luta, ele seria declarado infame, privado dos privilégios de um homem livre e seria responsável por reparar danos a seu oponente bem-sucedido, inclusive indenisando-o (HALL, 1926, p. 44-45). 35 Os julgamentos por combate na Inglaterra também permitiram uma variedade de armas, particularmente para cavaleiros. George Neilson (2009) destaca que mais tarde, os plebeus que se engajariam em um duelo judicial eram munidos de porretes ou cajados, algumas vezes com pontas afiadas de ferro, afirmação corroborada pelos tratados de combate da época, e o local de duelo possuia tipicamente sessenta pés quadrados. Os plebeus recebiam para um escudo de couro retangular e podiam ser armados com um colete de couro, com os joelhos e cotovelos expostos e cobertos por uma túnica vermelha de um tipo de seda leve chamado sendal. O combate deveria começar antes do meio-dia e ser concluído antes do pôr do sol os litigantes deveriam representar a si mesmos no combate, não sendo admitido o uso de campeões no caso de uma parte plebéia (NEILSON e SERENI, 2009). Qualquer combatente poderia terminar a luta e admitir a derrota em sua causa, parte que o fazia, no entanto, seja litigante ou campeão, era punida com a proscrição. A luta deveria continuar até que uma das partes estivesse morta ou incapacitada, e o último homem de pé era o vencedor do litígio (KELLETT, 2012). Por volta da metade do século XV, o julgamento por combate tinha praticamente desaparecido, sendo evitado por litigantes e eventualmente suplantado, de forma gradual, pelo julgamento por júri (JANIN, 2004). Um dos últimos julgamentos por combate em massa na Escócia, a Batalha dos Clãs, ocorreu na cidade de Perth em 1396. Conforme nos narra Robert Gunn (2000), este evento tomou a forma de uma batalha campal entre equipes de cerca de trinta homens cada, representando o Clã Macpherson e o Clã Davidson no Norte, que batalharam no Parque North Inch, na presença do rei Robert III. Originalmente a richa começou como uma disputa de clãs entre o clã Chatten (uma grande confederação de clãs incluindo Macpherson, Davidson, Keith, Farquarson, Macintoshes,MacBeans e MacGillicrays - e mais alguns) e Clã Cameron (GUNN, 2000). Os clãs membros desta confederação discutiram sobre qual clã tomaria o flanco direito (o de maior honra) em batalha. Por insistência do rei, David Lindsay, primeiro conde de Crawford e Dunbar, tentou fazer com que os dois clãs rivais resolvessem suas diferenças amigavelmente. A tentativa falhou miseravelmente, no entanto, o que levou os dois chefes a apresentare ao rei o pedido de um julgamento por combate entre os membros dos dois partidos, com o monarca concedendo honras aos vencedores e um 36 perdão aos derrotados. Robert Gunn (2000) narra que assim que a batalha se iniciou, ambos os lados balançavam suas espadas, machados e maças num embate homem a homem, enquanto o rei e sua corte desfrutavam de toda a ação sangrenta. Segundo o relato, no começo, foi uma luta equilibrada, mas depois de poucos minutos alguns Davidson tombaram, e dentro de meia hora ou menos, havia apenas alguns Davidsons para enfrentar cerca de 19 ou 20 Macphersons. Quando a próxima leva de combatentes se encontrou, restava apenas um Davidson. Este homem, o último dos membros do clã Davidson em campo, estava agora enfrentando quase 20 oponentes que com certez, o matariam. Enquanto os Macphersons o atacavam, diz-se que o último Davidson pulou nas águas geladas do rio próximo para tentar uma possível mas pouco provável fuga, e alguns registros dizem que ele realmente nadou para o outro lado e viveu. Os Macphersons ganharam o dia e reivindicaram seu direito de tomar o flanco direito nas batalhas vindouras (GUNN, 2000). Nada tão estranho, na história das lutas entre clãs, ocorreu novamente. Havia muitas brigas e a maioria tinha desfecho brutal, mas nenhuma teve platéia e uma audiência real exceto essa. Segundo a obra de Hans Claude Hamilton (1867), o último julgamento por combate sob a autoridade de um monarca inglês ocorreu durante o reinado de Elizabeth I no pátio interno do Castelo de Dublin, Irlanda, no dia 7 de setembro de 1583: tratou-se de disputa era entre membros do clã O'Connor sobre King's County (moderno Condado de Offaly na província de Leinster.), que foram persuadidos por dois juízes a levar a questão ao conselho privado irlandês para resolução (HAMILTON, 1867). A disputa provavelmente dizia respeito ao poder dinástico dentro do território dos O'Connors, e os partidos Teig e Conor haviam acusado uns aos outros de traição; o conselho privado concedeu o desejo de que o julgamento fosse travado no dia seguinte, e que outro julgamento desse tipo entre dois outros membros dos mesmos partidos ocorresse na quarta-feira seguinte. O primeiro combate ocorreu como indicado, com os combatentes "em suas camisas com espadas escudos". Este relato do processo como observado por um dos conselheiros privados é dado por Hamilton nos documentos do Estado na Irlanda: “[...]O primeiro combate foi realizado no momento e lugar de 37 acordo com a observação de todas as cerimônias devidas como sofreria tão pouco tempo, em que ambas as partes mostraram grande coragem por uma luta desesperada: em que Conor foi morto e Teig ferido, mas não mortalmente, o mais foi a pena: Nesta quarta-feira seguinte Mortogh Cogge [O'Connor] apareceu no mesmo local trazido pelos capitães para as listas, e lá ficou 2 horas fazendo proclamação contra seu inimigo por tambor e trompete, mas este não apareceu [...] A única coisa que recomendamos nesta ação foi a diligente labuta de Sir Lucas Dillon e o Mestre dos Rolos, que igual e abertamente pareciam apoiar os campeões, mas secretamente com muito boa concordância, tanto conosco como entre eles, com tal consideração. do serviço de sua majestade, como nos dá motivo para recomendá-los aos seus senhorios12.” (HAMILTON, 1867) Os Annála na gCeithre Máistrí13, que são crônicas da história medieval irlandesa, também se referem ao julgamento em questão e censuram as partes por terem permitido que os ingleses conduzissem o processo que culminou em combate (CUNNINGHAM, 2010). Também há referências aos fatos nas crônicas de Holinshed (PATTERSON, 1994) e (CLEGG, 2014). Curiosamente, este foi um julgamento que não é de direito consuetudinário, mas que se deu sob jurisdição conciliar (consiliar jurisdiction). Com a chegada da Renascença, a prática foi esvaecendo-se, e tornou-se cada vez mais rara em terras britânicas. 12 “[...]The first combat was performed at the time and place accordingly with observation of all due ceremonies as so short a time would suffer, wherein both parties showed great courage by a desperate fight: In which Conor was slain and Teig hurt but not mortally, the more was the pity: Upon this Wednesday following Mortogh Cogge [O'Connor] appeared in the same place brought by the captains to the listes, and there stayed 2 hours making proclamation against his enemy by drum and trumpet, but he appeared not ... The only thing we commend in this action was the diligent travail of Sir Lucas Dillon and the Master of the Rolls, who equally and openly seemed to countenance the champions, but secretly with very good concurrence, both with us and between themselves, with such regard of her Majesty's service, as giveth us cause to commend them to your Lordships.” 13 “Anais dos Quatro Mestres”, tradução livre. 38 5 SIR JEAN DE CARROUGES VERSUS JACQUES LE GRIS: UM ESTUDO DE CASO Em dezembro de 1386, um dos últimos julgamentos por combate travados em solo francês, e talvez o mais celebre de todos, foi autorizado pelo rei francês Carlos VI. O julgamento foi travado para decidir um litígio proposto por Sir Jean de Carrouges em face do escudeiro Jacques Le Gris, a quem ele acusou de estuprar sua esposa, Marguerite, enquanto Carrouges estava em uma viagem de negócios (JAGER, 2014). Conforme relatado em detalhes nas Crônicas de Froissart (FROISSART e JOHNES, 2012) depois de longas audiências no Parlamento de Paris, com LeGris alegando que ele não havia cometido crime algum, e considerando que Marguerite estando grávida, foi decidido que a culpa não poderia ser decidida através de um julgamento padrão do júri, e um duelo judicial foi ordenado. O duelo colocou as quatro vidas nas mãos do destino: Essas quatro vidas são Jacques LeGris, o acusado Jean de Carrouges, a acusadora Marguerite e sua criança ainda não nascida: no duelo judicial, o sobrevivente seria considerado o vencedor da reivindicação, e sua palavra seria tomada como absoluta verdade. Se Jacques LeGris vencesse o duelo, Jean de Carrouges não só morreria, mas sua esposa grávida também seria condenada à morte pelo crime de perjúrio (FROISSART e JOHNES, 2012). O depoimento de Marguerite alegava que um homem de armas chamado Adam Louvel bateu na porta de sua residência, que a própria Marguerite abriu na ausência de empregados. De acordo com Marguerite, Louvel, em seguida, fez perguntas sobre um empréstimo que ele devia a Jean de Carrouges antes de repentinamente anunciar que Jacques Le Gris estava do lado de fora da porta e insistia em vê-la. Em sua recusa, Louvel exclamou que "ele te ama apaixonadamente, ele fará qualquer coisa por você e ele deseja muito vê-la" (JAGER, 2014, p. 62-63). Embora Marguerite tenha protestado, Le Gris forçou sua entrada na casa e declarou-se, oferecendo dinheiro se ela permanecesse em silêncio sobre o adultério que desejava cometer. Quando Marguerite recusou, Le Gris violentou-a com a ajuda de Louvel e ameaçou-a de de morte caso revelasse o ocorrido à seu marido (JAGER, 2014, p. 69). Marguerite permaneceu em silêncio acerca do abuso sofrido por vários 39 dias, até o retorno de seu marido no dia 21 ou 22 de janeiro daquele ano (BELLAGUET, 1840). Ao ouvir sobre o ocorrido, o indignado Carrouges convocou seu círculo de familiares e amigos, incluindo sua mãe e a maioria da família
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