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Globalizacao e Turismo Limites do Desenvolvimento Local na Ordem

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Globalização e Turismo: Limites do Desenvolvimento Local na Ordem 
Contemporânea do Capital 
 
Rodrigo Meira Martoni*. Docente/pesquisador do quadro efetivo do Curso de Turismo da 
Universidade Federal de Ouro Preto/MG 
 
GT 09 – Epistemologia e análise crítica do turismo 
 
Resumo 
 
Ao abordar criticamente o posicionamento de dois autores representativos do turismo, o 
estudo evidencia a necessidade de se entender a realidade atual a partir das relações 
sociais subordinadas ao capital. Seguindo como eixo norteador o processo histórico da 
globalização, ressalta que em muitas regiões houve a intensificação da desigualdade, e 
questiona as propostas de desenvolvimento do turismo com bases locais quanto as suas 
efetivas possibilidades de aplicabilidade. Tal questionamento tem como princípio a lógica 
de constituição do turismo como “mercadoria” que, quanto mais se desenvolve, mais tem 
o poder de comprometer elementos tangíveis e intangíveis. Com isso, adverte-se que 
poucas são as análises que levam em consideração os parâmetros estabelecidos pelo 
capital para a teoria e prática do turismo comunitário. 
 
Palavras chave: capital; globalização; desenvolvimento local; planejamento. 
 
 
Considerações Iniciais 
 
O espaço comum às atividades diversas e parcelares, no quadro imposto da 
sociedade, se serve para tentar constituir-se em sistema, para atingir a coerência. 
Como? Mascarando suas contradições, aí incluídas as do próprio espaço, esse 
caráter ao mesmo tempo global e pulverizado, conjunto e disjunto (LÉFEBVRE, 
2008, p.56). 
 
                                                            
* Turismólogo e Mestre em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Estadual de 
Londrina, PR. Desenvolve pesquisas em políticas públicas de turismo, planejamento e desenvolvimento com 
bases locais. É co-autor do livro Caminhos Opostos: Turismo nas Estradas Reais de Minas Gerais, publicado 
pela Editora Livre Expressão/RJ. Endereço eletrônico: rodrigomartoni@gmail.com 
 
O processo de globalização engendrou movimentos de resistência, como, por exemplo, 
algumas propostas de desenvolvimento com bases locais. No campo do turismo esse 
discurso aparece como uma forma de promover localidades segundo suas potencialidades, 
incluindo os atrativos que as caracterizam (patrimônio natural, cultural e histórico) e as 
iniciativas de residentes locais. 
 
Considerando as diferenças sociais que marcam países como o Brasil, o planejamento 
turístico que segue esse enfoque aparece como forma de amenizar a produção e 
reprodução de desigualdades, além de resguardar a participação popular. Contudo, 
questiona-se os limites dessa proposta diante das relações sociais capitalistas: o 
desenvolvimento com bases locais encontra barreiras para se efetivar na própria 
constituição do chamado “produto turístico” pois, quanto mais este se dinamiza como 
mercadoria, maiores são as possibilidades de desconfiguração de uma organização 
coletiva local. Tal fato pode comprometer escalas locais e as deixam vulneráveis à lógica 
do capital, entendido como “valor que busca valorizar-se, expandir-se” (NETTO; BRAZ, 
2008, p 169). 
 
A partir da crítica ao posicionamento de dois autores representativos no estudo do 
turismo, propõe-se iniciar a discussão levantando duas questões centrais: 1) qual a 
compreensão que se tem do termo globalização e os seus reflexos no campo do turismo? ; 
2) quais os limites e possibilidades de aplicação prática da proposta de desenvolvimento 
com bases locais, tendo em vista a racionalidade econômica vigente? 
 
1. Globalização: a mundialização do capital em benefício de quem? 
 
Para elaborar uma crítica à economia política do turismo na ordem contemporânea do 
capital, serão levantadas algumas colocações de dois estudiosos do turismo, no que se 
refere à globalização e ao planejamento para o desenvolvimento: Mário Beni e Sérgio 
Molina. Em seu livro, intitulado Globalização do Turismo, Beni coloca: 
 
O processo de internacionalização do capital, juntamente com a retomada e a 
expansão do capitalismo no mundo, ocorrem no final da segunda guerra mundial 
[...]. A globalização é um processo irreversível e, como toda criação humana feita 
por grupos de poder, apresenta regras – tanto as que impelem ao progresso de todos, 
repartindo benefícios e assegurando perspectivas de médio e longo prazo, como as 
limitadoras e forçosamente injustas quando cerceiam a livre concorrência de 
mercado (BENI, 2003, p. 18). 
 
E ainda: 
 
A globalização provocou uma mais ampla disponibilização e acessibilidade em 
amplitude mundial dos produtos, das instalações e dos serviços turísticos [...]. O 
turismo, que antes parecia ater-se a um punhado de países altamente especializados 
na excelência da oferta diferencial, passou há pouco a ser visto como o único meio 
de permitir às nações mais pobres viabilizarem sua integração à economia mundial. 
Considerando os efeitos ampliadores da globalização, surgiram estratégias globais 
para identificar, desenvolver e comercializar o turismo de base local em clusters e 
redes corporativas de empresas, como, por exemplo, operadoras turísticas, empresas 
de transporte aéreo, cadeias hoteleiras e um pool promocional de pequenas e médias 
empresas agregadas à cadeia produtiva do turismo (BENI, 2003, p.27,28). 
 
 
Efetivamente trata-se de um movimento irreversível, pois é inerente ao sistema do capital 
em sempre buscar graus mais elevados de acumulação. Mas não é um processo do século 
XX (final da segunda guerra mundial), pois a globalização opera desde quando a produção 
mercantil simples se vê deslocada para a produção mercantil capitalista, não em sua forma 
mais acabada, mas desde o estágio em que impera a expansão comercial, sendo 
emblemáticas as conquistas territoriais para além mar. José Paulo Netto e Marcelo Braz 
(2008, p.171) afirmam: “é então que [a partir do século XVI mais intensamente] começa o 
movimento de unificação da humanidade, que se concretiza quando se consolida o 
mercado mundial. [Por isso] é profundamente enganoso situar esse movimento como algo 
recente, tal como o fazem os ideólogos da globalização”. 
 
A globalização adquire formas conectadas com as etapas do capitalismo, tendo em vista 
os ajustes espaciais tão necessários para a manutenção e ampliação da dinâmica do 
sistema, já explicitado em 1848 por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: 
“impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade o globo. 
Necessita estabelecer-se em toda parte, criar vínculos em toda parte” (1987, p.08). Para 
Istvan Mészaros (2006, p.64): 
 
[...] o processo de globalização, como de fato o conhecemos, [reforça] os centros 
mais dinâmicos de dominação (e exploração) do capital, trazendo em sua esteira 
uma desigualdade crescente e uma dureza extrema para a avassaladora maioria do 
povo, pois as respostas de um escrutínio crítico poderiam entrar em conflito com as 
políticas seguidas pelas forças capitalistas dominantes e seus colaboradores 
espontâneos no “Terceiro Mundo”. No entanto, com essa globalização em 
andamento, que se apresenta como muito mais benéfica, nada se oferece aos “países 
subdesenvolvidos”, além da taxa diferenciada de exploração. 
 
Beni enfatiza que existem dois lados: 1) a possibilidade do “progresso de todos, repartindo 
benefícios e assegurando perspectivas de médio e longo prazos”; 2) “as [regras] 
limitadoras e forçosamente injustas quando cerceiam a livre concorrência de mercado”. A 
necessidade de ampliação dos mercados, com base na produção de novos e diferentes 
produtos e serviços é inerente a uma organização sócio-econômica que, para se manter, 
carrega a necessidade de incrementar cada vez mais as possibilidades de exploração de 
recursos e pessoas. 
 
A globalização, compreendida como a mundialização do capital, a qual flui nas esteiras 
das políticas neoliberais, trabalha no espaço mundial no sentido de aumentar e/ouconservar a taxa de lucro, uma vez que, diante da competitividade, a manutenção de uma 
determinada empresa no mercado regional e global depende de alguns fatores apontados 
por José Paulo Netto e Marcelo Braz (2008, p.154): o barateamento do capital constante; a 
elevação da intensidade da exploração; a depressão dos salários abaixo do seu valor; o 
exército industrial de reserva; e o comércio exterior. Restam-nos as ações em nível local, 
as quais serão verificadas em momento posterior. 
 
É fato que, na dinâmica do modo capitalista de produção, não importando as 
“características particulares das economias nacionais, em todos os espaços em que se 
desenvolveu e desenvolve a acumulação capitalista, o resultado é sempre a polarização 
riqueza/pobreza” (NETTO; BRAZ, 2008, p.137). Assim, no campo do turismo global, a 
polarização e suas amplas repercussões são tratadas por Beni no plano da aparência, 
justamente por realizar a leitura do turismo de forma sistêmica, ou seja, apresentando uma 
estrutura passível de harmonização, a depender dos elementos de entrada, do 
funcionamento e da relação entre os itens constituintes. Ao fazer um recorte da realidade, 
não trabalha a totalidade concreta, pois desconsidera as determinações sócio-econômicas 
como suas contradições (principalmente a produção socializada e apropriação privada 
com vistas ao lucro crescente e suas repercussões). 
 
Tendo em vista que a polarização social é um fato concreto do capitalismo, os resultados 
da produção não podem atender a todos de forma igualitária, ou seja, os benefícios não 
são generalizáveis em nível local, regional ou global. Se, com a evolução das forças 
produtivas, avançaram os modais de transporte, as vias de acesso e as formas de 
hospedagem, as relações de produção fazem com que somente grupos específicos possam 
se beneficiar de forma mais direta de tais inovações, seja no cotidiano, seja nos momentos 
de lazer. Istvan Mészaros (2006, p.68) enfatiza: 
 
Sob o sistema do capital estruturado de maneira antagonista, a verdadeira questão é 
a seguinte: qual é a classe dos indivíduos que realmente produzem a “riqueza da 
nação” e qual a que se apropria dos benefícios dessa produção; ou, em termos mais 
precisos, que classe de indivíduos deve ser confinada à função subordinada da 
execução e que indivíduos particulares exercem a função de controle – como 
“personificações do capital”. 
 
Assim, resta saber quem são os beneficiários das políticas neoliberais globalizadas e os 
marginalizados pelo processo. Por um lado, com o neoliberalismo (e, não raras às vezes, 
com o empresariamento da máquina estatal) viabiliza-se no campo prático a instalação de 
empreendimentos de capital nacional e internacional que atribuem um valor de troca a 
potencialidades/atratividades (naturais, urbanísticas, históricas, culturais, paisagísticas) e 
beneficiam-se de mão de obra abundante e barata, além da falta de organização de classe 
(comum no setor de turismo). 
 
Nesse mercado global, a estratégia de acumulação de grupos oligopolistas se vale da falta 
de regulamentação e da porosidade política ao capital, sendo comum, por exemplo, que 
rendimentos com investimentos no Brasil viabilizem instalações no México ou qualquer 
outro local do planeta, desde que seja interessante do ponto de vista econômico, mas 
sempre sem estabelecer “raízes” com o local. François Chesnais (1996, p. 115,116) 
comenta sobre a competitividade na arena global: 
 
O caráter mundializado da concorrência afeta todas as empresas. Para as empresas 
puramente nacionais e para as pequenas e médias empresas [...] a concorrência 
mundializada é uma ameaça que, em certos casos, pode ser bem precisa e 
identificável, mas, muitas vezes, permanece anônima [...] Para os grandes grupos 
que operam em setores industriais concentrados no plano mundial, as coisas não se 
passam da mesma forma. Esses grupos conhecem seus rivais. No caso deles, a 
mundialização da concorrência não é anônima. Pelo contrário, ela assume a forma 
de uma situação em que eles se encontram com seus rivais e, às vezes, se chocam 
com eles [...]. Mas é sempre explorando, o melhor possível, as desigualdades 
nacionais, e até reconstituindo-as, que os oligopolistas levam a concorrência. 
 
 
Independentemente das pessoas dos sujeitos sociais, mas de acordo a função social que 
tais sujeitos representam, é certo que o empreendedor que não se empenha na obtenção de 
lucros será aniquilado diante do mercado competitivo. No entanto, há de se considerar a 
escala em que ocorre essa competição. Certamente, quanto mais acirrada, mais bem 
pensadas e operadas devem ser as estratégias para se incrementar a taxa de mais valia 
(absoluta e relativa): “Ora, aqueles capitalistas que mais acumulam encontram-se melhor 
posicionados para enfrentar a concorrência” (NETTO; BRAZ, 2008, p.130). 
 
Uma exemplificação pontual no turismo é a da CVC que, ao buscar a expansão vertical de 
suas atividades, além de operar, passou a vender no varejo, transportar e hospedar. Nesse 
contexto, onde estão situadas pequenas e médias empresas, a instabilidade é proporcional 
a competitividade (principalmente quando se adota estratégias nem sempre éticas) e 
também às crises inerentes ao sistema econômico. 
 
Quanto às forças “limitadoras e forçosamente injustas quando cerceiam a livre 
concorrência de mercado”, Beni certamente se referiu a uma das características do 
capitalismo que se intensifica e faz parte do mercado global, ou seja, não será a 
constatação de sua injustiça que colocará barreiras ao processo. Sobre isso, José Paulo 
Netto e Marcelo Braz esclarecem: “na escala em que a concentração [massa de capital 
acumulada] e a centralização [formação de cartéis, holdings] se desenvolvem, fica cada 
vez mais distante da realidade econômica a imagem do capitalismo como o regime da 
´livre concorrência´ e da ´livre iniciativa´ [...] (2009, p.131). 
 
Verificamos, então, a impossibilidade do progresso de todos, uma vez que, para a 
viabilização da acumulação, é necessária a separação forçada entre meios de produção e 
trabalhadores, além das estratégias de competitividade que não se restringem ao mercado 
global, mas também ao local e regional: 
 
É inegável que a introdução do turismo na periferia acabou por gerar várias “ilhas de 
prosperidade”, criando um circuito privilegiado de consumo e produção. Mas essa 
prosperidade restringiu-se a poucos [...]. E mesmo todo o esforço empreendido pelas 
elites periféricas (isenções, incentivos, doações de terra, etc), durante mais de 
cinqüenta anos, foi incapaz de alterar a estrutura turística mundial da economia 
turística. A OMT [Organização Mundial do Turismo] prescreve para o turismo a 
mesma receita genérica de abertura total e indiscriminada de mercados, relativa a 
outros setores da economia, que significa a capitulação final das políticas nacionais 
de desenvolvimento da periferia, substituídas pela dominação pura e simples dos 
grandes grupos industriais e financeiros internacionais (OURIQUES, 2005, p.96-
99). 
 
Por isso o turismo é encarado como uma nova forma de colonização em diversas regiões 
do país, tornando-se uma colônia de férias não somente para turistas estrangeiros, mas, 
principalmente, para o capital internacional. 
 
Por outro lado, estão o seres laborantes, que nada mais tem a comercializar do que as suas 
possibilidades de trabalho e acham-se desamparados por governos adeptos a políticas 
públicas que focalizam a classe empresarial em termos de ajustes, benefícios e 
negociações. Trata-se do Estado e suas parcerias com a iniciativa privada, que beneficiam, 
em primeiro plano, o grande capital. David Harvey cita o Relatório do desenvolvimento 
humano das Nações Unidas para ilustrar o grau de polarização promovido pelo livre 
mercado em nível global: 
 
No tocante às classes [o relatório] afirma que “entre 1960 e 1991, a parcela dos 20% 
mais ricos passou de 70para 85% da renda global – enquanto a dos mais pobres 
declinou de 2,3 para 1,4%”. À altura de 1991,”mais de 85% da população mundial 
recebia apenas 15% da renda”, e o valor líquido da renda das 358 pessoas mais ricas, 
os bilionários do dólar, equivale à renda combinada dos 45% mais pobres da 
população mundial – 2,3 bilhões de pessoas [...]. Essa polarização é espantosa, 
esvaziando a extraordinária alegação do Banco Mundial de que a integração 
internacional associada ao liberalismo do livre mercado e aos baixos níveis de 
interferência do governo é a melhor maneira de promover o crescimento e de 
aumentar o padrão de vida dos trabalhadores (Relatório Banco Mundial, apud, 
Harvey, 2009, p. 65). 
 
Assim, ao desconsiderar a incontrolabilidade do capital, Beni apresenta o turismo como 
único meio de permitir às nações mais pobres viabilizarem sua integração à economia 
mundial. Trata-se de uma integração assaz excludente e sua face torpe não é levantada 
pelo autor. É como se a competitividade fosse colocada entre iguais, o coletivo fosse 
destituído e o empreendedorismo se constituísse como a última saída para o sucesso na 
arena do mercado. 
 
O setor de serviços pode ser um exemplo desse tipo de integração excludente, não 
somente no Brasil, mas também em países tidos como desenvolvidos. Harvey aponta as 
transformações no mercado de trabalho em Baltimore, nos Estados Unidos, como uma das 
conseqüências do processo de globalização e, dentre elas, a criação de vagas no setor 
terciário: 
As circunstâncias que regulam os salários e as condições de vida em Baltimore 
passaram por ponderáveis alterações a partir do final dos anos 1960. Uma grave 
desindustrialização da economia [...] levou a algumas mudanças radicais na 
circulação do capital variável na região metropolitana. Além do disseminado 
desemprego estrutural [...], o efeito foi o de afastar o emprego dos operários do setor 
industrial (em larga medida homens brancos e sindicalizados) e de criá-los numa 
ampla gama de atividades de serviços, particularmente as vinculadas ao chamado 
“setor de hospitalidade” (hotéis, turismo, convenções, museus), que formaram a base 
do esforço de redesenvolvimento de Baltimore. O resultado [...] foi um amplo 
desemprego estrutural de longo prazo e a passagem ao emprego não-sindicalizado e 
feminino em tarefas “não-especializadas” de baixos salários [...] Pagando apenas 
salários mínimos e recorrendo com freqüência ao trabalho temporário que 
remunerava ainda menos por semana (sem benefícios em termos de assistência à 
saúde, seguridade ou aposentadoria), o desenvolvimento desse tipo de emprego 
gerou um número crescente de “pobres empregados”. 
 
Fica evidente a desigualdade promovida também pelo turismo, pois, ao dinamizar a 
existência de “pobres empregados”, muitos são os empreendimentos que contribuem com 
a produção e/ou reprodução da desigualdade, de forma mais nítida em países periféricos. 
Inerente ao processo de ampliação do capital, a polarização extremamente desigual é um 
reflexo da racionalidade econômica defendida no processo de globalização, ou seja, de 
competitividade em um mercado que deixa cada vez mais de ser local a partir do momento 
em que investidores vislumbram a sua transformação/reordenação para se auferir lucros 
com o turismo (ou outro setor). 
 
A ênfase na elaboração de estruturas (enfoque sistêmico) com vistas a otimizar o 
“funcionamento” do turismo em uma destinação/região tem sido a tarefa de um número 
expressivo de autores que, conectados e comprometidos com o livre mercado, buscam 
levantar tendências no sentido de otimizar os serviços e, por extensão, a comercialização. 
Trabalha-se nos parâmetros do e para o capital, criando-se em algumas regiões estruturas 
de lazer incondizentes com a realidade sócio-econômica do seu povo e inacessíveis aos 
próprios trabalhadores que propiciam sua manutenção no mercado e fazem o lucro do 
investidor. 
 
Harvey (2009) traduz essa tendência como a “utopia do livre mercado” que imprime suas 
marcas no espaço, ao viabilizar ambientes físicos artificiais, sem conflitos, fantasiosos e 
harmônicos. Por isso, Zygmunt Bauman (1999, p.101) expressa a desigualdade na forma 
de turistas e vagabundos. Para os primeiros a acessibilidade aos lugares utópicos é 
permitida (para morar ou passar as férias). Aos segundos, restam-lhes os locais 
desprovidos de maior cuidado pelo Estado: “o que se aclama hoje como globalização gira 
em função dos sonhos e desejos dos turistas. Seu efeito secundário [...] é a transformação 
de muitos outros em vagabundos”. 
 
Como forma de otimizar a aparência, em seu anuário 2008 a revista Exame apresenta uma 
listagem contendo 150 novos empreendimentos hoteleiros no Brasil (diversos 
pertencentes a cadeias internacionais), com um investimento de aproximadamente 7 
bilhões de reais e a possibilidade de geração de 41 mil empregos. Trata-se da retórica do 
desenvolvimento turístico brasileiro. Considerando as observações anteriores, é possível 
imaginar as formas adotadas para se incrementar a extração do valor excedente gerado 
pelos trabalhadores, visando o retorno do capital investido e a maximização da taxa de 
lucro ou, ao menos, sua manutenção. 
 
2. Do global ao local: o discurso do planejamento para o desenvolvimento com bases 
locais 
 
Muito provavelmente devido aos efeitos nefastos da polarização promovida pelo sistema 
do capital em seu processo de mundialização, fala-se atualmente do desenvolvimento com 
bases locais. Beni enfatiza: “Considerando os efeitos ampliadores da globalização, 
surgiram estratégias globais para identificar, desenvolver e comercializar o turismo de 
base local em clusters e redes corporativas de empresas [...]” (2003, p.28). Sérgio Molina, 
em seu livro “Turismo: metodologia e planejamento”, contempla diversas vantagens e 
desvantagens que o turismo pode propiciar a uma região. Ao realizar uma leitura mais 
ampla dos aspectos latino-americanos no que se refere a dominação e exclusão, este autor 
aponta o planejamento como uma forma de romper com a ordem estabelecida e, assim, 
promover um turismo com equidade social: 
 
[...] para que o planejamento do turismo tenha natureza e caráter orgânicos, é 
necessária a participação ativa, tanto quanto influente, negociadora, dos 
planejadores, das comunidades locais receptoras, dos membros do setor privado 
com interesses no turismo e dos próprios turistas [...]. No planejamento do turismo, 
conforme o enfoque da TGS [Teoria Geral de Sistemas] o processo de baseia no 
consenso de todos os envolvidos. Numa palavra: todos planejam, todos são 
especialistas (MOLINA, 2005, p.43). 
 
Mas quais suas possibilidades e limitações? Molina dá a entender que a análise cultural 
pode sobrepujar a economia política e, através da conexão de saberes, estabelecer um 
ambiente harmônico entre os diversos colaboradores da cadeia produtiva (por exemplo: 
empresários que acumulam e empregados que nem mesmo possuem uma moradia digna, 
unidos em prol do capital privado). Ao não compreender a sociedade como um conjunto 
de relações (antagônicas e/ou complementares, de acordo com as classes sociais) entre 
seus membros em um processo histórico de constantes transformações, o autor deixa de 
verificar algo essencial: para um entendimento da sociedade e sua interação (entre o 
gênero humano e desse com a natureza) que se pretenda consistente, deve-se levantar 
elementos concretos para “se buscar as legalidades objetivas que se verificam na 
sociedade, isto é, o conjunto de tendências [que se constituem] no movimento da vida 
social, independentemente da vontade dos membros da sociedade”. (NETTO; BRAZ, 
2008, p.151). 
 
Esse conjunto de tendências, atrelado ao movimento da vida social, diz respeito às 
contradições próprias da dinâmica capitalista. Ao serem levantadas (na aparência), mas 
não serem compreendidas (em essência), os chamados diagnósticos turísticos dão margema propostas de cunho idealista, ou seja, muito interessantes teoricamente, mas sem 
aplicabilidade prática. Dentre as contradições, José Paulo Netto e Marcelo Braz (2008, p. 
163/164) apontam algumas fundamentais: 
 
1ª a contradição entre a progressiva racionalidade que organiza a produção nas 
empresas capitalistas (planejamento, cálculo das relações custo/beneficio, etc) e a 
irracionalidade do conjunto da produção capitalista (a ausência de um 
planejamento global dessa mesma produção); 2ª a contradição entre a necessária 
ação de cada capitalista para maximizar seus lucros e o resultado objetivo dessa 
ação, a queda da taxa de lucros; e 3ª o crescimento da produção de mercadorias sem 
um correspondente crescimento da capacidade aquisitiva [...]. 
 
 
Ao passo que pode ser verificado um planejamento das unidades produtivas, dificilmente 
é possível verificar o mesmo processo nas chamadas cadeias produtivas regionais. Trata-
se de uma condição que se potencializa com a ampliação dos mercados. Por isso, “as 
contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela nas 
matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático e social e, especificamente, do conteúdo 
capitalista” (LEFEBVRE, 2008, p.57). 
 
As tentativas de planejamento com bases locais devem levar em consideração as 
contradições apontadas, mas qualquer proposta limita-se a própria evolução do capital em 
uma localidade turística. Se compreendemos a instância local como lugar de deliberações, 
não podemos desconsiderar que nesses locais há diferenças promovidas pelas classes 
sociais. Uma exemplificação foi o Programa Nacional de Municipalização do Turismo 
que, ao trabalhar diretamente com o local, tornou-se um mecanismo dos grupos mais 
influentes política e economicamente, ou seja, daqueles que detinham os meios de se 
posicionar, resguardando, não raras às vezes, interesses empresariais e não coletivos. 
 
Luzia Neide Coriolano e Sylvio Mello e Silva defendem formas alternativas de 
desenvolvimento e, dentre elas, apontam o turismo planejado por a para a comunidade: 
 
[...] a perspectiva do lugar e da região não significa desconhecer a presença do 
Estado e da mundialização do capital, pois não se trata de desconectar-se dessas 
realidades, mas implica voltar a política estatal para os interesses das economias 
populares dentro de lógicas alternativas. O nível regional/local representa uma 
instância onde esses grupos sociais podem realizar ações, vinculadas aos processos 
globais [...]. Nesse contexto, podem ser implementadas atividades complementares 
de geração de trabalho e ocupação, abrindo espaço para o turismo; não o turismo dos 
grandes empreendimentos, dos resorts, dos investimentos nos “não-lugares”, mas o 
turismo de pequenos negócios, que trazem resultados mais socializados e mais 
próximos das populações locais. No setor do turismo, as pessoas das comunidades 
inserem-se na cadeia produtiva do turismo, com maior facilidade em atividades de 
baixo valor, como, por exemplo, pequenas pousadas, restaurantes, venda de 
souvenires (2005, p. 145/146). 
 
Está colocada aqui a perspectiva de uma maior e mais plena responsabilidade sócio-
ambiental desde que considerada a escala local. Mas é preciso levar em conta também que 
movimento e choques são elementos inerentes as sociedades, fazendo com que esta escala 
não seja fixa. Ao aparecer viável do ponto de vista da produção e ampliação do capital, a 
escala certamente irá se redefinir, expressando, em maior ou menor grau, as relações 
sociais estabelecidas na ordem contemporânea do capital. Não é possível falar em cultura, 
arte, política ou religião, sem considerar as formas de produção material da vida, pois a 
produção é viabilizada pela atividade de trabalho e este deve ser entendido como o 
elemento fundante das relações sociais. No capitalismo, essas relações são antagônicas e, 
tendo em vista a concorrência sem limites como uma imposição de manutenção das 
unidades produtivas, a escala local pode perder referência e, com ela, a questão social 
vislumbrada por seus idealizadores. 
 
O sistema de acumulação traz consigo a desigualdade social. Atualmente há uma 
produção de mercadorias e serviços fantásticos, mas há também uma miserabilidade 
impressionante. Os pesquisadores José Paulo Netto e Marcelo Braz (2008, p.139) 
evidenciam: “ora, a `questão social´ é determinada por essa lei [lei geral de acumulação]; 
tal `questão´ [...] ganha novas dimensões e expressões à medida que avança a acumulação 
e o próprio capitalismo experimenta mudanças”. 
 
Diante das interessantes propostas de desenvolvimento comunitário e seu enfoque social, 
algumas perguntas devem ser respondidas: como manter pequenos empreendimentos de 
moradores se o local torna-se atrativo para investidores externos e o Estado representa e 
resguarda o capital? Se o capital é um valor que está posto sempre para aumentar e nunca 
para diminuir, quais as lutas a serem travadas pela coletividade? Se os próprios residentes 
experimentarem um crescimento expressivo com a intensificação da chamada “cadeia 
produtiva”, como é possível não reproduzir as contradições do sistema nessa e em uma 
nova configuração de escala? Quais são os elementos da sociedade para que a soberania 
do capital não seja recriada em âmbito local e o sentido consistente de comunidade não se 
dissolva pelo ar? 
 
Evidentemente que não é possível apresentar uma homogeneidade global na questão da 
luta de classes, sendo que diferentes movimentações podem ser observadas em contextos 
diversos. É obvio, também, que travar lutas na conjuntura local é algo mais factível do 
ponto de vista da articulação (dependendo dos anseios e representantes do capital). Mas 
não é possível desconsiderar as determinações históricas do capitalismo, pois as relações 
sociais nesta organização societária configuram-se como uma artilharia pesada contra 
costumes e práticas locais. Ou seja, quanto mais se desenvolve o turismo como produto, 
maiores as chances de desconfiguração de uma localidade e marginalização das classes 
menos favorecidas. 
 
Viabilizar um turismo pautado em relações sociais não burguesas é algo extremamente 
difícil, visto que a imposição da mercadoria é latente e, com ela, as relações de 
exploração. Esse fato torna, mesmo as comunidades mais longínquas, vulneráveis a lógica 
do capital, como são exemplos as tribos indígenas Pataxó no sul da Bahia. O 
desenvolvimento com bases locais somente tem possibilidades de ser pensado em longo 
prazo se três elemento básicos forem efetivamente considerados no conjunto de pequenas 
comunidades: 1) a consciência de classe e também quanto às diferenças promovidas pelas 
relações sociais na ordem do capital; 2) o poder da mercadoria em transformar relações 
entre pessoas em relações entre coisas; 3) e as formas de intervenção do grupo social 
como possibilidade de acentuar as contradições do sistema do capital. O último item 
requer uma atuação de classe que vai além da localidade e, articulada com outros grupos, 
tenha condições de trazer a tona a questão da precariedade social e ambiental promovida 
pelo sistema do capital. 
 
Por meio da conscientização, organização e movimentação de grupos dos quais o Estado 
se divorciou, é possível defender um desenvolvimento local que somente encontrará bases 
sólidas de sustentação para além do capital. Ao apresentar o utopismo dialético como 
possível saída, David Harvey (2009, p.239) enfatiza: “toda luta contemporânea para 
conceber uma reconstrução do processo social tem de enfrentar o problema de como 
derrubar as estruturas que o próprio livre mercado produziu [...]” 
 
Considerações Finais 
 
A verificação das influências da mundialização do capital em diferentes escalas constitui-
se em um vasto campo de pesquisa. Especificamente no turismo, o discurso da 
globalização, bem como o do planejamento comunitário baseado na teoria dos sistemas,merecem estudos mais aprofundados. Somente é possível compreender os processos 
concretamente na conjuntura da economia política atual e, então, explicar possíveis 
desdobramentos que se manifestam de diversas formas, seja por graus mais elevados de 
exclusão social, com a constituição de grandes empreendimentos capitalistas, seja com a 
organização da coletividade em prol do turismo de base comunitária. 
 
O desenvolvimento local não pode se apartar dos ditames do capital na ordem 
estabelecida pelo capitalismo. Conhecidos os parâmetros do sistema é possível vislumbrar 
o que se pode alcançar, considerando sempre as contradições e o contexto onde estas 
podem se acentuar ou atenuar. Estar atento às relações sociais que regulam o processo 
econômico é um elemento chave para se compreender a turistificação 
local/regional/nacional e se constitui na base referencial da crítica a planos de 
desenvolvimento turístico - o ponto de partida para ultrapassar uma ordem estabelecida 
com propostas alternativas. É certo que, tais alternativas, somente podem brotar das 
contradições. 
 
Assim, abordar um desenvolvimento local que seja efetivamente válido do ponto de vista 
da superação, ou seja, como um movimento para além do capital, significa: 1) 
compreender as relações sociais sob o domínio do capital; 2) constituir movimentos que 
estabeleçam planos de baixo para cima; e 3) lutar não somente por uma democratização 
política, mas também social e econômica. Tais pressupostos básicos apresentam-se como 
saída quando se vislumbram as necessidades da coletividade e não somente as individuais. 
 
Referências 
 
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Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 
 
BENI, Mário Carlos. Globalização do Turismo: megatendências do setor e a realidade 
brasileira. São Paulo: Aleph, 2003. 
 
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São 
Paulo: Xamã, 1996. 
 
CORIOLANO, Luzia Neide Menezes Teixeira; MELLO E SILVA, Sylvio C. Bandeira. 
Turismo e Geografia: abordagens críticas. Fortaleza: Ed UECE, 2005. 
 
HARVEY, David. Espaços de Esperança. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria 
Stela Gonçalves. 3.ed. São Paulo: Loyola, 2009. 
 
LEFEBVRE, Henri. Espaço e política (tradução de Margarida Maria de Andrade e Sérgio 
Martins). Belo Horizonte: Ed UFMG, 2008. 
MARX, Karl; ENGEL, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Global, 
1987. 
 
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2006. 
 
MOLINA, Sérgio. Turismo: metodologia e planejamento. Bauru: EDUSC, 2005. 
 
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. 4.ed. 
São Paulo: Cortez, 2008. 
 
OURIQUES, Helton Ricardo. A produção do Turismo: fetichismo e dependência. 
Campinas: Aliena, 2005. 
 
 
Bibliografia Consultada 
 
 
IANNI, Octávio. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 2004.

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