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CURSO BÁSICO DE HERMENÊUTICA PASTOR KENNETH EAGLETON 1 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Esboço 1. Algumas noções de base A. Revelação B. Inspiração C. Iluminação D. As duas naturezas da Bíblia: humana e divina E. A Bíblia – a Palavra de Deus F. A infalibilidade da Bíblia G. A autoridade da Bíblia H. A unidade da Bíblia I. Cânon bíblico J. A transmissão da Bíblia L. Traduções da Bíblia 2. Definições: A. Hermenêutica B. Exegese C. Teologia bíblica D. Teologia sistemática 3. A necessidade da hermenêutica 4. Aplicação dos princípios hermenêuticos 1º Princípio: Observe a passagem como um todo. 2º Princípio: Pesquise as situações histórica, física e cultural. 3º Princípio: Observe a relação que o texto tem com o contexto. 4º Princípio: Identifique o gênero literário e aplique os princípios específicos para cada gênero. o As narrativas (história) o A(s) lei(s) o Os profetas o As cartas (epístolas) o As parábolas o Os salmos o A poesia hebraica 5º Princípio: Faça um estudo das palavras-chaves do texto (análise morfológica). 6º Princípio: Faça uma análise sintática do texto a estudar. 7º Princípio: Compare esta passagem a outras passagens na Bíblia. 2 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 8º Princípio: Observe como o texto contribui ao ensino bíblico da doutrina com a qual está relacionada. 9º Princípio: Quando existir uma contradição aparente com o restante das Escrituras, procure uma explicação plausível. 10º Princípio: Identifique quem são os eestinatários da Palavra de Deus. 11º Princípio: Identifique a aplicação que Deus almeja. Conclusão 3 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Algumas Noções de Base A. Revelação A revelação, no seu sentido bíblico, é o ato pelo qual Deus se faz conhecer ao homem: Sua pessoa, Sua natureza, Sua palavra, Sua vontade e Seus preceitos. O Deus de poder e de amor deseja ser conhecido e amado por suas criaturas. Revelação geral A revelação de Deus na natureza (Rm 1:19-21; Sl 19:1-5; At 14:15-17). A voz de Deus dentro da consciência (Rm 2:14-16). A revelação pessoal e específica de Deus Deus nos deu uma revelação específica de Si mesmo através das Escrituras, a Bíblia. A Bíblia não nos foi dada de uma só vez. Ela foi formada durante um período de cerca de 1.500 – 1.600 anos. Durante esse tempo Deus usou várias maneiras para Se revelar. A revelação foi progressiva. B. Inspiração A inspiração é a influência exercida pelo Espírito Santo sobre o espírito daqueles que escreveram a Bíblia para que anunciassem e redigissem de maneira exata e autorizada a mensagem recebida de Deus. A inspiração diz respeito ao registro da verdade revelada por Deus. 2 Tim 3:16, 17; 1Pe 1:10- 12; 1Pe 1:19-21; Hb 1:1, 2; Jo 8:28; 17:6-8. Nós cremos na inspiração plena e verbal das Escrituras. Inspiração plena – significa que a inspiração abrange a Bíblia toda e sem nenhuma restrição. Inspiração verbal – uma inspiração plena deve ser até sobre as palavras (nas línguas originais). As palavras são inseparáveis da mensagem. Seu conteúdo não pode ser expresso sem palavras. C. Iluminação A iluminação é o processo pelo qual o Espírito Santo concede ajuda sobrenatural para compreender a Palavra de Deus para aquele que a lê e a estuda. Ele (Espírito Santo) faz essa obra em todo leitor cristão, em todas as gerações. D. As Duas Naturezas da Bíblia: Humana e Divina As Escrituras são ao mesmo tempo divinas e humanas, da mesma forma que Jesus Cristo era ao mesmo tempo Deus e homem. Natureza divina – por um lado a Bíblia foi inspirada por Deus através do seu Espírito Santo. Ela é, portanto, digna de confiança e sem erro. Por ser a própria comunicação de Deus para a humanidade, ela tem toda autoridade. Natureza humana – Deus passou por seres humanos para transpor a sua revelação por escrito. Não foi um simples ditado. Deus usou a própria personalidade, estilo e vocabulário do autor humano. A Bíblia também reflete a cultura humana do autor humano e da sua audiência. E. A Bíblia – A Palavra de Deus Os cristãos evangélicos afirmam que a Bíblia é a Palavra de Deus. A questão de saber se a Bíblia vem de Deus ou não, terá evidentemente uma grande influência em nossa fé em Cristo e em Suas palavras. 4 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton F. A Infalibilidade da Bíblia Por infalibilidade nós compreendemos que a Bíblia não é capaz de errar e não contém erros em sua forma original. Ela é justa, verdadeira e exata. G. A Autoridade da Bíblia Por ser a Bíblia a Palavra de Deus e sem erros, entendemos que ela é a palavra final e autoritária no que diz respeito a toda questão de doutrina e prática, seja moral ou espiritual. Sua autoridade é uma conseqüência imediata da inspiração. Se Deus inspirou completamente as Escrituras, elas estão revestidas de Sua autoridade. H. A Unidade da Bíblia Na verdade, a Bíblia é mais que um só livro. Ela é uma coleção de 66 livros escritos por mais de 40 autores (+/-45). Os autores humanos do texto sagrado apresentavam uma grande variedade. A Bíblia foi escrita durante um período de cerca de 1.600 anos, sendo terminada há quase 2.000 anos. Esse período compreende aproximadamente 40 gerações. É maravilhoso ver todos os grandes temas da Bíblia se desenrolarem de Gênesis ao Apocalipse, de uma forma coerente e sempre mais completa. I. Cânon bíblico Um livro é canônico se a Sinagoga judaica ou a Igreja cristã o reconheceu como portador da revelação comunicada pelo Espírito de Deus. Por definição, a Palavra de Deus deve conter apenas os textos inspirados pelo Espírito Santo. Os escritos que não possuem essa qualidade não têm lugar no cânon. O cânon não foi decretado por uma pessoa ou por um grupo de pessoas de uma mesma fé. Ele foi sendo reconhecido na medida em que os livros inspirados apareceram. O cânon é o fruto da inspiração divina e não de decisões humanas. O cânon existe desde a sua redação, pois os escritos dos profetas e dos apóstolos têm valor canônico intrínseco. O cânon não foi dado de uma só vez. Ele começou a se formar assim que as primeiras escrituras inspiradas foram colocadas nas mãos do povo de Deus. Cinco Critérios básicos para determinar a canonicidade de um livro: Antigo Testamento 1. O livro é autorizado - afirma vir da parte de Deus? 2. O livro é profético - foi escrito por um servo de Deus? 3. O livro é digno de confiança - fala a verdade acerca de Deus, do homem, etc.? 4. O livro é dinâmico - possui o poder de Deus que transforma vidas? 5. O livro é aceito pelo povo de Deus para o qual foi originalmente escrito – é reconhecido como proveniente de Deus? Novo Testamento 1. O livro tem autoridade apostólica – o autor do livro foi um apóstolo ou alguém próximo, associado a um apóstolo? 2. O livro foi autorizado - afirma vir da parte de Deus? 3. O conteúdo foi aceito pela igreja? 4 . O livro foi lido e usado nas igrejas? 5. O livro foi reconhecido e usado pelas próximas gerações depois da igreja primitiva, especialmente pelos primeiros pais da igreja (Justino Mártir, Clemente de Alexandria, Orígenes, Cipriano)? 5 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton J. A Transmissão da Bíblia Nós cremos que Deus, pela sua providência e seu cuidado especial, guardou sua Palavra pura através de todas as épocas. A Transmissão do texto do Antigo Testamento. O Antigo Testamento foi escrito em hebraico (com alguns trechos em aramaico) no período de mais ou menos 1.500 a 400 anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Os livros mais antigos foram escritos há 3.500 anos. Os livros sagrados foram recopiados à mão durante 3.000 anos, de Moisés à invenção da imprensa (em 1453). A transcrição do texto hebraico era bastante delicada pois, a princípio, essa língua só possuía consoantes. Já por volta do ano 100d.C. os sábios judeus se esforçaram para estabelecer um texto consonantal hebraico padrão, que deu a base aos trabalhos posteriores dos massoretas. Estes eram rabinos de Tiberíades e da Babilônia, que do quinto ao décimo séculos depois de Jesus Cristo completaram uma obra extraordinária. Eles acabaram de fixar o texto do Antigo Testamento escolhendo o melhor manuscrito entre aqueles que tinham disponíveis. A Transmissão do Texto do Novo Testamento O Novo Testamento foi escrito na maior parte em grego (com alguns fragmentos em aramaico) entre os anos 49 e 95 de nossa era. No caso também do Novo Testamento, nenhum dos escritos originais sobreviveu. Temos, porém, um grande número de cópias antigas (mais de 5.000), com algumas de idade bem próximas aos originais. Esses documentos foram escritos em folhas de papel e agrupados, como se fossem um fichário. L. Traduções da Bíblia A versão dos Setenta (Septuaginta ou LXX) – É a tradução em grego de todo o Antigo Testamento, feita pelos judeus de Alexandria entre 250 e 150 a.C. A Vulgata – É uma tradução em latim dos Antigo e Novo Testamentos feita por Jerônimo no quinto século d.C. Esta tradução passou a ser considerada a tradução oficial da Bíblia pela Igreja Católica Romana. Durante muito tempo Bíblias em outras línguas nem eram permitidas pela igreja romana. Até recentemente, as traduções da Bíblia em português, feitas pela igreja romana, eram feitas a partir da Vulgata e não das línguas originais da Bíblia. Principais traduções (protestantes) da Bíblia em português do Brasil usadas na atualidade A Bíblia Sagrada – João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Corrigida (COR ou ARC) Não é a mesma traduzida por João Ferreira de Almeida e impressa em 1753. É na realidade uma edição brasileira onde foram tirados os lusitanismos e adaptado para o português do Brasil. Ela foi publicada em 1898 pela Sociedade Bíblica Britânica. A 2ª edição foi publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil em 1969. A 3ª edição foi publicada em 1995. A 4ª edição data de 2009 (ARC). A Bíblia Sagrada – João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil (ATU ou ARA) É uma revisão de Almeida, independente da Revista e Corrigida, que foi encomendada a uma equipe de tradutores brasileiros e publicada pela SBB em 1956. Ela conserva as características principais da tradução à equivalência formal de Almeida. Sua revisão foi feita à luz dos manuscritos mais antigos que não estavam à disposição de Almeida. Em 1993 ela passou por uma 2ª revisão pela SBB (ARA). Publicada também pelas Edições Vida Nova (edição de 1976 com muitas referências e notas 6 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton explicativas) e pela Imprensa Batista Regular do Brasil (“Bíblia de Scofield” com referências e anotações lançada em 1983). A Bíblia Sagrada – Versão Revisada (VRe) Publicada pela Imprensa Bíblica Brasileira primeiramente em 1967 e na sua 2ª edição em 1986. É baseada na tradução de Almeida. Ela segue mais a forma da COR, porém mais natural. Em 2005 foi lançada Almeida Século 21, baseada na Versão Revisada. É publicada por um consórcio formado por Imprensa Bíblica Brasileira/JUERP, Edições Vida Nova, Editora Hagnos e Editora Atos. Edição Contemporânea Almeida (ECA ou AEC) Publicada pela Editora Vida em 1990, é uma atualização da Almeida Revista e Corrigida, buscando eliminar arcaísmos e ambiguidades do texto original de Almeida. Almeida Corrigida, Fiel (ACF) O nome original é Almeida Corrigida e Revisada, Fiel ao Texto Original. Publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana, baseada 100% no Textus Receptus (TR). Pequena revisão em 1995. Nova Versão Internacional (NVI) Publicada em 2001 pela Sociedade Bíblica Internacional. Ela segue um princípio intermediário entre o da equivalência dinâmica e o da tradução literal. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) A Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH) foi publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil no fim de 1988 com uma linguagem contemporânea e simples. Ela segue o princípio de tradução da equivalência dinâmica. A tradução do Novo Testamento foi aprovada pela Igreja Católica. Em 2000 foi feita uma revisão profunda e o nome mudou para a Nova Tradução da Linguagem de Hoje. A Bíblia Viva (VIV) Publicada em 1981 pela Editora Mundo Cristão. A versão em inglês foi concebida para ser entendida pelas crianças. Ela foi tão bem recebida que foi traduzida para muitas outras línguas. Ela não é na realidade uma tradução, mas sim, uma paráfrase; ou seja, ela toma muitas liberdades na tradução e insere algum comentário. Em certos trechos ela foge um pouco das regras de tradução geralmente aceitas. Definições Algumas definições básicas Hermenêutica: “a ciência e arte de interpretação bíblica”1 Ciência, porque ela tem normas ou regras, e essas podem ser classificadas num sistema ordenado. Arte, porque a comunicação é flexível. Exegese: “a aplicação dos princípios da hermenêutica para chegar-se a um entendimento correto do texto.”2 1 Virkler, Henry A. – Hermenêutica Avançada, (São Paulo: Editora Vida), 1987, p. 9 2 Ibid, p. 11 7 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Teologia Bíblica: “é o estudo da revelação divina no Antigo e no Novo Testamentos.”3 Ela tenta mostrar o desenvolvimento do conhecimento teológico através dos tempos do Antigo e do Novo Testamentos. Teologia Sistemática – “organiza os dados bíblicos de uma maneira lógica ao invés de histórica. Ela tenta reunir toda a informação sobre determinado tópico... de sorte que possamos entender a totalidade da revelação de Deus a nós sobre esse tópico.”4 A NECESSIDADE DA HERMENÊUTICA Processo de Interpretação Bíblica A hermenêutica é, em essência, uma codificação dos processos que normalmente empregamos em um nível consciente para entender o significado de uma comunicação. Quanto mais bloqueios à compreensão espontânea, tanto maior a necessidade da hermenêutica. Os Bloqueios à Compreensão H i s t ó r i c o - no fato de nos encontrarmos grandemente distanciados no tempo, tanto dos escritores quanto dos primitivos leitores. (Exemplo: Dn. 1:1-2) Cultural - diferença significante entre a cultura dos antigos hebreus, gregos, romanos e a nossa. L i n g ü í s t i c o - a bíblia foi escrita em hebraico, aramaico e grego - três línguas que possuem estruturas e expressões idiomáticas muito diferentes da nossa própria língua. F i l o s ó f i c o – a visão de mundo (cosmovisão) acerca da vida, das circunstâncias e da natureza do Universo diferem entre as várias culturas. A hermenêutica é necessária por causa das lacunas históricas, culturais, lingüísticas e filosóficas que obstruem a compreensão espontânea e exata da Palavra de Deus. “A interpretação que visa à originalidade, ou que prospera com ela, usualmente pode ser atribuída ao orgulho... ao falso entendimento da espiritualidade... ou a interesses escusos...”.5 “A primeira razão por que precisamos aprender como interpretar é que, quer deseje quer não, todo leitor é ao mesmo tempo um intérprete; ou seja, a maioria de nós toma por certo que, enquanto lemos, também entendemos o que lemos”.6 Às vezes, aquilo que levamos para o texto, sem o fazer deliberadamente, nos desencaminha ou nos leva a atribuir ao texto idéias que lhe são estranhas”.7 “A tradução (da Bíblia)... é em si mesma uma forma (necessária) de interpretação”.8 3 Ibid, p. 11 4 Ibid, p. 11 5 Fee, Gordon e Stuart, Douglas, Entendes o Que Lês? (São Paulo: Edições Vida Nova, 1984), p. 13-14. 6 Ibid., p. 14 7 Ibid., p. 14 8 Ibid., p. 15 8 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS INTRODUÇÃO Neste curso básico não nos propomos a estudar todos os princípios em detalhes, mas passaremos mais tempo em alguns que julgamos mais importantesneste nível básico. A Bíblia foi escrita por seres humanos e deve ser tratada como qualquer outra comunicação humana. Devemos determinar o significado pretendido pelo autor. É necessário, então, desenvolver nossas habilidades na arte de comunicação e compreensão humanas. Observe a passagem como um todo. Leia a passagem com seu contexto imediato – pelo menos um parágrafo antes e um parágrafo depois da passagem alvo. (Exemplo: 1 Cor. 8:7 expandir para todo o capítulo 8.) Anote qualquer pergunta que surja quanto à passagem, seu conteúdo e seu contexto. Não procure responder ainda as questões que surgirem! (Só levante poeira.) Pesquise a situação histórica, física e cultural. A situação é o contexto que formou a mensagem original. Sem entender esta situação, a comunicação do significado será difícil, se não, impossível. Situação Histórica A Bíblia é revelação em história, distinta dos ensinos de muitas religiões. A maioria das religiões está arraigada em mitologia, como o Xintoísmo ou o Hinduísmo. Em contraste, a Escritura está arraigada em história e reivindica ser um documento histórico, o registro da revelação de Deus. Assim, devemos entender esta revelação no contexto de sua história. 1 Coríntios está lidando com situações reais, históricas. Situação pessoal do Autor Quem é o autor do livro? Revise as circunstâncias do autor no momento em que o livro foi escrito. Estas informações podem ser obtidas consultando um manual bíblico ou um livro de introdução ao Antigo ou Novo Testamento. Muitas Bíblias de estudo também têm artigos de introdução para cada livro da Bíblia. (1 Coríntios Paulo é o autor, escrevendo por causa de problemas e perguntas na igreja de Corinto). Como podem as circunstâncias da autoria do livro me ajudar na interpretação do significado desta passagem? Exemplos: Salmo 51:4 - a confissão de Davi do seu pecado com Bate-Seba; Filipenses 4:4-7, 13- 18 - Paulo estava na prisão. A situação do autor frequentemente traz entendimento ao significado de uma passagem. Exemplo: Paulo escreveu 1 Coríntios quando estava em Éfeso em 56 ou 57 dC. 1º Pr in cí pi o 2º Pr in cí pi o 9 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Referências históricas nas Escrituras 1. É necessária uma compreensão da história do Antigo Testamento para entender o Novo Testamento. Exemplos: Livro de Hebreus Jesus com Nicodemos - João 3:14-15 (Nm. 21:8-9) Jesus comparado com Elias e Jeremias - Mateus 16:14 2. É necessária uma compreensão da história do Antigo Testamento para esclarecer o próprio Antigo Testamento. É útil organizar a história dos livros históricos cronologicamente e colocar os profetas nos devidos tempos em que profetizaram. Exemplo: A restauração da terra prometida para Israel – Ezequiel 37:11-12 3. É necessária uma compreensão da história do Novo Testamento para entender certas passagens do Novo Testamento. Exemplo: Paulo estava na prisão quando escreveu para os efésios e filipenses - Atos 28:30-31; Efésios 6:19, 20; Filipenses 1:20, 21, 24-25; Filipenses 4:22. É de suma importância que as passagens usadas sejam verdadeiramente paralelas. Atos 28 não explica as condições que Paulo enfrentou em 2 Timóteo (cap. 1). Paulo está na prisão por uma segunda vez, não a mesma de Atos 28. Desta segunda vez ele seria decapitado sob Nero em 64 dC. Informação histórica providenciada pelas Escrituras pode ser encontrada em: A. Referências paralelas B. Concordâncias bíblicas C. Dicionário da bíblia, enciclopédias bíblicas ou manuais bíblicos. Informação histórica providenciada por fontes suplementares sobre a história antiga: A. Livros da história dos tempos bíblicos; B. Livros que apresentam uma introdução à Bíblia e materiais introdutórios em comentários críticos bíblicos. Exemplos: Daniel 2:31-45 – referências à Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Apocalipse 1-3 – as sete igrejas na Ásia Menor. Atos 18:2 – O imperador Cláudio expulsou a comunidade judaica de Roma por volta do ano 49, provavelmente por causa de disputas entre os judeus e os cristãos com relação ao Messias. 4. Para achar o significado de qualquer passagem, o intérprete deve, em primeiro lugar, descobrir o máximo possível sobre o autor - quem ele era, onde e quando ele escreveu e as circunstâncias em que ele escreveu. Além disso, o intérprete deve buscar informações sobre o(s) destinatário(s) - para 10 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton quê ou para quem foi escrita a passagem e a colocação histórica na qual eles a leram. Se há referência a algum evento, esse evento deve ser estudado para entender o significado pretendido. Exemplo: Mt. 11:23-24 (cf. Gen. 18 e 19). Situação Física Referências geográficas A situação geográfica é útil para se entender uma passagem. Exemplos: Oséias: 1, 3, 8, 13 - localizações geográficas. Juizes 4-5 - referência às tribos que ajudaram e às que não ajudaram Os recursos disponíveis para se entender a situação geográfica: 1. Atlas da Bíblia 2. Atlas geográfico 3. Dicionários da Bíblia e enciclopédias Referências à Vida Animal A situação física também pode exigir uma compreensão dos animais na Bíblia Exemplo: Estude as características da ovelha para entender Salmo 23, Is 53, Ezequiel 34, João10. Referências à Vida Vegetal Uma passagem pode ser mais clara para nós quando estudamos as características das plantas do Israel antigo. Exemplo: Marcos 11:12-14 - figueira. Situação Cultural O modo como as pessoas viveram, os costumes sociais e religiosos da época bíblica são muito importantes para se obter o significado desejado. Cultura aprendida na Bíblia: Certas informações culturais podem ser encontradas na própria Bíblia. Exemplo: Mateus 15:2; Marcos 7:3-4 - Fariseus que lavavam as mãos antes de comer. Cultura aprendida de fontes suplementares: Fontes suplementares fora da Bíblia são úteis para se entender o significado de muitas passagens, porém deve-se ter muito cuidado com o seu uso. (Exemplo: A situação geográfica de Corinto levou à instalação de uma multidão de povos e religiões pagãs diferentes. Uma grande relação entre a idolatria e a ingestão de carne. A cidade era dedicada à Vênus – a deusa do amor. Havia muita prostituição relacionada com a adoração de Vênus – mil prostitutas no templo). Recursos para o estudo Cultural: 1. Passagens paralelas 2. Bíblias de estudo 3. Livros sobre culturas da Bíblia 4. Dicionários da Bíblia 5. Enciclopédias da Bíblia 11 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 6. Comentários bíblicos Mesmo para o estudante experiente da Bíblia é melhor consultar o comentário depois de haver feito o seu próprio estudo. Há várias razões para isto: 1. Nenhum comentarista é infalível; 2. Nenhum comentarista é perito em todas as passagens das Escrituras; 3. O comentarista providencia uma verificação das próprias conclusões do estudante; 4. O comentarista providencia uma perspectiva adicional antes de o estudante finalizar o seu estudo. Observe a relação que o texto tem com o contexto 9 Precisamos examinar o texto em questão com relação ao seu contexto imediato, ao seu contexto mais amplo e tomando em consideração o livro como um todo. Dividiremos esta fase em três partes: O propósito do livro bíblico, a organização do livro, e o contexto imediato. O Propósito do Livro Bíblico Descubra o propósito do livro bíblico. Alguns livros citam claramente qual é o propósito do livro. Exemplos: João (20:31); Lucas (1:1-4). Outros livros não citam claramente o seu propósito. Neste caso é necessário ler o livro inteiro procurando descobrir o tema do livro. Exemplo: Gálatas – o propósito é corrigir os erros da influência judaizante na igreja da Galácia. Este conhecimento nos ajuda a determinar o sentido da palavra “lei” usada no livro de Gálatas. Uma dica para achar o tema: muitos livros dão indícios do tema no começo ou no fim do livro. Alguns livros têm mais de um propósito. É o caso do livro de 1 Coríntios. Neste livro o Apóstolo Paulo trata de vários temas diferentes. O texto estudado precisa ser relacionado com o tema sendo tratado naquele contexto. A Organização do Livro Os livros bíblicos são organizados de maneiras bastante diversas e precisamos reconhecer a maneira de organização: Alguns são organizados por uma seqüência cronológica de eventos. Exemplo: 1 Samuel; Atos. Alguns livros são organizados como um arranjo poético para causar um impacto emocional. Exemplo: Cântico dos Cânticos. Outros podem apresentar um argumento lógico bem construído, onde um argumento depende do outro. Exemplo: Romanos. Outros podem ser uma coletânea de visões e/ou oráculos (não necessariamente em ordem cronológica). Exemplo: Amós Outros podem simplesmente ser coletâneas soltas de provérbios ou salmos, sem relação entre si. Exemplos: Salmos; Provérbios. O conteúdo de um livro, dependendo da sua organização, não aparece sempre em ordem cronológica. Isto tem muita importância para a interpretação. Exemplo: O livro de Mateus parece estar organizado mais por temas do que por ordem cronológica. 9 McQuilken, Robertson, Understanding and Applying the Bible (Chicago: Moody Press, 1982), cap. 11, p. 153- 163 3º P ri n cí pi o 12 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton A organização do autor do livro influencia grandemente a interpretação do seu texto. Um pensamento específico no texto não pode ser interpretado isoladamente da organização e do tema do livro. Esboço – Para melhor compreender a organização de um livro é necessário que se faça um esboço dele. Não use automaticamente as divisões de capítulos e versículos para fazer um esboço. Estes nem sempre correspondem às mudanças de pensamento. Procure mudanças no assunto. Uma mudança brusca de assunto constitui um novo item no esboço principal. Note que uma mudança entre doutrina e prática constitui uma mudança radical no pensamento. Mudanças mais sutis e menos radicais podem constituir subitens no esboço. O Contexto Imediato O contexto imediato é o fator mais importante para se determinar o significado de uma passagem. Exemplo: 1 Tessalonicenses 5:2 – “ o dia do Senhor virá como ladrão à noite” – será que isto significa que Ele virá quietinho e em segredo, como faz um ladrão? O contexto nos ajuda. Os versículos seguintes, 3 e 4, mostram que o sentido é que Cristo virá repentinamente e não será quietinho por causa do contexto anterior de 4:16. Identifique o gênero literário e aplique os princípios específicos para cada gênero. Identifique o tipo de literatura do texto e use os princípios de hermenêutica específicos para aquele gênero. Os diferentes tipos de literatura são: As narrativas (história) A(s) lei(s) Os profetas As cartas (epístolas) As parábolas Os Salmos A poesia As Narrativas (história) “A Bíblia contém mais do tipo de literatura chamado “narrativa” do que qualquer outro tipo literário.” “Mais de 40 por cento do Antigo Testamento é narrativa.”10 As narrativas são histórias inspiradas por Deus. Portanto, não são quaisquer histórias, mas histórias que nos contam como Deus agiu na história da humanidade e o seu relacionamento com os povos. Nem sempre somos informados de todos os detalhes da história e frequentemente não somos 10 Fee e Stuart, p. 63 4º P ri n cí pi o 13 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton informados dos motivos ou de como Ele fez tal ou tal coisa. As narrativas também são geralmente de um ponto de vista limitado. “Todas as narrativas têm um enredo, uma trama, e personagens (sejam divinas, humanas, animais, vegetais, etc.).”11 Princípios Para a Interpretação de Narrativas12 1. Geralmente, uma narrativa do Antigo Testamento não ensina diretamente uma doutrina. 2. Uma narrativa do Antigo Testamento geralmente ilustra uma doutrina ou doutrinas ensinadas de modo proposicional noutros lugares. (Exemplo: Elias e os profetas de Baal – 1 Reis 18:20ss) 3. As narrativas registram o que aconteceu – não necessariamente o que deveria ter acontecido ou o que deve acontecer todas as vezes. Devemos nos lembrar disto especialmente no livro de Atos. (Exemplo: At. 10:44-46 – Cornélio e sua casa falando em línguas.) 4. A não ser que a Escritura explicitamente nos mande fazer alguma coisa, aquilo que é meramente narrado ou descrito nunca pode funcionar de modo normativo. 5. O que as pessoas fazem nas narrativas não é necessariamente um bom exemplo para nós. (Exemplo: Jacó ganha o direito de primogenitura – Gn. 25:27-34) 6. A maior parte dos personagens nas narrativas do Antigo Testamento está longe de ser perfeita, bem como suas ações. (Exemplo: Simeão e Leví [Gn. 34]; Samuel; Davi, etc.) 7. Nem sempre somos informados no fim de uma narrativa se aquilo que aconteceu foi bom ou mau. 8. Todas as narrativas são seletivas e incompletas. Nem sempre todos os pormenores relevantes são dados (João 21:25). 9. As narrativas não são escritas para responderem a todas as nossas perguntas teológicas. 10. As narrativas podem ensinar, ou explicitamente (ao declarar alguma coisa de modo claro – o tratamento de José pelos seus irmãos – Gn. 50:19-20), ou implicitamente (ao subentender claramente alguma coisa sem chegar a declará-la – Pedro andando sobre as águas – Mt. 14:27-33). Isto não significa que existem sentidos místicos ou particulares escondidos nas narrativas. 11. “As histórias dos milagres... não são registradas para oferecer morais nem para servir de precedentes. Pelo contrário, funcionam nos Evangelhos como ilustrações vitais do poder do reino irrompendo através do ministério do próprio Jesus.”13 É importante notar que existe muita narrativa nos quatro evangelhos. Numa lida rápida, pode parecer que existem contradições entre as narrativas de eventos específicos nos diferentes evangelhos. Precisamos nos lembrar de que estas narrativas são feitas de pontos de vista diferentes. Cada autor humano escreve o seu evangelho com um propósito em mente que é bastante diferente de outro autor. Os evangelhos não se contradizem, mas se complementam. 11 Ibid., p. 64 12 Ibid., p. 69 13 Ibid., p. 116 14 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton A(s) Lei(s) “O Antigo Testamento contém mais de seiscentos mandamentos que os israelitas deviam guardar como evidência da sua lealdade a Deus. Apenas quatro dos 39 livros do Antigo Testamento contêm essas leis: Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.”14 Muitas vezes o Antigo Testamento se refere aos cinco primeiros livros da Bíblia como sendo “os livros da Lei”, apesar de Gênesis não conter nenhum mandamento e dos outros livros conterem outras matérias além de mandamentos. Há algumas referências a estes cinco livros como sendo um só (Exemplo: Josué 1:8). “Na maioria das ocasiões em que “a Lei” é mencionada na Bíblia, significa a coletânea de matéria que começa em Êxodo 20 e continua até ao fim de Deuteronômio.”15 Entre os evangélicos não existe um consenso quanto à hermenêutica da lei mosaica no que tange à sua utilização, hoje, para o cristão. A posição abaixo é a que me parece mais coerente. Em se tratando da lei mosaica, precisamos levar algumas coisas em consideração: 1) A lei mosaica caracteriza um período no progresso da redenção e da revelação progressiva de Deus. Antes de Moisés (e, portanto, antes da lei mosaica) Deus já tratava com seu povo. 2) Jesus Cristo é o personagem central da história da Bíblia. Tudo no Antigo Testamento apontava adiante para a vinda de Cristo e, após o ministério terreno dele, tudo aponta para trás – paraa pessoa e obra de Cristo. 3) Existem fatores de continuidade e de descontinuidade entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Os Cristãos e a Lei do Antigo Testamento16 1. A lei do Antigo Testamento é uma aliança, um contrato firmado entre Deus e o povo de Israel. 2. As leis mosaicas expressam o caráter de Deus e a sua vontade para o seu povo Israel. Com o povo vivendo sob uma teocracia (governo direto de Deus), as leis civis regulamentavam estas questões e organizavam a nação. As leis rituais (cerimoniais), com as festas obrigatórias, foram usadas por Deus para ensinar o monoteísmo (um só Deus), a necessidade da separação da impureza e do pecado, e o conceito da necessidade da expiação do pecado através do sistema sacrifical. Todas estas leis rituais eram altamente simbólicas e apontavam para a obra redentora de Jesus Cristo. As leis morais (éticas) apontam para o próprio caráter de Deus e o que ele espera do seu povo para viverem em santidade. 3. Algumas estipulações da Antiga Aliança claramente não foram renovadas na Nova Aliança. Estas são (1) as leis civis israelitas (Ex. 21 e 22) e (2) as leis rituais israelitas (Lv. cap. 1-7 – comparar com o livro de Hebreus). Estas últimas constituem-se no maior bloco único de leis do Antigo Testamento. 4. Parte da Velha Aliança é renovada na Nova Aliança. Alguns aspectos da lei ética (moral) do Antigo Testamento realmente são reafirmados no Novo Testamento como sendo aplicáveis aos cristãos. Jesus leva esta ética, em alguns casos, até além do que o Antigo Testamento fazia (Mateus 5:21-48). 5. A lei mosaica não tinha o intuito de salvar o povo de Israel. As suas funções eram: abençoar o povo, explicar como se deve viver a vida de fé e agradar a Deus, expor a realidade, a gravidade e a culpa do pecado (Rm 7:7-11), e, finalmente, servir como tutor 14 Ibid., p. 137 15 Ibid., p. 137 16 Ibid., p. 138-141 – com adaptações 15 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton do povo de Israel até a vinda do Messias (Gal. 3:23-25). 6. Como cristãos, nós não vivemos debaixo da tutela direta da rígida lei mosaica (Rm 6:14- 15). Nós vivemos debaixo da “lei de Cristo” (Gal. 6:2), que é o conjunto de princípios ensinados por Jesus. Jesus veio “cumprir” a lei mosaica. Ele foi o auge da lei mosaica que serviu para preparar o povo de Israel para a vinda do Cristo. Não existe contradição entre a lei mosaica e a lei de Cristo. Os dois têm a mesma fonte (Deus) baseada no mesmo caráter divino. A vinda de Cristo inicia uma nova era, um novo “testamento”, uma nova aliança. E com a nova aliança existe uma nova ênfase: o amor e a graça. 7. A totalidade da lei do Antigo Testamento ainda é a Palavra de Deus para nós, ainda que não continue sendo o mandamento de Deus para nós. A lei mosaica serve para nos esclarecer muitos pontos do Novo Testamento e ainda nos revela o caráter santo de Deus. Resumo: Alguns “faça” e “não faça”17 1. Veja a lei do Antigo Testamento como a palavra plenamente inspirada de Deus para você. Não veja a lei do Antigo Testamento como o mandamento direto de Deus dirigido a você. 2. Veja a lei do Antigo Testamento como a base da Antiga Aliança e, portanto, da história de Israel. Não veja a lei do Antigo Testamento como obrigatória para os cristãos da Nova Aliança, a não ser onde for especificamente renovada, mas como base da nossa conduta moral e ética. 3. Veja a justiça, o amor e os altos padrões de Deus revelados na Lei do Antigo Testamento. Não se esqueça de ver que a misericórdia de Deus é feita igual à severidade dos padrões. 4. Não veja a lei do Antigo Testamento como completa. Não é tecnicamente abrangente. Veja a lei do Antigo Testamento como um paradigma que fornece exemplos para a gama inteira do comportamento que se espera. 5. Não espere que a lei do Antigo Testamento seja frequentemente citada pelos profetas nem pelo Novo Testamento. Lembre-se de que a essência da Lei (os Dez Mandamentos e as duas leis principais) é repetida pelos profetas e renovada no Novo Testamento. 6. Veja a lei do Antigo Testamento como uma dádiva generosa a Israel, trazendo muitas bênçãos quando é obedecida. Não veja a lei do Antigo Testamento como um agrupamento de regulamentos arbitrários e irritantes que limitavam a liberdade das pessoas. 17 Ibid., p. 151-152 – com adaptação 16 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Os Profetas18 Considerações gerais: Mais livros individuais da Bíblia enquadram-se neste gênero de literatura do que em qualquer outro. Os livros proféticos estão entre as partes mais difíceis da Bíblia para serem interpretados ou lidos com entendimento. Os profetas eram, antes de tudo, porta-vozes de Deus. Sua função primária era falar em prol de Deus para seus próprios contemporâneos. A palavra hebraica para “profeta” significa “chamado”. Eles eram chamados por Deus para esta função. Tudo que anunciavam e diziam era da parte de Deus, inclusive as bênçãos, as maldições e as previsões. Vemos uma preocupação constante dos profetas em dizer “assim diz o Senhor” ou algum outro equivalente. O Antigo Testamento declara 3.808 vezes que o autor transmite as palavras expressas de Deus: Isaías – 120 vezes; Jeremias – 430 vezes; Ezequiel – 329 vezes; Amós – 53 vezes; Ageu – 27 vezes em apenas 38 versículos. Os profetas eram mediadores para fazer cumprir a aliança. É por isto que vemos nos profetas a ênfase das constantes advertências. Bênçãos são prometidas para a nação se cumprirem a aliança e maldição se não a cumprirem. (Lev. 26; Dt. 4; e cap. 28-32) Os profetas tinham também a função secundária de anunciar o futuro, mas na maioria das vezes este futuro era o futuro imediato de Israel, de Judá e dos países que os cercavam. Menos de 2% da Profecia do Antigo Testamento é messiânica, menos de 5% descreve especificamente a era da Nova Aliança e menos de 1% diz respeito a eventos ainda vindouros. Existem dois propósitos para a profecia que previa o futuro: 1. O propósito principal era influenciar a conduta dos que ouviam a profecia (Jer. 3:12-15; Oséias 14:1-2). 2. O segundo propósito só se realizava quando a profecia se cumpria – e isto era de fortalecer a fé e estabelecer uma confiança no Deus que predisse os eventos (João 13:19; 14:29; 16:4). A mensagem dos profetas não era original. Eram essencialmente as advertências e promessas da aliança. Os profetas não foram inspirados para ensinar quaisquer lições ou anunciar quaisquer doutrinas que já não estivessem contidas na aliança do Pentateuco. Mesmo as profecias messiânicas não eram novas na sua essência, pois Deus trouxe a noção de um Messias pela primeira vez através da Lei. Os profetas só acrescentaram os pormenores. Princípios Para a Interpretação dos Profetas 1. No estudo dos profetas, observe o contexto histórico no qual o profeta escreve, mas também o contexto mais específico do oráculo sendo estudado. 2. Determine onde começa e onde termina o oráculo que forma o contexto imediato do texto a estudar. Os livros proféticos geralmente podem ser divididos em oráculos. Estes oráculos não foram normalmente proferidos na mesma época e podem não estar em ordem cronológica. 3. Identifique a forma literária sendo usada pelo profeta. As três formas mais comuns são: O Processo jurídico. Exemplo: Is. 3:13-26. Deus é retratado, de modo imaginário, como sendo o demandante, o promotor público, o juiz e o oficial da justiça num processo jurídico contra o réu, Israel. A forma completa do processo jurídico contém uma carta rogatória, uma acusação, as evidências e um veredicto (nem sempre todas as partes são explícitas). O ai. “Ai” era a palavra que os antigos israelitas exclamavam quando enfrentavam a desgraça ou a morte, ou quando lamentavam num enterro. Três elementos que caracterizam de modo sem igual esta forma: um anúncio da aflição(a palavra “ai”, por exemplo), a razão da aflição e uma predição da desgraça. (Exemplo: Hab. 2:6-8) A Promessa ou “oráculo da salvação”. Seus elementos são: a referência ao futuro, a menção de mudanças radicais e a menção de bênçãos. Exemplo: Amós 9:11-15 18 Ibid., p. 153-174 17 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 4. Determine se o profeta está usando linguagem poética. Frequentemente os profetas usavam prosa poética como uma maneira de facilitar o aprendizado e a memorização da mensagem, como também para causar um impacto emocional no auditório. 5. Nas passagens que fazem uma predição do futuro, devemos usar as seguintes diretivas: Interprete o texto no seu sentido mais simples, direto e ordinário – a não ser que exista alguma razão forte para não o fazer. Identifique passagens figuradas usando as regras normais da linguagem para diferenciar entre o que é literal e o que é figurado. o Às vezes a linguagem é obviamente figurada, senão, seria absurda. (Exemplo: Is. 11:1) o Outras vezes a linguagem figurada é identificada no contexto. (Exemplo: João 2:19, 21) o Outras vezes as Escrituras podem identificar uma afirmação aparentemente literal como sendo figurada. (Exemplo: Gen. 3:15 com Gal. 3:16) 6. O Espírito Santo e os autores humanos são os únicos que têm autoridade para interpretar uma passagem literal como figurada. Nós, como intérpretes, não temos essa autoridade. Como intérpretes, temos a iluminação do Espírito Santo mas, somos também sujeitos a erros de interpretação. É criticamente importante que identifiquemos o significado pretendido pelos autores. 7. Observe novamente que a linguagem figurada não é mística. As verdades mais profundas podem ser expressas de modo não literal. Na interpretação deve-se descobrir para onde o figurado aponta, porque o figurado deve ter uma verdade literal. Os intérpretes não têm a liberdade de designar figuras ou significados espirituais para profecias. Somente a própria Escritura tem esta autoridade e não os intérpretes. 8. Mesmo que o NT dê a aparência de alegorizar uma passagem específica no AT, isto não dá o direito ao intérprete de interpretar outras passagens do mesmo modo. (Exemplo: 1 Cor. 10:1-4) Se um autor no NT estabelece que uma passagem no AT seja figurada, outras referências no AT referentes ao mesmo assunto podem ter características figuradas. Por exemplo, o tabernáculo é citado especificamente como um tipo, então, o intérprete pode legitimamente examinar outras passagens referentes ao tabernáculo com isto em mente. Tipologia Os tipos são muito comuns na Bíblia e bem pouco compreendidos. Pessoas, ritos e cerimônias, atos e eventos, objetos e cargos (como profeta, sacerdote e rei) são usados nas Escrituras como tipos. Um tipo pode ser definido como um "símbolo profético". Um símbolo é alguma coisa que representa uma outra. Muitas vezes um objeto material é usado para representar uma coisa imaterial. Como exemplo, a Bíblia é representada por carne, leite, pão, fogo, água, semente, espada e luz. A linguagem simbólica usa objetos para designar uma característica comum à coisa simbolizada. A responsabilidade do intérprete é identificar o ponto de referência usando a Bíblia e não a sua própria experiência ou cultura. As Escrituras usam números, várias matérias, animais e pessoas. Os símbolos na Bíblia devem ser compreendidos de acordo com as regras normais de interpretação; porém quando um símbolo é usado para predizer uma coisa futura, o mesmo assume uma característica profética. Os princípios usados para se compreender uma profecia são aplicados quando os símbolos proféticos são usados nas Escrituras. 18 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Observe que um tipo muitas vezes contém um símbolo. O tabernáculo é tratado no NT como um tipo da redenção de Cristo. Porém, dentro do tabernáculo existiam muitos símbolos como a água, que figurava uma lavagem espiritual. Um tipo, por definição, é especificamente uma profecia divina planejada. Devemos estar cientes da tentação de espiritualizar palavras e versículos. Caindo nesta tentação abre-se a porta para um abuso ilimitado. Para designar uma ilustração ou aplicação como um tipo é tomar para si uma autoridade que não é nossa. Distinção entre Símbolo e Tipo Símbolo Tipo Alguma coisa usada para representar outra coisa. Muitas vezes um objeto material representa alguma coisa imaterial. Simbolismo profético. Essência Um símbolo normalmente representa alguma coisa diferente em essência daquilo que é representado. Livro e pão são distintos em essência, porém, pão é usado para simbolizar a Bíblia. Um tipo pode ser diferente em essência daquilo que é representado como no caso de um símbolo. Pode também ser alguma coisa semelhante ou até mesmo igual. O sacrifício de animais e o sistema sacrificial foram projetados para prever o sacrifício de Jesus na cruz. Morte é semelhante em ambos os tipos e aquilo que representa Melquizedeque e Davi são vistos como tipos de Cristo. O tipo e o objeto representados são seres humanos. Relacionamento Com O Tempo Um símbolo é ilimitado. Pode simbolizar algo no passado, presente e futuro. Um tipo, por definição, aponta para o futuro. É geralmente um tipo no AT que prefigura alguma coisa sobre a redenção no NT. Referência A coisa simbolizada pode se referir a mais que uma coisa. Uma semente pode se referir à Palavra (Mateus 13:19) ou aos filhos do reino (Mateus 13:38). A água pode se referir à lavagem, satisfação, à Bíblia, ou a Jesus. Uma ovelha pode simbolizar humildade ou falta de entendimento, vulnerabilidade ou sacrifício. Uma pomba pode simbolizar a paz, o poder de Deus ou o Espírito Santo. A serpente pode simbolizar o mal, Satanás, ou sabedoria. Um tipo se refere a um só significado. Geralmente tipologia bíblica se refere à redenção. O tabernáculo é usado dessa forma no livro de Hebreus. Elementos Paralelos Geralmente existe um só paralelo entre o símbolo e o que o símbolo representa. Um símbolo pode ser usado como paralelo para várias outras coisas. Um tipo pode ter vários paralelos. A páscoa é uma foto que detalha muitos elementos da redenção. Também o sistema sacrificial e o tabernáculo. Esses dois tipos contêm paralelos com a verdade do NT. 19 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Como podemos determinar o significado de um símbolo ou tipo nas Escrituras? Deve-se observar o seguinte: 1. Considerar o contexto. Em contextos diferentes um símbolo pode ter significados diferentes (Mt. 16:6 – fermento representa falsa doutrina (ver v. 12) que corrompe os ouvintes; Mt. 13:33 – fermento, como elemento positivo que faz crescer o pão, representa o reino dos céus que, quando “leveda” os cristãos, faz crescer o reino). 2. Referir-se a outras passagens. A revelação no NT pode identificar alguma coisa simbólica que não foi identificada no AT. Se outras passagens usam uma palavra como simbólica, é legítimo considerá- la simbólica nas passagens em que o significado não é claro. Mesmo neste caso o contexto deve determinar se o significado simbólico é aceitável em uma passagem. Por exemplo, o número seis pode representar o número do homem (Apocalipse 13:18), mas o contexto nem sempre dá este significado. O contexto deve determiná-lo. Em Isaías 53, ovelhas simbolizam seres humanos e na mesma passagem a ovelha representa Jesus. Então, quando o termo "ovelha" é usado de um modo simbólico, é legítimo se perguntar qual dos dois significados (ou mesmo algum outro) foi a intenção do autor. 3. Deixar o autor controlar a intenção. Múltiplas Referências As profecias referem-se ao futuro. As profecias no AT referentes a Jesus Cristo podem ser para sua primeira ou segunda vinda. Algumas profecias no AT que se referem a eventos logo após a proclamação da profecia são também aplicadasno NT com respeito ao Messias centenas de anos depois. Existe a possibilidade de que um versículo ou passagem possa ter mais de um significado. Entretanto, esta determinação só pode ser feita pelo Espírito Santo e os autores das Escrituras. Exemplos: Mt. 1:22-23 (Is. 7:14); Mt. 2:15 (Os. 11:1); Mt. 2:17-18 (Jr. 31:15); Jo. 12:15 (Zc. 9:9). As Cartas (epístolas)19 As epístolas não são uma coletânea homogênea. Algumas foram verdadeiras cartas endereçadas a destinatários específicos; às vezes indivíduos, às vezes uma igreja e outras vezes um grupo de igrejas. Outras foram escritas mais como um compêndio de doutrina ou instruções para as igrejas em geral. Todas são o que tecnicamente se chama de documentos ocasionais (i.é, surgindo de uma ocasião específica e visando a mesma) e são do século I. A forma das cartas antigas: 1. o nome do escritor (e.g., Paulo) 2. o nome do destinatário (e.g., à igreja de Deus em Corinto) 3. a saudação (e.g., Graça a vós outros e paz da parte de Deus nosso Pai...) 19 Fee e Stuart, p. 29-59 20 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 4. oração (opcional): um desejo ou ações de graça (e.g., Sempre dou graças a Deus a vosso respeito...) 5. o corpo da carta 6. a saudação final e despedida (e.g., A graça do Senhor Jesus seja convosco) A maior parte dos nossos problemas em interpretar as epístolas deve-se ao fato de estas serem ocasionais. Temos as respostas mas nem sempre sabemos quais eram as perguntas ou os problemas, ou até mesmo se havia algum problema. É muito semelhante a escutar um lado de uma conversa telefônica e tentar descobrir quem está no outro lado e o que aquela pessoa invisível está dizendo. Apesar de as epístolas estarem carregadas de teologia, sempre se deve conservar em mente que não foram escritas primariamente para fazer uma exposição da teologia cristã. É sempre teologia ao serviço de uma necessidade específica. Princípios Para a Interpretação das Epístolas 1. Devemos começar com uma reconstrução provisória, porém bem fundamentada, da situação para a qual o autor está falando. 2. Ler a carta inteira, do começo ao fim, sem interrupções, como se faria com uma carta dos nossos dias. Durante esta leitura fique atento aos dados que podem identificar: os destinatários, suas características e problemas as atitudes do autor a ocasião específica da carta as divisões naturais da carta 3. Siga o argumento desenvolvido pelo autor para responder as perguntas que lhe haviam sido feitas ou para lidar com os problemas. É importante aprender a pensar em parágrafos. De modo resumido, declare o conteúdo de cada parágrafo. Depois procure explicar por que o autor diz isto exatamente nesta altura do argumento. 4. Aplicação do ensino das epístolas para os cristãos de nossos dias: Regra básica: um texto não pode significar aquilo que nunca poderia ter significado para seu autor ou seus leitores originais. Segunda regra: sempre que compartilhamos de circunstâncias comparáveis (i.e., situações de vida específicas semelhantes) com o âmbito do século I, a Palavra de Deus para nós é a mesma que Sua Palavra para eles. o Onde há características comparáveis e contextos comparáveis na igreja de hoje, seria legítimo estender a aplicação do texto a outros contextos, ou fazer um texto aplicar-se a um contexto totalmente estranho ao âmbito do século I? Quando há situações comparáveis e características comparáveis, a Palavra de Deus para nós em tais textos deve sempre ser limitada à sua intenção original. o Os textos que falam de questões do século I que não têm equivalentes no século XXI têm algum valor para nós? (Exemplo: 1 Cor. 8:10; 9:1-23; 10:23-11:1) Na resposta do autor, se um princípio claro foi articulado que transcende a particularidade histórica, este princípio poderá ser aplicado hoje. O princípio não se torna intemporal para ser aplicado aleatória e caprichosamente a todo e qualquer tipo de situação, mas deve ser aplicado a situações genuinamente comparáveis. Diretrizes para distinguir entre os ítens que são, de um lado, culturalmente relativos e, por outro lado, aqueles que transcendem seu contexto original e são normativos para todos os tempos. 21 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton o Devemos, primeiramente, distinguir entre o âmago central da Bíblia e aquilo que é dependente ou periférico. o Distinguir entre aquilo que o próprio NT vê como sendo inerentemente moral e aquilo que não o é. Aqueles ítens que são inerentemente morais são, portanto, absolutos e permanecem para cada cultura; aqueles que não são inerentemente morais são, portanto, expressões culturais e podem ser alterados entre uma cultura e outra. As listas de pecados que Paulo compõe, por exemplo, nunca contêm ítens culturais. o Devemos tomar nota especial de ítens em que o próprio NT tem um testemunho uniforme e consistente e onde reflete diferenças. Onde há diferenças, pode ser que sejam exemplos de questões culturalmente relativas. o Devemos saber distinguir, dentro do NT, entre o princípio e a aplicação específica. o Devemos exercer a caridade cristã e a tolerância onde cristãos não chegam todos às mesmas conclusões. Devemos amar aqueles com os quais não concordamos. As Parábolas Muitos dos ensinamentos e discursos de Jesus foram feitos através de parábolas. É importante compreender essa forma de literatura. A parábola é uma história curta que expressa uma verdade. Há três razões pelas quais a parábola é eficaz: 1) ensina uma verdade, 2) responde a uma pergunta, e 3) obscurece a verdade para aqueles que não têm interesse no evangelho de Cristo. A parábola é aparentada à metáfora porque geralmente a comparação é implícita e não explícita. É importante distinguir entre uma parábola e um evento histórico. Um evento histórico muitas vezes é usado como uma ilustração; mas, uma parábola é uma forma histórica especial. Por definição a parábola não registra um evento histórico, no entanto, ela expressa uma experiência válida na vida diária dos ouvintes. Por isso a parábola difere das figuras de comparação, como a alegoria e o simbolismo profético, que nem sempre expressam uma experiência válida. Seis diretrizes para se entender as parábolas: 1. Comece com o Contexto Imediato Procure a resposta para as seguintes perguntas: o quem é o personagem principal? o qual é o ponto (lição) principal da história? Neste tipo de literatura existem dois elementos importantes: o a ocasião em que a parábola foi apresentada e o a explicação do seu significado. Às vezes a explicação do significado da parábola é dada em forma de aplicação, como em Mateus 24:44; 25:13. Nem todas as parábolas têm uma explicação do seu significado; mas, quando Cristo dá a explicação ou a aplicação, não podemos impor nenhum outro significado para ela. 22 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 2. Identifique o Ponto Principal Ter um ponto principal é a distinção mais pronunciada entre uma parábola e uma alegoria. Uma alegoria terá muitas significações paralelas entre a história e as verdades representadas. No caso da parábola, não podemos tratar cada detalhe como uma aplicação espiritual. 3. Identifique os Detalhes Insignificantes As parábolas contêm muitos detalhes que não têm o objetivo de ensinar verdades. Esses detalhes não têm significância espiritual e devem ser colocados de lado. Qualquer tentativa de espiritualizá-los será desastrosa. 4. Identifique os Detalhes Significantes Aqueles detalhes dados na parábola com a intenção de ensinar verdades devem ser notados, interpretados corretamente e aplicados. Esses detalhes podem ser identificados pelo fato de que eles realçam o propósito principal da parábola. Contraste entre Parábolas e Eventos Históricos o As verdades apresentadas em parábolas têmo mesmo peso que as verdades apresentadas numa forma literária. A diferença entre as duas formas está na aplicação. Numa narrativa histórica todos os detalhes são fatos literais. Quando Jesus usou uma narrativa histórica, ele usou os fatos como ilustrações e definiu quais aplicações foram legítimas. o A parábola é uma história estruturada usando uma experiência humana e o narrador tem a liberdade de determinar quais os detalhes que serão usados para transmitir o que ele tem em mente. o Devemos reconhecer que a interpretação de uma parábola não deve enfraquecer o seu significado. A parábola não é um mito. Ela é baseada numa verdadeira experiência humana e é dada para ensinar uma verdade de Deus. Contraste entre Parábolas e Alegorias o As parábolas e alegorias são semelhantes em que as duas formas literárias são designadas para ensinar verdades espirituais usando comparações entre alguma coisa literal com uma realidade espiritual. o Elas se diferenciam das seguintes maneiras: 1. A parábola é realística, mas a alegoria nem sempre. Numa alegoria, Cristo pode ser a porta ou a videira. Os crentes podem ser ovelhas ou ramos. 2. Mesmo que ambas tenham um propósito principal, a parábola é criada para apresentar um ensinamento principal, mas, a alegoria pode ser criada para ensinar muitas verdades. 23 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 5. Compare Passagens em Contraste e Passagens Paralelas As parábolas em Lucas 19:11-23; Mateus 25:14-30; Mateus 24:45-51 e Lucas 12:35-48 têm um tema principal: Esteja Preparado! Existe um contraste em Lucas 19:11-23 e Mateus 25:14-30. A parábola em Lucas ensina que quem é fiel no muito terá maiores responsabilidades. A parábola em Mateus assegura que os nossos galardões não são baseados no nosso sucesso por causa das variações em habilidades. 6. Baseie Doutrina Nas Passagens Literais e Claras Isso não quer dizer que a parábola nunca poderá contribuir para uma maior compreensão de uma doutrina. Quando uma parábola é interpretada, ela pode ser usada como qualquer outra passagem literal e clara na construção de doutrina. Mas, geralmente, a linguagem figurada não é o melhor ingrediente para se construir doutrinas. Os Salmos20 O Livro dos Salmos é uma coletânea inspirada de orações e hinos hebraicos. Este livro exige algumas considerações hermenêuticas especiais, pois, ao contrário do restante dos livros da Bíblia, os salmos são palavras faladas para Deus ou acerca de Deus ,e que estas palavras, também, são a Palavra de Deus. Os Salmos nos ajudam a nos expressarmos diante de Deus. São de grande ajuda para o crente que deseja ter ajuda da Bíblia para expressar alegrias e tristezas, sucessos e fracassos, esperanças e pesares. Davi escreveu quase metade dos Salmos: 73 ao todo. Moisés escreveu um (o Salmo 90), Salomão escreveu dois (o 72 e o 127), os filhos de Asafe escreveram vários e os filhos de Coré também. Princípios Para a Interpretação dos Salmos 1. O mais importante que se deve lembrar ao ler ou interpretar os Salmos é que são poemas – poemas musicais. Na poesia, boa parte da linguagem é intencionalmente emotiva. Não se deve colocar muito peso na escolha das palavras a ponto de achar significados especiais em toda palavra ou frase. Um poema musical não pode ser lido da mesma forma com que se lê uma carta. É perigoso ler um Salmo como se ensinasse um sistema de doutrina. O vocabulário da poesia é deliberadamente metafórico. 2. Os Salmos são de vários tipos diferentes. Cada tipo tem a sua própria forma. Lamentações. É o maior grupo de Salmos (mais de 60). Existem lamentações individuais e lamentações coletivas. Ajudam a pessoa a expressar diante do Senhor as suas lutas, os seus sofrimentos, ou a sua decepção. Salmos de ações de graça. Expressam alegria diante do Senhor por alguma bênção. Hinos de louvor. Centralizam-se no louvor a Deus por causa de quem Ele é. Salmos de história da salvação. Têm como enfoque o programa da história das obras salvíficas de Deus entre o povo de Israel. 20 Ibid., p. 175-195 24 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Salmos de celebração e afirmação. Estes dizem respeito à renovação da aliança do povo com Deus, louvam a importância da escolha que Deus fez da linhagem de Davi, os Salmos que tratam da monarquia e da entronização, e os Salmos que louvam Sião ou a cidade de Jerusalém. Salmos de sabedoria. Louvam os méritos da sabedoria e da vida sábia (36, 37, 49, 73, 112, 128, 133). Cânticos de confiança. Pode-se confiar em Deus e mesmo em tempos de desespero, Sua bondade e Seu cuidado para com Seu povo devem ser expressos. 3. Os Salmos cumpriam a função crucial de fazer uma conexão entre o adorador e Deus. 4. Os salmistas frequentemente se deleitavam em certos arranjos ou repetições de palavras e sons, bem como os jogos estilísticos com palavras. Alguns Salmos são acrósticos (Exemplo: Salmo 119). 5. Cada Salmo deve ser lido como uma unidade literária. Cada um deve ser tratado como uma obra completa. Devemos tomar cuidado para não tirar versículos individuais fora do seu contexto no Salmo. 6. Os Salmos imprecatórios (os que pedem desgraça sobre os outros) são uma expressão dos sentimentos do salmista, dando uma oportunidade de vazão à sua ira e frustração. Eles ajudam-nos, quando sentimos ira, a não praticarmos a ira. Devemos expressar honestamente a nossa ira diante de Deus, por mais amarga e odiosamente que sintamos, e deixar Deus cuidar da justiça contra aqueles que abusam de nós. A Poesia Hebraica21 Sendo a poesia cheia de linguagem figurada, devemos usar as diretrizes que estudamos para entender o significado da linguagem não literal. A poesia se diferencia da prosa na sua estrutura lingüística. A poesia de certas línguas ou idiomas é distinguida pelo ritmo sonoro que ocorre com o uso de certas palavras. O número determinado das sílabas dá uma qualidade musical. Tradicionalmente existe uma rima entre as palavras. A marca de distinção da poesia hebraica é a correspondência de pensamento (paralelismo) entre uma linha e a seguinte, ou entre um trecho com o seguinte. Esta correspondência é fundamental para se entender a poesia hebraica. O hebreu se orgulhava da sua habilidade em expressar um pensamento de várias maneiras. Milton Terry conclui que aproximadamente 50 % do AT foi escrito em forma poética, mas uma porção desta qualidade poética foi perdida na tradução. Paralelismo Na Poesia Hebraica Existem três tipos básicos de pensamento paralelo na poesia hebraica: Paralelismo Sinônimo - um pensamento pode ser expresso uma segunda ou terceira vez de modo diferente em cada linha (Provérbios 1:20, 22, 28, 30-31). A repetição de uma idéia usando palavras diferentes é muito útil quando se está procurando o sentido desejado pelo autor. 21 McQuilken, p. 199-205 25 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Paralelismo Sintético – o poeta adiciona mais pensamentos baseados no conceito original com um efeito cumulativo (Salmo 1:1-2; Isaías 55:6, 7). Observe que os pensamentos paralelos poderão ser simples e ocorrer logo após, ou poderão ocorrer num modo complexo e separados do pensamento paralelo. Paralelismo Antitético - o poeta contrasta duas idéias (Provérbios 15:2). Este contraste também ajuda a entender o significado de certas palavras. Faça um estudo das palavras-chave do texto. ANÁLISE MORFOLÓGICA A meta é pesquisar cada palavra-chave, palavras repetidas e palavras de sentido obscuro. Palavras são os blocos para se construir um entendimento do significado da passagem. Para se compreender o significado desejado pelo autor temos que considerar os significados das palavras individuais. Por que as palavras são tão problemáticas? Porque elas raramente têmum significado idêntico em todos os contextos. Uma palavra pode ter uma variedade de significados de forma que somos dependentes do contexto para entender o significado pretendido. Em tradução o problema é que raramente uma palavra, num idioma, significa a mesma coisa em um outro. Assim, a tarefa de um tradutor é definir o significado de uma palavra no contexto original para procurar uma palavra ou expressão no seu idioma que dê o significado mais semelhante possível ao original. Considerando-se que a tarefa é basicamente de interpretação, o estudante fará um estudo direto de todas as palavras que tenham importância para identificar o significado específico que o autor tinha em mente. Palavras Bíblicas Usadas De Um Modo Especial Por serem usadas de um modo especial, palavras técnicas como justificação e palavras figuradas como morte devem ser estudadas. Assim também, palavras profundas como pecado e amor devem receber muita atenção nos nossos estudos. Palavras que Têm Mais De Um Significado Uma palavra que tenha uma grande variação de significado nem sempre é entendida completamente ou imediatamente. Exemplo: Vários usos da palavra “morte” (Leia Colossenses 2:12, 13, 20; 3:5). 1) morte física de Cristo (v.12) 2) as pessoas estão "mortas" antes de se tornarem cristãs (v. 13) 3) as pessoas "que morreram" quando se tornaram cristãs (v.20) 4) um crente deve fazer morrer a natureza terrena (3:5) É de extrema importância conhecer todos os possíveis significados para se entender o significado específico de uma passagem. 5º P ri n cí pi o 26 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Palavras Obscuras por causa de Problemas de Tradução Várias palavras no original podem ser traduzidas por uma só palavra no português. Talvez a palavra traduzida como "amor" em João 21:15-19 seja a ilustração mais famosa desse exemplo. Quando Cristo perguntou a Pedro se ele o amava, Pedro respondeu com uma palavra diferente, sendo que essa diferença é difícil de se traduzir em português. "Novo" é outra palavra importante nesta categoria. No texto grego, neos fala de uma existência nova e kainos se refere a um aspecto novo ou uma profundidade nova. Jesus usou kainos em João 13:34. O uso da palavra perfeito é um outro exemplo de dificuldade em tradução. Reconhecemos imediatamente a grande importância teológica em se saber que perfeito nem sempre significa absolutamente sem qualquer falha. Exemplo: A palavra perfeito Leia Mt 5:48; 2 Cor 12:9; Gal 3:3; 2 Tim 3:17 Nas passagens acima é traduzida de palavras diferentes no grego. Uma Palavra no Original pode Ser traduzida De Modo Diferente em Português Quando lemos somente o texto em português é difícil imaginar que uma palavra no grego pudesse ter tantas variações no português. Exemplo: Mateus 4:21 - consertando Lucas 6:40 - instruído Romanos 9:22 - preparados Gálatas 6:1 - corrigi-o 1 Pedro 5:10 – aperfeiçoar Uso de Uma Palavra em Português Em primeiro lugar, para achar todas as vezes que uma palavra ocorre na Bíblia, use uma concordância bíblica: 1. Procure a palavra na concordância; 2. Ache e leia todos os versículos onde a palavra é encontrada; 3. Ao mesmo tempo, faça anotações de como a palavra foi usada (anote o contexto do versículo e o significado que lhe foi dado); 4. Organize todos os versículos de acordo com seus significados; 5. Escreva um sumário sobre os vários significados e a importância de cada um. Uso de Repetição de Palavras Muitas vezes um autor pode usar o recurso da repetição de uma palavra importante para dar ênfase. Mt. 28:18-20 – uso da palavra “todo(a)” –usado 4 vezes. Traçando o Significado de uma Palavra 1. Como foi que o autor de um livro usou a palavra? 2. Como foi que o mesmo autor usou a palavra em outros livros? 27 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 3. Como foi que um outro autor usou a mesma palavra? 4. Como é que a palavra foi usada no Velho Testamento? 5. Como é que a palavra é usada no contexto não-bíblico? 6. Qual é a morfologia da palavra? 7. Quais são os antônimos e sinônimos da palavra no original e na língua portuguesa? Nem sempre um dicionário em português poderá dar o sentido de uma palavra bíblica, pois historicamente o significado de uma palavra pode ser diferente da sua morfologia. 8. O que um dicionário bíblico e uma enciclopédia bíblica dizem sobre a palavra? Figuras de Linguagem (as mais importantes) I. Figuras de Comparação A. Símile – Duas coisas diferentes são explicitamente comparadas. 1. Metáfora – a comparação está subentendida (Is. 48:4). B. Representação – Uma coisa é tomada para representar alguma outra. 1. Símbolos – geralmente um objeto material representando um abstrato. É uma metáfora mais universal e emblemática. a) Tipo – um símbolo profético. II. Figuras de Associação A. Metonímia – o nome de um objeto ou conceito é usado para o de outro ao qual ele está relacionado. B. Sinédoque – parte de alguma coisa é falada como se fosse o todo ou o todo pode representar apenas uma parte dele. III. Figuras de Humanização A. Antropomorfismo – usa uma característica humana como atributo de Deus. B. Personificação – usa uma característica das pessoas como atributo de um objeto. IV. Figuras de Ilusão A. Ironia – uma expressão que diz o oposto daquilo que significa na realidade. B. Hipérbole – um exagero para causar impressão. V. Perguntas retóricas – perguntas para a afirmação de uma verdade; a resposta é óbvia para os ouvintes. VI. Expressões Idiomáticas – próprias de um grupo, pessoa, ou língua específica – não podem ser bem traduzidas. A. Omissão B. Charadas C. Fábulas D. Eufemismo – narração incompleta Identificação da Linguagem Figurada Primeira regra: A linguagem bíblica deve ser tomada o mais literal possível, a menos que exista uma dessas três fortes razões para ser considerada figurada: 1. Se a passagem for obviamente irracional, não razoável ou absurda, se tomada literalmente, pode-se inferir que seja uma figura de linguagem. 28 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton 2. O contexto pode indicar se a linguagem for figurada. 3. Se houver uma contradição com passagens mais claras e fortes das Escrituras, é bom se perguntar se a passagem deve ou não ser tomada literalmente. Segunda regra: o ponto de vista do autor e dos “receptores” originais, não a nossa própria percepção, devem controlar nossa compreensão daquilo que seja apropriadamente literal ou figurado. Faça uma análise sintática do texto a estudar. A N Á L I S E S I N T Á T I C A Palavras individuais não são suspensas no ar isoladamente, mas ligadas a outras palavras para expressar idéias. O estudo morfológico é importante para se determinar o significado de uma passagem. Porém, junto com a morfologia deve haver também a análise sintática. Existem dois elementos na análise sintática: a sentença e o contexto. A unidade básica numa estrutura de idéias completas é a oração ou sentença. Porém essa sentença é ligada a outras. Então, para se determinar a idéia de cada sentença, devemos considerar o contexto em que elas se encontram. As idéias na Bíblia não são determinadas pela estrutura gramatical da língua portuguesa e sim da língua original (no Novo Testamento, o grego; no Velho Testamento, o hebraico). Na maioria das vezes, a leitura do texto em português é suficiente para analisar a estrutura gramatical e identificar como fluem as idéias. A estrutura básica de uma sentença é composta por sujeito e predicado. Para se saber como as idéias fluem numa passagem é importante fazer-se várias perguntas sobre toda a unidade de pensamento: 1. O quê ou quem é o sujeito principal (o agente de ação)? 2. Que ação fez o sujeito (o verbo)? 3. O quê ou quem é o recipiente da ação (objeto direto ou indireto)? 4. Como as diferentes partes da idéia têm sido modificadas por umapalavra ou frase (adjetivos - toda palavra que modifica a compreensão do substantivo - e advérbios - toda palavra que modifica a compreensão do verbo, do adjetivo ou outro advérbio). 5. Quais são os relacionamentos entre as várias partes do pensamento? Preposições (para, antes, depois, por), conjunções (e, mas, entretanto, se, porém, “agora, porém”, também, da mesma forma, portanto, assim pois, etc.) e interjeições indicam relacionamento. Conjunções são extremamente importantes. Alguns indicam continuidade de pensamento, outros contraste e ainda outros, condição. “Se” – condição – Dt 28:1-3, 13, 15 Quando vemos uma frase que se inicia por uma conjunção, devemos voltar ao contexto anterior para interpretarmos corretamente a sentença. Alguns exemplos: “entretanto”, “porém”, “agora, porém”, “mas” – contraste – Jo. 8:1 cf. 7:32b, 45; Rm. 7:6; Mt. 1:19 (ARA); Mt. 6:20 (NVI) “também”, “da mesma forma” – continuidade – Rm. 8:26) 6. Como a idéia-chave se relaciona com as idéias antes ou depois? 6º P ri n cí pi o 29 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Compare esta passagem a outras passagens na Bíblia. O melhor intérprete da Bíblia é ela mesma. Para melhor entender um texto precisamos compará-lo com outros textos que possam esclarecer aquele que estamos estudando. 1. Existe algum outro texto paralelo a este que pode nos dar mais informações ou nos ajudar a melhor entender o texto? Nos evangelhos encontramos muitos textos paralelos. Estudando estes paralelos nos dará mais informações e uma visão mais ampla. Veja a cura de um paralítico em Mt. 9:1-8; Mc. 2:1-12 e Lc. 5:17-26. As diferentes passagens dão informações suplementares. Existem muitos trechos paralelos entre os livros de Crônicas e os livros de Samuel e Reis. 2. Existe algum outro texto que se contrasta com este? Exemplo: veja a obediência e coragem de Saul no capítulo 11 de 1 Samuel contrastada com a desobediência e temor de Saul em 1 Samuel 13:1-15. 3. Existe algum outro texto que nos dá um pano de fundo ou informações suplementares sobre o nosso texto? Exemplo: Para melhor compreender o texto de Hebreus 7:18 – 8:6 é necessário conhecer a Antiga Aliança do Antigo Testamento, o sistema de sacerdotes e sacrifícios desta aliança, e conhecer a morte de Jesus, detalhada nos Evangelhos. Para se achar outras passagens relacionadas com o texto em questão é necessário usar ajudas tais como: chave bíblica, dicionário bíblico, enciclopédia bíblica, Bíblias de estudo, etc. Observe como o texto contribui ao ensino bíblico da doutrina com a qual está relacionado. Não podemos formular uma doutrina baseada em uma só passagem. Precisamos entender o que a Bíblia toda ensina a respeito de um determinado assunto. Para compreendermos isto, precisamos estudar todas as passagens bíblicas que lidam com este assunto e depois poderemos articular uma posição doutrinária. Organizar o estudo bíblico por assuntos é o que chamamos de teologia sistemática. Objetivo do estudo da teologia sistemática: O objetivo da teologia sistemática não é para adquirirmos mais conhecimento, mas para mudarmos o nosso comportamento. Deus não está tão interessado no que eu sei, mas em como vivo. Motivação para o estudo da teologia sistemática: A motivação do nosso estudo deve ser a aplicação do que aprendemos à nossa vida. A atitude que devemos ter no estudo da teologia sistemática: humildade. Esta humildade em relação às doutrinas bíblicas é o resultado do reconhecimento de que: 1) a revelação de Deus é somente parcial (Ele não nos revelou tudo que Ele sabe), 2) nós somos finitos (e temos dificuldades para entendermos o que é infinito), 3) somos seres pecadores e imperfeitos, 4) precisamos de uma mente aberta, e 5) devemos estar prontos a obedecer. 7º P ri n cí pi o 8º P ri n cí pi o 30 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Princípios para a construção de uma teologia sistemática: 1. Baseie a doutrina em uma exegese sólida de cada texto. 2. Baseie a doutrina na Bíblia toda. As passagens bíblicas devem ser localizadas e organizadas. A doutrina deve ser sistematizada, levando em consideração a sua relação com outras doutrinas bíblicas. As passagens não têm todas a mesma importância na formação de uma doutrina. o As passagens claras têm prioridade sobre as passagens obscuras. o Maior peso é dado a um ensinamento que é repetido diversas vezes. o A preferência deve ser dada às passagens que contêm ensino direto e literal. o Revelação posterior tem preferência sobre revelação anterior na construção de uma doutrina. Devemos lembrar que a revelação de Deus foi progressiva. Ensinamentos mais tardios tendem a ser mais completos. 3. Baseie a doutrina somente na Bíblia. Somente a Bíblia contém verdade e autoridade absolutas. Não se baseie em inferências; isto é, presumir que a Bíblia ensina tal ou tal coisa que não é expressamente dito, ou seja, “ler entre as linhas”. Não se baseie na tradição. Às vezes a tradição pode ser útil ao nosso estudo, mas não deve servir como nossa base. Não se baseie em dados obtidos de outras fontes extra bíblicas. Elas não são inspiradas por Deus. Doutrina bíblica deve refletir os destaques dados pela própria Bíblia. Quando existir uma contradição aparente com o resto das Escrituras, procure uma explicação plausível. Como cremos que a Bíblia é inspirada por Deus e verdadeira em todas as suas partes, quando surge uma afirmação na Bíblia que aparenta estar em contradição com outras passagens bíblicas, temos que procurar uma explicação plausível. Nós podemos usar a Bíblia com confiança, pois Jesus também usou as Escrituras com confiança. Problemas históricos: Algumas passagens paralelas, tanto no Antigo Testamento quanto nos Evangelhos, parecem ter narrativas contraditórias. 1. Não é necessário que as palavras em passagens paralelas sejam idênticas para que sejam corretas. Diferentes autores podem ter usado palavras diferentes com o mesmo sentido. 2. O propósito de um autor pode ser diferente de outro, portanto um autor pode relatar alguns detalhes que outro autor não menciona. 3. Jesus disse e fez coisas semelhantes em ocasiões diferentes. Às vezes estas diferentes ocasiões podem ser confundidas. 4. Os costumes para a redação de registros históricos nas épocas bíblicas não são os mesmos dos nossos hoje em dia. 5. Existem erros de copistas nos manuscritos, apesar de serem relativamente poucos. Estes erros que poderiam afetar o significado de uma passagem caberiam todos em uma só pagina e nenhuma delas afeta qualquer doutrina fundamental. 6. Existem citações do Antigo Testamento no Novo Testamento que não batem com a passagem citada. A maioria das citações provem da Septuaginta (uma tradução das Escrituras hebraicas em grego) que era a forma mais popular das escrituras nos dias de Jesus. 9 º P ri n cí p i o 31 Hermenêutica 2011 Prof.: Pr. Kenneth Eagleton Às vezes não existe uma intenção de citar palavra por palavra do versículo do Antigo Testamento; simplesmente citavam a idéia do versículo. Deus, como inspirador da Bíblia, tem o direito de dar o seu próprio sentido para as passagens do Antigo Testamento. Possíveis Discrepâncias com Outros Documentos Históricos: Quando a Bíblia e outro documento histórico não concordam, temos que dar preferência à Bíblia por várias razões: 1. Os outros documentos históricos não são inspirados. 2. Existem muitos mais manuscritos antigos (cópias) da Bíblia que atestam à sua autenticidade do que de qualquer outro documento histórico. 3. A arqueologia vem constantemente confirmando as afirmações da Bíblia. Alegação de Discrepância com a Teoria Científica: Como Deus é o Criador e o “Pai da ciência”, não pode existir discrepância real entre a Bíblia e a ciência. 1. A Bíblia não foi dada como um livro texto. Muitas coisas relatadas na Bíblia que tocam na área
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