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Comportamento de Consumo 
 
 
 
 
Unidade I 
 
 
 
 
 
Profa. Marcia Soares de Almeida 
 
 
2 
 
INTRODUÇÃO 
 
O estudo do comportamento do consumidor é geralmente definido pelos 
teóricos da área como um conjunto de atividades que visam a conhecer a fundo o 
consumidor, identificando seus desejos, necessidades, hábitos, valores, motivações 
para a compra e/ou utilização de bens e serviços. É em torno desses conhecimentos 
que se organiza a administração mercadológica das indústrias e empresas atuais. 
Ora, essa não é uma tarefa simples. O consumidor, um ser humano, é bastante 
complexo. Várias ciências têm contribuído para melhor compreendê-lo, com destaque 
para a psicologia, a ciência por excelência que se dedica ao estudo do homem, sua 
conduta e desenvolvimento. Portanto contribuindo também para os estudos do 
comportamento do consumidor. 
Baseando-se no dito acima, é imediata a relação do estudo do comportamento 
de consumo com o desenvolvimento da economia de mercado, iniciada com a 
revolução industrial no início do século XX. 
A produção em série de produtos diversos gerou a necessidade de um 
consumo crescente, de maneira a dar vazão à produção também crescente. O 
Marketing – ou ciência mercadológica – ganhou importância e se desenvolveu muito 
nos últimos anos. 
Os primeiros estudos que se têm notícia especificamente sobre o 
comportamento do consumidor datam da década de 60, nos Estados Unidos, e 
ganham força na segunda metade do século passado. Contribuições das ciências 
psicológicas, nas suas mais diversas correntes teóricas se destacam. 
Estudos comportamentalistas sobre a motivação humana, por exemplo, 
produziram experimentos e técnicas de pesquisa e observação, que visavam não só 
a compreender, mas principalmente a prever e manipular o comportamento do 
consumidor. Estratégias como colocar produtos na altura dos olhos ou na fila do caixa 
de supermercados, agregar produtos, do tipo “compre A e ganhe B”, exemplificam a 
aplicação de teorias comportamentais que objetivavam aumentar a probabilidade de 
determinado comportamento ocorrer, no caso o comportamento de compra de um 
produto específico. 
Estudos sobre a percepção humana orientaram a confecção de peças 
publicitárias, embalagens, além da forma de exposição dos produtos. 
Outra teoria psicológica que deu sua contribuição foi a psicanálise. Os trabalhos 
do psicanalista austríaco Ernest Dichter revelaram motivos subconscientes ligados ao 
consumo. As técnicas de entrevista em profundidade com o consumidor, como o 
“focus group”, associação de palavras e interpretação de imagens, se originaram de 
estudos motivacionais psicanalíticos e ainda hoje são usadas largamente pelos 
institutos de pesquisa. Anúncios de automóveis com mulheres bonitas, bem vestidas 
e sofisticadas apelam para o desejo de conquista, sucesso e poder no universo 
masculino, público alvo dos anúncios em questão. 
Em suma, todos esses conhecimentos foram bastante utilizados nas decisões 
mercadológicas e principalmente pela publicidade, responsável pela comunicação das 
empresas com o mercado. 
 
3 
Assim, podemos dizer que a evolução dos estudos do comportamento do 
consumidor foi paralela ao desenvolvimento do marketing, desde os primórdios desse. 
Da fase inicial do processo de industrialização, caracterizada por uma orientação que 
enfatizava o desenvolvimento dos produtos, passando por uma orientação focada nas 
vendas, depois no próprio mercado, até uma visão socioambiental, chegando à 
abordagem atual, cujo foco é o relacionamento com o consumidor que se tornou 
cliente. 
Estudos que levantem, analisem e principalmente antecipem mudanças de 
valores e comportamentos dos consumidores se tornaram elementos-chave para a 
administração mercadológica. Como decorrência lógica de todo esse processo, temos 
uma produção intelectual de material voltado especificamente pra o comportamento 
do consumidor. 
Muitos artigos e livros foram publicados sobre o assunto, nos Estados Unidos 
principalmente, mas também aqui no Brasil. Esses manuais destrincham todas as 
etapas do processo de compra, desde seu início, com a constatação do desejo de 
compra, até a realização do ato em si, uso do produto e satisfação do consumidor. A 
identificação das variáveis que afetam todo o processo (sejam sociais, culturais, 
psicológicas ou ambientais), têm alimentado administradores e publicitários na 
execução de seu trabalho. 
Não é nosso objetivo aqui criar ou reproduzir um tipo de manual, até porque 
seria provavelmente incompleto. No final desse livro texto se encontram vários desses 
materiais nas referências bibliográficas. Nossa proposta aqui é trazer algumas 
questões, refletindo sobre causas e efeitos do comportamento de consumo de 
maneira global, além de apontar tendências e principalmente alternativas de 
mudanças. É um enfoque sociocultural na análise do comportamento do consumidor. 
Por questão de organização, na primeira parte nos deteremos na análise do 
consumo no século passado, origem do consumismo, deixando para o segundo livro 
texto o momento mais atual, pós-advento da internet que sem dúvida alavancou 
mudanças de comportamento muito grandes e velozes. 
Acreditamos ser fundamental para o profissional de comunicação ampliar seu 
nível de consciência em relação à prática profissional, percebendo com nitidez as 
implicações sociais, ambientais e individuais decorrentes de sua ação. Com mais 
ferramentas, se for de sua escolha, contribuir para mudanças do comportamento de 
consumo de maneira a garantir uma vida mais plena, justa, integra e feliz para todos. 
 
 
 
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ORIGENS 
Estou, estou na moda. 
É duro andar na moda, ainda que a moda 
seja negar minha identidade, 
trocá-la por mil, açambarcando 
todas as marcas registradas, 
todos os logotipos do mercado. 
 (Carlos Drummond de Andrade) 
 
Carlos Drummond de Andrade em seu poema “Eu Etiqueta” (anexo 1) refere-
se à transformação do homem “em coisa” por meio do consumo. O poema, escrito em 
1970, pode ser considerado uma crítica ao próprio meio de produção vigente que 
estimulou um consumo crescente, modelo norte-americano pós-guerra. 
A Revolução Industrial permitiu a fabricação em série de produtos diversos e a 
evolução tecnológica que se seguiu aprimorou o processo, resultando na sociedade 
de consumo e produção em massa, tal como a conhecemos hoje. 
Atendendo aos interesses das grandes empresas, visando a sustentar o 
modelo econômico adotado, foi necessário estimular o consumo dos produtos que 
passaram a ser fabricados em uma escala cada vez maior. Afinal, “se o consumidor 
não compra, a economia não cresce”. 
 
Victor Lebow, citado por Annie Leonard no vídeo e livro “A História das Coisas”, 
diz: 
 
A nossa economia altamente produtiva … exige que transformemos o 
consumo em nosso modo de vida, que convertamos a compra e o uso 
de bens em rituais, que busquemos nossa satisfação espiritual, nossa 
satisfação egoica no consumo … Precisamos que as coisas sejam 
consumidas, gastas, substituídas e descartadas num ritmo cada vez 
mais acelerado (LEONARD, 2011, p. 173). 
 
Uma observação: a apresentação da frase no vídeo citado leva a crer que Victor 
Lebow defendia o modelo econômico, sendo uma espécie de papa do consumo. No 
entanto, o trecho foi extraído de um artigo escrito para o Journal of Retailing e, se 
considerarmos o texto integralmente, ele pode também ser interpretado como uma 
crítica ao modelo econômico1. 
Porque isso aconteceu já se sabe, mas como aconteceu? 
No início do século havia consumo também, mas numa frequência bem menor, 
apenas de produtos e serviços necessários que costumavam durar por períodos 
maiores de tempo. 
 
1O texto completo em inglês pode ser encontrado em: 
<http://hundredgoals.files.wordpress.com/2009/05/journal-of-retailing.pdf>. 
 
5 
Como os consumidores– homens, mulheres, jovens, idosos, crianças, de todas 
as camadas sociais – mudaram seus valores e (alguns) passaram até a querer 
consumir compulsivamente? Quais estratégias e mecanismos postos em prática 
promoveram essa transformação? 
Há alguns anos os bens eram feitos para durar. Muitas famílias têm ainda em 
casa uma geladeira ou máquina de lavar que foi da mãe, ou até da sua avó. Ela pode 
não ter um design moderno, ser um pouco barulhenta, mas funciona perfeitamente. 
Já sobre as mais novas, é comum ouvirmos relatos que em três ou quatro anos de 
uso quebraram. Algumas vezes já não existem peças do modelo específico. Ou ainda, 
quando existem as peças, o conserto sai quase o preço de uma nova (às vezes até 
mais caro!). E isso acontece com praticamente todo o tipo de produto: 
eletrodomésticos, móveis, roupas, sapatos, brinquedos, eletrônicos, etc. 
O avanço tecnológico também torna ultrapassada uma variedade enorme de 
produtos. Automóveis são bons exemplos: a cada ano as montadoras lançam novos 
modelos, introduzindo alguma função nova: controles computadorizados, sistema de 
freios, vidros automáticos, além de, é claro, uma modificação na aparência: faróis 
redondos agora são oblongos, as linhas do capô tornam-se mais retas – ou curvas! O 
mesmo acontece com celulares, refrigeradores, lavadoras de roupa, que geralmente 
“quebram” ou simplesmente param de funcionar alguns meses depois do término da 
garantia de fábrica. 
Estamos falando da obsolescência programada, um conceito que apareceu 
formalmente na década de 50 (apesar de já estar sendo praticada desde a década de 
20) que pode ser definido como a intenção de fabricar produtos com uma durabilidade 
específica, de maneira que, após determinado tempo, parem de funcionar ou se 
desgastem e precisem ser substituídos. 
 
 
 
 
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A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: MITO OU REALIDADE? 
 
Alguns estudiosos das ciências humanas (sociólogos, economistas e 
historiadores de várias nacionalidades) acreditam que, por volta de 1920, alguns 
fabricantes decidiram encurtar a vida de determinados produtos, de modo a garantir o 
consumo contínuo desses. Afinal, acreditava-se que, se o consumidor não comprasse, 
a economia não cresceria. 
O exemplo mais conhecido é o das lâmpadas. 
Por volta de 1920, a vida útil de uma lâmpada era de 2500 horas, o melhor 
resultado obtido pelos técnicos, graças às pesquisas das indústrias fabricantes, Uma 
exceção, inclusive famosa, é a Lâmpada Centenária, acesa desde 1901 numa 
unidade do corpo de bombeiros da cidade de Livermore, na Califórnia, EUA. Fabricada 
pela Shelby Eletronic Company, fundada por Adolphe Chaillet, um rival de Thomas 
Edison, foi feita artesanalmente e seu segredo nunca foi totalmente desvendado. 
Em 2001, quando completou 100 anos, recebeu o nome, uma festa e foi 
incluída no Guiness dos Recordes como a lâmpada mais duradoura do mundo. Hoje, 
com 117 anos, continua acesa, perdendo apenas parte da sua luminosidade. 
Em 1924, houve uma reunião em Genebra com os maiores fabricantes de 
lâmpadas do mundo, a maioria norte-americana e europeia, mas também com a 
presença de africanos e asiáticos. 
Nessa reunião ficou acertado que a durabilidade de todas as lâmpadas 
produzidas passaria de 2500 para 1000 horas e que todos eles investiriam seus 
esforços para atingir tal meta de redução, o que realmente foi atingido somente nos 
anos 40. Tal fato pode ser comprovado pelos anúncios veiculados nas duas épocas. 
Esse é o primeiro cartel que se tem notícia, conhecido como PHOEBUS, 
amplamente documentado e divulgado em diversos artigos e filmes. Destaca-se aqui 
o interessante documentário da cineasta alemã Cosima Dannortizer The Light Bulb 
Conspiracy, de 2010, rodado em vários países do mundo e disponível no Youtube. 
Outros exemplos corroboram a existência real da obsolescência programada, 
como o caso das meias de nylon da Dupon. Quando o nylon foi desenvolvido, 
engenheiros e químicos da Dupon conseguiram produzir um fio extremamente 
robusto. Meias femininas feitas com esse material foram testadas por familiares dos 
próprios técnicos, mostrando-se muito resistentes, praticamente indestrutíveis. No 
entanto, em seguida houve uma orientação da direção da empresa para que os 
mesmos profissionais se empenhassem agora em desenvolver fibras mais frágeis, de 
maneira que as meias não durassem tanto. 
A queda da bolsa de Nova York em 1929, que provocou enorme recessão, de 
certo modo justificou a ideia de que a economia deveria girar e crescer segundo o 
mesmo modelo, pois o desemprego foi grande e era preciso garantir os salários dos 
operários. 
Um parêntese: na época não se tinha a noção atual sobre as questões 
ambientais hoje tão em voga, como a poluição do ar, do solo e da água, efeito estufa, 
aquecimento global e esgotamento dos recursos naturais. Pelo contrário, se 
acreditava que esses recursos eram enormes e suportariam toda a produção em 
massa mundial. 
 
7 
Foi exatamente em decorrência da recessão de 29 que surgiu o termo 
obsolescência programada, criado pelo norte-americano Bernard London, um 
investidor imobiliário. Ele propôs a obrigatoriedade da redução da durabilidade de 
todos os produtos com certo controle governamental, o que, acreditava, garantiria 
trabalho para todos, impulsionando a economia tão afetada pela recessão. O conceito 
explicitou a prática que já existia de maneira camuflada. 
A ideia de London foi considerada muito radical e não foi aceita formalmente 
na ocasião. Mas na década de 50 foi encampada abertamente e transformada pelo 
designer Brooks Stevens, então já um profissional consagrado, famoso por seus 
desenhos no desenvolvimento de produtos considerados modernos e um árduo 
defensor da obsolescência programada. 
Stevens (apud Braga, 2018) argumentava que a obsolescência programada 
dependia do consumidor. Todos os consumidores desejam novos produtos no 
mercado e são livres para decidir comprá-los ou não, independentemente da duração 
dos mesmos. 
Surgia então a obsolescência percebida, complementar e certamente mais 
eficaz que sua antecessora, pois a ideia agora era seduzir o consumidor, tornando-o 
“infeliz” com os produtos que tinha em casa e despertando sua vontade de comprar 
novos. Não é mais a durabilidade do produto que atrai o consumidor, mas seu design 
moderno e a praticidade de uso. 
 
 
 
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OBSOLESCÊNCIA PERCEBIDA: O CONSUMIDOR QUER E “PRECISA” DE 
CADA VEZ MAIS! 
 
A partir da década de 50, o consumo foi gradativamente se fortalecendo, 
impulsionado, por um lado, pelo avanço tecnológico e o design, que encurtam a vida 
útil dos produtos e os tornam “antiquados” cada vez mais rapidamente e, por outro, 
pelo Marketing, pela publicidade e pela mídia em geral, responsáveis por incutir no 
consumidor o desejo da compra, junto com novos paradigmas de comportamento. 
Não são mais os valores familiares, a educação dada em casa que imperam, 
mas sim a posse de produtos é que determina o pertencimento a grupos específicos, 
afetando diretamente a constituição da identidade pessoal e do autoconceito. 
Não somos mais mães, professores, agricultores ou católicos, protestantes, 
judeus, mas nos percebemos (e nos avaliamos!) pelas coisas que temos, que 
conseguimos comprar. Importa mais a marca de nossas roupas e, bolsas e sapatos 
do que conforto ou durabilidade, e desfilamos orgulhosamente como anúncios 
ambulantes. Citando mais uma vez Carlos Drummond de Andrade (1984), em outro 
trecho do poema “Eu etiqueta”: 
 
Agora sou anúncio 
ora vulgar ora bizarro… 
Não sou –vê lá – anúncio contratado. 
Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender. 
E bem à vista exibo esta etiqueta. 
 
Leandro Karnal (filósofo e historiador), em uma palestra de setembro de 2016, 
Felicidade e consumo no mundo contemporâneo, demonstra como a inclusão ou 
exclusão social são agora dadas pelo consumo, usando um exemplo interessante: 
segundo ele, antigamente ladrões roubavam por comida, eram crimes de fome; hoje 
roubam por status:roubam celulares ou tênis, não porque precisem de um aparelho 
de comunicação ou de um calçado, mas sim porque querem o progresso material que 
esses objetos significam: querem um smartphone X ou um tênis de marca, não 
qualquer telefone ou calçado. 
Não é à toa que, na segunda metade do século XX, assistimos a um aumento 
do número de agências de publicidade e de marketing e à proliferação dos cursos de 
formação dos profissionais da área. Durante a década de 70, por exemplo, o curso de 
Publicidade e Propaganda foi um dos mais concorridos na FUVEST, em São Paulo, 
disputando os primeiros lugares com Medicina e Engenharia. 
A Psicologia deu sua contribuição à formação dos profissionais da área, 
sistematizando os conhecimentos produzidos por quase todas as correntes teóricas, 
construindo os manuais já citados e instrumentos de pesquisa e análise, de maneira 
a aplicá-los diretamente ao comportamento do consumidor. Muitos desses 
conhecimentos inclusive foram descontextualizados e serviram para camuflar o 
processo gerador da obsolescência, percebida e programada. 
O melhor exemplo é a Pirâmide de Maslow, presente em praticamente todos 
os livros e artigos sobre o comportamento de consumo. Abraham Maslow (1908-1970) 
foi um psicólogo norte americano que criou uma abordagem original, chamada 
 
9 
humanismo ou corrente humanista. A concepção de Homem adotada considera o ser 
humano detentor de livre arbítrio e responsável por suas escolhas e ações. De certa 
forma, as ideias de Maslow podem ser consideradas como uma reação às duas 
concepções então mais fortes na época: a primeira, a Psicanálise, originada das 
concepções de Freud, considera um determinismo psíquico em nossa conduta, 
consciente ou inconsciente. A segunda, o Behaviorismo, criado por Skinner e seus 
seguidores, foca a importância dos estímulos do meio em nosso comportamento, 
demonstrando por meio de metodologia experimental que o comportamento humano 
é controlado pelas suas consequências. 
A principal elaboração de Maslow ao estudar a motivação humana foi sua 
pirâmide de necessidades (anexo 2), uma sistematização das necessidades humanas 
numa hierarquia de cinco níveis. Coerente com a concepção humanista, essas 
necessidades seriam universais, presentes em todos os seres humanos de qualquer 
época e lugar, ou seja, parte da natureza humana. 
Na base da pirâmide estariam as necessidades fisiológicas, depois as de 
segurança, em seguida as de amor e relacionamento, as de estima e por último as de 
realização pessoal. A satisfação de necessidades de um nível só seria buscada 
quando as do nível anterior estivessem satisfeitas. 
Maslow não esteve preocupado em analisar o consumo, sua teoria era voltada 
para a prática da Psicologia Clínica. Mas é fácil perceber por que tal concepção foi 
rapidamente adotada pelo marketing: se nossas necessidades são universais, vistas 
como parte da nossa natureza, não são o mercado nem a publicidade que criam 
necessidades de consumo, apenas dão condições para a satisfação das mesmas, já 
existentes. O desejo de compra seria então decorrente do processo de motivação 
humana, uma forma moderna de satisfazer nossas necessidades naturais. 
Correntes psicológicas atuais criticam a concepção humanista de Homem de 
Maslow, acreditando não termos natureza, mas sim história. 
A psicologia sócio-histórica, uma dessas correntes, define assim o ser 
humano:2 
O homem constrói sua existência a partir de uma ação sobre a realidade, que 
tem por objetivo satisfazer suas necessidades. Mas essa ação e essas 
necessidades têm uma característica fundamental: são sociais e produzidas 
historicamente em sociedade. As necessidades básicas do homem não são 
apenas biológicas; elas, ao surgirem, são imediatamente socializadas. Por 
exemplo, os hábitos alimentares e o comportamento sexual do homem são 
formas sociais e não naturais de satisfazer necessidades biológicas 
(BOCK,1999, p. 89). 
 
A concepção motivacional de Maslow ajudou a disfarçar o mecanismo de 
sedução do consumidor, que cria necessidades de consumo até então inexistentes. A 
publicidade consegue inclusive inverter a ordem de satisfação das necessidades. Não 
são poucas as famílias brasileiras que moram precariamente, sem água encanada e 
esgoto, mas têm em suas casas modernos aparelhos de televisão. 
Comprovando a hipóteses das necessidades serem sociais e historicamente 
constituídas, basta verificar as novas necessidades surgidas nesse período, fruto do 
 
2 Vertente da Psicologia baseada na concepção de Vigotsky que entrou no Brasil na década de 1980 
através da Psicologia Social e da Educação, representada principalmente por teóricos e professores 
da PUC-SP. Mais informações em Bock e outros,1999, capítulo 6, p. 85 a 96. 
 
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avanço tecnológico e de descobertas e invenções, promovendo mudanças 
significativas no comportamento humano. 
O plástico foi talvez uma das mais impactantes criações em relação ao 
consumo. Permitiu a era dos descaráveis, literalmente. Pratos, copos, talheres, 
fraldas, absorventes femininos, embalagens de alimentos e por aí afora. 
Foi no começo do século que Leo Hendrik Baekland desenvolveu uma resina 
totalmente sintética que denominou baquelita. “Daí para o material ocupar o papel de 
destaque que tem atualmente foi apenas questão de tempo: a produção mundial de 
plástico passou de 1,5 milhão de toneladas em 1950 para 265 milhões de toneladas 
em 2010” (EDUKATU, 2007). 
Chegamos à era da praticidade: o consumidor tem pouco tempo para as tarefas 
domésticas, agora muito facilitadas pelos inúmeros instrumentos e eletrodomésticos 
existentes no mercado. As mulheres de donas de casa perfeitas passam a 
profissionais realizadas, acumulando a dupla jornada de trabalho: nas suas profissões 
e em casa, cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos. 
Computadores, celulares, máquinas de lavar pratos, congeladores, micro-
ondas, eletrodomésticos variados invadem os lares e tornam-se objetos almejados, 
sonhos de consumo e agora necessários, principalmente em função dos novos 
padrões de comportamento. 
 
 
 
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MUDANDO O COMPORTAMENTO: PESSOAS MAIS FELIZES? 
 
Se a felicidade fosse dependente de nossos níveis 
de consumo, nós deveríamos ter chegado à 
felicidade absoluta. 
(SERGE LATOUCHE, in DANNORTIZER, 2010). 
 
Assistimos nesse período a uma verdadeira revolução nos costumes: os 
integrantes das famílias não fazem mais as refeições em conjunto. O almoço é 
geralmente feito na rua em fast-foods ou restaurantes por quilo. Cada um janta num 
horário diferente em pratos individuais esquentados nos micro-ondas. Os jovens em 
seus quartos, mas todos na frente da televisão. O alimento é raramente preparado em 
casa, mas comprado pronto, congelado. Casais se separam e se casam novamente, 
constituindo novas famílias. A mulher “se libera” e aumenta sua participação social. A 
internet, disseminada no final do século, introduz novo padrão de relacionamento, o 
digital. A globalização promove a comunicação e encurta distâncias. Uniformiza o 
consumo: jovens do mundo inteiro vestem-se da mesma maneira, ouvem e dançam 
as mesmas músicas. 
Com ferramentas cada vez mais aperfeiçoadas, os profissionais de marketing 
e propaganda se multiplicam. Praticamente todas as empresas, grandes, médias e 
pequenas se utilizam dos serviços dos mesmos para conquistar mais clientes e 
fidelizar os antigos, aumentando assim o consumo de seus bens e serviços. 
A televisão entra em todos os tipos de lares, as emissoras também se 
reproduzem e junto com a informação e o entretenimento, a publicidade se impõe. 
Conhecer a fundo os consumidores torna-se uma necessidade. É desse período a 
origem da várias pesquisas de hábitos e valores dos consumidores, a maioria 
encomendada por grandes empresas ou agências de publicidade. 
Instrumentos importados de outros países foram traduzidos e adaptados à 
realidade brasileira e amplamente empregados para traçar o perfildo consumidor. Os 
mais conhecidos são dois inventários, o AIO (Atividades, Interesses e Opiniões) e 
VALS I e II, esse último desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa de 
Stanford, EUA. 
A VALS classifica o consumidor em tipos com base em seus recursos 
(financeiros, psicológicos e materiais) e motivações (ideais, realizações e auto 
expressão). As combinações desses dois itens produzem oito tipos de consumidores: 
inovadores, pensadores, realizadores, experimentadores, crentes, lutadores, 
fazedores e sobreviventes. 
Segundo Tânia Limeira (2008, p. 74), professora de marketing da Escola de 
Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) e autora de 
Comportamento do Consumidor Brasileiro: “[…] a segmentação psicográfica é 
bastante usada no Brasil como base para a seleção do público alvo e a formulação 
das estratégias de posicionamento (da marca) e de comunicação […]”. 
Institutos de pesquisa nacionais também criaram suas próprias metodologias, 
conseguindo resultados significativos. A MTV, uma rede de televisão voltada para o 
público jovem foi uma das pioneiras no mapeamento de seu público. Em 1999, 
 
12 
realizou a primeira pesquisa cujos resultados foram publicados e amplamente 
divulgados, sob o título de “Dossiê Universo Jovem”3. 
Os segmentos dos jovens – a amostra envolveu homens e mulheres de 12 a 
30 anos, residentes nas principais capitais do país, receberam nomes mais criativos: 
antenas do tempo, novas posturas, sonhando com alturas e lutando nas bases, 
vivendo intensamente, arranhados pela vida e solidários. 
Hoje esse material, além de disponível na internet, pode ser encontrado em 
sebos de livros. A Estante Virtual, por exemplo, tem vários exemplares. A internet, 
aliás, é uma fonte interessante de pesquisas de segmentação. 
Destaca-se o vídeo produzido em 2010 pela agência BOX 1824, We all want 
be Young, que teve como objetivo caracterizar a geração Y (ou Milleniuns) como é 
conhecida a geração nascida nas décadas de 80/90. O vídeo traça um paralelo com 
as gerações anteriores, os Baby Boomers, nascidos em 40/50 e a geração X, de 
60/70, usando linguagem atual, a dos videoclipes. De maneira sintética, consegue 
mostrar a mudança de comportamento e valores dos consumidores durante a 
segunda metade do século passado e começo deste. 
Para atender aos consumidores, o comércio se reorganiza, incrementando as 
vendas: vivemos a época dos shoppings centers, grandes espaços recheados de lojas 
com alguns centros de lazer, como cinemas, cafés, restaurantes e atividades para as 
crianças. Ao invés de parques e jardins ao ar livre, os centros de compra tornaram-se 
rapidamente o local preferido para os passeios familiares. A maior diversão é olhar 
vitrines. E mesmo quando se vai ao cinema ou lanchar, os longos corredores com 
vitrines chamativas são apelos enormes ao consumo. 
Além dos produtos realmente descartáveis, use uma vez e jogue fora, como 
lenços de papel e fraldas, outros tipos de produtos tornaram-se descartáveis, graças 
à existência da obsolescência percebida. A moda faz com que, a cada ano, vestidos, 
calças, camisas, bolsas e sapatos tornem-se ultrapassados, pois seus comprimentos, 
tecidos, cores e modelos não refletem mais a modernidade. Quem não anda na moda 
se sente excluído de seu grupo social e isso vale para homens, mulheres e crianças 
de todas as idades e condições socioeconômicas. 
Homens bem sucedidos, acompanhados de lindas mulheres louras, altas e 
magras têm sempre o carro do ano. Usam um relógio X no pulso, a caneta Y no bolso 
do paletó de marca. As famílias felizes, formadas por um lindo casal, duas crianças 
alegres e bem educadas e um cão, de preferência Labrador Golden, consomem 
determinada margarina, moram num determinado tipo de casa e se vestem de uma 
mesma maneira. Valores são formados. Padrões estéticos são agora os valorizados 
pela mídia. A identificação passou a se dar com as/os modelos das lojas e da 
publicidade ou com artistas da televisão e não mais com seus pais e mães. 
Para ilustrar a forma como o consumo e a mídia alteram nossos valores, um 
fato curioso: por volta de 1995 eu ministrava aulas de Psicologia num curso de 
Propaganda e Marketing em São Paulo. O trabalho final, que envolvia todas as 
disciplinas do ano letivo, era uma proposta de intervenção de marketing numa 
instituição do terceiro setor. Um dos grupos fez seu trabalho com uma ONG que 
recolhia cães abandonados e promovia feiras de adoção. Encontraram dados que 
 
3 Em 2010 foi publicada a 5ª edição do Dossiê Universo Jovem. As várias edições estão disponíveis 
em www.aartedamarca.com.br. 
 
13 
surpreenderam os alunos: a maioria desses cães abandonados era de raça e tinham 
preços relativamente altos no mercado. 
Os alunos se perguntaram então: por que pessoas que devem gostar de cães, 
compram animais caros e depois de um tempo os abandonam? Decidiram fazer uma 
sondagem, entrevistando alunos do campus, de diversos outros cursos. 
A pesquisa detectou que, nos projetos de vida de grande parte dos jovens, 
rapazes e moças, havia sempre um cão compondo o modelo de família almejada. 
Quando perguntados quais eram suas metas de vida, respondiam que, além de um 
emprego onde ganhassem bem e se sentissem realizados, queriam se casar, ter dois 
filhos (de preferência um casal), casa própria, um automóvel e um cachorro labrador 
ou Golden Retriever dourado. No plano dos sonhos e desejos, esse era o modelo de 
felicidade, o mesmo apresentado como pano de fundo em vários anúncios (cenário 
conhecido no meio publicitário como família margarina). 
Quando esses jovens se casavam ou iam morar juntos, compravam o cão antes 
mesmo dos filhos ou da casa própria. Mas a realidade se mostrava bem diferente do 
clima dos anúncios. O cachorro preso num apartamento durante todo o dia, sozinho, 
enquanto seus donos trabalhavam e estudavam, fazia suas necessidades pelo espaço 
todo, roía móveis, tapetes e sapatos, rasgava roupas do varal. Os jovens quando 
chegavam a casa, muitas vezes tarde da noite, cansados, precisavam ainda passear 
com seus cães. Brigas aconteciam. As despesas também eram grandes, além do 
estrago nos móveis, roupas e objetos, havia gastos com ração, vacinas, veterinário, 
banhos. 
Em suma, o dia a dia do jovem casal com seu cão nem de longe se parecia 
com o mostrado na TV. Abandonar o pomo da discórdia e o foco da infelicidade 
sentida em um lugar distante era a solução encontrada. Na situação acima descrita, 
percebe-se claramente que o modelo familiar não era o recebido por seus familiares, 
mas basicamente o veiculado pela mídia, mesmo que de forma subliminar. 
Para manter o comportamento, comprando sempre mais e mais, os 
consumidores precisaram aumentar sua carga de trabalho. O ingresso feminino no 
mercado de trabalho, além de manter a imagem de mulher moderna também aumenta 
a renda familiar. A culpa pela ausência dos pais em casa e pela falta de tempo no 
cuidado e relacionamento com os filhos é compensada por brinquedos novos e caros. 
A TV, uma excelente babá eletrônica, estimula os pequenos a quererem todo o tipo 
de bonecos, carrinhos, jogos. 
O consumo é agora um mecanismo de compensação, que pretensamente 
diminui a ansiedade e aplaca a culpa que o consumidor sente. Entramos em um 
círculo vicioso. 
A primeira consequência para o consumidor é que a gratificação pela posse 
dos objetos comprados é efêmera, muitas vezes só imediata. E, portanto, também 
frustrante. Ou seja, o prazer não vem mais do uso do que foi comprado, mas da 
compra em si. É a compra pela compra. E, assim que ela se realiza, o consumidor não 
se satisfaz, pois produtos similares com um design mais moderno ou alguma nova 
função são lançados rapidamente no mercado. Às vezes até já existem e por razões 
financeiras não puderam ser adquiridos naquele momento. 
No ótimo documentário Criança, a Alma do Negócio, produzido em 2008 pelo 
Instituto Alana e dirigido porStella Renner, isso se evidencia. Seja pelo relato de pais 
mostrando a quantidade de brinquedos que seus filhos têm e que nunca brincaram, 
 
14 
seja pelo depoimento das crianças dizendo que comprariam um shopping se 
ganhassem muito dinheiro ou que preferem ver TV e fazer compras a brincar. Elas 
não querem mais um brinquedo específico ou amigos, companheiros de jogos e 
brincadeiras, mas querem apenas comprar. 
A segunda consequência – e não menos importante – é a constante infelicidade 
individual, caracterizada pela angústia, depressão e consequente abuso de drogas, 
lícitas ou ilícitas. A depressão inclusive já é considerada o mal do século. 
O círculo vicioso faz com que as pessoas trabalhem cada vez mais, diminuam 
o tempo de lazer junto à família e amigos e se endividem, pois o padrão de consumo 
desejado é, frequentemente, maior que o poder aquisitivo real. Cartões de crédito, 
financiamentos e liquidações estimulam a aquisição de bens num ritmo bem maior 
que a possibilidade financeira do consumidor. 
Uma comprovação: um dos candidatos à presidência do Brasil nas eleições de 
2018 tinha em sua plataforma a promessa de zerar as dívidas de todos os cidadãos 
que estavam com o nome no SBPC, ou seja, pessoas que tinham assumido dívidas e 
não tinham conseguido pagá-las. 
Está formado o cenário perfeito para a insatisfação. A angústia e a depressão 
decorrem da falta de saída percebida pelo consumidor, que vê sua felicidade como 
dependendo diretamente dos bens materiais. Ser alguém e ser feliz é sinônimo de ter 
coisas. 
Zygmut Bauman (1925-2017), sociólogo, filósofo e professor polonês, um dos 
mais profícuos e respeitados teóricos do consumo pós-moderno, com cerca de 30 
livros publicados no Brasil, compara em vários de seus textos, as lojas às farmácias, 
chamando as compras de pílulas da felicidade, usadas sempre que estivermos tristes 
ou sofrermos uma contrariedade. 
Na verdade, todos os estudos apontam para uma relação inversa. Serge 
Latouche, economista e filósofo francês, um dos criadores da Teoria do 
Decrescimento4, diz em entrevista a Cosima Dannortizer, (2010), completando a frase 
que abre esse capítulo: “[…] todos os estudos mostram que as pessoas não estão 
mais felizes, inclusive pode haver uma relação inversamente proporcional entre o 
crescimento do consumo e o da sensação de felicidade, porque a felicidade é sempre 
subjetiva […]”. 
Outras pesquisas feitas para avaliar o grau de felicidade de grupos sociais 
demonstraram que quanto maior é a valorização dos bens materiais, menor a 
importância dada a valores pessoais como empatia, cooperação, respeito aos outros 
e ao meio ambiente. 
O pouco tempo livre disponível faz com que as pessoas não se relacionem mais 
diretamente com amigos, vizinhos, familiares, nem possam se dedicar ao 
estreitamento das relações afetivas ou à busca do conhecimento. O tempo livre da 
maioria das pessoas é gasto na frente da televisão. 
Várias maneiras de se avaliar e comparar a qualidade de vida das populações 
foram criadas. O PIB (Produto Interno Bruto) per capita é uma delas, bastante 
utilizada, que considera o total produzido num país na agricultura, indústria e serviços, 
 
4 A Teoria do Decrescimento é uma proposta alternativa de frear a destruição do meio ambiente e 
promover a melhora da qualidade de vida, garantindo o futuro da humanidade. Várias palestras do 
autor estão disponíveis no Youtube e alguns de seus livros foram traduzidos para o português pela 
Editora Icaria. 
 
15 
dividido pelo número de habitantes, como se todos tivessem partes iguais nessa 
divisão. 
Claramente tal índice não reflete bem estar ou qualidade de vida. Em primeiro 
lugar porque num país como o nosso, a distribuição de riquezas é bastante desigual. 
Poucos indivíduos detém a maior parte dessa riqueza, enquanto a enorme maioria 
fica com uma parte muito pequena. 
Além disso, poderíamos pensar que um PIB alto implica em mais horas de 
trabalho e, portanto em menos horas de lazer. Ou poderia ser associado também a 
um nível mais alto de poluição e agressão ao meio ambiente, o que daria menos 
qualidade de vida as populações locais. 
Outro índice, o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, criado pela ONU, leva 
em conta basicamente escolaridade média e expectativa de vida escolar da 
população, renda nacional bruta per capita, nível de saúde e expectativa de vida da 
população, considerando aí serviços de saúde e saneamento básico. 
O mesmo raciocínio usado em relação ao PIB pode aqui também ser aplicado. 
As desigualdades brasileiras referem-se também à apropriação dos serviços de saúde 
e educação e na diferença da qualidade desses serviços nos níveis público e privado. 
Um dos instrumentos de pesquisa mais utilizados no Brasil, o Critério de 
Classificação Econômica, classifica a população em camadas segundo a posse de 
bens em suas casas. O número de refrigeradores, rádios, televisões, 
eletrodomésticos, junto com o nível de escolaridade do chefe da família situa o 
indivíduo na camada alta, média ou baixa da população. 
Resumindo, todos esses indicadores ao considerarem o poder aquisitivo médio 
não refletem a situação da maioria da população e ainda é a capacidade de consumir 
bens e serviços que situa a pessoa nas classes ou camadas sociais. Quanto mais a 
pessoa consome, mais “valorizada” é. 
 
 
 
16 
CONSUMISMO 
 
A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: 
a população acorda todas as manhãs em lençóis 
frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da 
embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das 
mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, 
escutando as últimas lengalengas do último modelo 
de rádio. 
(CALVINO, 1990, p. 105). 
 
A descrição feita por Ítalo Calvino do acordar dos habitantes de Leônia, uma de 
suas cidades invisíveis, caberia com certeza em várias cidades brasileiras. Porque 
atualmente assistimos a uma transformação das sociedades industrializadas (e, 
portanto, produtoras) em sociedades consumidoras. A valorização extrema do 
consumo gerou o consumismo, uma tendência ao consumo exagerado de bens e 
serviços, em sua maioria supérflua, explicado pela busca contínua da felicidade. 
Bauman assim define: 
 
A sociedade de consumo tem como base de suas alegações a 
promessa de satisfazer os desejos humanos em um grau que 
nenhuma sociedade do passado pôde alcançar, ou mesmo sonhar, 
mas a promessa de satisfação só permanece sedutora enquanto o 
desejo continua insatisfeito, mais importante ainda, quando o cliente 
não está plenamente satisfeito. (BAUMAN, p.63). 
 
O consumismo dominou o consumidor, que passou então a se comportar de 
maneira a reproduzir o sistema econômico vigente, comprando sem parar, 
reproduzindo consequentemente atitudes e valores compatíveis com sua conduta. 
Extremos do comportamento consumista geraram inclusive uma nova doença, 
a oniomania ou Transtorno da Compra Compulsiva. Nesse quadro, o consumidor 
perde totalmente o controle de seus atos de compra. As razões apontadas são as 
mesmas: amenizar angústia ou lidar com frustrações e depressão, mas a frequência 
do comportamento é muito maior. Procurando esconder seu transtorno, os 
compulsivos mentem para seus familiares e contraem enormes dívidas que chegam 
a comprometer o orçamento familiar. O cartão de crédito é o grande vilão do processo. 
Apesar de não ter cura, a oniomania pode ser tratada. Em 2004 o Instituto de 
Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo criou o Ambulatório Integrado dos 
Transtornos do Impulso (PRÓ-AMITI), que atende também outros tipos de 
comportamentos compulsivos, como o de comer ou jogar. O tratamento dos 
compradores compulsivos envolve medicação e terapia, além de um apoio dado por 
economistas para o acerto das finanças. 
Segundo a coordenadora do núcleo de compra, Tatiana Filomensky, em artigo 
para o Jornal da USP de agosto de 2015 (LEÃO, 2015), o objetivo é “[…] ressignificar 
o comportamentocompulsivo, mostrar outras formas de a pessoa obter recompensas 
e sentir-se amada que não seja pelo viés do consumo […]”. A maioria dos pacientes 
 
17 
do PRÓ-AMITI é composta por mulheres, estimadas em 5% da população geral, o que 
a coordenadora considera um índice elevado. Ainda segundo a coordenadora, os 
resultados têm sido animadores. É grande o número de participantes que conseguiu 
controlar sua compulsão e alterar o comportamento de consumo, depois de se 
submeter ao tratamento. 
O filme norte americano Delírios de Consumo de Becky Bloom, estrelado por 
Isla Fisher em 2009 e baseado no romance de mesmo nome de Sophie Kinsella, 
mostra de maneira divertida as complicações de uma consumidora compulsiva e seus 
esforços para superar o transtorno. 
Resumindo, podemos afirmar que no século passado o consumo se 
transformou em consumismo e o consumidor ficou preso numa espécie de círculo 
vicioso, buscando sua felicidade por meio da compra de cada vez mais produtos, sem 
ter a noção clara das implicações de seu comportamento em toda a cadeia produtiva, 
desde a extração da matéria prima até o descarte do que não é mais usado e 
encontrando basicamente infelicidade nesse processo. 
No entanto, a partir do final do século passado e começo desse, essa situação 
começou a ser alterada. Em função de questões ligadas principalmente a alterações 
climáticas e de saúde, indivíduos, grupos e governos começaram a divulgar os efeitos 
nocivos desse modelo econômico, pondo em cheque o modo de vida baseado no 
consumismo. 
O aspecto mais evidente para o consumidor é a destinação das coisas que são 
substituídas pelas novas. O descarte tornou-se um problema e movimentos de 
reciclagem e reaproveitamento de excedentes surgiram em diferentes países. 
No entanto, o descarte não é o único problema. O comportamento de consumo 
exacerbado vem agredindo nosso planeta em todas as fases do processo de 
produção, pondo em risco, inclusive, nosso futuro. 
 
 
 
18 
VIVEMOS NUM PLANETA FINITO 
 
Alterações climáticas, aquecimento global, tempestades, furacões ou grandes 
períodos de seca espalhados pelo mundo todo alertaram estudiosos sobre os efeitos 
da degradação que a natureza vinha sofrendo, causada principalmente pela economia 
produtiva adotada pelos países industrializados. Percebeu-se que o modelo era 
bastante perverso em relação à natureza e aos próprios indivíduos. Os recursos do 
planeta, solo, água e ar não são ilimitados, mas finitos. 
Analisando todas as etapas da cadeia produtiva, percebemos que a agressão 
ao meio ambiente começa na primeira delas: a extração das matérias primas. 
Petróleo, minérios, árvores são apenas alguns exemplos. A Amazônia, talvez nossa 
maior riqueza, vem sendo devastada a uma velocidade enorme, apesar dos esforços 
de governos e grupos da sociedade civil. 
Segundo Annie Leonard, em seu livro A História das Coisas, nós estamos 
exaurindo nossos recursos naturais com muita rapidez. 1/3 dos recursos naturais do 
planeta já se foram, 75 % dos viveiros de peixes se esgotaram, 80% das florestas 
desapareceram e com a vegetação, muitas espécies animais também. A conclusão 
de que não podemos tirar indefinidamente recursos de um planeta finito, é dela. 
Na etapa seguinte, a produção propriamente dita, além das matérias primas 
extraídas da natureza, tem o consumo de água e energia. As fábricas lançam dejetos, 
provocando poluição do ar, da água e do solo. A emissão de gases tóxicos pelas 
indústrias afeta não só os trabalhadores diretos, mas toda a população do entorno e 
o próprio consumidor, pois vários estudos já demonstraram que existem elevados 
graus de químicos tóxicos em praticamente todos os produtos consumidos 
diariamente. 
As neurotoxinas – toxinas que afetam nosso cérebro estão presentes nos 
computadores, celulares, colchões, travesseiros, tecidos. As carcinogênicas, em 
alimentos, roupas, sapatos e até em brinquedos. Na verdade não se sabe exatamente 
quais os efeitos dessas toxinas em nosso organismo, uma vez que os estudos ainda 
estão em andamento e a divulgação de resultados, às vezes parciais ou não 
plenamente comprovados, e a internet banaliza a informação. Alguns exemplos: “ficar 
na frente de um forno de micro-ondas ligado provoca câncer”; “usar smartphones no 
bolso da calça afeta a capacidade reprodutiva masculina”. O consumidor, recebendo 
enorme quantidade dessas informações pelas redes sociais não dá crédito! 
Não podemos esquecer a produção agrícola, com pesticidas que vão direto 
para o corpo dos consumidores, nem doas animais criados para abate, frangos, vacas 
e porcos que trazem em suas carnes quantidades de toxinas e hormônios. 
Na década de 90, médicos do Hospital das Clínicas de São Paulo constataram 
que as meninas criadas na cidade estavam tendo sua primeira menstruação mais 
cedo. A idade média da menarca em 1960/70 era 13 anos. Agora a idade média tinha 
caído para 11 e eram muitos os casos de meninas menstruando aos 9 anos. 
Investigando as possíveis causas, chegaram a três fatores: o primeiro deles, a 
exposição à mídia que estimulava a sexualidade precoce, prejudicando o 
desenvolvimento da criança. O segundo, absorção pela pele de produtos destinados 
às crianças, que até pouco tempo não existiam: hidratante, shampoo e creme rinse 
basicamente. No passado usava-se sabão de coco para lavar os cabelos das 
crianças! .E o terceiro, ingestão de hormônios via alimentos, principalmente frangos. 
 
19 
Na tentativa de abreviar o processo de criação dos frangos destinados ao abate, além 
do confinamento em locais pequenos, alimentavam-nos com hormônios, para que 
ficassem gordos rapidamente e, portanto, os custos com a produção fossem 
diminuídos. Hoje essa situação foi alterada graças à intervenção de órgãos 
reguladores e, principalmente, pela pressão do próprio consumidor que ciente dos 
malefícios de ingerir frangos criados com hormônios, passou a preferir as empresas 
que não utilizam tal recurso. 
Para evitar os efeitos nocivos da produção de bens e diminuir custos, muitas 
fábricas foram deslocadas dos países industrializados para o chamado terceiro 
mundo. Temos, portanto, mais uma questão: direitos humanos violados. O uso de mão 
de obra infantil ou de populações inteiras exploradas são situações constantemente 
denunciadas por organizações militantes. Annie Leonard, no livro já citado, relata uma 
visita feita a Porto Príncipe, no Haiti, em 1990. Assim descreve a situação de 
trabalhadoras da região que costuravam roupas para a Disney, relatada por uma das 
líderes do grupo, Yannick Etienne: 
 
No calor haitiano nos aglomerávamos numa pequena sala de uma 
casa feita de blocos de concreto. As janelas permaneciam fechadas, 
para que ninguém nos visse reunidas. As mulheres trabalhavam dia 
após dia, costurando roupas que jamais conseguiriam comprar. As 
que tinham a sorte de receber salário mínimo, ganhavam cerca de 
quinze dólares por semana, numa jornada de oito horas diárias ao 
longo de seis dias. Alguns supervisores não pagavam o salário caso 
uma determinada quantidade de roupas não ficasse pronta a cada 
turno. As mulheres descreviam a pressão desumana, o assédio sexual 
constante entre outras humilhações e as baixas condições de 
segurança. (LEONARD, 2011, p. 77). 
 
Essa é uma informação importante para os muitos consumidores brasileiros 
que todos os anos frequentam os parques da Disney e compram camisetas, bonés, 
fantasias, provavelmente feitas no Haiti. 
Muitas outras situações semelhantes vêm sendo denunciadas e boicotes de 
consumidores do mundo inteiro têm pressionado as organizações e alterarem suas 
condições de trabalho. 
 
 
 
20 
A DISTRIBUIÇÃO: VIAJANDO PELO MUNDO 
 
Matérias-primas são produzidas ou extraídas diretamente da natureza em 
diferentes países. Fábricas produzem todas as coisas que usamos também em vários 
locais e precisam chegar às lojas para serem compradas pelo consumidor. 
A logística do processo envolve muita gente: fornecedores, produtores, 
trabalhadores,investidores, atravessadores, pessoal direto dos transportes, marítimo, 
aéreo e terrestre. Os produtos originários da Ásia, por exemplo, viajam 
preferencialmente em grandes navios cargueiros, que são um dos maiores poluidores 
dos oceanos. Annie Leonard (2011, p. 130) elenca algumas manchetes sobre esse 
aspecto, baseadas em pesquisas de instituições de renome: 
 “[…] Emissões de enxofre dos navios têm forte impacto na poluição de 
oceanos e costas: cargueiros a diesel estão entre as maiores fontes de poluição 
mundial por tonelada de combustível […]” 
 “[…] A cada ano o transporte marítimo causa cerca de 600 mil mortes por 
câncer de pulmão e doenças cardiopulmonares em todo o mundo […]” 
 “[…] Navios comerciais emitem quase a metade do total de partículas 
poluentes liberadas por toda a frota de carros do planeta […]” 
Basicamente, navios, aviões, trens e caminhões transportam todos esses 
produtos e, certamente, consomem grandes quantidades de combustíveis fósseis, 
além de emitirem gases e produtos tóxicos que poluem a terra, o ar e os oceanos. No 
entanto, esse é o efeito menos percebido pelo consumidor como prejudicial em toda 
a cadeia produtiva. 
No Brasil, como o grosso do transporte interno de mercadorias se faz pela 
malha rodoviária, a greve dos caminhoneiros em setembro/outubro de 2018 chamou 
a atenção do consumidor, isso porque houve desabastecimento de produtos básicos, 
combustíveis e alimentos. Os danos ao meio ambiente continuaram escondidos. 
 
 
 
21 
O QUE ACONTECE COM TUDO QUE NÃO QUEREMOS MAIS 
 
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os 
restos de Leônia de ontem aguardam a carroça do 
lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, 
lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de 
embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, 
pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que 
pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas 
compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas 
que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às 
novas. 
(CALVINO,1990, p. 105). 
 
Mais uma vez a cidade de Leônia nos faz lembrar nossas cidades! Talvez 
também o consumidor moderno se avalie pela quantidade de coisas que descarta! O 
principal vilão do processo (e o mais perceptível) é sem dúvida o descarte, última 
etapa do consumo. Afinal, se precisamos comprar sempre novos produtos, os velhos 
precisarão ser descartados. 
Um dado assustador vem dos Estados Unidos: após seis meses de compra, 
somente 1% de todos os produtos permanece com o consumidor. 99% foram 
descartados, jogados fora. (LEONARD, 2011). 
Não temos essa informação atualizada no Brasil, mas, como importamos o 
modelo norte-americano de consumo, é de se esperar que essa porcentagem seja 
aqui também elevada. Todos os objetos que não queremos mais e as embalagens 
dos produtos vão, a princípio, para os lixões, ou aterros sanitários. Ou então primeiro 
o material é incinerado e depois jogado no lixão. 
As duas formas de descarte são ruins para o meio ambiente. Ambas poluem o 
solo, os recursos hídricos e o ar. A incineração libera as toxinas presentes nos 
produtos, além de expelir novas toxinas, como a dioxina, uma das substâncias mais 
tóxicas que se conhece. O trecho abaixo foi extraído do site ecycle.com.br, uma 
organização que se propõe a divulgar maneiras e procedimentos para um descarte 
menos agressivo: 
 
Dioxina é um nome genérico para designar um grupo de substâncias 
químicas que são subproduto industrial de alguns processos… As dioxinas 
são consideradas Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), pois se 
acumulam na cadeia alimentar e também no corpo humano… A incineração 
do lixo também libera dioxina através da queima de plástico, de papel, de 
pneus e de madeira tratada com pentaclorofenol… Alguns exemplos de 
produtos que podem liberar dioxina são filtros de café, toalhas de papel e 
absorventes femininos que passaram por processos de branqueamento com 
cloro (EQUIPE ECYCLE, sd). 
 
Em 2004 circularam na internet notícias e fotos do candidato à presidência da 
Ucrânia, Viktor Yuschenko, que foi envenenado com dioxina tipo TCDD, a mais 
perigosa de todas. A quantidade usada foi grande, suficiente para causar 
deformações, mas todos nós temos pequenas quantidades de dioxina em nossos 
organismos, acumuladas nas gordurinhas, uma vez que a dioxina se acumula nos 
 
22 
tecidos adiposos, as regiões em nossos corpos e nos dos animais que têm mais 
gordura. 
O premiado curta metragem de Jorge Furtado, Ilha das Flores, de 1989, mostra, 
através de um roteiro ágil e bem humorado, o funcionamento da sociedade de 
consumo, terminando no lixão de Porto Alegre, ironicamente chamado Ilha das Flores. 
Destaca-se a desigualdade social gerada pelo modelo econômico e, principalmente, 
as condições sub-humanas da população local, que vive literalmente no e do lixo. 
Em função da quantidade de lixo produzido, os aterros tornaram-se um 
problema para os países industrializados, que resolveram simplesmente deslocar o 
destino do seu lixo para países mais pobres. 
Em 2009 a Polícia Federal brasileira descobriu que mais de mil toneladas de 
lixo vindas da Europa estavam sendo descarregadas aqui, escondidas em containers, 
com guias de importação de polímeros de etileno (plástico) para a fabricação de telhas 
ou reciclagem. 
Eram cerca de 90 containers vindos do reino Unido com uma carga de lixo 
tóxico e doméstico. Com a interferência do Ibama e da Polícia Federal, todo o lixo foi 
devolvido ao país de origem. 
O caso foi amplamente divulgado pela mídia em geral, inclusive pela Rede 
Globo, a emissora de maior penetração no Brasil, pauta do Jornal Nacional de julho 
de 2009. A matéria completa pode ser encontrada no site da globo.com. 
Outras notícias, no entanto, mostram que esse não foi um fato isolado. Em 
2011, por exemplo, outro container com lixo hospitalar, dessa vez vindo dos Estados 
Unidos, tentou descarregar em Pernambuco, no Porto de Suape. Segundo a Gazeta 
do Povo de 13/10/2011, esse foi o segundo container apreendido. O primeiro continha 
lençóis sujos, seringas, luvas usadas e cateteres. 
Na realidade, ambientalistas de várias partes do mundo vêm denunciando 
tentativas de despejo de resíduos tóxicos de diversos países. Além do Brasil, Índia, 
África do Sul, Haiti são alguns deles. Uma situação amplamente documentada é a de 
Gana, que recebe pelo menos há dez anos um fluxo constante de lixo eletrônico vindo 
de vários países da Europa e também dos Estados Unidos. Concretamente esse envio 
é proibido por leis internacionais, mas países produtores conseguem burlar as leis 
com a desculpa de serem produtos de segunda mão que visam incluir a população 
africana na era digital. 
O documentário já citado The Light Bulb Conspiracy, de Cosima Dannortizer, 
mostra um ativista nascido e criado na região, Mike Anane, que vem se dedicando a 
documentar o processo, inconformado com a degradação ambiental de sua região 
natal, transformada num enorme lixão de eletrônicos. No lixão a céu aberto que se 
formou no local, crianças pobres procuram pedaços de metal para serem vendidos 
por quilo, queimando os invólucros plásticos dos componentes. 
Mike Anane vem fotografando e filmando a chegada de grandes cargueiros com 
containers repletos de computadores e aparelhos de TV obsoletos. Segundo ele, o 
aproveitamento do equipamento não chega a 20% do total. Mike Anane vem também 
coletando as etiquetas que comprovam a origem dos produtos (Dinamarca, Alemanha, 
Estados Unidos são algumas delas) formando um banco de dados que sirva como 
prova para um processo legal contra os países em questão. É dele a frase: “[…] as 
gerações futuras não vão nos perdoar, elas vão fazer cara feia para o estilo de vida 
de jogar fora dos países desenvolvidos […]” 
 
23 
 
PODEMOS REVERTER A SITUAÇÃO? 
 
Sim, com certeza. Segundo estudiosos e ativistas ambientais do mundo todo, 
não só é possível, como já está acontecendo. Desde o final do século passado pode-se perceber uma mudança significativa no comportamento do consumidor. O 
consumismo já não é tão valorizado e o consumidor melhor informado tornou-se mais 
consciente e exigente em relação aos seus direitos, além de mais ético em suas 
relações com o consumo. 
O principal fator que alavancou a mudança foi, sem dúvida, a internet. O 
fenômeno da globalização não alterou apenas a maneira de comprar (agora também 
à distância), mas permitiu que as informações que permeiam as relações de consumo 
cheguem rapidamente em todos os cantos do mundo. 
 
O consumidor do século XXI é um consumidor mais consciente de seu papel 
como agente transformador da qualidade das relações de consumo e como 
influenciador no comportamento de empresas e instituições. Questões como 
aquecimento global, poluição, degradação do meio ambiente, esgotamento 
de recursos naturais, miséria e exclusão social, exploração de mão-de-obra 
infantil, trabalho em regime de semiescravidão são alguns dos temas que têm 
inquietado esse consumidor. Afinal, ele é um cidadão do planeta, um 
consumidor cidadão. (SAMARA E MORSCH, 2005, p. 244). 
 
Encerramos assim esse primeiro livro texto com uma perspectiva otimista de 
mudança. Diferentemente da Leônia de Calvino, não precisamos terminar soterrados 
em enormes montanhas de lixo! 
 
 
 
24 
ANEXO 1 
EU, ETIQUETA 
Em minha calça está grudado um nome 
que não é meu de batismo ou de 
cartório, 
um nome… estranho. 
Meu blusão traz lembrete de bebida 
que jamais pus na boca, nesta vida. 
Em minha camiseta, a marca de cigarro 
que não fumo, até hoje não fumei. 
Minhas meias falam de produto 
que nunca experimentei 
mas são comunicados a meus pés. 
Meu tênis é proclama colorido 
de alguma coisa não provada 
por este provador de longa idade. 
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, 
minha gravata e cinto e escova e pente, 
meu copo, minha xícara, 
minha toalha de banho e sabonete, 
meu isso, meu aquilo, 
desde a cabeça ao bico dos sapatos, 
são mensagens, 
letras falantes, 
gritos visuais, 
ordens de uso, abuso, reincidência, 
costume, hábito, premência, 
indispensabilidade, 
e fazem de mim homem-anúncio 
itinerante, 
escravo da matéria anunciada. 
Estou, estou na moda. 
É duro andar na moda, ainda que a 
moda 
seja negar minha identidade, 
trocá-la por mil, açambarcando 
todas as marcas registradas, 
todos os logotipos do mercado. 
Com que inocência demito-me de ser 
eu que antes era e me sabia 
tão diverso de outros, tão mim mesmo, 
ser pensante, sentinte e solidário 
com outros seres diversos e conscientes 
de sua humana, invencível condição. 
Agora sou anúncio, 
ora vulgar ora bizarro, 
em língua nacional ou em qualquer 
língua 
(qualquer, principalmente). 
E nisto me comparo, tiro glória 
de minha anulação. 
Não sou - vê lá - anúncio contratado. 
Eu é que mimosamente pago 
para anunciar, para vender 
em bares festas praias pérgulas 
piscinas, 
e bem à vista exibo esta etiqueta 
global no corpo que desiste 
de ser veste e sandália de uma essência 
tão viva, independente, 
que moda ou suborno algum a 
compromete. 
Onde terei jogado fora 
meu gosto e capacidade de escolher, 
minhas idiossincrasias tão pessoais, 
tão minhas que no rosto se espelhavam 
e cada gesto, cada olhar 
cada vinco da roupa 
sou gravado de forma universal, 
saio da estamparia, não de casa, 
da vitrine me tiram, recolocam, 
objeto pulsante mas objeto 
que se oferece como signo de outros 
objetos estáticos, tarifados. 
Por me ostentar assim, tão orgulhoso 
de ser não eu, mas artigo industrial, 
peço que meu nome retifiquem. 
Já não me convém o título de homem. 
Meu nome novo é coisa. 
Eu sou a coisa, coisamente. 
 
Carlos Drummond de Andrade 
In Corpo, Cia das Letras, 1984. 
(escrito em 1970) 
 
 
 
http://pensador.uol.com.br/autor/carlos_drummond_de_andrade/
 
25 
ANEXO 2 
 
 
PIRÂMIDE DE MASLOW 
 
 
 
 
Fonte: SCHERMANN, 2018. 
 
 
 
 
26 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 
 
ANDRADE, Carlos Drummond. Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 1984. 
BAUMAN, Zygmut. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. 
Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 
BOOK, FURTADO E TEIXEIRA. Psicologias, uma introdução ao estudo de Psicologia. 
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SITES 
www.aartedamarca.com.br - Dossiês Universo Jovem MTV 
www.ecycle.com.br 
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