Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE FARMÁCIA MARCELA MELLO AVELLAR ANÁLISE DO ENVOLVIMENTO DO GENE vc0489, MEMBRO PUTATIVO DO REGULON PHO, NA SÍNTESE DE LIPÍDIOS CONTENDO ORNITINA EM Vibrio cholerae RIO DE JANEIRO 2021 MARCELA MELLO AVELLAR ANÁLISE DO ENVOLVIMENTO DO GENE vc0489, MEMBRO PUTATIVO DO REGULON PHO, NA SÍNTESE DE LIPÍDIOS CONTENDO ORNITINA EM Vibrio cholerae Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em Farmácia. Orientador (a): Wanda Maria Almeida von Krüger Coorientador (a): Carolina Lage Goulart RIO DE JANEIRO 2021 FICHA CATALOGRÁFICA AGRADECIMENTOS A minha família, em especial à minha querida mãe, Luci, sempre disposta a me dar toda ajuda possível. Obrigada por ser a melhor mãe que eu poderia ter e se esforçar para que os anos de graduação e tudo que eu queria fazer fossem possíveis. Eu te amo! Ao meu padrasto, Geferson, por toda preocupação e dedicação, sempre disposto a ajudar e por todas as caronas de volta da faculdade, tarde da noite. À minha amada avó, Delma, que sempre se dedicou a amar, cuidar e educar seu netos. Te amo! E não poderia deixar de agradecer às minhas tias, Luciana, Lucia e Leila (que Deus a tenha em ótimo lugar), por toda a ajuda, carinho e confiança em mim depositadas. Família, sem vocês nada seria possível. Ao meu namorado, Thiago, pelo companheirismo e momentos felizes. Você é muito importante pra mim. Te amo. As minhas orientadoras, Dra. Wanda Maria Almeida von Krüger e Dra. Carolina Lage Goulart, por todos os ensinamentos passados, toda ajuda durante esses anos, tanto aprendizado, e crescimento pessoal e profissional! Wanda esclarecendo minhas dúvidas sempre que necessário e Carol sempre ao meu lado na bancada, me orientando e mesmo estando longe por um período, sou muito grata por toda dedicação à minha orientação. Obrigada por toda a paciência e compreensão. Vocês são, sem dúvidas, meus exemplos profissionais e referência! Ao Dr. Paulo Mascarello Bisch, por todo apoio e oportunidade de fazer parte da Física Biológica do IBCCF. A todos os membros que pertencem ou pertenceram ao Laboratório de Física Biológica: Livia, Camacho, Profª Bia, Matheus, Polyana, Lili, Leandro, Cristóvão, e outros queridos por compartilhar tantos ensinamentos e momentos de descontração. Em especial à Dra. Livia, sempre disposta a complementar minha orientação e aprendizado. As grandes amizades que tive a oportunidade de construir na graduação. Obrigada por compartilharem comigo alegrias, tristezas, cafés e ônibus lotados. Todos vocês foram fundamentais! Inclusive para achar as salas e as saídas do subsolo do CCS. EPÍGRAFE “Não importa o que aconteça, continue a nadar.” (Walters, G.; Procurando Nemo, 2003) RESUMO AVELLAR, Marcela Mello. Análise do envolvimento do gene vc0489, membro putativo do regulon Pho, na síntese de lipídios contendo ornitina em Vibrio cholerae. Rio de Janeiro, 2021. Trabalho de conclusão de curso (graduação), Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021. A bactéria Vibrio cholerae, o agente etiológico da cólera, pode ser transmitida ao homem por ingestão de água ou alimentos contaminados. Ao colonizar o intestino delgado, ela secreta a toxina da cólera levando à perda de eletrólitos para o lúmen intestinal, causando diarreia intensa, vômitos e até morte por desidratação profunda. Outros fatores importantes à patogenicidade da bactéria são produtos de genes expressos sob limitação de fosfato inorgânico (Pi). O fósforo é essencial para os organismos e o Pi é a forma de fósforo solúvel mais utilizada pelas bactérias. Sob limitação de Pi, V. cholerae e outras espécies expressam um conjunto de genes (regulon Pho) regulados pelo sistema PhoB/PhoR. Trabalhos do nosso grupo mostraram que sob limitação de Pi, os fosfolípidos da membrana de V. cholerae são, parcialmente, substituídos por lipídios contendo ornitina (LOs), que não possuem Pi. Em algumas bactérias, a síntese de um LO é catalisada pelas aciltranferases OlsB e OlsA, que adicionam, respectivamente, a primeira e a segunda cadeias acila à molécula de ornitina. Mas em espécies como a Serratia proteamaculans, essa síntese é dependente da aciltransferase bifuncional OlsF, que catalisa as duas etapas de acilação da ornitina. Uma busca no genoma da cepa El tor N16961 de Vibrio cholerae levou a identificação do gene vc0489 como um homólogo de olsF. Como o mecanismo de síntese de LOs em V. cholerae é desconhecido, o objetivo foi verificar o envolvimento do gene vc0489 na síntese de LOs, sob limitação de Pi, expressando-o em Escherichia coli cepa DH5α que não sintetiza LOs sob nenhuma condição. Para isso, um fragmento contendo o gene vc0489 e sua região reguladora foi clonado no plasmídeo pGEM-T Easy gerando o plasmídeo recombinante pGEM.vc0489, utilizado para transformar células eletrocompetentes de DH5α. As células de DH5α.pGEM.vc0489 foram cultivadas em meio definido sob limitação (MGLP) e abundância (MGHP) de Pi. A análise de proteínas celulares e de lipídios totais, detectou nas células da DH5α.pGEM.vc0489 cultivadas em MGLP, uma proteína identificada por espectrometria de massas como uma “hemolisina” VC0489, da família das acetiltransferases de V. cholerae e um novo lipídio contendo ornitina, sugerindo o envolvimento da proteína VC0489 na síntese do LO. Alinhamento das sequências de VC0489 de V. cholerae com as de outras enzimas envolvidas na síntese de LOs em bactérias, constatou que VC0489 tem alta identidade e similaridade com a OlsF de Serratia proteamaculans, caracterizada como uma aciltransferase bifuncional. Além disto, mostrou que ambas apresentam atividades N- aciltransferase no domínio C-terminal e O-aciltransferase no N-terminal. A correlação entre a síntese de LOs e a expressão de vc0489 em V. cholerae, em resposta à privação de Pi e de maneira dependente do sistema PhoB/PhoR, foi comprovada em um ensaio de retardo de mobilidade eletroforética, indicando regulação direta da expressão do gene pelo sistema PhoB/PhoR de V. cholerae. Portanto, os dados deste trabalho indicam que vc0489 codifica uma proteína homóloga a OlsF e que deve ser um novo membro do regulon Pho da bactéria. Palavras-chave: Vibrio cholerae, regulon Pho, sistema PhoB/PhoR, lipídios de ornitina, fosfato inorgânico, proteínas, patogenicidade. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Amp Ampicilina AMP Monofosfato de adenosina ATP Trifosfato de adenosina BlastP Basic Local Alignment Search Tool Protein bp (base pair), Par de base CL (Cardiolipin), Cardiolipina CT (Cholera toxin), Toxina colérica CVEC (Conditionally viable environmental cells), Células ambientais condicionalmente viáveis DTT Ditiotreitol EDTA Ácido etilenodiamina tetracético EMSA (Electrophoretic mobility shift assay), Ensaio de retardo de mobilidade eletroforética ESI (Electrospray ionization), Ionização por eletropulverização HK (Histidine kinase), Histidina quinase HP (High [phosphate]), Alta [fosfato] kb quilobase kDa quiloDalton kV quilovolt LB (Lysogeny broth), Meio de cultura nutricionalmente rico LO Lipídio contendo ornitina LOL Lipídio-l-ornitina LP (Low [phosphate]), Baixa [fosfato] LPS Lipopolissacarídeo MG MOPS glicose, Meio definido MGHP (MOPS glucose high [phosphate]), Meio definido MG com alta [fosfato] MGLP (MOPS glucose low [phosphate]), Meio definido MG com baixa[fosfato] MOPS (3-[N-morpholino] propanesulfonic acid), Ácido 3-[N-morfolino] propano sulfônico MS/MS (Tandem mass spectrometry), Espectrometria de massas em sequência MW (Molecular weight), Massa molar NCBI National Center for Biotechnology Information OCV (Oral cholerae vaccine), Vacina oral contra a cólera OD / DO (Optical density), Densidade óptica PAGE (Polyacrylamide gel electrophoresis), Eletroforese em gel de poliacrilamida PBS (Phosphate-buffered saline), Solução salina tamponada PCR (Polymerase chain reaction), Reação em cadeia da polimerase PDB Protein Data Bank PE (Phosphatidyl ethanol amine), Fosfatidiletanolamina PG (Phosphatidyl glycerol), Fosfatidilglicerol Pi Fosfato inorgânico PykF (Pyruvate kinase F), Piruvato cinase Q Quadrupolo Rc Domínio receptor Rg Domínio regulador rpm Rotações por minuto RR Proteína reguladora da resposta RT-qPCR (Real-time quantitative polymerase chain reaction), PCR quantitativo em tempo real SDC Sistema de dois componentes SDS (Sodium dodecyl sulfate), Dodecil sulfato de sódio SOB (Super optimal broth), Meio de cultura rico SR Estreptomicina TAE Tris-acetato-EDTA, Tampão de eletroforese TCP Pilus co-regulado com a toxina TLC (Thin-layer chromatography), Cromatografia em camada fina VBNC (Viable but not cultivable), Viável mas não cultivável SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………….....11 1.1 A cólera e o Vibrio cholerae ............................................................................................... 11 1.2 Sistema de dois componentes PhoB/PhoR: resposta aos níveis de fosfato inorgânico (Pi) no meio extracelular ...................................................................................................................... 14 1.3 Lipídio contendo ornitina (LO) ........................................................................................... 17 2 OBJETIVOS ............................................................................................................................. 20 2.1 Objetivo geral ..................................................................................................................... 20 2.2 Objetivos específicos .......................................................................................................... 20 3 MATERIAL E MÉTODOS ..................................................................................................... 21 3.1 Cepas bacterianas e plasmídeos, meio de cultura, condições de cultivo ............................ 21 3.2 Métodos genéticos .............................................................................................................. 22 3.2.1 Preparação de DNA cromossomal e plasmidial e análise por eletroforese ................. 22 3.2.2 Reações de amplificação por PCR, digestão e ligação de DNA ................................. 23 3.2.3 Células competentes e transformação ......................................................................... 24 3.3 Análise e identificação de proteínas ................................................................................... 25 3.3.1 Extração de proteínas (lisado total) ............................................................................. 25 3.3.2 Análise eletroforéticas de proteínas (SDS-PAGE) ..................................................... 26 3.3.3 Identificação de proteínas de interesse por espectrometria de massas ........................ 26 3.4 Análise e identificação do perfil lipídico ............................................................................ 27 3.4.1 Extração de lipídios ..................................................................................................... 27 3.4.2 Análise de lipídios por cromatografia em camada fina (TLC) ................................... 28 3.5. Análises de similaridade entre proteínas ........................................................................... 28 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................. 29 4.1 Construção de um plasmídeo carreando o gene vc0489 e sua região reguladora ............... 29 4.2 Perfis proteicos das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 de E. coli cultivadas sob limitação e abundância de Pi ......................................................................................................... 32 4.3 Perfis lipídicos das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 de E. coli cultivadas sob limitação e abundância de Pi ......................................................................................................................... 35 4.4 Caracterização funcional de VC0489 por bioinformática .................................................. 36 4.5 Cinética de crescimento das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 de E. coli sob limitação e abundância de Pi ............................................................................................................................ 41 4.6 Envolvimento do sistema PhoB/PhoR na expressão de vc0489 e na síntese de LOs em V. cholerae ......................................................................................................................................... 42 5 CONCLUSÕES ......................................................................................................................... 44 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 45 ANEXO ......................................................................................................................................... 54 11 1 INTRODUÇÃO 1.1 A cólera e o Vibrio cholerae A cólera é uma doença infecciosa aguda causada por algumas cepas de Vibrio cholerae que colonizam o trato intestinal do hospedeiro após ingestão de água ou alimentos contaminados com a bactéria. As manifestações clínicas variam desde infecções assintomáticas até casos graves com diarreia profusa e consequente perda de grandes quantidades de água e eletrólitos, o que pode levar à acidose, desidratação rápida e colapso circulatório (BARUA, 1992; SACK e cols., 2004). Portanto, se não tratados prontamente, os infectados podem ir a óbito em poucas horas após o aparecimento dos sintomas. A bactéria V. cholerae (Fig. 1) é um bacilo Gram-negativo com flagelo polar único, anaeróbio facultativo, que foi primeiramente identificada por Filippo Pacini, em Florença, Itália, em 1854, durante uma epidemia de cólera na cidade (HOWARD-JONES, 1984; BENTIVOGLIO e PACINI, 1995). Figura 1 - Micrografia de Vibrio cholerae. Bactéria em forma de vírgula. (http://www.fiocruz.br/ccs/estética/colera.htm) Grande parte das cepas de V. cholerae não é patogênica ao homem. Entre os mais de 200 sorogrupos, identificados com base em diferenças na estrutura do antígeno O do lipopolissacarídeo (LPS), apenas O1 e O139 são associados a epidemias de cólera (CHATTERJEE e CHAUDHURI, 2003). As cepas do sorogrupo O1 são classificadas em dois biotipos: clássico e El Tor. Essa classificação é baseada em diferenças fenotípicas tais como susceptibilidade a certos bacteriófagos, 12 sensibilidade à polimixina B, capacidade de aglutinar sangue de galinha e produção de acetoína como produto da fermentação de glicerol (teste de Voges–Proskauer) (CHATTERJEE E CHAUDHURI, 2003). A cepas do sorogrupo O1, dos biotipos El Tor e clássico, ainda podem ser subdivididas em três sorotipos diferentes, denominados Ogawa, Inaba e Hikojima, dependendo de pequenas alterações na estrutura do antígeno O do LPS (FINKELSTEIN, 1996). Os reservatórios naturais de V. cholerae são ambientes aquáticos, como águas superficiais doces ou salobras, na quala bactéria sobrevive livremente, em microcôlonias ou em biofilmes associados à zooplânctons e fitoplânctons ou a superfícies abióticas (Fig. 2) (KIRSCHNER e cols., 2011; ALMAGRO-MORENO e TAYLOR, 2013). O trato intestinal de pacientes de cólera também funciona como reservatório de células virulentas de V. cholerae, que são liberadas em microcolônias no ambiente através das fezes, facilitando o aparecimento de epidemias (Fig. 2) (FARUQUE e cols., 2006; ALMAGRO-MORENO e cols., 2015). A transmissão da bactéria ocorre, primariamente, pela ingestão de água contaminada com fezes ou vômitos de pacientes de cólera ou pelas fezes de portadores assintomáticos ou ainda pela ingestão de alimentos contaminados (Fig. 2) (MINISTÉRIO DA SAÚDE - BRASIL, 2010). 13 Figura 2 - Ciclo de vida e interações do V. cholerae, em que vários estados fisiológicos e interações com habitantes naturais de águas salobras ribeirinhas, estuarinas e costeiras podem ser observados. V. cholerae pode ser encontrada na água na forma de vida livre cultivável ou em estado VBNC (viável mas não cultivável), tal como a CVEC (células ambientais condicionalmente viáveis), em biofilmes em diversas superfícies e em microcolônias de células patogênicas liberadas nas fezes de pacientes com cólera. V. cholerae é sujeito a vários predadores naturais que desempenham um papel crucial na dinâmica das epidemias de cólera, tais como bacteriófagos e protozoários. Além disso, algumas espécies de bactérias têm interações antagônicas com V. cholerae, impedindo seu crescimento em superfícies sólidas. Adaptado de ALMAGRO-MORENO e TAYLOR, 2013. Os bacilos de cepas patogênicas de V. cholerae, ingeridos pelo hospedeiro humano que conseguem escapar da acidez gástrica – a primeira linha de defesa do hospedeiro contra a bactéria – chegam ao intestino delgado. Ali, devem atingir o epitélio intestinal penetrando pela camada viscosa de muco que o reveste e, uma vez lá, se ligam ao epitélio através de adesinas específicas, se multiplicam e iniciam a produção do “pilus co-regulado com a toxina” (TCP), permitindo a formação de microcolônias e produção da toxina colérica (CT) (ALMAGRO-MORENO e cols., 2015). Essa toxina tipo AB5 se liga à membrana plasmática apical das células do intestino delgado 14 a partir de receptores gangliosídicos GM1 pela subunidade B, enquanto a subunidade A é conduzida para o interior da célula, levando à ativação de adenilato ciclase, uma enzima localizada na membrana baso-lateral de células epiteliais. Essa enzima, quando ativada, eleva os níveis celulares de AMP cíclico e a secreção de íons cloreto, causando uma ruptura no equilíbrio fisiológico e fazendo com que seja secretada grande quantidade de líquido, resultando em uma diarreia aquosa intensa (SACK e cols., 2004). Segundo boletim epidemiológico divulgado pela Organização Mundial de Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019), a cólera é um importante problema de saúde pública, muitas vezes negligenciada, sendo endêmica no sul da Ásia e partes da África e América Latina (epidemias recentes no Moçambique e Haiti). Estima-se que a cada ano ocorram cerca de 2,86 milhões de casos e 95.000 mortes e há uma população em risco de cerca de 1,3 bilhões em 69 países endêmicos (ALI e cols., 2015). Medidas de prevenção e controle da cólera consistem principalmente em fornecer água potável e saneamento adequado às populações, bem como vacinas. Três vacinas orais desenvolvidas contra a cólera (OCV) são reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde, e vêm sendo utilizadas para controlar a doença em países endêmicos, bem como contra surtos e emergências (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019; PEZZOLI e cols, 2020). No entanto, as OCVs não são recomendadas para crianças menores de 1-2 anos, gestantes e idosos, e além de não protegerem 100% dos vacinados, oferecem proteção por período limitado. Outrossim, a educação em saúde e boa higiene alimentar são essenciais. Isso inclui a necessidade de sempre lavar as mãos com sabão após a defecação e antes de manusear alimentos ou comer, além de preparar e conservar os alimentos com segurança. Sistemas de vigilância e alerta precoce também são essenciais para a detecção dos primeiros casos de cólera e para rápida implementação de medidas de controle para evitar surtos da doença (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019). 1.2 Sistema de dois componentes PhoB/PhoR: resposta aos níveis de fosfato inorgânico (Pi) no meio extracelular A regulação diferencial da expressão gênica permite adaptação e sobrevivência das espécies bacterianas em diversos ambientes. Durante o seu ciclo de vida, V. cholerae passa por ambientes 15 distintos onde interage com habitantes naturais diversos (Fig. 2) e, para sobreviver, ela tem que se adaptar às condições do meio. Ambientes aquáticos e terrestres são geralmente deficientes em fósforo, um componente da nutrição bacteriana que faz parte da estrutura de macromoléculas importantes à vida, tais como ácidos nucléicos, fosfolipídeos e lipopolissacarídeos (NELSON e cols., 2008). A assimilação de componentes fosforilados do meio garante o suprimento do fósforo necessário ao metabolismo bacteriano e se dá em duas etapas: o transporte desses componentes para dentro da célula e a incorporação do fósforo na molécula de ATP (WANNER, 1993). A fonte de fósforo solúvel mais utilizada por bactérias é o fosfato inorgânico (Pi) ou ânion ortofosfato (PO4³ -) (WANNER, 1993) e a sobrevivência das espécies bacterianas, incluindo V. cholerae, está diretamente relacionada a maneira como a bactéria responde à disponibilidade desse ânion (MONDS e cols., 2001). Geralmente é através de sistemas de transdução de sinal de dois componentes (SDC) que as bactérias respondem às alterações ambientais (Fig. 3). O primeiro componente de um SDC característico é uma proteína sensora (S) transmembranar, sendo seu domínio extracitoplasmático sensor (S) do estímulo externo, e o domínio citoplasmático, transmissor (T), com atividade histidina quinase (HK). O outro componente é uma proteína citoplasmática reguladora da resposta (RR), com domínio amino-terminal receptor (Rc) e o domínio carboxi-terminal, regulador (Rg), que, em geral, se liga ao DNA para regular a expressão de certos genes (GROSS e cols., 1989). Após sentir um estímulo, a atividade histidina quinase de S catalisa a autofosforilação em um resíduo de histidina conservado (H) no domínio T citoplasmático. Esse grupo fosforila é transferido, em seguida, para um resíduo de aspartato (D) conservado, no domínio Rc da proteína RR cognata. A fosforilação de RR, causa alteração conformacional da proteína, que se torna ativa e através do seu domínio Rg interage com sequências específicas a montante de certos genes, em geral, ativando sua transcrição (GAO e STOCK, 2009). Em resposta a baixos níveis de Pi no ambiente, V. cholerae e outras espécies bacterianas expressam um conjunto de genes (regulon Pho), de forma dependente do SDC formado por PhoB (S) e PhoR (RR), cujos produtos estão envolvidos na captação e metabolismo de compostos fosforilados, e em vários outros processos, incluindo virulência (WANNER, 1993; VANBOGELEN e cols., 1996; WANNER, 1996; VON KRÜGER e cols., 1999; PRÁGAI e cols., 2004; VON KRÜGER e cols., 2006). Nesta condição (< 4µM no caso de Escherichia coli), PhoR é fosforilada promovendo a fosforilação de PhoB, que funciona como um regulador transcricional 16 (Fig. 3) (LAMARCHE e cols., 2008). PhoB fosforilada (PhoB~P) forma um dímero que se liga a regiões específicas do genoma, denominadas caixas Pho, localizadas na região reguladora dos genes que compõem o regulon Pho (WANNER, 1993; MAKINO e cols., 1996; DINIZ e cols., 2011). Em V. cholerae, e bactérias de outras espécies, PhoB também regula a expressão de genes que desempenham papéis importantes em processos tais como patogenicidade, formaçãode biofilme, motilidade e resistência a estresses diversos (SUZIEDEKIENE e cols., 1999; VON KRÜGER e cols., 1999; OSORIO e cols., 2004; YUAN e cols., 2005; VON KRÜGER e cols., 2006; LAMARCHE e cols., 2008; PRATT e cols., 2009; SULTAN e cols., 2009; GOULART e cols., 2010; PRATT e cols., 2010; CREPIN e cols., 2011; LERY e cols., 2013; CHEKALAB e cols., 2014). Figura 3 - Regulação da resposta à limitação de Pi em E. coli. Quando há excesso de Pi (> 4µM) ocorre a saturação do sistema de transporte de fosfato Pst e a consequente inibição de PhoR por PhoU. Já sob limitação de Pi (< 4µM), PhoR é ativada por auto fosforilação no resíduo de histidina (H) e transfere o grupo fosforila para o resíduo do ácido aspártico (D) de PhoB. PhoB~P, forma um dímero (PhoB~P)2, e se liga a montante dos genes do regulon Pho, nas caixas Pho (sequências bem conservadas de 18 nucleotídeos), em geral para ativar a transcrição. Adaptado de LAMARCHE e cols., 2008. 17 Entre os genes do regulon Pho de V. cholerae: estão phoB e phoR, que codificam as proteínas do SDC PhoB/PhoR, e outros tais como, o gene vca0033, para uma fosfatase alcalina (PhoA), o gene vca1008, que codifica uma porina (proteína da membrana externa), importante para a colonização intestinal de modelos animais, e vca0906, que codifica uma proteína quimiotáxica, e que é expresso in vivo durante infecção em modelos animais e voluntários (VON KRÜGER e cols., 1999; OSORIO e cols., 2004; OSORIO e cols., 2005; VON KRÜGER e cols., 2006; LOMBARDO e cols., 2007; GOULART e cols., 2010). Estes resultados indicam que o sistema PhoB/PhoR é importante para a sobrevivência de V. cholerae em ambientes aquáticos que, em geral, são deficientes em Pi (NELSON e cols., 2008), e no trato intestinal do hospedeiro colonizado pela bactéria (VON KRÜGER e cols., 2006; LOMBARDO e cols., 2007; GOULART e cols., 2010). 1.3 Lipídio contendo ornitina (LO) Uma das estratégias que as bactérias usam para se adaptar rapidamente e sobreviver às condições ambientais desafiadoras é a alteração da composição lipídica das membranas, componentes-chave do envoltório celular. Os lipídios como fosfatidilglicerol (PG), fosfatidiletanolamina (PE) e a cardiolipina (CL) são os mais importantes constituintes das membranas bacterianas. Porém, já foram descritos outros tipos de lipídios, como os hopanoides, os sulfolipídios e lipídios contendo ornitina (LOs), que podem ser produzidos por algumas espécies de bactérias ou sob condições específicas (VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). Os LOs parecem ser relativamente comuns em eubactérias, sendo sintetizados constitutivamente em algumas espécies. Em outras, no entanto, a síntese ocorre em resposta à limitação de Pi, de forma dependente do SDC PhoB/PhoR (GEIGER e cols., 1999; VENCES- GUZMÁN e cols., 2015), fazendo com que parte dos fosfolipídios das membranas, sejam substituidos por LOs para otimizar o uso de Pi pelas bactérias (WEISSENMAYER e cols., 2002; ZAVALETA-PASTOR e cols., 2010; LEWENZA e cols., 2011; DIERCKS e cols., 2015). Os LOs contêm dois grupos acila derivados de ácidos graxos ligados a ornitina, um diretamente ao grupo α-amino e o outro na posição 3-hidroxi do primeiro grupo acila (Fig. 4). Em alguns casos, essa estrutura básica de LOs pode ser modificada por hidroxilação em diferentes posições e por N-metilação. A presença de LOs e/ou dos LOs modificados nas membranas 18 bacterianas, normalmente, é parte das respostas aos estresses provocados por alterações das condições ambientais (SOHLENKAMP, 2019). A síntese de um LO pode ocorrer por duas vias: (i) catalisada pelas aciltranferases OlsB e OlsA, que adicionam, respectivamente, a primeira e a segunda cadeias acila à molécula de ornitina; (ii) catalisada pela OlsF, uma aciltranferase bifuncional responsável pelas duas etapas de acilação da ornitina. A proteína OlsA pertence ao grupo das O–aciltransferases, enquanto a OlsB pertence à superfamília das acil-CoA N-aciltransferases. OlsB catalisa a primeira etapa da síntese de um LO, na qual ornitina é N-acilada com um resíduo 3-hidroxi-acil-AcpP (acyl carrier protein), gerando o lipídio-l-ornitina (LOL). Na segunda etapa da síntese, o LOL é convertido em LO pela ação da OlsA, que requer um acil-AcpP como doador do segundo grupo acila (WEISSENMAYER e cols., 2002; GAO e cols., 2004; VENCES-GUZMÁN e cols., 2015) (Fig. 4A). A maioria das espécies bacterianas que sintetizam LOs contêm genes olsA e olsB, para as aciltransferases OlsA e OlsB (VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). Em outras espécies, como a Serratia proteamaculans, a síntese de LOs é dependente de OlsF, uma aciltransferase bifuncional que catalisa as duas etapas da síntese (Fig. 4B) (VENCES- GUZMÁN e cols., 2015). Figura 4 – Biossíntese de lipídios contendo ornitina (LOs) em bactérias. Em (A) as enzimas OlsB e OlsA. As enzimas OlsB e OlsA catalisam a adição de duas caudas de grupos acila à molécula de ornitina, sendo a primeira cauda adicionada por OlsB e a segunda por OlsA. Em (B) a aciltransferase bifuncional, OlsF catalisa a adição das duas caudas de grupos acila à molécula de ornitina. Acp: acyl-carrier-protein. Adaptado de GAO e cols., 2004. 19 Estima-se que cerca de 50% das espécies bacterianas sequenciadas sejam capazes de formar LOs, pelo menos sob certas condições de crescimento, via OlsAB ou OlsF. Há evidências de que a produção de LOs é importante para adaptação e sobrevivência de bactérias em ambientes deficientes em fósforo. Em trabalho recente, (KIM e cols., 2018) foi demonstrado que a limitação de Pi causa aumento no nível de LOs nas membranas das células de Pseudomonas aeruginosa, alterando a carga de superfície e a hidrofobicidade, induzindo formação de biofilmes e tornando a bactéria mais resistente a agentes antimicrobianos. Os autores mostraram também que LOs reduzem a virulência da bactéria, interferem com a ligação de macrófagos às células bacterianas, aumentando assim a persistência da bactéria no hospedeiro e o desenvolvimento de infecções crônicas. V. cholerae não possui os genes olsB e olsA, porém um gene homólogo de olsF, o vc0489, foi encontrado no genoma da cepa El Tor, sorogrupo O1, N16961 (VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). Considerando a importância dos LOs para adaptação e sobrevivência de bactérias à ambientes diversos e que muito pouco se sabe sobre sua síntese e funções em V. cholerae, neste trabalho testamos o efeito de privação de Pi na composição lipídica da bactéria e o possível envolvimento do produto de vc0489 na síntese de LO, nessa condição. 20 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Analisar o envolvimento do gene vc0489 da cepa N16961 de V. cholerae na síntese de lipídios contendo ornitina (LOs), sob limitação de fosfato inorgânico. 2.2 Objetivos específicos 2.2.1 Analisar a expressão do gene vc0489 de V. cholerae na cepa DH5α de E. coli sob abundância e limitação de fosfato e verificar sua dependência dos níveis de Pi extracelular. 2.2.2 Analisar o envolvimento de VC0489 na síntese de lipídios de ornitina (LOs) e sua dependência das concentrações extracelulares de Pi. 2.2.3 Analisar a similaridade de sequências entre a VC0489 de V. cholerae e outras enzimas envolvidas na síntese de LOs em bactérias. 2.2.4 Verificar se os LOs nas membranas da cepa DH5α de E. coli influenciam o crescimento sob abundância ou limitação de PI. 2.2.5 Verificar se a expressão de vc0489 de V. cholerae depende diretamente do sistema PhoB/PhoR da bactéria. 21 3 MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Cepas bacterianas e plasmídeos, meio de cultura, condições de cultivo A cepas de V. cholerae e E. coli e os plasmídeos usados neste trabalho estão descritos na Tabela 1. Os meios de cultura utilizados para cultivo das células foram LB (Lysogeny broth; bacto- triptona 1%; extratode levedura 0,5%; NaCl 1%) (SAMBROOK e cols., 1989) e LB-ágar 1,5%. O meio de cultura SOB (bacto-triptona 2%, extrato de levedura 0,5%, NaCl 0,05%, MgCl2 10 mM, pH 7,0) foi utilizado na recuperação de células após transformação por eletroporação. Para o cultivo em concentrações conhecidas de fosfato inorgânico (Pi) foi utilizado o meio definido MG (MOPS-glicose, uma mistura de sais tamponada com MOPS 165 mM pH 7,4, suplementada com glicose 0,04% e tiamina 0,01 M) complementado com KH2PO4 6,5 mM ou 65 µM para crescimento em alta (MGHP) ou baixa (MGLP) concentração de Pi, respectivamente (VON KRÜGER e cols., 1999). Para cultivo nesses meios, as bactérias foram pré-cultivadas em LB e quando as células chegaram à fase exponencial, um volume da cultura foi centrifugado e o sobrenadante descartado. O sedimento celular foi lavado com meio MG uma vez e então ressuspendido em MG. A suspensão foi usada para inocular os meios MGHP e MGLP. Aos meios, quando necessário, foram adicionados antibióticos nas seguintes concentrações finais: ampicilina (Amp) 100 µg/mL e estreptomicina (SR) 50 µg/mL. As condições de cultivo em meio líquido foram: 37° C com agitação constante de 200 rpm. O crescimento bacteriano foi acompanhado através de medidas da DO600nm no espectrofotômetro Ultrospec 3000 (Pharmacia Biotech). Para a construção da curva de crescimento bacteriano em MGHP e MGLP, as células foram cultivadas em 20 mL de cada meio com antibióticos adequados, sob agitação a 37º C. O crescimento foi acompanhado por leituras da DO600nm de cada cultura de 1 em 1 hora durante 8 horas. 22 Tabela 1 - Cepas e plasmídeos utilizados no presente trabalho Cepas / Plasmídeos Descrição Referência V. cholerae N16961SR Mutante resistente à estreptomicina (SRr) da cepa pandêmica N16961 HEIDELBERG e cols., 2000; Estoque do laboratório Escherichia coli DH5α F– φ80lacZΔM15 Δ(lacZYA-argF) U169 recA1 endA1 hsdR17(rK –, mK +) phoA supE44 λ– thi-1 gyrA96 relA1 RALEIGH e cols., 1988; Estoque do laboratório pGEM-T Easy Vetor plasmidial de clonagem de alto número de cópias, carreando o gene de resistência a ampicilina (Ampr) Promega pGEM.vc0489 pGEM-T Easy carreando o gene vc0489 com sua região reguladora (2061 bp) Este trabalho Amp – ampicilina; SR – estreptomicina 3.2 Métodos genéticos 3.2.1 Preparação de DNA cromossomal e plasmidial e análise por eletroforese Para a extração de DNA cromossomal, as células foram cultivadas a 37° C durante a noite em 3 mL de LB com antibiótico(s) e coletadas por centrifugação 12.000 x g por 5 minutos em temperatura ambiente. O DNA bacteriano foi purificado com o Wizard Genomic DNA Purification Kit (Promega), de acordo com as instruções do fabricante. Para as mini-preparações plasmidiais foram usados o PlasmidPrep Mini Spin Kit (GE Healthcare Life Sciences) ou lise alcalina adaptada, como descrito em seguida (SAMBROOK e cols., 1989). As bactérias foram cultivadas em 3 mL de LB com antibiótico(s) a 37° C durante a noite, coletadas por centrifugação 12.000 x g por 5 minutos em temperatura ambiente e o sedimento celular foi ressuspendido em 200 µL de solução 1 (EDTA 10 mM, Tris-HCl 50 mM, pH 8,0). Após a adição de 400 µL de solução 2 (NaOH 200 mM, SDS 1%), a suspensão foi homogeneizada por inversão do tubo (4-6 vezes) e incubada por 5 minutos à temperatura ambiente. Em seguida, foram adicionados 300 µL de solução 3 (acetato de potássio 3 M, pH 5,5), seguido de homogeneização por inversão (4-6 vezes) e incubação em gelo por 5 minutos. Após centrifugação a 14.000 x g por 10 minutos a 4° C, o sobrenadante foi coletado e o DNA foi precipitado pela adição de 0,7 volumes (630 µL) de isopropanol. Após 10 minutos de 23 incubação à temperatura ambiente, a amostra foi centrifugada a 25.000 x g por 30 minutos a 4° C. O sedimento foi ressuspendido em 50 µL de RNase 0,1 mg/mL e incubado por 15 minutos a 37° C. Foram então adicionados 450 µL de água e 500 µL de fenol:clorofórmio equilibrado em Tris- HCl 50 mM, pH 8,0, para extração de RNA e das proteínas ainda presentes na amostra. Após centrifugação a 16.000 x g por 10 minutos a 4° C, a fase aquosa superior contendo o DNA plasmidial foi coletada e o material precipitado pela adição de 2 volumes de etanol 100% gelado e incubação no mínimo 30 minutos a –20° C. A amostra foi centrifugada a 25.000 x g por 30 minutos a 4° C, o sobrenadante foi desprezado e o sedimento lavado com 500 µL de etanol 70% gelado. Após nova centrifugação a 25.000 x g por 15 minutos a 4° C, o sobrenadante foi descartado e o sedimento, após seco a 37º C por 10 minutos, foi ressuspendido em 20 µL de água estéril. A análise dos DNAs cromossomais e plasmidiais foi feita por eletroforese em gel de agarose 0,8-1,0% em TAE 1X (Tris-base 40 mM, ácido acético 40 mM, EDTA 1 mM) (SAMBROOK e cols., 1989). 3.2.2 Reações de amplificação por PCR, digestão e ligação de DNA As reações de amplificação de fragmentos de DNA através da reação em cadeia da polimerase (PCR) foram realizadas com a enzima GoTaq DNA Polimerase (Promega), de acordo com as instruções do fabricante. Foram utilizados o DNA cromossomal da cepa de V. cholerae N16961SR ou plasmídeos recombinantes contendo fragmentos de DNA, como DNA molde. Os oligonucleotídeos iniciadores utilizados neste trabalho (descritos em i, ii e iii) foram desenhados com base na sequência dos segmentos de interesse no genoma de V. cholerae N16961SR. (i) Para amplificar o fragmento de 2061 bp contendo o gene vc0489 (1761 bp) mais sua região reguladora (300 bp) foi utilizado o par de oligonucleotídeos: ● 489proFw (5´ACCCGGGCCGTCTATTCCAGATCAGC 3´) e ● 489expRv (5´ACCCGGGTTAGATATCGCTGAAATATTGG 3`), Ambos contêm à 5´ o sítio da enzima de restrição Sma I ( 5´CCCGGG 3´). O programa utilizado foi: 1x (94º C, 3 minutos); 34x (94ºC, 1 minuto; 55º C, 30 segundos; 72º C, 2 minutos e 30 segundos), 1x (72º C, 5 minutos). (ii) Para amplificar por PCR a sequência da região reguladora do gene vc0489 (300 bp) foi utilizado o par de oligonucleotídeos, também contendo sítios de Sma I à 5´: ● 489proFw (5´ACCCGGGCCGTCTATTCCAGATCAGC 3´) e 24 ● 489proRv (5´ ACCCGGGAGCAACCTCTTATGTGATGG 3`). O programa do PCR foi: 1x (94º C, 3 minutos); 34x (94 ºC, 1 minuto; 55º C, 30 segundos; 72 ºC, 30 segundos), 1x (72º C, 5 minutos). (iii) Para amplificar a sequência da região reguladora do gene vc0489 marcado com biotina (300 bp) foi utilizado o par de oligonucleotídeos: ● 489proBiot (5´ Biotin-ACCCGGGCCGTCTATTCCAGATCAGC 3´) e ● 489proRv (5´ ACCCGGGAGCAACCTCTTATGTGATGG 3`), O programa do PCR foi: 1x (94º C, 3 minutos); 34x (94º C, 1 minuto; 55º C, 30 segundos; 72º C, 30 segundos), 1x (72º C, 5 minutos). Os fragmentos gerados por PCR foram analisados em gel de agarose 1% em TAE (1x) (item 3.2.1) e purificados (GFX PCR DNA and Gel Band Purification Kit; GE Healthcared Life Sciences) antes de serem utilizados. As reações de digestão de DNA com enzimas de restrição foram realizadas de acordo com as instruções dos fabricantes. Para as reações de ligação entre fragmentos de DNA e plasmídeos linearizados foi utilizada a enzima T4 DNA ligase (Promega), em um volume total de 10 µL, de acordo com as instruções do fabricante. 3.2.3 Células competentes e transformação O preparo de células competentes obedeceu a um protocolo clássico, na câmara de fluxo laminar com todos os reagentes gelados, incluindo a cultura bacteriana, e na ausência de fogo. A cepa DH5α de E. coli utilizada nesta etapa foi cultivada durante a noite, a 37º C em 3 mL de LB. Posteriormente, 500 µL de cultura foram transferidos para 50 mL de meio LB e incubados a 37º C até atingir a fase logarítimica, numa DO600nm entre 0,5 e 0,7. Em seguida, a cultura foi coletada por centrifugação 5.000 x g por 10 minutos a 4º C. O sobrenadante foi descartado e o sedimento celular foiressuspendido e lavado em água estéril e gelada, sendo coletado em seguida por centrifugação 5.000 x g por 10 minutos a 4º C. A lavagem com água foi repetida e após nova centrifugação 5.000 x g por 10 minutos a 4º C, o sedimento celular obtido foi ressuspendido em 300 µL de glicerol 10% estéril. A suspensão de células competentes era usada imediatamente (60 µL/transformação) e/ou armazenada em nitrogênio líquido. 25 Para remover sais da mistura de ligação entre DNAs (T4 DNA ligase, no item 3.2.2) foi realizada uma mini-diálise. Para isso, ao final da reação de ligação entre um plasmídeo linearizado e um fragmento de DNA, 5 µL de água estéril foram adicionados a mistura que era colocado sobre um filtro de éster de celulose de 0,025 µm (Millipore) estéril, posicionado sobre a superfície de água destilada estéril em uma placa de Petri também estéril. Após 20 minutos, o volume da ligação era coletado e metade (cerca de 5 µL) foi usada para a transformação de 60 µL de célula competente. Para transformação, as células competentes mais a mistura da reação de ligação foram submetidas à eletroporação (Bio-Rad Gene Pulser; cubeta Gene Pulser™/E. coli eletrodo 0.2 cm) utilizando os seguintes parâmetros: capacitância 25 µFD, resistência 1000 Ω e voltagem 1,5 kV. À suspensão, após eletroporação, foi adicionado 1 mL de meio SOB ou meio LB, seguido de incubação a 37º C por 1 hora. As células foram coletadas por centrifugação 12.000 x g por 4 minutos à temperatura ambiente, suspensas em 100 µL de LB e plaqueadas em meio LB-ágar 1,5%, contendo os antibióticos necessários. As placas foram incubadas a 37° C, para isolamento dos clones bacterianos contendo os plasmídeos recombinantes. 3.3 Análise e identificação de proteínas 3.3.1 Extração de proteínas (lisado total) Após cultivadas em MGHP e MGLP com antibióticos adequados, sob agitação a 37º C, por 5 horas (item 3.1), um volume de células de cada cultura, correspondente a DO600nm de 0,5, foi coletado por centrifugação a 16.000 x g por 4 minutos e o sedimento foi ressuspenso em 20 µL de PBS (NaCl 140 mM; KCl 2,7 mM; Na2HPO4 8 mM; KH2PO4 1,5 mM, pH 7,4) e 20 µL de tampão de amostra 2X (Tris–HCl 0,1 M pH 6,8, glicerol 20%, SDS 4%, azul de bromofenol 0,2%, DTT 122 mM) (SAMBROOK e cols., 1989). As amostras foram incubadas a 100° C por 5 minutos e em seguida centrifugadas a 16.000 x g por 10 minutos. Os sobrenadantes foram usados na análise das proteínas totais das células e/ou estocados em congelador (- 20º C) para análises futuras. 26 3.3.2 Análise eletroforéticas de proteínas (SDS-PAGE) As amostras proteicas (7 µL de cada), preparadas como descrito acima (item 3.3.1), foram analisadas por eletroforese em gel de poliacrilamida (9 x 5,5 cm) 12,5% com SDS (separação: Acrilamida Bis 1,6 %, Tris-HCl pH 8,8 1,5 M, água, SDS 10%, PSA 10%, TEMED; stacking: Acrilamida Bis 5%, Tris-HCl pH 6,8 1,5 M, água, SDS 10%, PSA 10%, TEMED) em tampão Tris– glicina/SDS (glicina 38 mM; Tris base 5 mM; SDS 0,1%) a 100 V (LAEMMLI, 1970). Após a eletroforese, as proteínas no gel foram coradas com azul Coomassie G-250 coloidal (NEUHOFF e cols., 1988). Para isso, o gel foi incubado em solução de fixação (etanol 30% e ácido fosfórico 2%) por no mínimo 1 hora, com agitação, a temperatura ambiente. A solução foi descartada e o gel foi lavado rapidamente com solução de ácido fosfórico 2%. Em seguida, o gel foi tratado com a solução corante (etanol 18%, sulfato de amônio 15%, ácido fosfórico 2% e azul de Coomassie G- 250 0,02%), por 72 horas, sob agitação, à temperatura ambiente, com movimentos suaves. 3.3.3 Identificação de proteínas de interesse por espectrometria de massas A banda contendo a proteína de interesse foi removida do gel de poliacrilamida (item 3.3.2) com auxílio de uma lâmina, fragmentada e transferida para um microtubo de 1,5 mL, previamente lavado 2 vezes com metanol e água destilada. Os fragmentos foram lavados com 1 mL de acetonitrila 50% em NH4HCO3 25 mM pH 8,0 e tratados com solução de ditiotreitol (DTT) 10 mM em NH4HCO3 25 mM, por 1 hora a 56° C e, então, com iodoacetamida 55 mM em NH4HCO3 25 mM por 45 minutos, a temperatura ambiente, no escuro. Após lavados novamente com 1 mL de acetonitrila 50% em NH4HCO3 25 mM pH 8,0, os fragmentos foram transferidos para um tubo contendo 25 µL de acetonitrila 100%, que foi submetido a vácuo (Speed-Vac) por 20 minutos. Para digestão proteica, os fragmentos secos foram incubados com 25 µL de tripsina (Porcine Tripsin, Promega) em 10 mg/mL em NH4HCO3 25 mM, pH 8,0, a 37º C, durante a noite. Os peptídeos trípticos foram extraídos por duas incubações sucessivas com 50 µL de solução contendo acetonitrila 50% e ácido trifluoracético 5%, por 30 minutos, a temperatura ambiente, com agitação. A mistura resultante da extração foi transferida para um tubo limpo e o volume foi reduzido em 27 concentrador a vácuo (Speed-Vac), por alguns minutos, até aproximadamente 5 µL (SHEVCHENKO e cols., 1996). Os fragmentos proteicos foram então purificados em coluna de C18, composta de um volume pequeno de resina (Empore™, 3 M) compactada na extremidade estreita de uma ponteira de 10 µL com o auxílio de um arame de espessura fina. A coluna foi equilibrada com 20 µL de ácido trifluoroacético 0,1%. Em um tubo eppendorf, a amostra (5 µL) foi misturada a 1 µL de ácido fórmico e aplicada na ponteira sobre a resina. Posteriormente, a coluna de C18 foi lavada com 20 µL de ácido trifluoroacético 0,1% e a amostra foi eluída da resina em 20 µL de acetonitrila 50% para novo tubo lavado, previamente em metanol e água destilada. O produto foi seco a vácuo (Speed-Vac) e estocado a -20° C. Os peptídeos foram analisados por espectrometria de massas no aparelho ESI-Q-Tof Micro (Waters Corporation, USA) acoplado a NanoUPLC (Nano Ultra Performance Liquid Chromatography-nano ACQUITY Waters). A identificação das proteínas na amostra foi realizada com o programa Mascot. (http://www.matrixscience.com), utilizando os dados de MS/MS para realizar a busca contra o banco de dados NCBI limitado a bactérias. 3.4 Análise e identificação do perfil lipídico 3.4.1 Extração de lipídios Para o preparo das amostras lipídicas, as células foram cultivadas em 10 mL de MGHP e MGLP com antibióticos adequados, sob agitação a 37º C, por 5 horas (item 3.1). As células foram coletadas por centrifugação 12.000 x g por 10 minutos à temperatura ambiente e cada sedimento celular foi suspendido em 300 µL de PBS. A extração de lipídios foi realizada em tubos de vidro previamente lavados com metanol e clorofórmio, seguindo o método de Bligh e Dyer (1959). Utilizando microseringa (Hamilton), aos 300 µL da suspensão celular foram adicionados 750 µL de metanol e 375 µL de clorofórmio. Em seguida, as misturas foram homogeneizadas vigorosamente em agitador do tipo Vortex (2 x 30 segundos) e a cada uma foram adicionados 25,2 µL de solução de ácido clorídrico 6 M e 375 µL de clorofórmio. Posteriormente, as amostras foram novamente homogeneizadas (2 x 30 segundos) e a cada uma foram adicionados 375 µL de água estéril. Foram realizadas 3 extrações de fase 28 orgânica a partir de mesma fase aquosa. Após homogeneização (2 x 30 segundos) e centrifugação a 5.000 x g por 10 minutos a 10º C, entre cada extração, a fase orgânica de cada preparação foi coletada para um novo frasco de vidro. A fase orgânica das 3 extrações de cada amostra foi reunida no mesmo frasco, seca sob fluxo de nitrogênio e armazenada a -20º C. 3.4.2 Análise de lipídios por cromatografia em camada fina (TLC) Para realizar a TLC (Thin-layer chromatography), as amostras secas foram ressuspendidas em cerca de 100 µL de clorofórmio e uma alíquota de 20 µL de cada preparação foi aplicada cuidadosamente em uma cromatofolha de sílica gel/alumínio (sílica gel 60, Merck). Posteriormente, a placa foi inserida em uma cuba de cromatografiaTLC, com um papel de filtro ocupando as paredes internas, e contendo a mistura de solventes constituída de 65 mL de clorofórmio, 25 mL de metanol e 4 mL de água. Após tempo necessário para que o solvente chegasse a alguns milímetros da extremidade superior da placa, essa foi retirada da cuba e seca completamente. Em seguida, a placa seca foi pulverizada com solução de ninidrina (1 mg/mL-1 ninidrina em butanol saturado com água) e submetida a aquecimento em chapa aquecedora para visualização dos lipídios. As manchas lipídicas evidentes na placa foram marcadas a lápis para posterior identificação do perfil lipídico (FUCHS e cols., 2011). 3.5. Análises de similaridade entre proteínas A sequência de aminoácidos de cada proteína em estudo foi obtida em banco de dados (Protein Data bank - PDB) e o programa BlastP (www.ncbi.nlm.nih.gov) foi usado para analisar similaridade de sequências entre as proteínas de interesse e calcular a significância estatística das correspondências. O BlastP também foi usado para inferir relações funcionais entre sequências. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ 29 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Construção de um plasmídeo carreando o gene vc0489 e sua região reguladora Para avaliar o envolvimento do produto do gene vc0489 na síntese de LOs em V. cholerae, um fragmento do DNA cromossomal da cepa N16961, contendo o gene e uma sequência de sua região reguladora, foi clonado no vetor pGEM-T Easy (item 3.2.1 e 3.2.2). O fragmento de 2061 bp, contendo o gene vc0489 (1761 bp) e sua região reguladora (300 bp) foi amplificado por PCR, usando o DNA cromossomal da cepa de V. cholerae N16961 como molde (item 3.2.2), e seu tamanho e integridade foram confirmados por eletroforese em gel de agarose 1% em TAE 1 x (Fig. 5). Figura 5 - Análise eletroforética do DNA cromossomal da cepa de V. cholerae N16961 e do fragmento de DNA contendo o gene vc0489 e região reguladora (2061 kb), gerado por PCR, utilizando o DNA cromossomal como molde e os oligonucleotídeos 489proFw e 489expRv (itens 3.2.1 e 3.2.2). Padrão de peso molecular 1kb DNA Ladder (Promega); gel de agarose 1% em TAE 1X. Após removido do gel e purificado (item 3.2.2), o fragmento de DNA contendo o gene vc0489 e região reguladora (2061 bp) foi ligado ao plasmídeo pGEM-T Easy linearizado (Ampr; Tabela 1), de acordo com as instruções do fabricante (Promega). O produto da reação foi usado 30 para transformar células competentes de cepa DH5α de E. coli, que foram selecionadas em placa de LB-ágar contendo ampicilina (item 3.2.3). Células de oito colônias foram analisadas quanto à presença de plasmídeos, e em sete delas, plasmídeos com a mesma mobilidade eletroforética foram encontrados. Figura 6 - Análise eletroforética do DNA plasmidial extraído de duas colônias (1 e 2) da cepa DH5α de E. coli, possivelmente positivas para o plasmídeo recombinante pGEM.vc0489. Gel de agarose 1% em TAE 1X. Plasmídeos de duas colônias (1 e 2) foram selecionados aleatoriamente (Fig. 6) para digestão com a enzima de restrição Sma I (item 3.2.2), que reconhece a sequência 5´-CCCGGG- 3´, presente nas extremidades 5´ dos oligonucleotídeos 489proFw e 489expRv, utilizados para a amplificação do fragmento clonado no pGEM-T Easy. Nessa digestão eram esperados dois fragmentos de DNA, um de cerca de 2,0 kb, correspondente ao gene vc0489 e sua região reguladora, e outro de cerca de 3,0 kb, correspondente ao plasmídeo linearizado. Entretanto, os fragmentos gerados na digestão de ambos os plasmídeos apresentaram mobilidades eletroforéticas correspondentes, respectivamente, às dos fragmentos de 3,0 kb e 5,0 kb do padrão de 1,0 kb (Fig. 7). 31 Figura 7 - Análise eletroforética do produto da digestão de plasmídeos extraídos de duas colônias distintas de DH5α (1 e 2), contendo supostamente o plasmídeo recombinante pGEM.vc0489, com a enzima Sma I. Padrão de peso molecular 1kb DNA Ladder (Sigma). Gel de agarose 1% em TAE 1X. Para esclarecer a dúvida, o DNA plasmidial isolado da colônia 2 (Fig. 6) mais os oligonucleotídeos 489proFw e 489expRv foram usados em um teste de PCR (item 3.2.2). Análise eletroforética do produto da reação mostrou uma banda de cerca de 2,0 kb, indicando que o fragmento contendo o gene vc0489 e sua região reguladora, foi clonado no pGEM-T Easy, como esperado (Fig. 8). O plasmídeo recombinante foi denominado pGEM.vc0489 e células de DH5α contendo o plasmídeo (DH5α.pGEM.vc0489) foram armazenados em nitrogênio líquido para os experimentos subsequentes. 32 Figura 8 - Análise eletroforética do fragmento de DNA gerado no teste de PCR utilizando o DNA plasmidial isolado de células do clone 2 de DH5α (Fig. 6) como molde e os oligonucleotídeos 489proFw e 489expRv (item 3.2.2). Padrão de peso molecular 1kb Ladder (Promega); gel de agarose 1% em TAE 1X. Quanto a mobilidade eletroforética alterada dos fragmentos de digestão do pGEM.vc0489 no gel da Figura 7, é possível que seja devido a presença de sal na mistura da reação, uma vez que a amostra foi aplicada no gel, antes de passar por uma etapa de precipitação para purificar os produtos da digestão. Sabe-se que sal pode causar uma anomalia na migração dos fragmentos de DNA em gel de agarose, pois pode afetar a corrente que passa pelo gel e também o estado de carga dos ácidos nucléicos (HA e cols., 1999). 4.2 Perfis proteicos das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 de E. coli cultivadas sob limitação e abundância de Pi E. coli é uma espécie bacteriana que não produz LOs (GEIGER e cols., 2010). Assim sendo, a cepa DH5α.pGEM.vc0489 foi usada para verificar se haveria expressão heteróloga do gene vc0489 com produção de LO e se esse processo seria dependente dos níveis extracelulares de Pi, como observado em Sinorhizobium meliloti e Serratia proteamaculans (GEIGER e cols., 1999; VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). Inicialmente, células de DH5α.pGEM.vc0489 e de DH5α (controle negativo), foram cultivadas em meio MG com alta (MGHP) ou baixa (MGLP) concentração de Pi (item 3.1), https://www.future-science.com/doi/10.2144/99263bm11 33 condições estas definidas previamente para V. cholerae (VON KRÜGER e cols., 1999). Lisados totais das células dessas culturas foram preparados (3.3.1) e as proteínas foram analisadas por SDS- PAGE (item 3.3.2) (Fig. 9). Figura 9 - Perfis eletroforéticos de proteínas dos lisados totais de células de DH5α e DH5α.pGEM.vc0489, cultivadas em MGLP (LP) e MGHP (HP). A banda protéica entre 50 e 75 kDa (marcada com uma seta azul, à direita) e presente apenas no lisado de DH5α.pGEM.vc0489 cultivada em MGLP, foi extraída do gel para identificação por espectrometria de massas (item 3.3.3). Padrão de proteínas (kDa), Broad Range Protein Molecular Weight Markers (Promega). SDS-PAGE em gel de poliacrilamida 12,5% corado com azul de Coomassie G-250 (item 3.3.2). O perfil proteico das células de uma mesma cepa varia com o meio de cultura. Isto pode ser observado ao compararmos os perfis de células de DH5α e de DH5α.pGEM.vc0489, cultivadas em MGHP e MGLP (Fig. 9). Além disto, é possível observar diferenças entre os perfis das proteínas das células de DH5α e de DH5α.pGEM.vc0489, cultivadas em um mesmo meio (Fig. 9). Dentre as bandas proteicas diferenciais nos perfis das duas cepas em MGLP, chama atenção uma banda forte entre 50-75 kDa (marcada com uma seta azul à direita), presente apenas entre as proteínas de DH5α.pGEM.vc0489. Esta banda foi extraída do gel, digerida com tripsina e analisada por espectrometria de massas (item 3.3.3), e 3 proteínas diferentes foram identificadas (Tabela 2), duas de E. coli, e o produto do gen 34 e vc0489 de V. cholerae. Vale ressaltar que, por ser uma banda em gel unidimensional (SDS- PAGE), não é surpreendente que proteínas com mobilidades eletroforéticas semelhantes tenham sido encontradas na mesmaregião, já que a separação neste tipo de gel se dá apenas pelo peso molecular da proteína. Uma das proteínas de E. coli encontradas foi a GroEL (WP_000729122), que é uma chaperona indispensável para a sobrevivência e o crescimento da célula, uma vez que auxilia no enovelamento correto de muitas proteínas na célula, sob várias condições (KWAK e cols., 2000). A outra proteína de E. coli também identificada na banda do gel foi a piruvato cinase PykF (WP_001300312), que catalisa a formação do piruvato na última reação da glicólise (PONCE e cols., 1995). A terceira proteína identificada na banda é codificada pelo gene vc0489, e anotada como hemolisina (WP_000953506) da família das N-acetiltransferases de V. cholerae (BARBOSA e cols., 2018; VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). Embora não tenhamos verificado, é possível que as proteínas GroEL e piruvato cinase PykF também estejam entre as produzidas pela DH5α.pGEM.vc0489 em MGHP e por DH5α em MGHP e MGLP, uma vez que GroEL é sintetizada continuamente pela bactéria (KWAK e cols., 2000) e PykF é a piruvato cinase mais importante da bactéria (PONCE e cols., 1995). Os resultados acima mostram, portanto, que o gene vc0489 foi expresso em E. coli cultivada sob limitação, mas não em abundância de Pi, o que sugere que sua expressão possa ser diretamente dependente do sistema PhoB/PhoR da bactéria, ou seja, que o gene seja um novo membro do regulon Pho de V. cholerae. A favor desta hipótese está o fato de que na região reguladora (300 bp) de vc0489, já havia sido encontrada uma sequência com alta similaridade a caixa Pho consenso do gênero Vibrio (score >4, considerada forte), centrada a -158 do códon de início da tradução (COSTA LEITE, 2016). 35 Tabela 2 - Proteínas de células de DH5α.pGEM.vc0489 cultivadas em MGLP e identificadas na banda de peso molecular entre 50-75 kDa removida do gel de SDS-PAGE Gene (ID) Proteína Função MW (kDa) Score Peptídeos Peptídeos únicos Cobertura (%) Organismo gi|44687 6250 WP_000 953506 Hemolisina putativa (VC0489) 65,65 595 9 2 17 V. choleare gi|14216 48 WP_000 729122 Chaperona GroEL (cadeia A) 57,03 551 11 1 25 E. coli gi|55872 8963 WP_001 300312 Piruvato Cinase (PykF) 50,54 89 2 2 11 E. coli Proteínas identificadas com o programa Mascot. (http://www.matrixscience.com), utilizando os dados de MS/MS e busca no banco de dados NCBI limitado a bactérias. 4.3 Perfis lipídicos das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 de E. coli cultivadas sob limitação e abundância de Pi Para verificar um possível envolvimento do gene vc0489 na síntese de LOs em E. coli, os lipídios de membrana das cepas DH5α (controle negativo) e DH5α.pGEM.vc0489, ambas cultivadas em MGHP e MGLP, foram extraídos e analisados por cromatografia de camada fina (TLC) (itens 3.4.1 e 3.4.2). Três tipos de lipídios com intensidades distintas foram detectados nas amostras analisadas na placa de TLC corada com solução de ninidrina (Fig. 10). Um lipídio corresponde às manchas mais fortes nas quatro amostras, na parte superior da placa e, um outro, às manchas menos intensas mais abaixo e detectado em três das amostras. Estes lipídios foram identificados anteriormente por nosso grupo, como sendo respectivamente, fosfatidiletanolamina (PE) e fosfatidilglicerol (PG) (BARBOSA e cols., 2018), e corroboram informações de que as membranas internas e externa de E. coli são compostas de cerca de 70% de fosfatidiletanolamina (PE), seguido por fosfatidilglicerol (PG, ~20%) e pequenas quantidades de cardiolipina (CL, ~5%) (MATSUMOTO, 2001). Um terceiro lipídio foi detectado apenas entre os sintetizados nas células de DH5α.pGEM.vc0489 em MGLP. Esse resultado indica que o gene vc0489 de V. cholerae foi expresso nesta cepa, sob limitação de Pi, e que seu produto, a proteína VC0489, catalisou a síntese deste lipídio, que foi incorporado na membrana da bactéria (Fig. 10). Em outras análises de lipídios conduzidas em nosso laboratório (BARBOSA e cols., 2018) foi demonstrado, que além do PE, o lipídio exclusivo das células de DH5α.pGEM.vc0489 em MGLP corresponde a LO. Portanto, 36 a proteína VC0489 deve ser uma transacetilase bifuncional, assim como a OlsF de Serratia proteamaculans (VENCES- GUZMÁN e cols., 2015). A síntese de um lipídio novo nas células de DH5α.pGEM.vc0489 apenas em MGLP, quando o PhoB/PhoR estava ativo, também sugere regulação da expressão de vc0489 pela proteína PhoB (Fig. 10). Figura 10 - Cromatografia de camada fina (TLC) representativa dos lipídios extraídos das membranas de E. coli cepas DH5α (controle) e DH5α/pGEM.vc0489, cultivadas em MGLP e MGHP, respectivamente, sem ou com ampicilina (itens 3.4.1 e 3.4.2). Os lipídios foram corados com solução de ninidrina, porém não foi possível fazer a identificação a partir dessa placa. Outros experimentos conduzidos em nosso laboratório demonstraram fostatidiletanolamina (PE), nas duas cepas e que a banda presente exclusivamente em células de DH5α.pGEM.vc0489 em MGLP (sinalizada com uma seta azul, à direita) corresponde a LOs (BARBOSA e cols., 2018). 4.4 Caracterização funcional de VC0489 por bioinformática Como mencionado anteriormente (item 1.3), na via OlsBA de síntese de LOs a partir da ornitina, duas aciltransferases distintas catalisam as duas etapas do processo: a OlsB, que tem 37 atividade N-aciltransferase e a OlsA, com atividade, O-aciltransferase. No caso de OlsF, ambas as atividades se encontram na mesma proteína que é, portanto, uma aciltransferase bifuncional (VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). Nenhum gene que codifica um homólogo da N-aciltransferase OlsB, ou da O- aciltransferase OlsA, foi identificado no genoma da cepa pandêmica de V. cholerae N16961. Porém, genes que codificam homólogos de OlsF foram detectados nos genomas de cerca de 25% das bactérias sequenciadas, incluindo na cepa N16961 de V. cholerae (WP_000953507.1) (VENCES-GUZMAN e cols, 2015). O alinhamento (item 3.5) entre as sequências de OlsF de S. marcescens (WP_193842811.1, que já foi bem caracterizada) e VC0489 de V. cholerae (WP_000953507.1) mostrou um número semelhante de resíduos de aminoácidos, ou seja, 573 e 586, respectivamente, além de alta identidade (34%, 190/565) e similaridade de 50% (283/565) (Fig. 11), indicando que a VC0489 pode ser de fato homóloga a OlsF de S. marcescens. 38 (i) Identities:190/565(34%), Positives:283/565(50%), Gaps:42/565(7%) Query 29 KRLNQFYAQRPASGDTQAFLRFTLDVLGIDYQVVRGKLTHVPAQGATIVVANHPLGCVEG 88 K QF A P + +D + ++V G L ++P+QG ++VANHP+G ++G Sbjct 32 KEFKQFAADYPHLKGLD-LIEQVVDYFNLSCELVDGDLENIPSQGPVVLVANHPIGSLDG 90 Query 89 VILAELLLCVRSDVKILANQYLKLVPELTSLFIGVDVFEGADAAKANLHALRQAHKHLEQ 148 ++L + VR DVK++A+Q L + L SLF+ VD A K + + + L+ Sbjct 91 LVLLRAVAAVRPDVKVVASQLLTYIEPLRSLFVPVDNV----AYKTSRKQIEGMQQQLDN 146 Query 149 GGLLLMFPAGEVSQLVDSKQGRLEDKEWSQSVSRLVKKHQAHTVPVYIDGHNSTPFYLAG 208 G L++FPAGEVS++ S +G + D W RL K +A VP++I NS FY Sbjct 147 QGALILFPAGEVSRM--SPKG-IRDGHWHTGFLRLAAKARAPIVPIHISARNSNLFYFTS 203 Query 209 KIHPMLRTLMLGRELLNKQHTQIGIAIGEGISHSEVQ--HLCDQQLVNYLRLNTYLL-QS 265 ++ L TL+L RE+ ++ +I I +G + + H + L R + Y L Q Sbjct 204 LVYRPLSTLLLVREMFQQRGGRIKIRVGGRVPFANWHDGHTSAKDLAERFRRHVYRLGQG 263 Query 266 SPVRNKTASDRSLPPVAERLPLADLLEDIAQL---PYADHMLRHNQFDVYCTTADNIPSL 322 P + S +LP +RL L L + +L P + + + D T + Sbjct 264 KPGLFASESPIALP--EDRLELKKALANCERLGVTPDGKTIYLYRRHDEART------PI 315 Query 323 MHEIGRIRELNFREVGEGTGCALDIDRFDRDYLHLFIWDREKNQLVGAYRLGLVDKLIEH 382 + E+GR+RE+ FR VGEG+G D+D +D DY HL +WD E+ ++VGAYR + I Sbjct 316 LRELGRLREIAFRAVGEGSGRRRDLDSYDDDYYHLVLWDEEELEIVGAYRFIPTAEQIAR375 Query 383 KGISGLYSSTLFHYDQRFLNNMGNAIEMGRSVIDSQYQKSMAALLLLWKGIGTYVERHPQ 442 KG+ +YS++LFHYD+ + IE+GRS I Y L LW GIG Y+ ++PQ Sbjct 376 KGLESIYSNSLFHYDRDMEPILAQGIELGRSFIQPAYWGKR-GLDYLWLGIGAYLSKYPQ 434 Query 443 YTHLFGPVSISNDYSEQARRLLADTMTLHYYDSEQAELVMATNPLPTGQAQWNASLLTS- 501 Y +LFGPVSIS AR LL L++ S + P P Q A Sbjct 435 YRYLFGPVSISGGMPLAARDLLIAFYRLYF--SPDHAFGQSRRPYPASLPQVLAQFAGDN 492 Query 502 -LADLQLLSRVIARIDEGKGIPVLLRQYLGL----NGKLVSFNVDPAFNNALDGLIVVDL 556 DL L +++ I G IP L +QY L + + F DPAFNN +DGL++VD Sbjct 493 YQEDLVRLKSLLSNI--GCSIPTLYKQYTELCEPGGVQFIDFGTDPAFNNCIDGLVLVDT 550 Query 557 RNVPTKTLARYMGQSEALRYLATHQ 581 + +RY RY+A HQ Sbjct 551 TRLKP---SRYQ------RYIAVHQ 566 (ii) WP_000953507.1- (VC0489) Hypothetical protein de V. cholerae N16961 MLSTSPFVLPRKTPFGLGEHLAEWATGLKRLNQFYAQRPASGDTQAFLRFTLDVLGIDYQVVRGKLTHVPAQGATIVVANHPLGCVEGVILAELLLC VRSDVKILANQYLKLVPELTSLFIGVDVFEGADAAKANLHALRQAHKHLEQGGLLLMFPAGEVSQLVDSKQGRLEDKEWSQSVSRLVKKHQAHTVPV YIDGHNSTPFYLAGKIHPMLRTLMLGRELLNKQHTQIGIAIGEGISHSEVQHLCDQQLVNYLRLNTYLLQSSPVRNKTASDRSLPPVAERLPLADLL EDIAQLPYADHMLRHNQFDVYCTTADNIPSLMHEIGRIRELNFREVGEGTGCALDIDRFDRDYLHLFIWDREKNQLVGAYRLGLVDKLIEHKGISGL YSSTLFHYDQRFLNNMGNAIEMGRSVIDSQYQKSMAALLLLWKGIGTYVERHPQYTHLFGPVSISNDYSEQARRLLADTMTLHYYDSEQAELVMATN PLPTGQAQWNASLLTSLADLQLLSRVIARIDEGKGIPVLLRQYLGLNGKLVSFNVDPAFNNALDGLIVVDLRNVPTKTLARYMGQSEALRYLATHQY FSDI (iii) WP_193842811.1- (OlsF) Ornithine lipid synthase de Serratia marcescens MFSLDSLLQDAFPHRNTPAWQRSLLRTLLFEKEFKQFAADYPHLKGLDLIEQVVDYFNLSCELVDGDLENIPSQGPVVLVANHPIGSLDGLVLLRAV AAVRPDVKVVASQLLTYIEPLRSLFVPVDNVAYKTSRKQIEGMQQQLDNQGALILFPAGEVSRMSPKGIRDGHWHTGFLRLAAKARAPIVPIHISAR NSNLFYFTSLVYRPLSTLLLVREMFQQRGGRIKIRVGGRVPFANWHDGHTSAKDLAERFRRHVYRLGQGKPGLFASESPIALPEDRLELKKALANCE RLGVTPDGKTIYLYRRHDEARTPILRELGRLREIAFRAVGEGSGRRRDLDSYDDDYYHLVLWDEEELEIVGAYRFIPTAEQIARKGLESIYSNSLFH YDRDMEPILAQGIELGRSFIQPAYWGKRGLDYLWLGIGAYLSKYPQYRYLFGPVSISGGMPLAARDLLIAFYRLYFSPDHAFGQSRRPYPASLPQVL AQFAGDNYQEDLVRLKSLLSNIGCSIPTLYKQYTELCEPGGVQFIDFGTDPAFNNCIDGLVLVDTTRLKPSRYQRYIAVHQQQPAETA Figura 11- (i) Alinhamento entre as sequências de VC0489 [(ii) WP_000953507.1; 586 aa] de V. cholerae N16961 (Query) com a OlsF [(iii) WP_193842811.1; 573 aa] de Serratia marcescens (Sbjct). (+) entre aminoácidos com propriedades químicas semelhantes. 39 Na OlsF de S. proteamaculans, o domínio C-terminal é responsável pela etapa de N- aciltransferase (VENCES-GUZMAN e cols, 2015). Para chegar a esses resultados os autores usaram o programa BlastP para comparar as sequências da OlsF com a de OlsB de Sinorhizobium. melliloti (NP_384499.1), e identificaram uma sequência de 101 aminoácidos no domínio C- terminal da OlsF contendo o motivo H349(X)4D354 (H349LVLWD354) indicativo de uma aciltransferase, com 36% de identidade com a sequências de OlsB, sugerindo que esse domínio de OlsF, deve ser o responsável pela N-acilação da ornitina. O alinhamento entre as sequências de 241 aa do domínio C-terminal de VC0489 (Fig. 12 ii, negrito; Sbjct) e os 220 aa finais de OlsB de S. melliloti (NP_384499.1) (Fig. 12 iii, negrito; Query) revelou 32% identidade em 101 aminoácidos e presença do motivo H356(X)4D361 (H356LFIWD361) em VC0489 (Fig. 12 i; negrito amarelo), indicando que a N-acilação da ornitina deva ser catalisada por uma sequência desse domínio da proteína VC0489. (i) Identities:32/101(32%), Positives:50/101(49%), Gaps:10/101(9%) Query 77 DIDSWDAICDHLLVLDTSIEGDAEEQIVGTYRL-LRQDVAERTG--GFYSASEFAIGELL 133 DID +D HL + D + Q+VG YRL L + E G G YS++ F + Sbjct 46 DIDRFDRDYLHLFIWDRE-----KNQLVGAYRLGLVDKLIEHKGISGLYSSTLFHYDQRF 100 Query 134 SRHPGKRFMELGRSCVLPEY-RTKRTVELLWQGNWAYALKH 173 + G +E+GRS + +Y ++ + LLW+G Y +H Sbjct 101 LNNMGNA-IEMGRSVIDSQYQKSMAALLLLWKGIGTYVERH 140 (ii) WP_000953507.1, VC0489 de Vibrio cholerae N16961 (Sbjt) MLSTSPFVLPRKTPFGLGEHLAEWATGLKRLNQFYAQRPASGDTQAFLRFTLDVLGIDYQVVRGKLTHVPAQGATIVVANHPLGCVEGVILAELLLC VRSDVKILANQYLKLVPELTSLFIGVDVFEGADAAKANLHALRQAHKHLEQGGLLLMFPAGEVSQLVDSKQGRLEDKEWSQSVSRLVKKHQAHTVPV YIDGHNSTPFYLAGKIHPMLRTLMLGRELLNKQHTQIGIAIGEGISHSEVQHLCDQQLVNYLRLNTYLLQSSPVRNKTASDRSLPPVAERLPLADLL EDIAQLPYADHMLRHNQFDVYCTTADNIPSLMHEIGRIRELNFREVGEGTGCALDIDRFDRDYLHLFIWDREKNQLVGAYRLGLVDKLIEHKGISGL YSSTLFHYDQRFLNNMGNAIEMGRSVIDSQYQKSMAALLLLWKGIGTYVERHPQYTHLFGPVSISNDYSEQARRLLADTMTLHYYDSEQAELVMATN PLPTGQAQWNASLLTSLADLQLLSRVIARIDEGKGIPVLLRQYLGLNGKLVSFNVDPAFNNALDGLIVVDLRNVPTKTLARYMGQSEALRYLATHQY FSDI (iii) AGG72973.1, OlsB de Sinorhizobium meliloti 2011 (Query) MTIELLDSMGVVDTSNAYIRKAVAAPASDVLGRIANLETRLARSAAEIDAAQAVRYRVFVEEMKAQVAPEAGRRKRDIDSWDAICDHLLVLDTSIEG DAEEQIVGTYRLLRQDVAERTGGFYSASEFAIGELLSRHPGKRFMELGRSCVLPEYRTKRTVELLWQGNWAYALKHGIDAMFGCGSFPGVVPEEHAL ALSFLHHNVRVRDEWAVSARPELYRTMDLMPPEAINPKKALAALPPLIKGYMRLGAMVGDGAVVDQAFRTTDVLIVLPIGKISGRYLNYYGADAGRF SSPVS Figura 12- (i) Alinhamento da sequência de 241 aa do domínio C-terminal da proteína VC0489 [negrito em (ii) WP_000953507.1; 586 aa] de V. cholerae N16961 (Sbjct) com 220 aa finais da proteína OlsB [negrito em (iii) AGG72973.1, 296 aa] de Sinorhizobium meliloti (Query). (+) entre aminoácidos com propriedades químicas semelhantes. Em amarelo os motivos H(X)4D indicativos da atividade “N- aciltransferase” (VENCES-GUZMÁN e cols., 2015). 40 Quanto ao domínio da OlsF de S. marcescens responsável pela O-aciltransferase, ele foi atribuído ao N-terminal da proteína. A OlsF não apresenta similaridade de sequência com a OlsA de S. melliloti (AGG72984.1, que tem atividade O-aciltransferase), porém o domínio N-terminal de OlsF possui o motivo característico da O-aciltransferase OlsA do tipo H73(X)5D78 (Fig 13 ia, negrito azul), que no caso da OlsF é (H83PIGSLD89) (Fig. 13 iii; negrito azul) (VENCES- GUZMAN e cols., 2015). Também não foi observado similaridade entre as sequências de VC0489 e da proteína OlsA de S. melliloti, porém, a VC0489 possui no seu domínio N-terminal o motivo aciltransferase (H81PLGCVE87) (Fig. 13 ii; negrito azul), típico da OlsA (H73(X)4D78) (Fig. 13 ia; negrito azul). Esta informação reforça a hipótese de que o domínio N-terminal da VC0489 catalisa a segunda etapa (O-acilação) na síntese de LOs, assim como a OlsF de S. proteamaculans (VENCES- GUZMAN e cols, 2015). (ia) AGG72984.1- OlsA, O-aciltransferase de Sinorhizobium meliloti 2011 MINWVRVALCGMLLVMVSLVLMPVQILCLWLDLKPRRWLPRHWHRVACLLLGLRVRVHGELDRRRPLLLSANHVSWKDILVLSSVADVVFVAKSDVK SWPIFGLLARLQASVFVEREQKRTTGHQVNDIGRRLADGEIVVLFPEGTTSDGNRLLDIKTSLFGAAASAVPQSPTGVVHVQPLAISYTGIHGMPMG RYHRPIAAWPGDIGLVPHLLGVLREGALEVDVDFGEAVDYDRHANRKEVSRLIGQRIRKMLSDRLRGRSRSAAKGEPAPACSAAPDIPSDAQRSRLA P (ib) AGG72973.1 OlsB, N-aciltransferase de Sinorhizobium meliloti 2011 MTIELLDSMGVVDTSNAYIRKAVAAPASDVLGRIANLETRLARSAAEIDAAQAVRYRVFVEEMKAQVAPDIDSWDAICDHLLVLDTSIEGDAEEQIV GTYRLLRQDVAERTGGFYSASEFAIGELLSRHPGKRFMELGRSCVLPEYRTKRTVELLWQGNWAYEAGRRKRALKHGIDAMFGCGSFPGVVPEEHAL ALSFLHHNVRVRDEWAVSARPELYRTMDLMPPEAINPKKALAALPPLIKGYMRLGAMVGDGAVVDQAFRTTDVLIVLPIGKISGRYLNYYGADAGRF SSPVS (ii) WP_000953507.1- VC0489, Proteína hipotética de V. cholerae N16961 MLSTSPFVLPRKTPFGLGEHLAEWATGLKRLNQFYAQRPASGDTQAFLRFTLDVLGIDYQVVRGKLTHVPAQGATIVVANHPLGCVEGVILAELLLC VRSDVKILANQYLKLVPELTSLFIGVDVFEGADAAKANLHALRQAHKHLEQGGLLLMFPAGEVSQLVDSKQGRLEDKEWSQSVSRLVKKHQAHTVPV YIDGHNSTPFYLAGKIHPMLRTLMLGRELLNKQHTQIGIAIGEGISHSEVQHLCDQQLVNYLRLNTYLLQSSPVRNKTASDRSLPPVAERLPLADLL EDIAQLPYADHMLRHNQFDVYCTTADNIPSLMHEIGRIRELNFREVGEGTGCALDIDRFDRDYLHLFIWDREKNQLVGAYRLGLVDKLIEHKGISGL YSSTLFHYDQRFLNNMGNAIEMGRSVIDSQYQKSMAALLLLWKGIGTYVERHPQYTHLFGPVSISNDYSEQARRLLADTMTLHYYDSEQAELVMATN PLPTGQAQWNASLLTSLADLQLLSRVIARIDEGKGIPVLLRQYLGLNGKLVSFNVDPAFNNALDGLIVVDLRNVPTKTLARYMGQSEALRYLATHQY FSDI (iii) WP_193842811.1- OlsF, Síntese de lipídio de ornitina (LO) de Serratia marcescens MFSLDSLLQDAFPHRNTPAWQRSLLRTLLFEKEFKQFAADYPHLKGLDLIEQVVDYFNLSCELVDGDLENIPSQGPVVLVANHPIGSLDGLVLLRAVAAVRPDVKVVASQLLTYIEPLRSLFVPVDNVAYKTSRKQIEGMQQQLDNQGALILFPAGEVSRMSPKGIRDGHWHTGFLRLAAKARAPIVPIHISAR NSNLFYFTSLVYRPLSTLLLVREMFQQRGGRIKIRVGGRVPFANWHDGHTSAKDLAERFRRHVYRLGQGKPGLFASESPIALPEDRLELKKALANCE RLGVTPDGKTIYLYRRHDEARTPILRELGRLREIAFRAVGEGSGRRRDLDSYDDDYYHLVLWDEEELEIVGAYRFIPTAEQIARKGLESIYSNSLFH YDRDMEPILAQGIELGRSFIQPAYWGKRGLDYLWLGIGAYLSKYPQYRYLFGPVSISGGMPLAARDLLIAFYRLYFSPDHAFGQSRRPYPASLPQVL AQFAGDNYQEDLVRLKSLLSNIGCSIPTLYKQYTELCEPGGVQFIDFGTDPAFNNCIDGLVLVDTTRLKPSRYQRYIAVHQQQPAETA Figura 13- (ia e ib) Sequências de aminoácidos das proteínas OlsA e OlsB, respectivamente, O- aciltransferase e N-aciltransferase de Sinorhizobium meliloti 2011; (ii) de VC0489 de V. cholerae N16961 e (iii) de OlsF, uma aciltransferase bifuncional de Serratia marcescens. Em azul, motivos H(X)4/5D, característicos das O-aciltransferases e em amarelo, motivos H(X)4D, característicos das N-aciltransferases. 41 Em conjunto, os resultados desta análise indicam que a VC0489 tem características de uma transacetilase bifuncional, cuja expressão é dependente dos níveis de Pi no meio, como observado (Fig. 9). 4.5 Cinética de crescimento das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 de E. coli sob limitação e abundância de Pi Para verificar se a presença de LOs na membrana da bactéria influencia, de alguma forma, o crescimento da E. coli, células das cepas DH5α e DH5α.pGEM.vc0489 foram cultivadas em MGLP e MGHP, e o crescimento celular foi acompanhado por leituras da DO600nm, por 8 horas (Fig. 14) Figura 14 - Cinética de crescimento das cepas de E. coli, DH5α e DH5α.pGEM.vc0489, em MGHP e MGLP. Bactérias foram inicialmente cultivadas por 5 horas em meio LB (DH5α) ou LB/amp (DH5α.pGEM.vc0489) a 37° C até DO600nm 0,5 e então transferidas para os meios MGHP e MHLP sem (DH5α) ou com ampicilina (DH5α.pGEM.vc0489) como descrito no item 3.5. O crescimento, a 37° C, sob agitação de 200 rpm, foi acompanhado por 8 horas, com leituras da OD600nm a cada hora. Como esperado, a taxa de crescimento na fase exponencial (aproximadamente entre 4-6 h) e a densidade final das culturas de ambas as cepas sob limitação de Pi (MGLP) foram menores que em MGHP, mas, não foram observadas diferenças nos parâmetros de crescimento das duas cepas 42 nem MGHP, nem MGLP (Fig. 14). Portanto, a presença de LO nas células de DH5α.pGEM.vc0489 cultivadas em MGLP não afetou o crescimento da bactéria, nas condições do experimento. No entanto, há evidências de que os LOs são importantes na sobrevivência de várias espécies, como as do gênero Vibrio, em ambientes aquáticos, onde são expostas a concentrações muito baixas de fosfato (PAYTAN e MCLAUGHLIN, 2007). Além disto, o fato de que cerca de 50% das bactérias, cujos genomas foram sequenciados, terem potencial para formar LOs é um forte argumento para a importância ecológica desses lipídios (VENCES-GUZMAN e cols., 2015). 4.6 Envolvimento do sistema PhoB/PhoR na expressão de vc0489 e na síntese de LOs em V. cholerae A expressão do gene vc0489 sob limitação, mas não abundância de Pi (Fig. 9) e a presença de uma caixa Pho na região reguladora (300 bp) de vc0489, com alta similaridade a caixa Pho consenso do gênero Vibrio (5´TTGTCACATAAATTTCAG 3´; score > 4, considerada forte), centrada a -158 do códon de início da tradução do gene phoB (COSTA LEITE, 2016), sugerem dependência direta do sistema PhoB/PhoR (item 4.2) Para verificar experimentalmente se PhoB interage com a caixa Pho putativa, foi realizado em nosso laboratório um ensaio de retardo de mobilidade eletroforética (EMSA - Electrophoretic Mobility Shift Assay), no qual colaborei em algumas etapas. Para esse ensaio foi usada PhoB purificada de V. cholerae N16961 e um fragmento do promotor do gene vc0489 (sonda de 300 bp) marcado com 5´-biotina e amplificado por PCR como descrito no item 3.2.2. Para o ensaio de competição, à mistura da reação foi adicionado o fragmento de 300 bp não marcado (competidor), também obtido por PCR (item 3.2.2) (BARBOSA e cols., 2018, Anexo). Dados da Figura 15, mostram que PhoB se ligou à sonda de DNA contendo a região reguladora do gene vc0489, dando origem a uma banda retardada, no gel EMSA, que desapareceu quando um excesso da sonda de DNA não marcada foi adicionado à reação de ligação. 43 Figura 15 - Interação de PhoB à região reguladora de vc0489 avaliada por ensaio de retardo de mobilidade eletroforética (EMSA). Na reação controle, fragmento de DNA.biotina livre; na reação de retardo, PhoB ligado ao DNA.biotina, originando uma banda de retardo correspondente a (DNA.biotina- PhoB); na reação de competição, o DNA não marcado foi adicionado a mistura da reação (DNA.biotina + PhoB). Fragmento de DNA.biotina (300 bp) contendo o promotor do gene vc0489; competidor, DNA (300 bp) não marcado contendo o promotor do gene vc0489; PhoB, proteína purificada de V. cholerae N16961. Adaptado de BARBOSA e cols., 2018. Neste mesmo trabalho (BARBOSA e cols. 2018), a expressão de vc0489 nas células de V. cholerae N16961 e WK10 (um mutante isogênico no gene phoB; VON KRÜGER e cols. 1999) cultivadas em MGHP e MGLP, foi analisada por PCR quantitativo em tempo real (RT-qPCR). Os resultados da análise mostraram que a expressão relativa de vc0489 em células de N16961 em MGLP foi cerca de 50 vezes maior que em MGHP e que em WK10, independentemente da condição de crescimento. Além disso, em trabalho anterior de nosso grupo (GOULART e cols., 2009) foi mostrada substituição quase completa de PE, o principal lipídio em células de V. cholerae cepa N16961 cultivadas em MGHP, por LOs nas células cultivadas em MGLP. Em contraste, não foi observada produção de LOs pelo mutante WK10 nessas condições. 44 Em conjunto, os dados deste trabalho e os mencionados acima (GOULART e cols., 2009; BARBOSA e cols. 2018), confirmam que a expressão de vc0489 é dependente da privação de Pi extracelular e de um sistema PhoB/PhoR funcional e que a regulação de sua expressão deve envolver interação direta entre PhoB com a caixa Pho na região reguladora do gene, e que, portanto, vc0489 é um novo membro do regulon Pho de V. cholerae N16961. Ademais, eles mostraram que vc0489 codifica uma aciltransferase bifuncional, homóloga a OlsF de S. proteamaculans (VENCES-GUZMAN e cols, 2015), que catalisa a síntese de LOs apenas sob limitação, mas não abundância de Pi extracelular. 5 CONCLUSÕES ● O gene vc0489 de V. cholerae quando expresso em E. coli leva a produção de uma proteína sob limitação, mas não abundância de Pi. ● Células de E. coli que carreiam o gene vc0489, sintetizam lipídios de ornitina (LOs), que se acumulam nas membranas da bactéria, sob limitação, mas não abundância de Pi. ● A proteína VC0489 tem alta similaridade/identidade de sequência com a OlsF de Serratia proteamaculans, uma aciltransferase bifuncional, que catalisa a produção de LOs na espécie. ● A produção de LOs pelas células de E. coli contendo o gene vc0489 não influencia o crescimento celular da bactéria nas condições experimentais avaliadas. ● A expressão de vc0489 sob limitação de Pi depende da interação entre PhoB e uma caixa Pho, na região reguladora do gene. ● O gene vc0489 é um novo membro do regulon Pho de V. cholerae. 45 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALI, M., NELSON, A.R., LOPEZ, A.L., SACK, D.A. Updated global burden of cholera in endemic countries. PLoS Negl Trop Dis, v. 9 (6), p. 1-13, 2015. ALMAGRO-MORENO, S., PRUSS, K., TAYLOR, R.K. Intestinal colonization dynamics of Vibrio cholerae. PLoS Pathog, v. 11 (5): e1004787, 2015. ALMAGRO-MORENO S., TAYLOR R.K. Cholera: Environmental Reservoirs and Impact on Disease Transmission. Microbiol Spectr, v. 1 (2), p. OH-0003-2012, 2013. BARBOSA, L.C., GOULART, C.L., AVELLAR, M.M., BISCH, P.M., VON KRÜGER, W.M. Accumulation of ornithine lipids in Vibrio cholerae under phosphate deprivation
Compartilhar