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SEMÂNTICA DO PORTUGUÊS Dalby Dienstbach Revisão técnica: Laís Virginia Alves Medeiros Bacharelado em Letras (UFRGS) Mestrado em Letras (UFRGS) Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 D562s Dienstbach, Dalby. Semântica do português / Dalby Dienstbach. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 79 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-140-2 1. Semântica - Português. I. Título. CDU 81’3 Iniciais.indd 2 22/08/2017 10:06:59 Signi� cados de palavras e de sentenças Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identi� car aspectos da semântica lexical. Reconhecer aspectos da semântica frástica. Analisar algumas relações semânticas. Introdução Para compreendermos o significado de uma sentença, não basta co- nhecermos os significados das unidades lexicais que a compõem. O linguista norte-americano Noam Chomsky (1928-) tentou demonstrar isso com a sentença “ideias verdes incolores dormem furiosamente”. Embora essa sentença represente uma estrutura bem formada em língua portuguesa e as suas palavras tenham um significado coerente, essa combinação é impossível (ou, pelo menos, difícil) de ser compreendida. Tanto os significados de palavras (ou, ainda, das unidades lexicais) quanto os significados que decorrem da combinação dessas palavras (ou seja, das frases) constituem objetos de investigação da semântica. Neste capítulo, vamos abordar alguns fenômenos que fazem parte do escopo dos campos da semântica lexical e da semântica frástica, além de aprender sobre algumas relações de sentido que existem entre palavras e sentenças. A semântica lexical Atualmente, o campo particular da linguística que chamamos de semântica corresponde, na verdade, a um conjunto bastante amplo de teorias que lançam diferentes olhares sobre diferentes aspectos do mesmo objeto — isto é, os Semântica do português_U2C4.indd 42 22/08/2017 13:11:01 signifi cados das línguas. Umas das teorias mais tradicionais desse conjunto é conhecida como semântica lexical. Semântica lexical é a ciência que se ocupa, especificamente, do significado das palavras (CANÇADO, 2008). Para compreendermos o objeto da semântica lexical, portanto, precisamos entender o que é uma palavra. Porém, esse não é um objeto muito fácil de se definir. Se levarmos em consideração a sua estrutura gráfica, podemos explicar o objeto “palavra” como uma sequência de letras entre dois espaços em branco (como a sequência “b-r-a-n-c-o”, na sentença anterior). No entanto, quando consideramos a sua realização fônica, determinar os limites de uma palavra qualquer se torna uma tarefa um pouco mais complicado. Não existem “espaços em branco” na cadeia da fala. De fato, a nossa tendência mais natural não é pronunciar palavra por palavra, mas uma série de sílabas em um fluxo contínuo e ininterrupto — com pausas ora entre as sílabas de uma mesma palavra, ora entre palavras, ora somente no final de sentenças completas. A propósito, está claro que as pausas da cadeia da fala nem sempre equivalem aos “espaços em branco” em uma linha no papel. Portanto, ao assumirmos a palavra como um objeto da semântica, não podemos defini-la somente em função da sua forma, mas, principalmente, em termos de uma forma e um conceito associado a ela. Nesse sentido, o interesse da semântica lexical deixa de ser a palavra e passa a ser a unidade lexical sobretudo (LEWIS, 1993). Uma unidade lexical pode ser definida, de um modo geral, como qualquer unidade linguística (quer seja uma palavra ou, até mesmo, um conjunto de palavras) que constitua uma unidade mínima de significação. Em outras pa- lavras, essas unidades correspondem a formas linguísticas às quais podemos atribuir um significado elementar. Exemplos de unidades lexicais podem incluir, portanto, desde interjeições monossilábicas que expressam sentimentos e impressões (como “ai”, “oh” e “ei”) até palavras simples (como “mala”, “exemplo” e “justiça”) e conjuntos de palavras ou palavras compostas (como “fim de semana”, “mal-humorado” e “comemorar”). Um tipo de investigação que podemos conduzir, para descrever o signi- ficado das unidades lexicais, é conhecida como análise sêmica (ou, ainda, análise componencial) (TAMBA-MECZ, 2006). A análise sêmica (Quadro 1) 43Significados de palavras e de sentenças Semântica do português_U2C4.indd 43 22/08/2017 13:11:01 consiste em elencar os traços semânticos mínimos (denominados semas) que compõem cada unidade lexical e, de alguma forma, a distinguem de outras unidades lexicais próximas. De natureza abstrata, os semas normalmente são apresentados conforme um sistema binário, que sinaliza ora a presença [+], ora a ausência [–] do seu traço semântico nas respectivas unidades lexicais. Considere, por exemplo, os conceitos “homem” e “menino”, em língua portuguesa. Para estabelecermos a distinção sêmica entre eles, podemos descrever o conceito “homem” por meio dos semas [+ concreto], [+ animado], [+ humano], [+ adulto], etc., enquanto o conceito “menino” poderia ser descrito pelos semas [+ concreto], [+ animado], [+ humano], [– adulto]. Em função disso, devemos observar, por fim, que o objeto de investigação da semântica lexical tende a ser, basicamente, o sentido denotativo das palavras (MÜLLER, 2003). A denotação diz respeito ao significado literal (ou, ainda, ao significado descritivo) de uma dada palavra. Em termos mais específicos, podemos dizer que o sentido denotativo de uma dada palavra equivale à referência que ela estabelece com um elemento a partir dos traços semânticos que, prototipicamente, a descrevem. Nesse sentido, denotação se diferencia de conotação, que se refere, por sua vez, ao significado não literal (ou não descritivo) das palavras e está associado às particularidades do seu contexto de uso (como as intenções do falante). Homem Gorila Cavalo Animal + + + Vertebrado + + + Mamífero + + + Primata + + − Humano + − − Quadro 1. Exemplo de análise sêmica. Significados de palavras e de sentenças 44 Semântica do português_U2C4.indd 44 22/08/2017 13:11:01 Podemos dizer que, atualmente, a semântica lexical está dividida em duas subáreas particulares, uma de caráter mais teórico e outra mais aplicada. A primeira subárea, que recebe o nome de lexicologia, ocupa-se da descrição e da análise do vocabulário de línguas e dialetos (em função da estrutura semântica e das relações entre as suas palavras e unidades lexicais). Já a segunda subárea da semântica lexical, chamada de lexicografia, recruta as descrições e análises feitas pela lexicologia para realizar a documentação e o registro desse vocabulário, sob a forma de dicionários. A semântica frástica Semântica frástica pode ser defi nida, de acordo com Tamba-Mecz (2006), como uma ciência linguística que dá atenção não somente aos signifi cados das unidades lexicais, mas, principalmente, aos signifi cados provenientes da combinação de signifi cados de palavras. Mais especifi camente, constituem objetos de interesse da semântica frástica, além dos signifi cados lexicais, os signifi cados que emergem das relações que eles estabelecem entre si, dentro de sequências linguísticas maiores. Portanto, para essa semântica, a unidade mínima de significação (e, por- tanto, de análise) deixa de ser a unidade lexical e passa a ser a frase. Nesse sentido, podemos dizer, em última análise, que o tipo de investigação que a semântica frástica empreende tem, como uma base importante, aspectos relativos à estrutura gramatical (ou, ainda, à sintaxe) das línguas. Em primeiro lugar, precisamos compreender a natureza daquilo que a semântica frástica assume como uma unidade de significação (portanto, a sua unidade de análise) — isto é, a frase. Frases compreendem ambos os sintagmas e as sentenças que podemos construir a partir de unidades lexicais independentes. Por um lado, sintagma designa uma palavra ou um conjunto de palavras que pode desempenhar uma funçãosintática — isto é, um papel particular dentro de uma sentença (quer seja o de sujeito, o de predicado ou o de complemento). Nesse caso, o significado de um sintagma está definido não somente pela combinação dos significados das suas partes, como, também, pelo papel que ele desempenha nas sentenças que integra. 45Significados de palavras e de sentenças Semântica do português_U2C4.indd 45 22/08/2017 13:11:01 Por exemplo, do ponto de vista de uma semântica frástica, o sintagma “o marido de Maria” teria significados diferentes nas sentenças “o marido de Maria matou uma pessoa” e “uma pessoa matou o marido de Maria”. Além do significado que resulta da soma das suas unidades lexicais, esse sintagma denotaria, ainda, um significado específico de “agente” na primeira sentença e de “paciente” na segunda. Por outro lado, a sentença consiste, em linhas gerais, em uma combinação mínima de sintagmas que cumpre um significado proposicional pleno. Por exemplo, a sentença “o marido de Maria matou uma pessoa” equivale à com- binação dos sintagmas nominal “o marido de Maria” e verbal “matou uma pessoa” e denota uma alegação completa sobre um fato da realidade. Devemos lembrar, em tempo, que o significado das sentenças não resulta somente da soma dos significados lexicais das suas partes, mas, principalmente, da relação que essas partes estabelecem entre si. Afinal de contas, a sentença “o marido de Maria matou uma pessoa” teria um significado completamente diferente se a ordem dos seus sintagmas fosse outra (como, por exemplo, as sentenças “uma pessoa matou o marido de Maria” ou, ainda, “Maria matou o marido de uma pessoa”). Avançando para além do significado vinculado aos sintagmas e às senten- ças, a semântica frástica também dedica uma grande parte da sua atenção aos significados que emergem das relações que se estabelecem entre sentenças. Ou seja, muitas vezes o significado de uma sentença não depende unicamente da combinação de sintagmas, mas da sua articulação com outras combinações que a precedem ou a seguem em um dado texto. Considere, a título de exemplo, a sequência “o acusado foi condenado, apesar de não haver provas contra ele”. Somente podemos compreender a segunda sentença em função dos significados mobilizados na sentença anterior. A conjunção “apesar de”, por exemplo, introduz uma ideia contrária a outra ideia qualquer. Logo, o sintagma verbal “não haver provas” apenas faz sentido em relação ao sintagma verbal enunciado anteriormente “foi condenado”. O mesmo pode ser dito a respeito do pronome “ele”: o seu significado está an- corado no sintagma nominal já enunciado “o acusado”. Portanto, a semântica frástica também constitui, em alguma medida, uma semântica interfrástica. Significados de palavras e de sentenças 46 Semântica do português_U2C4.indd 46 22/08/2017 13:11:02 A classificação de um sintagma é definida pela palavra que define a sua função sintática. Essa palavra constitui o núcleo do sintagma. Por exemplo, sintagmas cujo núcleo é um substantivo (como “a minha comida predileta”, “aquele carro vermelho” e “todas as crianças do bairro”) são denominados sintagmas nominais (SNs). Quando o núcleo do sintagma é um verbo (como “vendeu o seu carro”, “leciono matemática” e “temos pouco tempo”), ele constitui um sintagma verbal (SV). Além desses, ainda temos sintagmas preposicionais (SPs), introduzidos por uma preposição (como “com pouco dinheiro” e “antes do meio-dia”); sintagmas adjetivos (SAdjs), introduzidos por verbos de ligação (como “é extremamente gentil” e “está cansado demais”); e sintagmas adverbiais (Sadvs), introduzidos por um advérbio (como “não tenho paciência” e “jamais te perdoarão”). Relações semânticas De acordo com Cançado (2008), as unidades linguísticas (sejam palavras ou frases) podem ser organizadas (ou, de alguma forma, analisadas), ainda, em função de determinadas relações de sentido que elas mantêm entre si. Essas relações podem ser, por exemplo, de identidade, quando aproximam essas unidades em função de alguma semelhança, ou de oposição, quando se baseiam em aspectos contrários ou complementares. No nível da palavra, as relações que podem se estabelecer entre as unidades lexicais são, entre outras: sinonímia; antonímia; hiperonímia; hiponímia. Sinonímia é a relação de sentido que há entre duas ou mais palavras cujos significados descritivos são (quase) idênticos ou muito semelhantes. Por exemplo, as palavras “calvo” e “careca” podem ser consideradas sinônimas. Na sentença “meu pai está ficando careca com o passar dos anos”, a expressão “careca” poderia ser substituída por “calvo”, sem que isso altere, de maneira drástica, o significado da sentença. Já antonímia é uma relação de sentido entre palavras cujos significados se opõem de alguma maneira. Segundo Cançado (2008), essa oposição pode ser 47Significados de palavras e de sentenças Semântica do português_U2C4.indd 47 22/08/2017 13:11:02 de três tipos: binária, inversa ou gradativa. É binária quando um significado exclui o outro. Esse é o caso das palavras “morto” e “vivo”, “entrar” e “sair”, “presente” e “ausente”, etc. Por exemplo, quando dizemos que uma pessoa “está presente”, não podemos dizer que ela está, ao mesmo tempo, “ausente” (e vice-versa). Por sua vez, a antonímia é inversa quando os significados se complementam em ordem inversa, assim como acontece com as palavras “marido” e “mulher”, “médico” e “paciente”, “antes” e “depois”, etc. Por fim, são antônimas gradativas as palavras cujos significados constituem extremos de uma série contínua de outros significados. Esse é o caso das palavras “quente” e “frio”, “perto” e “longe”, “grande” e “pequeno” etc. De fato, entre “grande” e “pequeno”, há várias outras palavras cujos significados também dizem respeito ao tamanho das coisas, como “médio”, “minúsculo”, “enorme” etc. Hiperonímia e hiponímia, por sua vez, representam relações de sentido complementares entre si. Essas relações se estabelecem quando o significado de uma palavra está contido no significado de outra. Nesse caso, chamamos de hipônima a palavra cujo significado faz parte do significado da outra pa- lavra, que corresponde, por sua vez, à sua hiperônima. Por exemplo, a palavra “cão” é, ao mesmo tempo, hipônima da palavra “mamífero” e hiperônima da palavra “buldogue”. Já a palavra “mamífero” é hiperônima da palavra “cão” e hipônima da palavra “animal”. No nível da frase, Cançado (2008) considera algumas relações de sentido que seriam análogas às aquelas que se estabelecem entre as palavras. Essas relações são, dentre outras, a paráfrase (análoga à sinonímia), a contradição (análoga à antonímia) e o acarretamento (análogo à hiponímia). Podemos definir paráfrase como sendo uma sentença que reproduz o mesmo significado de outra sentença utilizando outras unidades ou formas linguísticas. Considere, mais uma vez, as palavras “calvo” e “careca”. Podemos considerar a sentença “todos os homens da minha família são carecas” como uma paráfrase da sentença “todos os homens da minha família são calvos”. A mudança de voz das sentenças também pode implicar relações parafrásicas. Por exemplo, as sentenças “João leu o livro” e “o livro foi lido por João” são paráfrases. Contradição acontece quando o significado de determinada sentença anula o significado de outra sentença (ou, ainda, quando os significados de duas sentenças não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo). Nesse caso, se o significado de uma sentença tal é verdadeiro, o significado da outra sentença deve ser, necessariamente, falso. Por exemplo, se a sentença “João é maior do Significados de palavras e de sentenças 48 Semântica do português_U2C4.indd 48 22/08/2017 13:11:02 que Pedro” for verdadeira, então, a sentença “João é menor do que Pedro” só pode ser falsa. Em última análise, as sentenças “João é maior do que Pedro” e “João é menor do que Pedro” são contraditórias. Por fim, acarretamento é a relaçãode sentido que se estabelece quando o significado de uma sentença está contido no significado de outra sentença (como acontece com a hiponímia, no que diz respeito às palavras). Nesse caso, quando significado da primeira sentença é verdadeiro, o significado da segunda, necessariamente, também o é. Considere, por exemplo, a sentença “minha mãe comprou uma cadeira”. O significado dessa sentença acarreta outras sentenças, cujos significados podem ser depreendidos a partir dele, como “minha mãe comprou um móvel”, “minha mãe comprou um objeto” ou, ainda, “minha mãe comprou alguma coisa”. Portanto, todas essas sentenças são verdadeiras na mesma medida. 49Significados de palavras e de sentenças Semântica do português_U2C4.indd 49 22/08/2017 13:11:02 CANÇADO, M. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2008. LEWIS, M. The lexical approach: the state of ELT and a way forward. Hove: Language Teaching Publications, 1993. MÜLLER, A. A semântica do sintagma nominal. In: MÜLLER, A.; NEGRÃO, E.; FOLTRAN, M. (Orgs.). Semântica formal. São Paulo: Contexto, 2003. TAMBA-MECZ, I. A semântica. São Paulo: Parábola, 2006. Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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