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Diabetes na atenção primária 1-Conceito: O termo “diabetes mellitus” (DM) refere-se a um transtorno metabólico de etiologias heterogêneas, caracterizado por hiperglicemia e distúrbios no metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de defeitos da secreção e/ou da ação da insulina. O DM vem aumentando sua importância pela sua crescente prevalência e habitualmente está associado à dislipidemia, à hipertensão arterial e à disfunção endotelial. É um problema de saúde considerado Condição Sensível à Atenção Primária, ou seja, evidências demonstram que o bom manejo deste problema ainda na Atenção Básica evita hospitalizações e mortes por complicações cardiovasculares e cerebrovasculares. 2- Epidemiologia: As tentativas de estudos epidemiológicos para elucidar a história natural e a patogênese do diabetes baseiam-se apenas nas alterações glicêmicas, apesar da grande variedade de manifestações clínicas e condições associadas. Nas últimas décadas, várias evidências foram acumuladas, sugerindo mecanismos etiologicamente diferentes, tais como genéticos, ambientais e imunológicos, os quais possuem importante papel na patogênese, no curso clínico e no aparecimento de complicações do diabetes. Existem evidências de que indivíduos com diabetes mal controlado ou não tratado desenvolvem mais complicações do que aqueles com o diabetes bem controlado. Apesar disso, em algumas circunstâncias, as complicações do diabetes são encontradas mesmo antes da hiperglicemia, evidenciando a grande heterogeneidade desse distúrbio metabólico. Além disso, ainda não está claro o quanto as complicações crônicas do diabetes são resultantes da própria hiperglicemia ou de condições associadas, como deficiência de insulina, excesso de glucagon, mudanças da osmolaridade, glicação de proteínas e alterações lipídicas ou da pressão arterial. Vários estudos epidemiológicos sugerem um importante papel do meio ambiente nos períodos iniciais da vida, tanto na fase intrauterina como nos primeiros anos de vida. Indivíduos com baixo peso ao nascer apresentam níveis plasmáticos mais elevados de pró-insulina, indicativo de maior risco para o desenvolvimento futuro de diabetes tipo 2 ou de síndrome metabólica.7 Estudos mais recentes evidenciam uma relação na forma de U, em que o risco de desenvolver diabetes tipo 2 é maior nos nascidos com baixo peso como nos com peso elevado (≥ 4 kg). 3- Classificação do diabetes e pré-diabetes: O pré-diabetes é uma situação intermediária entre a homeostase normal da glicose e o diabetes, que já apresentam risco aumentado de complicações micro e macrovasculares, sendo, portanto, necessária a identificação eficiente e precoce desses casos. Na GJA, a glicemia de jejum apresenta valor inferior para critério diagnóstico de DM, porém acima do valor normal. Já a TDG apresenta uma anormalidade na regulação da glicemia no período pós-prandial, diagnosticado por meio do teste oral de tolerância à glicose (TOTG). 4- Tipos de diabetes:O DM Tipo 1 é a forma observada em 5 − 10% dos casos de DM, sendo caracterizada por um processo imunomediado nas células β do pâncreas, levando à sua destruição e consequente deficiência de insulina. A fisiopatologia do DM Tipo 1 envolve fatores genéticos e ambientais e podem ser identificados marcadores de autoimunidade anos antes do diagnóstico clínico (auto anticorpos anti-ilhotas (ICA e tirosina fosfatase IA-2), anti-insulina, antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD) e antitransportador de zinco (Znt8). A velocidade da perda de massa de célula β e destruição funcional é variável, geralmente mais rápida na criança e mais lenta na forma de DM autoimune do adulto (LADA — latent auto-imune diabetes in adults). O DM Tipo 2 é a forma mais prevalente de DM, responsável por 90 − 95% de todos os casos e tem como principais características a deficiência na secreção e ação da insulina (resistência insulínica) e aumento da produção hepática de glicose. Nos últimos anos, foi possível a identificação de outros fatores envolvidos na fisiopatologia do DM Tipo 214, assim como fatores genéticos e ambientais. Porém, ao contrário do DM Tipo 1, não existem marcadores específicos de autoimunidade. A prevalência do DMG depende da população estudada e ocorre em 1 − 14% de todas as gestações, com impacto na morbimortalidade perinatal. Esta forma de DM caracteriza-se por qualquer intolerância à glicose iniciada durante a gestação devido à resistência insulínica e menor secreção da célula β. O DMG é definido como uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que se iniciou durante a gestação atual e não preenche os critérios diagnósticos de diabetes mellitus. Devido ao risco de 10 − 63% de desenvolverem DM no período de 5 − 15 anos após o parto, todas as gestantes com DMG devem ser reclassificadas em diabetes, pré-diabetes ou normais cerca de 6 semanas após o parto. 5-Fatores de risco para Diabetes Mellitus em adultos: 1.Sedentarismo; 2. Parentes de primeiro grau com diabetes; 3. Mulheres que deram à luz a um RN macrossômico ou desenvolveram diabetes gestacional (DMG); 4. Mulheres com síndrome de ovário policístico; 5. Hipertensão arterial; 6. Doença hepática gordurosa não alcóolica; 7. HDL-col 250 mg/dL; 8. HbA1c ≥ 5.7%, glicemia de jejum alterada (GJA) ou tolerância à glicose diminuída (TGD); 9. Outras condições clínicas associadas à resistência insulínica (ex.: obesidade com IMC≥30 kg/m2, acanthose nigrans); 10. História de doença cardiovascular prévia. 6- Rastreamento: As ações para rastreamento do DM devem inicialmente identificar indivíduos com alto risco de desenvolver a doença, para posterior realização de testes com maior sensibilidade e especificidade disponíveis. Uma vez confirmado o diagnóstico, as medidas implementadas terão forte impacto em desfechos clínicos em pessoas portadoras de diabetes e, além disso, podem auxiliar políticas de saúde no diagnóstico e tratamento da doença e suas complicações. 7-Diagnóstico: deve ser realizado com base no critério da glicemia, seja utilizando a glicemia de jejum (GJ), seja utilizando a glicemia aferida no pós- -prandial (TOTG 2 horas) após 75 g de glicose via oral. Pode também ser utilizado o critério da hemoglobina glicada (HbA1c). Os testes devem ser iniciados a partir de 45 anos de idade se não existirem fatores de risco. Se normais, repetidos a intervalos de 3 anos e, se pré-diabetes ou com mais de 2 fatores de risco, repetir anualmente. Testes diagnósticos devem ser considerados para faixa etária menor ou igual a 18 anos. 8- Prevenção: Prevenção primária do DM Tipo 1: baseado em poucos estudos clínicos de intervenção populacional, as propostas mais aceitáveis são o estímulo ao aleitamento materno, evitando-se o uso de leite de vaca nos primeiros três meses de vida. Prevenção primária do DM Tipo 2: sendo uma condição frequentemente associada à obesidade, hipertensão arterial e dislipidemia, as intervenções devem prevenir este conjunto de doenças, e desta maneira também prevenir o aparecimento de doença cardiovascular e reduzir sua morbimortalidade. A população de alto risco em desenvolver diabetes foi descrita na seção 2.4, quadro 5, e neste grupo, atenção especial deve ser dada ao grupo de pacientes que atendem aos critérios de pré-diabetes. De acordo com dados da IDF, existem aproximadamente 840 milhões de pessoas com pré-diabetes no mundo. Os estudos de prevenção primária foram feitos com indivíduos com pré-diabetes e forneceram as evidências que mudanças no estilo de vida (MEV), isto é, mudanças na alimentação e aumento de atividade física para a combater o ganho de peso, estão associadas a menor incidência de diabetes. 9- Acompanhamento e metas terapêuticas para diabetes mellitus: As atuais metas terapêuticas têm como referência as diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes de 2015, da Associação Americana de Endocrinologia Clínica de 2016 (AACE)18 e da Associação Americana de Diabetes (ADA) de 2016. Além disso, as diretrizespriorizam o conceito de abordagem centrada no paciente, o qual deve ser sempre considerado na escolha do tratamento as necessidades, preferências e valores, flexibilizando, portanto, os alvos terapêuticos e individualizando o tratamento. 10- Manejo de complicações agudas e crônicas da DM As complicações agudas do DM incluem a descompensação hiperglicêmica aguda, com glicemia casual superior a 250 mg/dl, que pode evoluir para complicações mais graves como cetoacidose diabética e síndrome hiperosmolar hiperglicêmica não cetótica, e a hipoglicemia, com glicemia casual inferior a 60 mg/dL. Essas complicações requerem ação imediata da pessoa, da família ou dos amigos, e do serviço de Saúde. A orientação adequada ao paciente e à família e a disponibilidade de um serviço de pronto atendimento, telefônico ou no local, são fundamentais para auxiliar a pessoa a impedir que o quadro evolua para quadros clínicos mais graves. A história natural do DM tipo 1 e tipo 2 é marcada pelo aparecimento de complicações crônicas. Algumas, referidas como microvasculares, são específicas do diabetes, como a retinopatia, a nefropatia e a neuropatia diabética. Outras, ditas macrovasculares, mesmo não sendo específicas do diabetes, são mais graves nos indivíduos acometidos, sendo a principal causa da morbimortalidade associada ao diabetes. O risco de desenvolver complicações crônicas graves é muitas vezes superior ao de pessoas sem diabetes – 30 vezes para cegueira, 40 vezes para amputações de membros inferiores, 2 a 5 vezes para IAM e 2 a 3 vezes para AVC (DONELLY, 2000). A patogenia dessas complicações ainda não está totalmente esclarecida. A duração do diabetes é um fator de risco importante, mas outros fatores como hipertensão arterial, fumo e colesterol elevado interagem com a hiperglicemia, determinando o curso clínico da micro e da macroangiopatia (DONELLY, 2000). Sabe-se também que as complicações micro e macrovasculares apresentam fatores de risco e mecanismos comuns – a hiperglicemia, a obesidade, a resistência à ação da insulina, a inflamação branda e crônica e a disfunção endotelial. Caracterizados pela síndrome metabólica, esses processos causais determinam o diabetes e suas complicações, apresentando interfaces moleculares que constituem alvos terapêuticos comuns. O controle da obesidade, por exemplo, mostra melhora em todos os parâmetros da síndrome metabólica. A implementação simultânea de medidas farmacológicas e não farmacológicas, com o objetivo de controlar a hiperglicemia, a hipertensão, a dislipidemia e a microalbuminúria, quando comparada a intervenções tradicionais, foi eficaz na redução de várias complicações do diabetes tipo 2, em um acompanhamento de 7 a 8 anos, reduzindo em 53% o risco de doença cardiovascular, em 58% o desenvolvimento de retinopatia, em 61% a incidência de nefropatia e em 63% de neuropatia autonômica (GAEDE, 2003) [GRADE B]. Desta forma, fica evidente a necessidade de se integrar planos de prevenção e controle de doenças micro e macrovasculares. Por essa razão, a abordagem geral de hábitos de vida sudáveis apresentadas no Cadernos de Atenção Básica, nº 35 – Estratégias para o Cuidado da Pessoa com Doença Crônica pode ser utilizada também para quem tem diabetes. 11-Tratamento na atenção básica: educação voltada para a autogestão do DM é o processo de facilitação de conhecimentos, habilidades e capacidades necessárias para o autocuidado da doença. Os objetivos globais da educação em DM, com relação ao indivíduo, são: apoiar a tomada de decisão, orientar o autogerenciamento e a resolução de problemas, bem como promover a colaboração ativa entre paciente e equipe de saúde, a fim de melhorar os resultados clínicos, o estado de saúde e a qualidade de vida de maneira eficaz em termos de custos. É preciso aplicar um estilo de comunicação centrado no paciente, que incorpore as suas preferências, avaliando-se, ainda, seu grau de alfabetização e as barreiras culturais que podem influenciar esse cuidado. O grau de alfabetização do paciente tem impacto significativo sobre a sua capacidade de autogestão; quando ela é deficitária, existe um risco maior de resultados negativos no tratamento*. A Associação Americana de Educadores em Diabetes (American Association of Diabetes Educators, AADE) relata que a construção de comportamentos saudáveis é apropriada para um programa de autogerenciamento da saúde, servindo como base para que indivíduos com a doença incluam uma alimentação saudável em seu estilo de vida, como parte do autocuidado. Essa construção apoia mudanças dietéticas e a prática de atividade física, com o objetivo de promover a perda ou a manutenção do peso. Conscientizar o paciente da importância de um planejamento alimentar balanceado deve ser prioridade em todos os programas voltados a indivíduos com DM. Indivíduos com DM, tipos 1 e 2, e seus familiares devem ser inseridos em programas de educação nutricional desde o diagnóstico, com abordagem sobre a importância do autocuidado e da independência quanto a decisões e atitudes ligadas à alimentação e ao controle metabólico (B).2 Por meio desse conhecimento, o indivíduo com DM poderá compreender a importância e a influência dos alimentos na homeostase glicêmica, bem como estar ciente da prevenção de complicações. Estratégias educacionais incluem atividades em grupos operativos, oficinas e palestras. A alimentação está diretamente relacionada a questões psicossociais e culturais; é necessário, portanto, inserir considerações pertinentes no processo educativo (C). 12- Consulta médica: avaliação na atenção básica A consulta de avaliação inicial com diagnóstico de DM será realizada pelo médico da Atenção Básica. Nessa conduta, o profissional precisará identificar os fatores de risco, avaliar as condições de saúde, estratificar, se necessário, o risco cardiovascular da pessoa, e orientar quanto à prevenção e ao manejo de complicações crônicas. A consulta médica deverá incluir quatro aspectos fundamentais: história da pessoa, exame físico, avaliação laboratorial e estratificação de risco cardiovascular.
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