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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6617-9 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 1 7 9 Código Logístico 59320 Estudar a linguagem é uma atividade fascinante, pois é por meio dela que conhecemos o mundo, o outro e nós mesmos. Para o(a) educador(a) que se propõe a trabalhar com crianças na educação infantil, quando a língua oral está em desenvolvimento, e no ensino fundamental, momento de aprendizagem da leitura e da escrita, isso se dá de modo especial. Esta obra visa despertar o interesse pela área da linguagem e apresentar propostas metodológicas para o ensino e para a aprendizagem de Língua Portuguesa, alinhadas às mais recentes teorias linguísticas, bem como às orientações curriculares para a educação nacional. Metodologia do ensino de Língua Portuguesa Luciana Carolina Santos Zatera IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Decorative Font Design & Lettering by danjazzia/elements.envato.com CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Z44m Zatera, Luciana Carolina Santos Metodologia do ensino de língua portuguesa / Luciana Carolina Santos Zatera. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020 152 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6617-9 1. Língua portuguesa - Estudo e ensino. 2. Língua portuguesa - Metodologia. 3. Linguística. I. Título. 20-63190 CDD: 469.8 CDU: 811.134.3 Luciana Carolina Santos Zatera Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Licenciada em Letras – Português pela mesma instituição e em Pedagogia e História pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Atua como professora em cursos superiores de Pedagogia e Letras há mais de 10 anos, nas modalidades presencial e EaD. É professora de Língua Portuguesa da educação básica há mais de 20 anos. Publica trabalhos nas áreas de literatura infantil e metodologias ativas; também escreve livros e materiais destinados às áreas de metodologias de ensino e práticas pedagógicas, especialmente voltadas à aprendizagem da linguagem. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Diferentes concepções de linguagem 9 1.1 Concepções de linguagem ao longo do tempo 10 1.2 Concebendo a linguagem: da Antiguidade ao século XX 12 1.3 Os componentes da língua e os novos estudos linguísticos 16 1.4 As modalidades da língua: a fala e a escrita 20 1.5 Breve história da escrita 24 2 Aquisição da linguagem pela criança 33 2.1 Behaviorismo 34 2.2 Hipótese behaviorista de linguagem 37 2.3 Hipótese inatista de linguagem 40 2.4 Abordagens interacionistas: contribuições de Piaget 44 2.5 Abordagens interacionistas: contribuições de Vygotsky 47 3 Língua e variação linguística 55 3.1 Ensino de Língua Portuguesa no Brasil: breve histórico 56 3.2 Variações linguísticas: sociocultural e geográfica 60 3.3 Variações linguísticas: histórica esituacional 64 3.4 O preconceito linguístico 68 3.5 A língua padrão na escola 71 4 A Língua Portuguesa na escola 76 4.1 Ensinar língua é ensinar gramática? 77 4.2 Letramento: origem e significado 83 4.3 Os PCN e o RCN: orientações para as práticas de linguagem na escola 85 4.4 BNCC: o componente curricular Língua Portuguesa 89 5 Habilidades linguísticas: ouvir/falar, ler/escrever 96 5.1 Oralidade e escuta 97 5.2 Leitura 101 5.3 Análise linguística/semiótica 106 5.4 Escrita e produção textual 110 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 6 Práticas discursivas: gêneros textuais e sequências didáticas 119 6.1 Os gêneros textuais 120 6.2 Prática pedagógica com gêneros textuais nos anos iniciais do EF 124 6.3 Sequências didáticas para a prática com gêneros textuais 127 6.4 O livro didático de Língua Portuguesa 133 6.5 Avaliação em Língua Portuguesa 136 7 Gabarito 144 Estudar a linguagem é uma atividade fascinante, pois é por meio dela que conhecemos o mundo, o outro e nós mesmos. Para o(a) educador(a) que se propõe a trabalhar com crianças na educação infantil, quando a língua oral está em desenvolvimento, e no ensino fundamental, momento de aprendizagem da leitura e da escrita, isso se dá de modo especial. Esta obra visa despertar o interesse pela área da linguagem e apresentar propostas metodológicas para o ensino e para a aprendizagem de Língua Portuguesa, alinhadas às mais recentes teorias linguísticas, bem como às orientações curriculares para a educação nacional. Por essa razão, no primeiro capítulo, tratamos das diferentes concepções de linguagem ao longo da história. Esse conhecimento permite que o professor tenha clareza sobre o embasamento teórico adotado para o ensino e aprendizagem de língua materna na escola. Abordamos, ainda, a fala e a escrita, contando brevemente suas origens e ressaltando a necessidade da prática pedagógica com essas duas modalidades da língua, que são diferentes, porém, complementares. O segundo capítulo apresenta a interessante e polêmica aquisição da linguagem pela criança, com base nas hipóteses behaviorista, inatista, construtivista e interacionista. Dentre essas teorias, destacamos a última, pois foi propagada por dois grandes estudiosos do desenvolvimento infantil: Piaget e Vygotsky. O terceiro capítulo propõe reflexões acerca das mudanças pelas quais passou o ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Além disso, o tema das variedades linguísticas é exposto com o principal objetivo de esclarecer as concepções de “certo” e “errado” na língua, de modo a combater o preconceito linguístico. Assim, o quarto capítulo, ao discorrer sobre a Língua Portuguesa na escola, distingue dois posicionamentos em relação ao ensino e à aprendizagem desse componente curricular: o ensino de gramática e a educação linguística. É com base na segunda visão que os documentos nacionais orientam as práticas escolares de linguagem, por meio dos quatro eixos: leitura, escuta, oralidade e escrita, com vistas a promover o letramento dos estudantes da educação básica. APRESENTAÇÃO Partindo desse contexto, o quinto capítulo versa sobre o encaminhamento para o ensino e para a aprendizagem de Língua Portuguesa na atualidade, com base nas quatro habilidades da língua: falar, escutar, ler e escrever. Essas habilidades são focadas no trabalho com textos em sala de aula, que também são objetos de reflexão nos momentos de análise linguística. Por fim, o sexto capítulo aprofunda a análise das práticas discursivas de uso efetivo da língua, que acontecem por meio do trabalho com gêneros textuais. Para isso, sugerimos o emprego de sequências didáticas em sala de aula, buscando proporcionar aos estudantes o domínio das habilidades necessárias para interagir socialmente com eficácia e adequação a cada situação comunicativa. Bons estudos! Diferentes concepções de linguagem 9 1 Diferentes concepções de linguagem A capacidade de usarmos a linguagem é tão fantástica e ao mes- mo tempoparece tão natural, não é mesmo? Talvez, por essa ra- zão, poucas vezes paramos para refletir sobre como a adquirimos. Sabemos que, desde bebês, ao entrarmos em contato com falan- tes mais experientes que nós, vamos aprendendo a falar nossa lín- gua materna, de um modo geral, sem grandes dificuldades. No entanto, quando vamos à escola, a fim de aprendermos a ler e a escrever, as coisas não parecem tão fáceis assim! Provavelmen- te você não se lembre bem de como decifrou uma palavra escrita ou conseguiu escrever uma frase pela primeira vez. Tampouco se recorde qual método foi utilizado para alfabetizá-lo. Depois de do- minarmos a fala e, mais tarde, a leitura e a escrita, dificilmente pen- samos em como esse processo ocorreu; qual concepção de língua fundamentava a prática pedagógica do professor ou da escola; quais métodos foram usados para o ensino de Língua Portuguesa ou outras questões que envolvam a linguagem. Se estamos dispostos a aprender sobre linguagem para de- pois ensiná-la aos nossos alunos e alunas, precisamos conhecer as concepções que embasam o ensino e a aprendizagem de língua materna. Essas concepções não foram sempre as mesmas, ao lon- go da história dos estudos sobre linguagem. Cada época, com seus recursos, possibilidades e limites, por meio de estudiosos da área, traz diferentes formas de compreensão sobre como é o funciona- mento da linguagem, como ela deve ser estudada e tomada como objeto de ensino e aprendizagem, principalmente na educação for- mal, ou seja, na escola. Neste primeiro capítulo, então, vamos conhecer as diferentes concepções de linguagem ao longo da história e identificar os com- ponentes que constituem os estudos da língua, ou seja, como a 10 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa língua é formada: os sons, as palavras, a organização das frases e os significados que desejamos atribuir aos nossos enunciados. Vamos, também, conhecer as diferenças e semelhanças entre as modalidades oral e escrita da língua e, assim, explorar mais deta- lhadamente a história da escrita, visto que esta é uma das habilida- des aprendidas na escola. Prontos para começar? 1.1 Concepções de linguagem ao longo do tempo Vídeo Não sabemos exatamente quando o ser humano começou a uti- lizar a linguagem, pois isso não ocorreu num belo dia em que o homem pré-histórico decidiu simplesmente começar a falar. Pelo contrário, esse fantástico mecanismo de comunicação aconteceu após uma série de processos, separados uns dos outros, provavel- mente por milhões de anos. Segundo antropólogos que estudam a evolução humana, os prima- tas que deram origem aos chimpanzés e aos gorilas habitavam regiões de florestas onde havia diversidade de alimentos e, por isso, desenvol- veram um aparelho mastigatório eficaz. Já os ancestrais do ser humano se desenvolveram na savana e precisavam sair à procura de alimentos. Além disso, a postura ereta dos seres humanos facilitou o funciona- mento do aparelho fonador (COMO..., 2016). Embora os pesquisadores saibam de que forma foi possível ao ser humano falar, não se sabe ao certo por que ele começou a se comuni- car, pois a fala não deixa rastros como a escrita. É provável que, com a postura ereta e com as mãos livres (com o polegar opositor), os Homu erectus passaram a utilizar objetos para as mais diferentes funções, a maioria delas relacionadas à alimentação. Da mesma forma, Everett (2019) afirma que a linguagem surgiu gra- dualmente de uma cultura e isso prova por que somente o ser huma- no é capaz de falar: é a combinação entre o cérebro desenvolvido e a cultura. “A cultura agrega valores, estruturas de conhecimento e papéis sociais aos humanos e suas criações” (EVERETT, 2019, p. 85). Diferentes concepções de linguagem 11 Contudo, talvez mais importante que saber quando a linguagem foi in- ventada pelo ser humano é conhecer como ela vem sendo compreendida pelas pessoas que se interessaram em estudá-la. A linguagem sempre foi objeto de fascínio humano em todos os tempos, pois está relacionada a o que e como mulheres e homens pensam; de que modo expressam seus desejos; falam sobre si e sobre o mundo; relatam experiências, transmi- tindo-as aos seus descendentes; formulam ideias do que poderá existir ou até mesmo daquilo que jamais poderá ocorrer. Mas antes de continuarmos, vale a pena distinguirmos basicamente o que é linguagem e o que é língua. Linguagem pode ser definida como toda maneira de expressão em que haja sinais, por meio dos quais possa haver comunicação. Portanto, as placas de trânsito, as notas mu- sicais, os gestos, os desenhos, a fala, a escrita e tantos outros sistemas de comunicação e interação podem ser considerados linguagem. Marcuschi (2005) contribui com essa diferenciação, afirmando que a linguagem é a capacidade humana de usar signos com objeti- vos cognitivos. A língua, por sua vez, é uma manifestação particular, histórica, social e sistemática de comunicação humana. Ela não serve apenas para a comunicação, mas é essencialmente uma atividade inte- rativa (dialógica) de natureza sociocognitiva e histórica. Além disso, dizemos que existe linguagem verbal e não verbal, como mostra a Figura 1. Diz respeito à fala (língua oral) e à escrita Linguagem verbal f zkes/Shutterstock Mangostar/Shutterstock Prostock-studio/Shutterstock Figura 1 Tipos de linguagem (Continua) O texto O que se entende por língua e linguagem, do grande linguista brasileiro Ataliba de Castilho pode ser lido no link a seguir e na en- trada do Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, em São Paulo. O autor, em tom de brincadeira, diz que há várias coisas óbvias sobre a língua, por exemplo, que ela caracte- riza o ser humano, que ela serve para a comunicação, que não seríamos nada sem ela. Mas a principal característica definidora da língua é que sem ela não poderíamos formular o nosso pensamento. Disponível em: http:// museudalinguaportuguesa.org.br/ wp-content/uploads/2017/09/O- que-se-entende-por- li%CC%81ngua-e-linguagem.pdf. Acesso em: 20 fev. 2020. Leitura 12 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa É caracterizada por desenhos, imagens e símbolos. Linguagem não verbal Rawpixel.com/Shutterstock katya kharchuk/Shutterstock paulaphoto/Shutterstock Fonte: Elaborada pela autora. Para Petter (2010), a linguagem verbal é matéria do pensamento e veículo de comunicação social. Não há sociedade sem linguagem, nem sem comunicação. Tudo o que é criado como linguagem ocorre em so- ciedade para ser dito aos outros e se constitui como uma realidade material, que se relaciona com o que lhe é exterior, isto é, com o que existe independentemente da linguagem. Chamamos de realidade ma- terial, porque a língua é constituída de sons, palavras e frases, ou seja, é concreta e relativamente autônoma. No entanto, ela é criada de acordo com a visão de mundo, emoções, ideias, intenções e a realidade histó- rica, social e cultural dos falantes. Logo, é essencial traçar, brevemente, de que jeito o fenômeno da linguagem humana instigou os estudiosos ao longo do tempo até a compreensão da língua como objeto dos estudos linguísticos mais atuais. É o que veremos na próxima seção. 1.2 Concebendo a linguagem: da Antiguidade ao século XX Vídeo Segundo Petter (2010), os estudos mais antigos sobre a linguagem são do século IV a.C., quando os hindus estudaram sua língua, motivados por questões religiosas, a fim de conservar seus textos sagrados. Na Grécia Antiga, a preocupação era com a relação entre a palavra e seu significado. Diferentes concepções de linguagem 13 De acordo com Godoy (2018), essa discussão foi feita por Sócrates e Platão e registrada pelo último em um diálogo chamado Crátilo. Nesse diálogo, em que mestre e discípulo discutem a natureza dos nomes, Sócrates afirma que alguns sons parecem ter relação com característi- cas do mundo, como os sons das letras “s” e “z”, que seriam adequados para nomear palavras que envolvem sopro ou respiração. LeituraHá uma pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos Experimentais em Linguagem, da UFRN, sobre o simbolismo sonoro – que é a relação entre o som e o sentido da palavra assim como Sócrates já apontava. Alguns resultados desses es- tudos indicam que as pessoas associam sons à noção de tamanho. Com base nisso, estudiosos fizeram uma pesquisa com japoneses e brasileiros para verificar se dariam nomes a Pokémon antes e de- pois de evoluírem (e se tornarem maiores e mais fortes) utilizando simbolismos sonoros associados à noção de tamanho. Quer saber o re- sultado dessa pesquisa? Leia o texto Sócrates, Pokémon e simbolismo sonoro, de Mahayana Godoy, publicado no blog #Linguística. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/linguistica/2018/12/04/socrates-pokemon-e-o-simbolismo-sonoro/. Acesso em: 20 fev. 2020. Te pj in da /S hu tte rs to ck Conforme Dias e Gomes (2015), Aristóteles, diferentemente, chegou a elaborar teorias gramaticais voltadas à frase e às partes do discurso e compreendia que o pensamento era anterior à criação das palavras. Já na Roma Antiga, Petter (2010) afirma que se destacam os estudos de Varrão, o qual também se dedicou à gramática, entendendo-a como ciência e arte. Na Idade Média, os modistas postularam que a estrutura gramatical das línguas era única e universal. No século XVI, com a Reforma, os livros sagrados foram traduzidos em várias línguas. Viajantes e comerciantes experienciam diferentes lín- guas, até então desconhecidas no continente europeu. Nos séculos XVII e XVIII prosseguiu a ideia de que os estudos gramaticais adequam-se a todas as línguas e, nessa mesma linha, a Gramática de Port Royal foi es- crita, visando demonstrar que a linguagem é a imagem do pensamento e servindo de modelo a muitas gramáticas dessa época (PETTER, 2010). 14 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa No século XIX havia grande número de línguas conhecidas, o que despertou o interesse em estudos comparativos sobre línguas vivas, iniciando uma visão menos abstrata de língua. Esse fato evidenciou que as línguas sofrem transformações com o tempo e influenciou o pensamento linguístico contemporâneo e surgiu, então, a Linguística Histórica. Por meio desses estudos comparativos, foi possível desco- brir, por exemplo, que as mudanças observadas nos textos escritos em latim e que foram se modificando para o português, espanhol, italiano e francês, poderiam ser explicadas por transformações ocorridas na língua falada correspondente (PETTER, 2010). Entretanto, segundo Petter (2010), a Linguística passa a ser legitima- da como área de estudos científicos no início do século XX, com base nos trabalhos de Saussure, que chamou de língua um “sistema de signos” exterior ao sujeito, não podendo ser transformada. E que denominou fala os distintos comportamentos linguísticos que ocorrem em uma mesma comunidade linguística. Enquanto, para Saussure (1997), a língua possui natureza social, é homogênea e sistemática, a fala é individual, heterogênea, múltipla e desordenada. Assim, o estudo da linguagem para esse linguista acontece por meio de várias dicotomias, entre elas: o estudo da língua e o estudo da fala. Ambas são interdependentes, visto que a produção da fala só ocorre, porque existe língua e não existe língua se não houver fala. Entretanto, ele se dedicou especialmente ao estudo da língua, considerando-a como um produto social depositado no cérebro de cada indivíduo, conforme cita Petter (2010): um sistema que é imposto ao falante. Surge, por- tanto, o estruturalismo, que compreende a língua como um sistema ou estrutura, isto é, “um conjunto de unidades que obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo um todo coerente” (COSTA, 2008, p. 114), organizado de acordo com leis internas, estabelecidas dentro do próprio sistema. Ainda na primeira metade do século XX, surgem ao menos três gru- pos de estudos linguísticos embasados de diferentes formas nas ideias de Saussure, de acordo com Costa (2008): Escola de Genebra, Escola de Praga e Escola de Copenhague. As duas primeiras foram além do aspecto formal da linguagem, mostrando que a língua é também um sistema funcional, pois é utilizada para a comunicação. A Escola de Copenhague, por sua vez, focalizou o aspecto formal da língua, assim como a concepção saussureana. Ferdinand de Saussure (1857-1913) As dicotomias de Saussure são muito famosas na área da Linguística. O termo dicotomia significa que um conceito é dividido em dois, “de modo que se obtenha um par opositivo” (COSTA, 2008, p. 116). Além do par língua e fala, há ainda outros conceitos dicotômicos muito es- tudados na área da linguagem: sincronia e diacronia, paradigma e sintagma, significado e significante etc. Saiba mais F. Ju lli en G en èv e/ W ik im ed ia C om m on s Diferentes concepções de linguagem 15 Desse modo, o estruturalismo apresenta-se sob duas vertentes: a europeia e a norte-americana. A norte-americana, representada pe- las ideias de Leonard Bloomfield, apoia-se na psicologia behaviorista de comportamento humano, apresentada principalmente pelo psi- cólogo Burrhus Frederic Skinner. Segundo essa teoria, a linguagem decorre da “exposição do indivíduo ao meio e da aplicação de me- canismos comportamentais como reforço, estímulo e resposta” (DIAS; GOMES, 2015, p. 170). Na segunda metade do século XX, o linguista norte-americano Noam Chomsky postulou que toda língua possui uma estrutura com um nú- mero finito de sons ou letras, mesmo que haja uma quantidade infinita de possibilidades para a construção de sentenças. Para o estudioso, essa estrutura é demasiadamente complexa, abstrata e específica e, por isso, seria improvável ser aprendida “partindo do nada” por uma criança na fase de aquisição da linguagem. Assim, Chomsky acredita que a linguagem é uma capacidade inata, transmitida geneticamente (PETTER, 2010). Essa concepção deu origem ao gerativismo, corrente de estudos da linguagem, por meio da qual as línguas passam a ser analisadas como uma faculdade mental natural, pois, para Chomsky, a capacidade humana de falar e de entender uma língua (pelo menos), isto é, o comportamento linguístico dos indivíduos, deve ser compreendida como o resultado de um dispositivo inato, uma capacidade genética e, portanto, interna ao organismo humano [...] a qual deve estar fincada na biologia do cérebro/ mente da espécie e é destinada a construir a competência lin- guística de um falante. Essa disposição inata para a competência linguística é o que ficou conhecido como faculdade da linguagem. (KENEDY, 2008, p. 129, grifo do original) Essa concepção de língua inata ou geneticamente constituída, postu- lada por Chomsky, questionou a concepção behaviorista de linguagem, dominante nos estudos linguísticos e comportamentais até a metade do século XX e defendida por Bloomfield, citado anteriormente. As ideias de Chomsky, de fato, foram revolucionárias, pois preo- cupou-se, além do que os estruturalistas propunham, em descrever e explicar o conhecimento implícito que falantes da mesma comuni- dade linguística partilham. Ele chamou de dispositivo de aquisição de linguagem (em inglês language acquisition device, LAD) ou, mais tarde, de gramática universal, o que considerou o conjunto de regras gramati- cais e um número finito de palavras, como se formassem um aparelho Roman Jakobson (1896-1982) Um dos principais nomes da Escola de Praga foi o linguista russo Roman Jakobson, famoso por desenvolver um modelo de comunicação funcionalista, baseado em componentes estru- turais (emissor, receptor, código, mensagem, canal, referente) e nas funções da linguagem (emo- tiva, referencial, poética, fática, metalinguística, conativa). Sh ak ko /W ik im ed ia C om m on s Saiba mais 16 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa próprio para aquisição de linguagem, a partir do qual o ser humano é capaz de criar um número infinito de sentenças (DIAS; GOMES, 2015).Assim, a competência de um falante refere-se ao seu conhecimento inato sobre a língua, julgando o que é possível de ser dito ou não em sua língua, enquanto o desempenho é o uso que ele faz da linguagem. São muitos os seguidores da linguística gerativista e das ideias de Chomsky, por outro lado, existem críticos dessa corrente. Uma das abordagens que opõe-se ao gerativismo é o funcionalismo, que questiona o caráter chomskyano demasiadamente formalista. Outras tendências seguiram criticando as ideias gerativistas, prin- cipalmente a partir da década de 1980, porém, sempre partindo da teoria desenvolvida por Chomsky. Como essas teorias são consideradas novos campos de pesqui- sa de estudo da linguagem, as abordaremos na próxima seção, de- dicada a isso. 1.3 Os componentes da língua e os novos estudos linguísticos Vídeo Já estamos, desde o início deste capítulo, tratando da Linguística como ciência que estuda a linguagem, mesmo que não tenhamos pa- rado para defini-la minuciosamente. A Linguística busca explicar como é o funcionamento da linguagem humana, tanto falada quanto escrita, e como são as línguas em particular. Há várias áreas de interesse que podem ser objetos de estudo da Linguística, como a Fonética, Fonolo- gia, Morfologia, Sintaxe, Semântica, Análise do Discurso, Pragmática, Sociolinguística, Psicolinguística, Neurolinguística e Linguística Textual. Vamos, rapidamente, abordar essas áreas, pois com base nelas pode- mos compreender de que maneira funcionam os componentes da lín- gua e cada uma dessas “partes” que formam a língua é essencial para entender um pouco melhor a complexidade da linguagem humana. A Fonética e a Fonologia são áreas correlatas. A primeira estuda a organização dos sons na fala, seus mecanismos de produção e audição, analisando e descrevendo a fala dos sujeitos nas diferentes situações do dia a dia. Já a segunda trata da organização dos sons da língua, do ponto de vista da sua função, interpretando os sons. Diferentes concepções de linguagem 17 Mas por que essas duas áreas são importantes para quem vai tra- balhar com língua materna com as crianças, mesmo sem se ocupar de estudos linguísticos aprofundados? Primeiramente, para lembrar que há duas modalidades linguísticas que precisam ser praticadas na esco- la: a oral e a escrita, que serão abordadas mais adiante neste capítulo. Sendo assim, a Fonética e a Fonologia, ocupando-se especialmente da fala, mostram-nos que devemos valorizar a linguagem oral como um dos objetos de ensino e aprendizagem de língua na escola. Não podemos esquecer que a criança, ao iniciar o processo de alfa- betização, já domina a língua falada em diferentes situações de uso. Por isso, ela utiliza o que já sabe (a língua oral e o conhecimento que tem sobre o som das palavras) para desenvolver a consciência fonológica, aproximando seus primeiros escritos de suas experiências com a língua falada. Então, o que parece ser “erro” de escrita, no início do processo de escolarização, pode configurar como pista para que o educador possa mediar a aprendizagem, mostrando possíveis caminhos para o domínio da norma escrita. Além disso, o conhecimento da estrutura fonológica da língua portuguesa pode auxiliar o professor a perceber dificuldades de fala em crianças, que podem refletir na aprendizagem da escrita, devendo ser encaminhadas a profissionais especializados na área, como fonoterapeutas. Outras áreas de interesse da Linguística são a Morfologia e a Sintaxe. Quando falamos em Morfologia, é comum lembrarmos das classes gra- maticais, como substantivo, adjetivo, verbo, artigo, preposição, conjun- ção etc. Isso está correto, pois ela estuda a estrutura, a formação e a classificação das palavras. Para uma palavra ser formada, ela necessita de partes menores, chamadas morfemas, que têm significados próprios e são os objetos de estudo da Morfologia. Por exemplo, na palavra me- ninas existem três morfemas: menin + a s+ designa que pertence ao gênero feminino significa mais de uma menina consciência fonológica: é a capacidade de perceber sons que formam as palavras. Glossário 18 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa Portanto, a palavra meninas é um substantivo feminino e está no plural. O mais interessante de analisarmos essas partes mínimas das palavras é observar o quanto a língua é flexível, possibilitando a criação de novos vocábulos a partir de várias combinações. A Sintaxe tem estreita relação com a Morfologia, pois preocupa-se com as normas de combinação entre as palavras de uma língua, ao formar sentenças. Enquanto os estudos morfológicos classificam uma palavra como substantivo, por exemplo, a sintaxe aponta qual função esse substantivo exerce na sentença, que pode ser núcleo do sujeito, do objeto e do agente da passiva. As classes gramaticais e a função sintática dos termos das orações não serão abordadas nesta obra, pois são questões específicas da Linguística. O conhecimento dessas áreas da linguística é importante ao professor que se propõe a ensinar língua a crianças, não para sa- ber classificar sintaticamente as palavras em uma frase, nem para solicitar uma tarefa mecânica, como circular todos os verbos de um texto, mas principalmente para conhecer a estrutura da língua e suas regras, a fim de dominar com maior propriedade normas que o auxiliem a produzir textos, como pontuação, concordância, coesão, coerência, clareza, ortografia etc. Semântica é a área que se preocupa com o significado das pala- vras e sentenças das línguas. Assim, temos o estudo, por exemplo, dos sinônimos, antônimos e vocábulos polissêmicos (vários signifi- cados para a mesma palavra). Pragmática, Análise do Discurso, Linguística Textual, Sociolinguística, Psicolinguística e Neurolinguística são áreas mais recentes nas pesquisas linguísticas, pois se ocupam do uso da lin- guagem pelo falante, indo além da descrição dos sistemas linguís- ticos e suas estruturas abstratas. A Pragmática apresenta uma abordagem integrada, estudando como ocorre a interação das pessoas nos diálogos e como a cultura de uma sociedade se manifesta com base nos modos de falar. A Análise do Discurso, por sua vez, considera o discurso um objeto de estudo, caracterizado por ideologias, relações de poder e determinações cul- turais. A Linguística Textual privilegia o texto como unidade básica de comunicação humana e lugar de interação. O texto, nessa visão, apre- Diferentes concepções de linguagem 19 senta critérios de textualidade, ou seja, fatores responsáveis pela sua realização. Além disso, essa área de estudos, segundo Dias e Gomes (2015), considera os interlocutores (quem produz e quem recebe o tex- to) sujeitos ativos que, de maneira dialógica, constroem-se no texto e por ele são construídos. Cagliari (2009) afirma que a Psicolinguística investiga o processo de aquisição da linguagem pela criança, os processos mentais relacio- nados à produção da linguagem e o comportamento humano envol- vido no uso da linguagem. A Neurolinguística envolve dois campos do conhecimento: a Neurociência e a Linguística. Sobre a segunda, já conhecemos o foco de estudo. Sobre a primeira, o interesse está centrado no cérebro e na mente, e as relações com o comportamento humano. Segundo Dias e Gomes (2015, p. 156), o objeto de estudo na Neurolinguística é “a relação entre linguagem e cérebro, buscando relacionar determinadas estruturas cerebrais com certos distúrbios da linguagem”. A Sociolinguística mostra a importância de levar em consideração as variações históricas, geográficas, sociais e estilísticas de uma língua. Por isso, aborda as relações entre linguagem e sociedade, enfatizando as variações linguísticas e a norma culta, sem julgar os fatos linguísticos como certos ou errados. Como toda língua varia, o principal objeto de estudo dessa área é a variação, especialmente da língua falada, ou seja, a modalidade oral, que passou a ser valorizada a partir dos anos 1980, em oposição aos estudosdas três décadas anteriores, quando a ora- lidade e a escrita não eram tratadas como modalidades complemen- tares, conferindo à escrita maior valor e desconsiderando a oralidade como prática social (MARCUSCHI, 2003). Veremos na próxima seção de que maneira é possível considerar oralidade e escrita como atividades interativas e complementares no contexto das práticas sociais e culturais, isto é, a partir do uso efetivo da língua, pois para os novos estudos linguísticos, Marcuschi (2003, p. 16) assegura, “são as formas que se adequam ao uso e não o inverso”. E qual é o significado disso? Significa que as formas abstratas da língua, a capacidade linguística que dominamos como faculdade da linguagem, termo usado por Chomsky, estão a serviço do uso efetivo da língua e não o contrário. Em outras palavras, as normas só existem porque há língua sendo utilizada pelas pessoas. 20 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa 1.4 As modalidades da língua: a fala e a escrita Vídeo A fala é anterior à escrita, tanto na história da humanidade quanto se levarmos em conta a história de cada indivíduo. Já abor- damos brevemente, no início do capítulo, como provavelmente o ser humano começou a falar. Kenski (2007) contribui com esse tema afirmando que a linguagem oral é uma construção particular de cada agrupamento humano. A ori- gem dos idiomas ocorreu a partir da estruturação de modos particu- lares da fala, usadas e compreendidas pelos grupos sociais. Ao usar regularmente a fala, a cultura foi se definindo nas sociedades orais, onde a proximidade física das pessoas era fundamental para que elas pudessem falar, ouvir e ser entendidas, cantando, narrando histórias, perpetuando a memória, a cultura e a identidade do grupo. Atualmente, a fala continua aproximando as pessoas, seja face a face, em videoconferências, programas na TV, vídeos ou áudios compar- tilhados via smartphones. Mesmo que a escrita esteja muito presente em nossa sociedade, a fala é (e nunca deixará se ser!) um instrumento muito eficaz para interação e comunicação. Marcuschi (2003, p. 17) atesta que, no mundo moderno, a escrita tornou-se um bem indispensável ao cotidiano. Esse fato elevou sua prática e avaliação social a um status mais alto, “chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder”. De um outro ponto de vista, po- deríamos dizer que o homem é um ser que fala e não um ser que escre- ve. No entanto, a fala não é superior à escrita. Nem a escrita pode ser considerada evoluída, nem a fala pode ser entendida como primária. É equivocado afirmar, de acordo com Marcuschi (2003), que a es- crita é representação da fala. Pense nas características da fala e da es- crita. O que fazemos ao falar que não é possível representar na escrita (pelo menos, de modo tão fiel)? O tom de voz, os gestos, os movimen- tos do corpo etc. Por outro lado, a escrita tem elementos particulares que inexistem na fala, como o tamanho e tipo da letra, as cores, os tons, os desenhos, a pontuação etc. O melhor de tudo isso é que fala e escrita permitem que textos coerentes, coesos e claros, raciocínios abstratos e discursos formais e informais sejam elaborados por nós, além da possibilidade de utilizar variações estilísticas, sociais e dialetais por meio das duas modalidades. Diferentes concepções de linguagem 21 Fala e escrita são práticas sociais complementares, que ocorrem diariamente em vários contextos, como no trabalho, na escola, em casa e durante o lazer. Pense nas atividades que você realiza em um dia: em quais delas você faz uso da oralidade e da escrita? Muito provavel- mente na maioria delas. As línguas oral e escrita se configuram como atividades interativas e, de acordo com Marcuschi (2005), apresentam as características expostas na Figura 2. Figura 2 Características das línguas oral e escrita Heterogeneidade Variam histórica, social, dialetalmente etc. Interatividade As línguas são atividades interpessoais que ocorrem socialmente. Situacionalidade Ocorrem sempre em contextos; os enunciados são sempre situados. Historicidade Modificam-se ao longo do tempo. Sistematicidade Há regras definidas, mesmo que variáveis. Cognoscibilidade São sistemas cognitivos que servem para construção e compreensão do mundo mental. Fonte: Elaborada pela autora com base em Marcuschi, 2005, p. 23. Sendo assim, as línguas não são apenas instrumentos de comunica- ção que funcionam de maneira uniforme e descolada da realidade. São também altamente complexas, heterogêneas, variáveis e históricas. Definida cada uma das modalidades e apresentadas suas seme- lhanças e particularidades, resta questionar: por que, quando falamos em ensino de língua na escola ou quando abordamos as práticas de oralidade e escrita na sociedade, a escrita parece ter maior prestígio? Ou, ainda, por que costumamos ouvir que temos de “tomar cuidado com as regras” quando vamos escrever, mas dificilmente ouvimos de uma criança que frequenta a escola frases como “Hoje aprendi a falar” ou “Hoje produzi um texto oral”? É equivocado pensar que só a escrita deve obedecer a regras e que a fala é mais coloquial. Tudo dependerá da situação de fala/ escrita, de quem são e quais são as intenções dos interlocutores, e de vários outros fatores. 22 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa Fala e escrita apresentam língua padrão (ou língua culta) e varieda- de não padrão (ou língua coloquial). As ideias de que a escrita é organi- zada e, por isso, sempre é padrão e de que a fala é caótica e, por isso, é sempre coloquial, são erradas. Tudo dependerá da situação de comu- nicação e interação. Por exemplo, ao escrever um e-mail de trabalho, destinado ao diretor da empresa em que você trabalha, provavelmente utilizará a língua culta e obedecerá às normas da língua padrão. Mas em outra situação, se você enviar uma mensagem de texto via telefone celular para um amigo, pode utilizar língua coloquial. Além disso, fala e escrita ocorrem em contextos dialógicos, têm coerência, são dinâmi- cas, exigem envolvimento e negociação. Voltando à questão das práticas escolares, de quais atividades você se lembra de ter participado com o objetivo de produzir um texto oral? Você já produziu, quando frequentava a educação básica, uma entrevista para rádio ou TV, um debate regrado, uma palestra, um seminário, um relato oral, uma piada, um recital, um monólogo, uma peça teatral, um programa de culinária, uma propaganda ou uma campanha publicitária oral etc.? Infelizmente, na maioria das vezes, as práticas escolares ficam cen- tradas na produção de textos escritos, pois acredita-se que a escola é lugar de ensinar a ler e escrever. Com certeza esse papel é da escola, mas não se pode achar que crianças e jovens já falam demais e, portan- to, não é necessário abordar a fala e as práticas orais. De acordo com Zatera (2008, p. 50): a linguagem oral é pouco ensinada em salas de aula, pois se parte do pressuposto que os alunos já sabem falar e por isso não é ne- cessário ensinar-lhes algo que já dominam. De toda forma, a lingua- gem que dominam é a familiar, a cotidiana, a informal. O ensino da oralidade mais formal, que leva em consideração os vários contex- tos em que ela ocorre, é tarefa da escola. O espaço escolar democrático afirma a socialização do conhecimen- to, acolhendo diferentes classes sociais e tomando a diversidade lin- guística como ponto de partida para a educação. Cada criança aprende a falar em seu contexto social, na realidade em que está inserida, pois cresce ouvindo e falando a variedade linguística de sua família por meio de conversas, cantigas, narrativas, interações informais etc. Diferentes concepções de linguagem 23 Muitas vezes, a escola entende que todos os alunos que nela ingressam falam da mesma forma, visto que todos “sabem português”. Dessa forma, supervaloriza a escrita em detrimento da fala, apostando que a língua “correta” é a escrita e que a fala é desorganizada, espontâ- nea e caótica (CAGLIARI, 1998).Por muito tempo, a noção equivocada de trabalhar com a fala na escola fez com que pensassem que era preciso corrigir “os erros da fala” das crianças que não dominavam a língua padrão. Isso aumentou o preconceito contra aqueles que usam uma variedade linguística dife- rente da variedade prestigiada (BRASIL, 1998). De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a expressão oral é conquistada em locais oportunos, em que é possível expressar os pensamentos, sentimentos e opiniões. Assim, a escola deve ser um ambiente que respeite a voz e a vez de cada um, ou seja, respeite a variedade linguística, as diferenças e a diversidade de cada estudante. Acima de tudo, é necessário que a escola ensine os usos de língua oral (e escrita também) apropriados a variadas situações comunicativas. Não basta respeitar o aluno como ele é, ela deve “ofere- cer-lhe instrumentos para enfrentar situações em que não será aceito se reproduzir as formas de expressão próprias de sua comunidade” (BRASIL, 1998, p. 38). Diante disso, é necessário ensinar os alunos a usar adequadamente a linguagem oral em instâncias públicas de modo competente (BRASIL, 1998). Em relação à modalidade escrita da língua não é necessário defen- der sua importância, visto que desde sua origem ela obteve lugar de prestígio nas sociedades. E não é para menos, pois a introdução da es- crita no mundo foi um grande feito. Segundo Marcuschi, a escrita “per- mitiu tornar a língua um objeto de estudo sistemático” (2003, p. 29), foram criadas novas formas de expressão, surgiram as formas literárias e, dessa maneira, o ensino formal da língua consolidou-se como obje- tivo básico da formação individual das pessoas, para enfrentar as de- mandas das sociedades ditas letradas, como atesta Marcuschi (2003). Para compreender melhor como esse grande feito da humanidade foi criado, vamos à próxima seção! Marcuschi usa o termo “socie- dades ditas letradas”, porque acredita que não há sociedades letradas e sim grupos de letrados nas sociedades, ou seja, elites que detêm o poder social, pois as sociedades não são fenôme- nos homogêneos. Atenção 24 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa 1.5 Breve história da escrita Vídeo Diferentemente da língua falada, os estudiosos conseguem, com maior precisão, saber quando a escrita surgiu. Pelas pistas deixadas, é possível inferir, de certa forma, quais foram as motivações para essa invenção humana e como ela evoluiu até chegar à atualidade. Cagliari (1998) costuma contar uma história que pode ilustrar como ocorreu a criação da escrita, apesar de ser fictícia, e que, provavelmen- te, iniciou a partir de situações cotidianas como esta: Um certo dia, um homem come- çou a desenhar nas paredes da caver- na, por meio de imagens de animais, pessoas, objetos e acontecimentos do dia a dia. Então, algum amigo foi visitá-lo e perguntou o que significavam aqueles dese- nhos. Ele começou a explicar os desenhos, o que eles significavam e assim por diante. Depois, refletiu sobre o acontecido e percebeu que poderia “ler” seus desenhos, ou seja, eles poderiam não só representar objetos da vida real, mas também as palavras faladas. Assim, a humanidade descobriu que quan- do uma forma gráfica representa uma palavra, tem-se a escrita. Então, os seres humanos come- çaram a criar sistemas gráficos para representar palavras. Ro n Le is hm an /S hu tte rs to ck Historicamente, a escrita surgiu do sistema de contagem feito com marcas em cajados ou ossos para contar gado. Além dos registros nu- méricos, era necessário criar símbolos para os produtos e para os no- mes dos proprietários dos animais. Nessa época, portanto, era preciso apenas saber traçar esses símbolos e decifrá-los para ser alfabetizado, pois a escrita servia unicamente para esse fim. À medida que o sistema de escrita foi expandindo, as informações necessárias para decifrar os símbolos foi aumentando. Isso fez com que as pessoas adotassem sím- bolos para representar os sons da fala ao invés de usar desenhos para representar as coisas, o que reduz significativamente a quantidade de símbolos para memorizar (CAGLIARI, 1998). Kenski (2007) atesta que a escrita surge quando os homens deixam de ser nômades e passam a ocupar por mais tempo o mesmo espaço Diferentes concepções de linguagem 25 e, por essa razão, desenvolvem a agricultura. Diferente das sociedades orais, nas quais a repetição e a memorização eram os recursos para a transmissão de saberes, na sociedade da escrita, é fundamental com- preender o que está sendo comunicado graficamente. Existe distância física e temporal entre quem escreve e quem lê. Os primeiros registros gráficos foram encontrados nas paredes das cavernas, em ossos, pedras e peles de animais. Mais tarde, os egípcios criaram o papiro, feito de uma planta fibrosa, que nascia às margens do rio Nilo (Figura 3) e era usado para registrar documentos funerá- rios, legais, administrativos e literários. O pergaminho, feito de pele de ovelha, também foi um suporte para a escrita, utilizado por nobres, na Antiguidade, para registro de seus bens (KENSKI, 2007). Figura 3 Papiro Zi na id a Za ik o/ Sh ut te rs to ck An dr ey _K uz m in /S hu tte rs to ck A escrita surgiu aproximadamente em 3300 a.C. na Suméria; no Egito, em 3000 a.C. e, na China, em 1500 a.C. Nesses três momentos e lugares, ocorreu de maneira autônoma, ou seja, esses sistemas de escrita foram criados de modo independente, sem terem outros como base. É, ainda, provável que a escrita dos povos maias também tenha se dado de modo autônomo. Os demais povos criaram seu sistema de escrita tendo outros como parâmetro. Os sumérios criaram a escrita conhecida por cuneiforme. No início, o sistema era pictográfico, isto é, eram usados desenhos para repre- sentar as ideias. Os símbolos eram feitos em tábuas de argila, com uma Assista ao vídeo A História da Palavra - O Nascimento da Escrita, publicado pelo canal Rede Catarinense, para conhecer maiores detalhes sobre essa grande invenção da humanidade. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=TVxmJoi-DDg. Acesso em: 6 fev. 2020. Vídeo 26 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa ferramenta chamada cunha, daí o nome dado a esse tipo de escrita (Figura 4). Mais tarde, a escrita suméria evoluiu para um sistema re- lacionado aos sons da fala, com base na escrita de sílabas, chamados silabários (Figura 5). Al ej o M ira nd a/ Sh ut te rs to ck Figura 5 Silabário cuneiforme Figura 4 Escrita cuneiforme Couperf eld/Shutterstock Dentre os vários sistemas de escrita, Cagliari (1998) destaca a es- crita semítica. A língua falada pelos povos fenícios, habitantes da an- tiga Fenícia (onde hoje fica o Líbano), muito conhecidos pela criação do primeiro alfabeto de base fonética, pertence à família de línguas semíticas. Nesse sistema, foi escolhido um conjunto de palavras, sen- do que cada uma delas iniciava por um som diferente das demais, lem- brando que eram usadas somente consoantes nesse tipo de escrita. De acordo com Cagliari (1998), para representar as palavras na forma escrita, os fenícios escolheram hieróglifos egípcios que lembravam os significados dessas palavras. A escrita egípcia é anterior à fenícia, sendo assim, os fenícios basearam-se nos hieróglifos egípcios (Figura 6). O termo semita refere-se a vários povos, entre eles árabes e he- breus. Muitas línguas compõem a família semítica, por exemplo, fenício, hebraico, árabe etc. Atenção hieróglifos egípcios: pintu- ras que representavam objetos, sons ou ideias. Glossário Diferentes concepções de linguagem 27 Como exemplifica Cagliari (1998), a primeira palavra era alef (que significava boi) e o hieróglifo adotado simbolizava a cabeça de um boi. Então, o desenho da cabeça do boi pas- sou a representar o som inicial da palavra alef. Isso foi feito com todas as palavras e suas respectivas consoantes. Logo, essas palavras escolhidas passaram aser os nomes das letras que representavam a consoante inicial de cada uma das palavras. Isso é o que chamamos de princípio acrofônico, isto é, “o nome das letras traz, em seu início, o som mais característico que a letra repre- senta no sistema de escrita” (MASSINI-CAGLIARI; CAGLIARI, 2004, p. 90). Desenhos não mais representavam diretamente as coisas; passaram a representar os sons das palavras usadas para nomear as coisas. Cagliari (1998) garante que o princípio acrofônico foi uma das me- lhores ideias que surgiram nos sistemas de escrita, pois reduziu o nú- mero de letras e simplificou a aprendizagem da leitura e da escrita. Parte do alfabeto da língua portuguesa também é acrofônico. Va- mos usar como exemplo a letra B. O nome da letra “bê” coincide com o som da letra B nas palavras (bala, bela, bicicleta, bola, bula). Mas há várias outras letras que não funcionam dessa mesma maneira, como é o caso das letras H, G (ga, go, gu), J, M, N, L etc. Os gregos adaptaram o sistema de escrita semítica, desenvolvida pe- los fenícios, incluindo vogais. A letra semítica alef, por exemplo, passou a representar a vogal A, agora chamada de alfa. Além disso, estabeleceram a ortografia correta das palavras como norma, para evitar que falantes de variedades diferentes escrevessem as mesmas palavras de manei- ra distinta, seguindo a própria fala como parâmetro (CAGLIARI, 1998). Imagine se cada um de nós escrevesse as palavras de acordo com a ma- neira que as pronunciamos. Pense como ficaria a escrita das palavras leite, porta, gente em cada região do Brasil, caso não houvesse ortografia. Figura 6 Hieróglifos egípcios nimograf/Shutterstock 28 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa Os romanos assimilaram o alfabeto grego, prosseguindo com o princípio acrofônico, mas simplificaram os nomes das letras, chaman- do-as apenas pelo som de cada uma. Então alfa ficou A, beta tornou-se B (bê) e assim por diante. Observe, na Figura 7, a comparação entre os alfabetos fenício, grego e romano. Figura 7 Evolução do alfabeto Fenício An dr ey O/ Sh ut te rs to ck Grego clássico Grego atual N ia kr is 6/ Sh ut te rs to ck Romano Fl ip se r/ Sh ut te rs to ck Fonte: Elaborada pela autora. Você deve ter percebido que as letras do alfabeto romano da Figura 7 são as mesmas do nosso alfabeto, não é mesmo? Isso acontece por- que a língua portuguesa derivou do latim, língua antigamente falada na região do Lácio, centro da Itália, onde fica a atual capital, Roma. Vamos, então, rapidamente, conhecer a origem de nossa língua? Al ex To is /S hu tte rs to ck Diferentes concepções de linguagem 29 Música Ouça a música Língua, composta e interpretada por Caetano Veloso, e preste atenção nas palavras que formam os versos da letra. O refrão diz “Flor do Lácio / Sambódromo / Lusamérica / latim”. Você sabe o porquê? Porque a língua portuguesa ficou conhecida como “a última flor do Lácio” (região onde se falava o latim). E como essa denominação chegou até nós? Leia o poema Língua Portugue- sa, de Olavo Bilac, e descubra! Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... [...] Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, em que da voz materna ouvi: “meu filho!”, E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Disponível em: https://genius.com/Caetano-veloso-lingua-lyrics. Acesso em: 6 fev. 2020. No Império Romano (27 a.C. a 395 d.C.), o idioma oficial era o la- tim clássico (usado pelas pessoas cultas, da classe dominante) e vulgar (usado pelo povo). O português originou-se do latim vulgar, levado pe- los conquistadores romanos à Península Ibérica, região europeia que compreende principalmente Portugal e Espanha. Os romanos dominaram por muitos séculos a Península Ibérica. Consequentemente, sua língua (e toda a cultura, de um modo ge- ral) misturou-se com falares já existentes na região, dando origem a vários dialetos, que foram se modificando com o tempo até che- garem às chamadas línguas neolatinas modernas, que derivaram do latim vulgar, como o catalão, o castelhano e o galego-português. Desse último idioma derivou o português. E como nós, brasileiros, falamos português? Em razão do Brasil ter sido colônia de exploração de Portugal por séculos. Desse modo, nossa língua oficial continua sendo o português, muito se- melhante ao português falado em Portugal, salvo as diferentes pro- núncias, sotaques e, claro, o dialeto de cada região. Nossa língua 30 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa também sofreu influência (bem menor, evidentemente) das línguas indígenas brasileiras e de termos africanos trazidos pelos escravos que vieram ao Brasil. Assim, além de os portugueses trazerem para o Brasil a língua falada em seu país, da mesma forma herdamos a língua escrita portuguesa, gramática, regras e usos que, com o tem- po, sofreu modificações e, hoje, é chamada de português brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo da linguagem é muito amplo, não é mesmo? Vai muito além do simples fato de caracterizar mulheres e homens como seres huma- nos. Por meio da linguagem nos comunicamos e interagimos com os ou- tros e com o mundo: pensamos, contamos histórias, expressamos nossa cultura e memória, aprendemos, ensinamos, trocamos experiências, de- fendemos nossos direitos e construímos nosso futuro. Tudo isso pode ser feito por meio da fala e da escrita, graças aos nossos antepassados, que desenvolveram tecnologias específicas para esse fim. E hoje, com a ciência cada vez mais avançada, os estudos sobre a linguagem humana também avançam, principalmente para auxiliar os profissionais da educação a buscar novas práticas para o trabalho com a língua materna na escola. ATIVIDADES 1. Explique a diferença entre língua e linguagem e defina os dois tipos de linguagem, apresentando exemplos. 2. Neste capítulo, você acompanhou um breve histórico dos estudos sobre a língua ao longo do tempo. Complete a linha do tempo a seguir com as principais informações sobre cada período e cada acontecimento importante relacionado aos estudos da linguagem. Século IV a.C. Grécia Antiga (Continua) Diferentes concepções de linguagem 31 Idade Média Século XVI Séculos XVII e XVIII Século XIX Primeira metade do séc. XX Segunda metade do séc. XX Roma Antiga 3. Apresente ao menos uma contribuição para a área da linguagem de cada um dos estudiosos a seguir: a) Saussure b) Chomsky 32 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa REFERÊNCIAS BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa – 1º e 2º ciclos. Brasília, DF: MEC; Secretaria de Educação Fundamental, 1998. CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o bá, bé, bi, bó, bu. São Paulo: Scipione, 1998. CAGLIARI, L. C. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 2009. COMO, quando e por que o ser humano começou a falar? Revista Superinteressante. São Paulo, 31 out. 2016. Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/palavra- de-homem/. Acesso em: 26 jan. 2019. COSTA, M. A. Abordagens linguísticas: estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. DIAS, L. S.; GOMES, M. L. de C. Estudos linguísticos: problemas estruturais aos novos campos de pesquisa. 2. ed. Curitiba: InterSaberes, 2015. EVERETT, D. L. Linguagem: a história da maior invenção da humanidade. Trad. de Maurício Resende. São Paulo: Contexto, 2019. GODOY, M. Sócrates, Pokémon e simbolismo sonoro. #Linguística: blogs de Ciência Unicamp – Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, 4 dez. 2018. Disponível em: https://www. blogs.unicamp.br/linguistica/2018/12/04/socrates-pokemon-e-o-simbolismo-sonoro/. Acesso em: 7 fev. 2020. KENEDY, E. Abordagens linguísticas: gerativismo. In: MARTELOTTA, M. E. Manual de linguística. São Paulo: Contexto,2008. KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2007. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2003. MARCUSCHI, L. A. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco “falada”. In: DIONÍSIO, A. P.; BEZERRA, M. A. O livro didático de Português: múltiplos olhares. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MASSINI-CAGLIARI, G.; CAGLIARI, L. C. Categorização gráfica e funcional na aquisição da escrita e da leitura em língua materna. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 2, n. 1, jan./jun. 2004. 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Como é possível a criança, sem um ensino sistematizado, aprender a falar tão rapidamente e se tornar proficiente em sua língua materna com menos de cinco anos? Isso é espantoso se pensarmos na aquisição de uma segunda língua na idade adulta, pois sabemos que essa aprendizagem exige muito esforço, dedicação e anos de estudo. Essas são algumas das questões que estudiosos das áreas da biologia, psicologia e linguagem buscam responder já há algum tem- po. Fazem isso desenvolvendo teorias e observando falantes, a fim de descobrir como ocorre a aquisição da linguagem pela criança. São várias as hipóteses desenvolvidas ao longo dos anos, mas as que se destacam nos estudos da linguagem até hoje são as se- guintes: behaviorista, inatista, construtivista e interacionista. Cada uma dessas hipóteses conta com representantes teóricos, conhe- cidos por suas ideias, que influenciaram outros estudiosos de vá- rias áreas, em especial, da linguagem e da educação. Basicamente, há dois entendimentos diferentes que procuram explicar a origem do conhecimento e a origem da linguagem: a visão empirista e a racionalista. Levando em consideração essas duas visões, primeiramente, vamos abordar o behaviorismo, repre- sentado principalmente por Skinner, e o inatismo, apresentado por Chomsky. Depois, trataremos das abordagens interacionistas. Em relação ao interacionismo, há diferentes opiniões a serem analisadas. Alguns autores consideram Piaget e Vygotsky como interacionistas; outros utilizam o termo construtivismo para Piaget 34 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa e interacionismo para Vygotsky. Há os que nomeiam os estu- dos de Piaget como construtivismo cognitivista e os de Vygotsky como construtivismo social. Neste capítulo, vamos considerar tanto Piaget quanto Vygotsky como interacionistas, pois ambos compreendem a aquisição da linguagem com base em relações interativas, seja com o ambiente (no caso de Piaget), seja entre a criança e ou- tras pessoas (no caso de Vygotsky). 2.1 Behaviorismo Vídeo O behaviorismo é uma abordagem psicológica, iniciada em 1913, por Watson (Figura 1), psicólogo americano; todavia, as ideias centrais dessa vertente são anteriores a esse estudioso. A palavra de origem inglesa behavior significa comportamento, e essa abordagem empírica propõe o estudo dos fatos objetivos e observáveis do comportamento. Sendo assim, seu objeto de estudo deve ser, exclusivamente, o que pode ser visto e descrito de maneira sistemática e exata. Outra premissa do behaviorismo, segundo Finger (2007), é que os princípios que controlam o comportamento huma- no são idênticos aos dos outros animais. E o que seria o comportamento para os behavioristas? “O comportamento é a resposta dada por um determinado organismo a algum fa- tor externo que o estimule, sendo que tal resposta pode sempre ser observada, descrita e quantifica- da” (FINGER, 2007, p. 9). Segundo Terra (2003), na teoria de Watson, o ser humano possui um aparato natural que se adapta ao ambiente onde vive, por meio da formação de hábitos. Assim, o comportamento deve ser analisa- do “como função de certas variáveis do meio”, pois “certos estímulos levam o organismo a dar determinadas respostas” (TERRA, 2003). Podemos dizer, então, que o behaviorismo considera a The Johns Hopkins Gazette/Wikimedia Commons Figura 1 John Watson (1878-1958) Aquisição da linguagem pela criança 35 criança, ao nascer, como uma tábula rasa, isto é, não possui nenhum tipo de conhecimento prévio. Influenciado por Pavlov, Watson acreditava que os humanos, as- sim como os outros animais, reagem a estímulos e que é possível condicionar a resposta a certo estímulo por meio de mudanças es- pecíficas no ambiente (FINGER, 2007). Outro importante nome da abordagem behaviorista foi Skinner (Figura 2), que, em 1945, apresentou o behaviorismo radical, rejeitan- do, de acordo com Finger (2007), a exclusividade que Watson atribuía aos reflexos e condicionamentos, por acreditar que, além de os huma- nos responderem ao seu meio, também agem no ambiente para pro- duzirem certas consequências. Figura 2 B. Frederic Skinner (1904-1990) Ha rv ar d Un ive rs ity /W ik im ed ia C om m on s Skinner, assim como Pavlov, fez experiência com animais – dessa vez com ratos e pombos –, a fim de desenvolver uma metodologia que chamou de condicionamento operante. Ele criou uma gaiola que possuía uma alavanca no local onde ficava a comida; ela poderia ser acionada, sem dificuldades, pelo animal (FINGER, 2007). Segundo relatos de Skinner, apresentados por Finger (2007), o pom- bo faminto, enquanto estava na jaula, encostou na alavanca sem inten- ção, e o alimento ficou disponível para ele. Depois de várias tentativas, o pombo conseguiu associar que, tocando o dispositivo com o bico, teria O conceito de tábula rasa foi apresentado pelo filósofo John Locke, conhecido como fundador do empirismo. Significa que o ser humano nasce como uma “folha de papel em branco”, sem nenhum tipo de conhecimento prévio, sendo “preenchida” ao ter experiência com o mundo. Saiba mais Watson foi muito influenciado por Ivan Pavlov, fisiologista russo que desenvolveu um estudo com cachorros, denominado condicionamento clássico. Nesse famoso experimento, constatou que os cães salivavam não somente ao ver o alimento, mas também ao ouvir um sinal (um estímulo) associado à entrega da comida. Esse tipo de comportamento (como a salivação) ficou conhecido pelo termo reflexo condicionado ou resposta condicionada, pois é provocado por um estímulo condicionador. Generalizando o resultado dessa experiência, concluiu que os humanos também fazem associações entre estímulos e respostas, repetindo os comportamentos em que tiveram êxito. Th e No be l P riz e/ W ik im ed ia C om m on s Saiba mais 36 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa comida. Assim, quando sentia fome, acionava a alavanca. Skinner chamou o primeiro toque do pássaro de operante livre, pois não foi intencional, e de operante condicionado ou hábito o comportamento do pombo ao repetir a ação com o objetivo de se alimentar. “Ao estímulo utilizado para produzir o comportamento desejado, no caso descrito acima, ao alimento, dá-se o nome de reforçador” (FINGER, 2007, p. 11, grifo do original). O reforço, portanto, é um estímulo que proporciona o aumento da probabilidade de certa resposta. Há o reforço positivo, que fa- vorece um comportamentodesejado, e o reforço negativo, quan- do há o objetivo de conter ou banir determinado comportamento (MAIA, 2017). Finger (2007) cita exemplos de como a aprendizagem defendida por Skinner pode ser usada para retratar várias si- tuações cotidianas. Sabe aquela crian- ça que chora, que se joga no chão ou esperneia em uma loja ou no super- mercado porque quer um brinquedo ou um doce? Se os pais compram o que a criança quer, mesmo que tenham prometido anteriormente não comprar, ela perceberá que sempre deve ter esse comportamento para ganhar o desejado. Se não for atendida pelos pais, provavelmente abandonará esse comportamento e tentará outra estratégia. Vamos pensar em que outras situações do dia a dia fazemos uso do reforço positivo ou negativo? Observe os exemplos do Quadro 1, a seguir. Quadro 1 Reforços positivo e negativo Exemplos de reforço positivo Exemplos de reforço negativo Ganhar presentes se tirar notas boas. Ficar sem jogar videogame se tirar notas baixas. Ganhar uma “estrelinha” de bom com- portamento. Ficar sentado na “cadeirinha do pensamen- to” se não tiver um bom comportamento. Ter sua foto no quadro de “funcionário do mês”. Não ganhar sobremesa se não comer tudo. Ganhar um carro se passar no vestibular. Perder o recreio porque não fez a tarefa. Fonte: Elaborado pela autora com base em Maia, 2017, p. 29-30. No comportamento operante (ou operante condicionado), segundo Maia (2017), a ação do organismo sobre o meio e seu efeito proporcionam a aprendizagem. No nosso dia a dia, as tarefas realizadas de maneira intencional, como realizar uma leitura, escrever um e-mail, tomar banho, tocar um instrumento etc., são exemplos de comportamento operante. Curiosidade Moriz/Shutterstock Assista ao vídeo Behaviorismo (1): Metodológico e Radical, publicado pelo canal Didatics, para saber mais sobre o behaviorismo e as principais diferenças entre as ideias de Watson e Skinner. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=ipHFpXAg- jiA. Acesso em: 6 mar. 2020. Vídeo Aquisição da linguagem pela criança 37 Mas como as ideias behavioristas influenciaram a área da lin- guagem, especialmente o entendimento sobre a aquisição da linguagem pela criança? Será que ela aprende a falar por meio de estímulo-resposta-reforço, conforme a hipótese comportamen- talista propõe? É o que veremos na próxima seção. 2.2 Hipótese behaviorista de linguagem Vídeo O behaviorismo influenciou fortemente a linguística por muitas dé- cadas, servindo de base para o ensino de línguas. Para Skinner, a aqui- sição da linguagem ocorre da mesma forma que todos os outros tipos de aprendizagem, ou seja, falar é entendido como um comportamento (no caso específico da linguagem, Skinner chamou de operante verbal) e, conforme Parot (1978), o condicionamento operante tem papel fun- damental na aprendizagem da língua. Para compreender esses conceitos aplicados à aquisição da linguagem, podemos pensar da seguinte forma: por meio de um estímulo (condicionamento operante), a criança exprime uma res- posta (comportamento operante), uma palavra, por exemplo, que o ambiente reforça (quando os pais ou outras pessoas dizem “mui- to bem!” ou “isso mesmo!”) ou não (quando as pessoas não enten- dem o que a criança diz ou a corrigem). Grolla e Silva (2014) explicam que, de acordo com a perspectiva behaviorista, a criança aprende a falar porque recebe estímulos positivos quando produz corretamente enunciados e é estimulada negativamente quando comete erros. Assim, para os behavioris- tas, comportamentos complexos, como a linguagem, dependem da experiência para serem adquiridos e são condicionados (FIN- GER, 2007), ou seja, dependem dos estímulos e reforços recebidos para se tornarem um hábito. A linguagem é um comportamento aprendido; é um hábito e será adquirido conforme a interação da criança com o input provido pelo ambiente. Skinner expõe que os “organismos produzem sons e as palavras são reforçadas” (FINGER, 2007, p. 15), enquanto aquilo que não se constitui como palavra não é reforçada. Essas palavras são associadas para a formação de sentenças (FINGER, 2007). O behaviorismo serviu como base para o estruturalismo ame- ricano, representado pelas ideias de Leonard Bloomfield. Para ele, a criança herda a capacidade de pronunciar e repetir sons por di- ferentes estímulos. Isso se torna um hábito, e ela passa a imitar os sons que escuta. Primeiro, ela associa os sons às coisas e, de- pois, associa as palavras às coisas que estão ausentes (CEZARIO; MARTELOTTA, 2008). Saiba mais Input: em se tratando de aquisição de línguas, são os dados linguísticos com os quais a criança entra em contato, produzidos no ambiente em que ela vive. Glossário 38 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa Para facilitar a compreensão de como o behaviorismo explica a aqui- sição da linguagem pela criança, acompanhe o mapa conceitual a seguir. Figura 3 Perspectiva behaviorista da aquisição da linguagem o mesmo que depende de comportamento operante (operante verbal) é definida como Skinner segundo behaviorismo para o A linguagem (a fala) por exemplo uma palavra dita pela criança são dadas a respostas condicionadas (operante condicionado) fatores externos que são ocorrem conforme por exemplo se realizam por meio de negativopositivo estímulos condicionados (condicionamento operante) pode ser reforço que favorece o comportamento desejado “Muito bem!” como dizer como corrigir a criança busca banir determinado comportamento interação com o input promovido pelo ambiente enunciados linguísticos que a criança ouve Fonte: Elaborado pela autora com base em Finger, 2007, p. 12-15. Aquisição da linguagem pela criança 39 Com base na leitura do mapa e na contribuição de Finger (2007), pode- mos afirmar que a aquisição da linguagem para a hipótese behaviorista: ocorre mediante a experiência da criança com a língua falada pelos seus pares; depende da quantidade e da qualidade de língua ouvida pela criança; presume que o ambiente é o único responsável pelo conhecimento linguístico que a criança irá adquirir, por meio dos condicionamentos; ocorre pela repetição de sons, estímulos, reforços e formação de hábitos; é consequência de associações entre estímulos (palavras ouvidas) e repostas (vocalizações espontâneas da criança). Apesar de alguns conceitos behavioristas serem muito próximos de nosso dia a dia e de usarmos com certa frequência estímulos, reforços positivos e negativos em nossas ações – ao recompensarmos ou punir- mos as respostas (ou comportamentos) que obtemos das crianças, por exemplo –, há algumas críticas em relação a essa teoria, especialmente no que diz respeito à aquisição de linguagem. A primeira delas é que a hipótese behaviorista não explica com cla- reza como a criança é capaz de produzir enunciados novos, que não foram anteriormente ouvidos. Outra questão é que não há evidências Você sabe o que é e para que serve um mapa conceitual? É uma ferramenta de repre- sentação gráfica utilizada para evidenciar conceitos acerca de algum tipo de conhecimento. Esses conceitos são relacionados de modo que se possa ter uma visão geral e resumida do todo; pode ser um livro, um capítulo, um texto etc. Há um programa gratuito para a construção de mapas conceituais chamado CmapTools. Você pode baixá-lo e construir seus próprios mapas. É uma ótima estratégia para seus estudos! Disponível em: https://cmap. ihmc.us/cmaptools/. Acesso em: 5 mar. 2020. Curiosidade 40 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa concretas entre o uso correto da gramática e o reforço positivo ofere- cido pelos adultos, uma vez que eles ficam mais preocupados com o significado dos enunciados falados pelas crianças do que com a corre- ção gramatical (FINGER, 2007). Um problema para esta hipótese é que geralmente se observa que os pais prestam atenção no que as crianças falam, mas nãoem como elas falam: quando os pais de fato corrigem seus filhos, eles tendem a fazer correções sobre a adequação do conteúdo da fala das crianças relativamente à situação discursiva, e não sobre a forma gramatical das expressões (GROLLA; SILVA, 2014, p. 44, grifos do original). Grolla e Silva (2014) completam com um exemplo em que a crian- ça produz um enunciado com a estrutura gramatical comprometida, mas como está adequado à situação, a mãe responde positivamente. A criança diz: “Eu fez xixi”. A mãe responde: “Muito bem, meu amor!”. A ideia de que a criança é passiva em relação ao meio também é questionada pelos críticos do behaviorismo, pois é atribuída somen- te aos adultos a responsabilidade pelo que a criança irá ou não falar. Assim, a corrente behaviorista difere em vários aspectos da abordagem que iremos tratar agora: o inatismo. Vídeo Há uma série de vídeos sobre o behaviorismo, publicados pelo canal Didatics, que apre- senta o histórico dessa teoria, os principais estudiosos e os conceitos desenvolvidos por eles. Há, inclusive, trechos de entrevistas com Skinner. São seis vídeos que, com certeza, complementarão seus estudos. https://www.youtube.com/watch?v=VW7_24SwG7M https://www.youtube.com/watch?v=ycN8bqJ7T4k https://www.youtube.com/watch?v=QO9SSrYZjW0 https://www.youtube.com/watch?v=-19AF7ocYEE https://www.youtube.com/watch?v=51EuK9kOD_U https://www.youtube.com/watch?v=3FKjukvcY1o Acesso em: 5 mar. 2020. 2.3 Hipótese inatista de linguagem Vídeo Chomsky (Figura 4) é um dos principais nomes quando falamos so- bre inatismo no processo de aquisição de linguagem. Muitos estudiosos chamam essa abordagem de gerativista, visto que esse importante lin- guista é considerado o fundador do gerativismo (MARTELOTTA, 2008). Aquisição da linguagem pela criança 41 Segundo Parot (1978), Chomsky combate a teoria behaviorista, pois acredita que as crianças nascem com capacidades (especialmen- te verbais) já programadas. Sendo assim, a criança se desenvolve em razão de suas estruturas inatas. Além disso, para Chomsky, a estrutura das linguagens depende das características do cérebro humano e, por isso, há semelhanças entre as línguas e há ques- tões que são universais. Um exemplo disso são os tipos de enun- ciados que as crianças conseguem produzir em diferentes idades, independentemente da língua que falam. Parot (1978) apresenta o seguinte exemplo, dado por Chomsky: uma criança de um ano e meio já possui todas as potencialidades gramaticais, porém ela não as utiliza porque outros aspectos ainda não estão prontos, como a memória mais apurada, as questões de percepção e aquelas relacionadas ao aparelho fonador. Atenção O fato de toda criança normal adquirir uma língua sem esforço e sem instrução explícita é apresentado por Grolla e Silva (2014) como conceito de universalidade da linguagem. Chomsky não concorda com os princípios do behaviorismo por- que considera que a criança não poderia, apenas pelo processo de estímulo-resposta-reforço, dado pelo ambiente, tão rapidamente aprender a estrutura complexa de uma língua. Além disso, conforme Parot (1978), Chomsky acredita que o fato de as crianças criarem enun- ciados totalmente novos, nunca ouvidos, depende de sua capacidade inata, chamada por ele de competência. Outra questão é o fato de que, segundo Quadros (2007), as teorias podem prever um tipo de comportamento, porém, não podem atestar de que modo esse comportamento ocorrerá com as pessoas. Dessa forma, para a abordagem gerativista, baseada na hipótese inatista de linguagem: a linguagem é constituída por representações mentais; a aprendizagem da fala é um fenômeno biológico e cognitivo; os princípios que comandam a estrutura da linguagem são universais; os seres humanos possuem um mecanismo inato (da mente/ cérebro) responsável pela aquisição da linguagem chamado gra- mática universal, ou seja, já nascem providos de grande diversi- dade de conhecimentos linguísticos; Além de Chomsky ser um dos mais respeita- dos estudiosos da área da linguística, é ativista político. No filme Capitão Fantástico, ele é o herói do protagonista, que substitui a comemoração de Natal pela data de aniversário de Chomsky. Para saber mais, leia a reportagem Vai assistir a Capitão Fan- tástico? Então você precisa saber isto antes, escrita por Ricardo Sabbag. Disponível em: https://www. gazetadopovo.com.br/caderno-g/ cinema/vai-assistir-a-capitao-fan- tasticoentao-voce-precisa-saber-is- to-antes-epfss0fgqfn1d5oacwmde- qh1c/. Acesso em: 6 mar. 2020. Curiosidade Figura 4 Noam Chomsky (1928-) Jo hn S oa re s/ W ik im ed ia C om m on s 42 Metodologia do ensino de Língua Portuguesa ao entrar em contato com as falas de seus pares, a crian- ça, na idade certa, aciona o conhecimento linguístico prévio, herdado geneticamente; há, portanto, em cada indivíduo, um dispositivo exclusivo para a linguagem que é muito criativo; o uso criativo da linguagem mostra a capacidade dos falantes de usarem a língua diariamente com coerência e de modo adequa- do a cada contexto; a aquisição da linguagem se dá de maneira uniforme, na medi- da em que crianças de um mesmo país, mas que têm distintas realidades sociais, aprendem a falar a mesma língua, mesmo re- cebendo inputs diferentes. Grolla e Silva (2014) defendem uma abordagem racionalista de linguagem, conhecida como Teoria da Gramática Universal, que dialoga com a concepção gerativista apresen- tada por Chomsky, por negar as teorias de cunho empirista, cujo conceito parte do prin- cípio de que a linguagem é adquirida apenas por meio da experiência com o ambiente. Assim, as autoras apresentam estágios de aquisição de linguagem – com base em pesqui- sas que foram feitas com crianças –, pelos quais todas as crianças passam, independente- mente de sua língua materna. A figura a seguir apresenta esses estágios. Figura 5 Estágios de aquisição da linguagem Fonte: Elaborada pela autora com base em Grolla e Silva, 2014, p. 64-69. A criança balbucia somente os sons que ouve, usando a entonação da língua falada que está adquirindo: pronúncia, entonação, regularidades e restrições dos sons da língua (em português, por exemplo, não há palavra que comece com os sons “vre”, “nha”, “lha”, embora essas sílabas existam em outras posições nas palavras). A criança emite sons sem significados (balbucios). Estudos mostram que os bebês conseguem distinguir sua língua nativa de uma língua estrangeira, desde que tenham diferentes ritmos. A criança balbucia maior número de sons. Produz sílabas, como “ba, ba, ba”, “bi, bi, bi”, e repete-as muitas vezes. O mesmo tipo de som é produzido por bebês adquirindo diferentes línguas. Até bebês surdos fazem esses barulhos, mostrando que isso não corresponde a uma resposta a estímulos externos. A habilidade de distinguir sons de línguas estrangeiras diminui. Inicia a produção das primeiras palavras (que nomeiam pessoas ou objetos comuns a ela, como mamãe, papai, au-au). Os enunciados são compostos de uma palavra, mas têm valor de frases. Combina gestos com palavras (aponta para um pássaro e diz “piu-piu”) e entende ordens, como “bate palminha”. Começa a combinar duas palavras, inicialmente, sem valor de sentença (água... au-au) e, depois, com valor de sentença (quero mamar). Produz sentenças simples com mais de duas palavras. Tem um vocabulário de 400 palavras, aproximadamente. No início, não usa artigos (o, a, uma etc.) e preposições (de, para, em etc.), mas assim que o vocabulário aumenta (cerca de 700 palavras), passa a usá-los. Nessa fase, costuma apresentar construções como “eu fazi”, mostrando que se baseia em regularidades da língua (como “eu comi”) e aplica a outras situações, pois ainda desconhece que há verbos irregulares. Primeiros meses de vida Em torno de 6 meses Em torno de 10 meses Ao redor de 1 ano Ao redor de 1 ano e 6 meses Entre 2 e 3 anos Mais de 3 anos Tem um vocabulário em torno de 1200 palavras. Começa a usar sentenças
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