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FICHAMENTO DE: KUPER, Adam. A Reinvenção da Sociedade Primitiva: transformações de um mito. Recife, Editora Universitária – UFPE, 2008. POR: Romulo Rother Gil1 A especulação a respeito de sociedades “primitivas” foi iniciada no campo das ciências jurídicas, antes mesmo do marco temporal que estabelece o nascimento ou a existência da Antropologia. É, na verdade, este próprio interesse por parte de alguns juristas da época - e dentre eles Henry Maine, pai da Teoria Patriarcal - preocupados com as origens de conceitos e noções estruturantes de sua própria sociedade (como Estado, Propriedade [Privada] e Família [Nuclear e Monogâmica]) que motivou e impulsionou o nascimento dessa, então, em plena segunda metade do século XIX, nova Ciência. Para compreender as sociedades “primitivas” e sua influência sobre a organização e especialmente sobre as legislações da sociedade ocidental/europeia do século XIX os juristas debruçavam-se sobre a organização social das sociedades que a antecederam. Adam Kuper cita a “mentalidade primitiva”, a linguagem e a religiosidade como temas centrais no interesse dos juristas da época, porém, fica evidente o fato de que a questão do Parentesco já se fazia presente nesses estudos, mesmo que ainda não como termo/conceito como se apresenta hoje. A questão aparece na discussão sobre o perfil de linearidade e organização social dessas sociedades: para grande parte desses estudiosos, entre eles Tylor e Frazer2, essas sociedades caracterizavam-se como sociedades de linearidade matriarcal; já Henry Maine se opôs ao coro da maioria, afirmando que tais sociedades não eram baseadas na descendência materna/feminina e sim na descendência masculina; portanto sociedades patrilineares. De acordo com as suposições de Maine a linearidade patriarcal das sociedades “primitivas” era caracterizada por uma certa figura ou arquétipo paterno de liderança autoritária e arbitrária que levava ao conflito entre esta figura do pai/patriarca/líder despótico e alguns indivíduos de sua prole. Este conflito, por sua vez, gerava a marginalização e expulsão dos desencaixados e rebeldes, que eram por então incorporados por outros grupos familiares, liderados geralmente por patriarcas mais poderosos, como que como uma “adoção”. A partir da existência dessa possibilidade de mobilidade por parte dos “filhos” rebeldes e marginalizados deu-se origem à associação por localidade. De acordo com Maine, esta nova possibilidade de filiação e pertencimento a um grupo social substituiu a associação por linearidade e parentesco, fazendo então com que as sociedades “primitivas” passassem a ser então, baseadas no território e não mais no sangue. Independente e para muito além da discussão em torno da linearidade (Matriarcal versus Patriarcal), o que Kuper pretende trazer à tona e evidenciar em “O Mito da Sociedade Primitiva” (Capítulo 1) e em “A Teoria Patriarcal de Henry Maine” (Capítulo 3) é, ao mesmo tempo, uma crítica à ideia e ao mito de “Sociedade Primitiva” (construídos a partir de uma perspectiva evolucionista e etnocêntrica e uma epistemologia colonial) e também a consciência de que não é tão simples (talvez nem mesmo possível!) para nós antropólogos/as simplesmente combater, criticar, denunciar ou refutar a teoria da sociedade primitiva ou afirma-la como uma teoria “obsoleta” tal qual ele mesmo propôs na primeira edição do livro (KUPER, 1975) uma vez que, como mito, esta ideia permanece viva no “inconsciente coletivo”, no senso-comum, e, portanto, presente em discursos e narrativas 1 Mestrando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) 2 Considerados os pais fundadores da Antropologia. Ambos de origem britânica e representantes da Escola Antropológica Evolucionista. Sendo Tylor o responsável pela criação do conceito de Cultura legitimado e perpetuado ao longo dos tempos. que disputam, na contemporaneidade, sentidos de mundo como, a título de exemplo, a própria ideia de “progresso”, de “primeiro mundo” e “segundo mundo”, de “ciência” , de “tradição”, ”cultura”, “erudição”, etc. Ao final da leitura percebe-se nitidamente que o objetivo de Kuper com a reedição do texto foi justamente defender seu argumento a respeito de como a ideia de “Sociedade Primitiva” fundada pela literatura jurídica e antropológica do século XIX e pela teoria antropológica evolucionista tornou-se um Mito que, antes de ser combatido/refutado/criticado, precisa ser analisado e refletido com profundidade.