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>>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 145 Sistematização da Assistência de Enfermagem: Dialética entre o Real e o Ideal Mirelle Inácio Soares1, Silvia Helena Henriques Camelo1, Zélia Marilda Rodrigues Resck2, Beatriz Regina da Silva1, Gilberto dos Reis Machado1, Laura Andrian Leal1 1 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. mirelle_soares83@usp.br, shcamelo@eerp.usp.br, reginagava@yahoo.com.br, brito.machado@bol.com.br, lauraleal4@hotmail.com 2 Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas-‐MG, Brasil. zelia.resck@unifal-‐mg.edu.br Resumo. Objetivou-‐se conhecer a dicotomia entre a teoria e a prática da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) na práxis profissional do enfermeiro, bem como compreender o papel dos centros formadores no ensino-‐aprendizagem da mesma. Estudo qualitativo, fundamentado na Hermenêutica-‐ Dialética, constituindo-‐se de 32 enfermeiros utilizando a técnica de grupo focal. O material foi transcrito na íntegra e por meio de análise de conteúdo foram extraídas duas categorias “Dicotomia entre a teoria e a prática da SAE na práxis profissional e Os centros formadores e o ensino-‐aprendizagem da SAE”. Os resultados mostraram que ainda há um discrepante distanciamento entre a teoria e a prática da SAE. Assim, para romper essa dicotomia, os enfermeiros deverão sempre buscar o sucesso da operacionalização da SAE. Palavras-‐chave: Hospitais, Enfermeiros, Processos de Enfermagem, Universidades, Teoria de Enfermagem. Systematization of nursing care: Dialectic between the Real and the Ideal Abstract. This study aimed to know the dichotomy between theory and practice of Systematization of Nursing Assistance (SNA) in professional nursing praxis, and to understand the role of training centers in the teaching and learning of it. A qualitative study, based on hermeneutics-‐dialectics, consists of 32 nurses and uses the focus group technique. The material was fully transcribed and with the content analysis were extracted two categories “dichotomy between theory and practice of SAE in professional praxis and the training centers and the teaching and learning of SNA”. The results showed that there is a discrepancy gap between the theory and practice of SNA. So, to break this dichotomy, nurses should always seek success in the implementation of the SNA. Keywords: Hospitals, Nurses, Nursing processes, Universities. Nursing Theory. 1 Introdução A organização hospitalar é uma das mais complexas dos serviços de saúde devido à coexistência de inúmeros processos assistenciais e administrativos, das diversas linhas de produção simultânea e da fragmentação dos processos de decisão assistencial com a presença de uma equipe multiprofissional com elevado grau de autonomia (Osmo, 2012). É importante ressaltar que o enfermeiro gerencia o cuidado quando o planeja, prevê e provê recursos, capacita sua equipe, educa seu usuário, interage com outros profissionais e ocupa espaços para conseguir concretizar melhorias na assistência, sendo fundamental que se aproprie da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) para transformar o processo de cuidar no sentido de obter os melhores resultados para a assistência (Torres, Silvino, Christovam, Andrade, & Fuly, 2011). Todavia, há que se destacar que para a efetivação da SAE, desafios devem ser enfrentados pelos enfermeiros, sendo estes profissionais responsáveis pela sua implementação no cotidiano de trabalho. Contudo, a SAE demanda aos enfermeiros conhecimentos específicos na condução deste >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 146 processo, além de prever a participação de toda equipe de enfermagem para que a mesma se concretize. Pensando nisso, na tentativa de facilitar a operacionalização da SAE, muitas vezes, o enfermeiro faz a opção pela forma fragmentada de trabalho. Apesar disso, esse trabalho embora sistematizado, ainda permanece em falta com a prática assistencial, estando mais presente no cenário ideal, ou seja, aquele esperado para a garantia da excelência da qualidade da assistência norteado pelos modelos gerenciais e assistenciais fundamentados nas teorias administrativas, do que no fazer real do cotidiano no cenário hospitalar (Soares, Resck, Terra, & Camelo, 2015). Assim, preocupados em aprofundar sobre os desafios que permeiam o processo de implantação da SAE para o gerenciamento do cuidado de enfermagem no cenário das instituições hospitalares, apresentamos os seguintes questionamentos: “Quais os obstáculos enfrentados pelos enfermeiros na implementação da SAE na práxis profissional? Como se dá o ensino-‐aprendizagem da SAE pelos centros formadores?” Acerca da relevância desse assunto, justifica-‐se este estudo com o intuito de contribuir para a reflexão dos enfermeiros e dos centros formadores sobre a necessidade de romper a dicotomia entre o que é preconizado e o que é realizado no cotidiano da enfermagem sobre aimplementação da SAE, visto que essa ferramenta apresenta-‐se como respaldo legal da profissão para somar e avigorar a autonomia do profissional. Nesse contexto, o objetivo do estudo foi conhecer a dicotomia entre a teoria e a prática da SAE na práxis profissional do enfermeiro, bem como compreender o papel dos centros formadores no seu ensino-‐aprendizagem. 2 Métodos Trata-‐se de um estudo de abordagem qualitativa, ancorado no referencial teórico-‐metodológico da Hermenêutica-‐Dialética. A abordagem qualitativa é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os seres humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus elementos e a si mesmos, sentem e pensam (Minayo, 2010). A Hermenêutica-‐Dialética é considerada um referencial metodológico de pesquisa de natureza empírica, onde revela uma crença no processo de movimento que existe permanentemente na sociedade, bem como na edificação histórica e na capacidade de transformação e de superação das contradições por meio da práxis (Silva & Sena, 2003). O campo de desenvolvimento desta investigação foi o cenário de atuação de enfermeiros, constituído de três Hospitais de um município do Sul de Minas Gerais, sendo dois públicos, dentre esses um de ensino e um privado. Foram convidados a participar da pesquisa 85 enfermeiros das referidas instituições, sendo os convites efetuados mediante carta, via telefônica e eletrônica. Destes, participaram da pesquisa 32 enfermeiros. A coleta do material empírico ocorreu do mês de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013, na qual utilizou a técnica de grupo focal com o auxílio de gravadores digitais. Foram realizados seis encontros, onde calhou um grupo focal com quatro enfermeiros no hospital privado, dois grupos focais no hospital público, sendo que os dois grupos realizados, ambos foram constituídos por sete enfermeiros, e três grupos focais no hospital público de ensino, sendo que o primeiro grupo foi constituído por cinco enfermeiros, o segundo por quatro enfermeiros e o terceiro por cinco enfermeiros. >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 147 Vale ressaltar que os grupos focais foram organizados de acordo com os períodos de trabalho, ou seja, plantão da manhã, tarde e noite. O critério de inclusão utilizado foi a disponibilidade de cada enfermeiro para participar dos grupos focais e os critérios de exclusão foram de no ato da pesquisa os enfermeiros estarem em situação de licença médica, maternidade ou férias. Os participantes pertencentes a cada grupo focal foram identificados pela letra “E” e receberam uma numeração em algarismo arábico sequencial, garantindo-‐se, assim, o anonimato das falas. Desse modo, foram referenciados de E1 a E32. Para a análise dos dados utilizou-‐se a técnica de análise de conteúdo referenciada por Minayo (2010), constituindo-‐se de três fases: a pré-‐análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-‐MG) com CAAE 08899312.8.0000.5142. Assim, os enfermeiros assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme preconiza a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/12 (2012). 3 Resultados 3.1 Caracterização dos participantes Os participantes do estudo foram 32 enfermeiros responsáveis por unidades ou setores hospitalares de pequena, média e alta complexidade. Dentre esses, predominou o sexo feminino (81,25%), o que corrobora aos aspectos sócios históricos da profissão. A faixa etária ficou entre 25 a 45 anos, revelando uma população jovem ocupando atividades gerenciais na instituição. Em relação ao tempo de formação acadêmica, os participantes do estudo apresentavam entre um a 20 anos de formados, sendo que 10 foram técnicos de enfermagem antes de concluírem a Graduação em Enfermagem (31,25%); duas enfermeiras possuem mais de 20 anos de formadas (6,25%); sete mais de 10 anos (21,875%) e, o restante, 23, entre um e 10 anos de formados (71,875%). Vale destacar que 68,75% dos enfermeiros foram certificados por instituições privadas. Quanto ao grau de escolaridade, os dados mostraram que todos os profissionais possuíam algum tipo de Pós-‐Graduação Lato Sensu (100%) e somente uma enfermeira possuía Pós-‐Graduação Stricto Sensu (3,125%), ou seja, mestrado acadêmico. A análise dos discursos dos entrevistados permitiu reflexões sobre suas percepções em relação a dicotomia entre a teoria e a prática da SAE, as quais permitiram identificar duas categorias. Na categoria 1, Dicotomia entre a teoria e a prática da SAE na práxis profissional, os enfermeiros do nosso estudo consideram que há um descompasso entre a teoria e a prática, sendo observado nos seus discursos dificuldades para implantar a SAE durante a prestação do cuidado na sua práxis profissional: [...] na faculdade, a gente aprende a sistematização de enfermagem inteira, infelizmente, aqui hoje agente não consegue colocar em prática isso ainda [...] (E12) [...] a gente faz um pouco dessa sistematização, pelo o que eu conheço a SAE, a gente aqui faz um pouco de forma informal, não faz sistematizado, não vê resultado, não acrescenta, não tira. (E16) >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 148 Os depoimentos demonstram reconhecimento dos profissionais pela necessidade da prática de enfermagem sistematizada, porém, há que se destacarem fatores intervenientes desta prática. Algumas vezes, estes profissionais deixam de levantar os diagnósticos de enfermagem do paciente e de planejar os cuidados, ficando a assistência limitada a ações isoladas no decorrer de suas tarefas. [...] eu saí com uma formação para assistencial, porque se me colocasse na assistência eu daria muito bem [...] se eu pegar um paciente para cuidar, cuido muito bem dentro das técnicas, o que precisa ser feito [...] (E19) [...] eu me formei muito técnica, eu não tinha essa noção de estar atenta a um exame, estar atenta se ele é um paciente contaminado [...] (E27) Nessa perspectiva, a visão dos enfermeiros sobre a SAE esteve relacionada principalmente a algo difícil e complexo, dependente de múltiplos fatores, desde os estruturais e financeiros, com aqueles relacionados com o compromisso de toda a equipe envolvida no processo, até fatores associados a recursos humanos. [...] Por contrapartida, eu vejo que nós temos um problema de recursos humanos, porque às vezes, eles não reconhecem a real necessidade de você pedir um funcionário a mais [...] (E1) [...] O que acontece também, às vezes, é quando o número do colaborador também não é suficiente, aí o enfermeiro acaba fazendo a função do colaborador e ele não consegue de jeito nenhum fazer uma sistematização [...] (E14) Contudo, apreende-‐se também pelos depoimentos dos enfermeiros que mesmo com a Lei do Exercício Profissional preconizada desde a década de 1980, ainda, para eles, é quase que recente a normatização da SAE, como descrito abaixo: [...] quando eu fiz faculdade, a gente não trabalhava sistematização assim, a gente falava processo de enfermagem, então eu vim a aprender isso, reforçar esse aprendizado bem mais tarde. (E4) [...] quando eu formei, não via sistematização [...] a gente fazia aleatoriamente, só não estava implantado. (E28) Nesse sentido, os enfermeiros vão para a práxis trabalhadora e, algumas vezes, se perde, tendo em vista que, na formação, pontos fundamentais da teoria em junção com a prática passaram despercebidos como, por exemplo, a questão do planejamento do cuidado que é um dos aspectos fundamentais do processo de sistematização da assistência. Acho que a questão de planejamento é uma questão muito séria que a gente não sabe, não sai com essa questão de planejamento, a gente não sabe planejar [...] Então, isso faz parte do nosso hoje, os enfermeiros hoje, eles não têm essa formação, eles não têm essa visão [...] (E19) >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 149 Já na categoria 2, os centros formadores e o ensino-‐aprendizagem da SAE, a dicotomia entre o que se aprende nas universidades durante a formação acadêmica e o que se vivencia na prática tem sido muito discutida na enfermagem e é percebida pelos enfermeiros como um choque de realidades. [...] A academia vai lá com o acadêmico de enfermagem, ele assume um paciente e ele fica com aquele paciente ali o tempo todo [...] não está errado [...] só que quando ele chega na realidade do serviço de saúde, ele leva um choque muito grande, porque ele vê que não é só aquilo. E a questão da sistematização também na faculdade ela é uma beleza, ela é só para aquilo. (E3) Os enfermeiros destacam que os docentes, algumas vezes, exigem dos alunos a implementação da SAE quando estão atuando diretamente nas práticas hospitalares, influenciando positivamente no processo de ensino-‐aprendizagem desta ferramenta: [...] porque na faculdade as pessoas, como nós enfermeiros, às vezes, a gente pegava um paciente e o professor pedia para a gente listar dez diagnósticos [...] (E3) Ainda, no que diz respeito a formação acadêmica dos enfermeiros, há que se aprimorar atividades relacionadas a SAE, no sentido de estimular a sua execução no processo assistencial. Os enfermeiros reconhecem a importância do uso da SAE como um instrumento para o planejamento e organização da assistência, porém, revelam confusões no que tange ao ensino-‐aprendizagem das etapas do Processo de Enfermagem (PE), em que se demonstra uma fragmentação clara entre a teoria e a prática. Nesse sentido, os relatos dos enfermeiros permitem dizer que, embora tiveram a teoria durante a sua formação, os centros formadores ainda oferecem poucas oportunidades de colocá-‐la em prática, sendo isto considerado também um de seus papéis.[...] teoricamente, a gente tem muito, mas pôr na prática, passar aquilo para o dia-‐a-‐dia é muito difícil, eu não consigo [...] passar o que eu aprendi teoricamente da sistematização para a prática [...] (E18) [...] a dificuldade é exatamente essa, é operacionalizar, você detém o conhecimento, mas você chega, você não sabe [...] porque está desvinculado, não está articulado, acho tentar articular melhor isso lá na prática [...] (E23) Pensando nisso, as universidades devem utilizar metodologias de ensino onde o discente, ao mesmo tempo que visualiza a teoria, a vivencia na prática, conformando os saberes gerenciais, o que foi relatado por alguns enfermeiros deste estudo. [...] é aquela coisa de ir para comunidade logo no primeiro ano, de estar vivenciando a realidade ali mesmo das pessoas [...] tem que ser muito próxima, teoria e prática. (E23) [...] quando você vivencia, aí você consegue ligar a teoria, enxergar aquilo que você via lá na faculdade, lá no quadro, no slide e tudo, mas quando você só está lá no slide, você não consegue ter uma visão daquilo na real. (E24) >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 150 Assim, considerando que um dos processos de trabalho do enfermeiro é o gerenciar e que este profissional historicamente tem assumido cargos de coordenação e/ou atividades gerenciais em serviços de saúde, torna-‐se relevante que as instituições, inclusive de ensino, instrumentalize seus alunos para implementar a SAE. 4 Discussão As constantes demandas sociais e as transformações no mundo do trabalho exigem permanentes revisões nos modos de operar, com evidência para o ensino superior. Superar a dicotomia entre a teoria e a prática continua sendo um grande desafio para os órgãos formadores e para as instituições hospitalares (Silva, Rozendo, Brito, & Costa, 2012). Na expectativa de compreender as vivências pelos enfermeiros a respeito da SAE, observa-‐se que existe certo distanciamento entre a teoria e a prática de enfermagem. A partir dessa premissa, ainda persiste a prática fragmentada entre o ato de gerenciar/assistir, embora ambos sejam reconhecidos como fundamentais para o desenvolvimento da prática efetiva do enfermeiro, bem como para a sua visibilidade profissional. Mais do que isso, ambos são essenciais para o exercício legal da profissão que pretende cumprir seu papel, ou seja, uma enfermagem defensora dos direitos do paciente e sua aliada na luta por serviços e práticas de saúde de qualidade e acessível a todos (Montezeli & Peres, 2009). No entanto, a dificuldade para implantação da SAE pode estar relacionada a diversos fatores, sendo que o primeiro contato com este instrumento deve acontecer na academia, ou seja, na formação profissional do enfermeiro, para que diante da realidade dos serviços, possa utilizá-‐la de forma acertada e eficaz. Em outra perspectiva, a formação acadêmica dos enfermeiros, muitas vezes, contribui para que estes não busquem nem apliquem a SAE de forma constante no planejamento e organização do seu trabalho, uma vez que, pesquisas revelam que durante as aulas práticas, pode-‐se perceber preocupação maior, tanto por alguns docentes, quanto pela maioria dos alunos, em adquirir habilidades técnicas (Andrade & Vieira, 2005). Assim, esses apontamentos mostram preocupação dos enfermeiros, ao se pretenderem confrontar o saber adquirido e sua aplicação na vivência no seu cotidiano profissional. Sobre este assunto, alude-‐ se que nem sempre é possível concretizar o saber adquirido na assistência, visto que a academia, muitas vezes, se coloca distante da realidade dos serviços de saúde, não considerando problemas organizacionais, estruturais e outros para a implantação da SAE. Este fato deve gerar inseguranças e descrédito nos futuros profissionais, principalmente, quando situações de ensino situam-‐se no nível do ideal sistematizado, enquanto os serviços mostram uma demanda diversa, complexa que necessita da aprendizagem de ferramentas específicas para uma prática concreta e eficaz. No entanto, é notório enfatizar que o déficit de recursos humanos, neste estudo, é destacado como uma das dificuldades dos enfermeiros na implantação da SAE, implicando na qualidade da assistência de enfermagem prestada. Sendo assim, o enfermeiro precisa desenvolver conhecimentos e habilidades na execução das ações, utilizando-‐se de meios e instrumentos como a observação, a comunicação, a aplicação e os princípios científicos, bem como desenvolver destreza manual, planejamento, avaliação e estimular o compromisso e o envolvimento da equipe para a prática profissional (Kroger, Bianchini, Oliveira, & Santos, 2010). Diante disso, considerando que o aprendizado é o alicerce necessário para a implantação da SAE diante da complexidade do processo e do contexto de atuação hospitalar, o mesmo deve constituir o >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//InvestigaciónCualitativa en Salud//Volume 2 151 primeiro ponto a ser valorizado e ser o foco do investimento institucional e pessoal (Silva & Moreira, 2011). É importante relatar que, apesar das exigências legais para a implantação da SAE e das tentativas realizadas pelos enfermeiros, ainda são incipientes as experiências de sucesso sobre esse instrumento de trabalho. Os enfermeiros reconhecem um saber insuficiente de modelos teóricos, dificuldade para implantação da SAE na realidade dos serviços desde a formação acadêmica, além da grande demanda de serviços burocráticos. Nesse sentido, os centros formadores devem comprometer-‐se com a formação profissional, adequando os planos de ensino à realidade a ser aplicada e estabelecendo diretrizes capazes de articular à teoria com a prática. A dicotomia entre o que se aprende na escola e o que se faz na prática é foco de muitas discussões na enfermagem. Nesse aspecto, a implementação da SAE é uma delas (Venturini, Matsuda, & Waidman, 2009). Vale ressaltar que as instituições formadoras cumprem com o seu papel de passar conhecimentos para os futuros profissionais, cabendo às mesmas uma parcela considerável de compromisso quanto ao preparo do enfermeiro numa abordagem científica, organizada e sistematizada. Porém, barreiras são encontradas nessa trajetória, tais como as realidades institucionais, em que não se utilizam metodologias assistenciais, dificultando o desempenho didático bem como, o despreparo dos docentes, uma vez que a maioria destes durante sua formação, não teve oportunidade de desenvolver habilidades para a SAE (Andrade & Vieira, 2005). Destarte, a necessidade de novos enfoques para a produção do conhecimento científico e da intervenção prática da SAE com o objetivo de vislumbrar o ser humano como um ser integral por meio da interdisciplinaridade no trabalho em saúde só foi intensificada a partir da década de 80 com o conceito ampliado de saúde (Souza & Souza, 2009). Na formação acadêmica, apesar de obter conhecimentos acerca do processo gerencial, o enfermeiro ainda vivencia conflitos e inseguranças no decorrer da sua atuação ocupacional, sobretudo no contexto da SAE. Isso se dá pelo fato de esse profissional ao incorporar funções gerenciais ao seu trabalho, que, somando-‐se às demais atribuições, gera uma dicotomia entre o que se espera dele, na visão dos teóricos de enfermagem e o que se verifica em seu cotidiano nas instituições hospitalares (Nóbrega, Matos, Silva, & Jorge, 2008). Contudo, entre as diversas situações conflitantes, como o desencontro entre os pensamentos dos profissionais enfermeiros envolvidos na assistência acerca da SAE, um dos fatores principais ligados a essa fragmentação entre a teoria e a prática, corresponde às falhas apontadas no processo de formação do enfermeiro, contribuindo para convicções comuns dessa temática como mais um trabalho que não funciona. Essa reflexão fortalece a necessidade de o enfermeiro adquirir, ao longo de sua formação, a visão do todo, realizando o planejamento na gerência da assistência, compreendendo que a SAE é um instrumento assistencial para realizar suas ações, desde o pensar estratégico na sua implantação, envolvendo conhecimento teórico e habilidade prática (Silva & Moreira, 2010; Gomes & Brito, 2012). Para tanto, o futuro profissional enfermeiro necessita, durante a sua formação, de ser capaz de planejar, organizar e desenvolver ações de modo a suprir as necessidades do paciente com resolubilidade (Benito & Finatto, 2010). Nesse sentido, a maioria dos profissionais reconhece a SAE como estratégia desenvolvida pela enfermagem na aplicação de seus conhecimentos na assistência ao paciente. Entretanto, não basta reconhecê-‐la com um método sistemático e prático na aplicação dessa assistência, é necessário que haja envolvimento maior da equipe no processo de implantação da mesma, conhecendo seus princípios, passo a passo e, principalmente sabendo como cada um destes deve ser executado no cotidiano do processo de trabalho (Amante, Rossetto, & Schneider, 2009). >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 152 5 Conclusões Acredita-‐se que com o fluxo dos depoimentos apreendidos peregrinou para vislumbrar os cenários do cotidiano do enfermeiro em que ainda ocorre uma fragmentação no seu processo de trabalho, no qual este profissional, por diversos motivos, não concretiza a sistematização da assistência de enfermagem (SAE) de forma individualizada. Nesse contexto, vale ressaltar que, por meio dos grupos focais, foram pontuadas várias situações em que, às vezes, o profissional deixa de implementar a SAE, em função do que lhe é imposto na instituição diante das mudanças e transformações globais. É notório enfatizar que pela percepção dos enfermeiros participantes deste estudo, ainda há um discrepante distanciamento entre a teoria e a prática, em que os profissionais pontuaram em vários momentos que a academia ensina parcialmente o discente a sistematizar o cuidado, porém, a realidade dos serviços de saúde e os recursos,o impedem de implementar diversas ações que concretize esta realidade. Faz-‐se necessário que os centros formadores reavaliem o modo como vêm transmitindo os conhecimentos aos alunos, e a utilização de metodologias ativas que provoquem o estímulo destes profissionais para colocar em prática suas funções de acordo com o que está previsto na legislação desta profissão. Diante desses entraves, seria necessária propostas de superação tanto dos centros formadores quanto das instituições hospitalares para estar promovendo constantemente o desenvolvimento dos profissionais. Assim, construindo e reconstruindo seus saberes, os enfermeiros sejam capazes de transformar a profissão frente a seus pensamentos críticos e reflexivos. Neste contexto, as instituições hospitalares devem propor estratégias de educação permanente, a fim de melhorar o desempenho dos enfermeiros em relação a SAE, tais como: dinâmicas e oficinas de grupos; elaboração de protocolos, grupos de estudos, dentre outras, para despertar o interesse e a motivação de seu capital humano. Acredita-‐se que este estudo seja de grande relevância para que os enfermeiros e organizações estejam atentos quanto aos conhecimentos e habilidades necessários para a implementação da SAE, uma vez que a fim de romper a dicotomia entre a teoria e a prática, os profissionais enfermeiros deverão ir sempre em busca do sucesso da operacionalização da SAE por meio de seu autodesenvolvimento e/ou do investimento da instituição em que está inserido. Nessa perspectiva, as pessoas serão valorizadas pela organização na medida em que contribuirão efetivamente para o seu crescimento, bem como a organização será valorizada pelas pessoas, uma vez que lhes estarão oferecendo condições concretas para o seu aprimoramento. Contudo, observa-‐ se que esta pesquisa possui uma limitação que se refere a categoria profissional participante, pois a mesma optou por abordar somente o enfermeiro de instituição hospitalar, acreditando que estes poderiam ter a visão ampliada acerca da SAE, não sendo contemplados outros profissionais da equipe. Referências Andrade, J. S., & Vieira, M. J., (2005). Prática assistencial de enfermagem: problemas, perspectivas e necessidade de sistematização. Rev Bras Enferm. 58(3), 261-‐265. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-‐71672005000300002. Amante, L. N., Rossetto, A. P., & Schneider, D. G. (2009). Sistematização da assistência de >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 153 enfermagem em unidade de terapia intensiva sustentada pela teoria de Wanda Horta. Rev Esc Enferm USP. 43(1), 54-‐64. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext...62342009000100007. Benito, G. A. 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