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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI NUTRIÇÃO ALIMENTAR GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 6 2 NUTRIÇÃO, NUTRIENTES E ALIMENTAÇÃO EQUILIBRADA .................................... 7 2.1 Nutrição............... ....................................................................................................... 7 2.2 Etapas do processo de nutrição ................................................................................. 8 2.3 Nutrientes........ ........................................................................................................... 9 3 TRANSFORMAÇÃO DO ALIMENTO EM NUTRIENTES ............................................ 10 3.1 Alimentação .............................................................................................................. 12 3.2 Necessidade fisiológica ............................................................................................ 12 3.3 Hábitos e costumes .................................................................................................. 13 3.4 Razões psicológicas ................................................................................................. 13 3.5 Alimentação equilibrada ........................................................................................... 14 4 LEIS E PRINCÍPIOS DA ALIMENTAÇÃO ................................................................... 15 5 QUALIDADE DE VIDA ................................................................................................ 18 6 BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES ................................................................. 22 6.1 Conceitos básicos .................................................................................................... 23 7 FATORES QUE AFETAM A BIODISPONIBILIDADE DOS NUTRIENTES ................. 30 8 FATORES EXTRÍNSECOS QUE AFETAM A BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES... ............................................................................................................. 31 8.1 Especiação ............................................................................................................... 31 8.2 Ligação molecular .................................................................................................... 33 8.3 Quantidade ingerida ................................................................................................. 34 8.4 Matriz alimentar ........................................................................................................ 34 8.5 Potencializadores e inibidores de absorção ............................................................. 35 3 9 FATORES INTRÍNSECOS QUE AFETAM A BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES........ ........................................................................................................ 36 9.1 Estado nutricional ..................................................................................................... 36 9.2 Fatores genéticos ..................................................................................................... 36 10 FATORES RELACIONADOS AO INDIVÍDUO (HOSPEDEIRO) ............................... 37 10.1 Interações.......... ..................................................................................................... 37 11 MANEIRAS DE DIMINUIR OU ELIMINAR FATORES ANTINUTRICIONAIS PRESENTES NOS ALIMENTOS ................................................................................... 38 11.1 Taninos............. ...................................................................................................... 39 11.2 Nitratos e nitritos .................................................................................................... 40 11.3 Oxalatos....... .......................................................................................................... 40 11.4 Fitatos......... ............................................................................................................ 41 11.5 Inibidores de proteases .......................................................................................... 42 11.6 Glicosídeos cianogênicos ....................................................................................... 43 12 POLÍTICA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO ....................................... 44 12.1 Surgimento e Propósitos ........................................................................................ 44 13 PNAN E A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA .................................................................................................................. 48 13.1 Diretrizes da PNAN ................................................................................................ 49 14 IMPORTÂNCIA DA PNAN NA PROMOÇÃO À SAÚDE ............................................ 53 15 DETERMINANTES PARA ESCOLHAS E MUDANÇAS DE HÁBITOS ALIMENTARES........... ................................................................................................... 54 15.1 Conceitos gerais e definições ................................................................................. 54 15.2 Os comportamentos e os hábitos ........................................................................... 56 16 DETERMINANTES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ..................................... 56 16.1 Determinantes biológicos ....................................................................................... 57 4 16.2 Determinantes socioeconômicos ............................................................................ 58 16.3 Determinantes socioeconômicos e culturais .......................................................... 58 16.4 Determinantes psicológicos .................................................................................... 59 17 VISANDO A MUDANÇA DE HÁBITOS ALIMENTARES ........................................... 60 18 NUTRIÇÃO E EXERCÍCIO ........................................................................................ 61 19 PRINCIPAIS NUTRIENTES E AS RELAÇÕES COM O ORGANISMO .................... 61 19.1 Carboidratos ........................................................................................................... 62 19.2 Proteínas............... ................................................................................................. 63 19.2.1 As proteínas e sua importância na alimentação do atleta ................................... 63 19.2.2 Necessidades proteicas e sedentarismo ............................................................. 64 19.2.3 Necessidades proteicas para atletas ................................................................... 65 19.2.4 Requerimentos proteicos na prática esportiva .................................................... 66 19.2.5 Recomendação de consumo proteico nas diferentes modalidades esportivas ... 66 19.2.6 Consumo excessivo de proteínas ....................................................................... 67 19.2.7 Os alimentos fornecedores de proteínas ............................................................. 68 19.2.8 Limite na quantidade de proteínas por refeição .................................................. 69 19.2.9 Existe um melhor momento para a ingestão de proteínas? ................................ 69 19.2.10 As proteínas e suas fontes alimentares ............................................................. 70 19.3 Lipídeos................ .................................................................................................. 71 19.4 Vitaminas......... .......................................................................................................71 19.5 Minerais......... ......................................................................................................... 72 19.5.1 Micronutrientes: vitaminas e minerais no exercício físico .................................... 73 19.5.2 Como os micronutrientes influenciam na prática esportiva? ............................... 74 19.5.3 Suplementação de vitaminas e minerais no exercício físico ............................... 75 19.5.4 Principais micronutrientes envolvidos no rendimento esportivo .......................... 76 5 19.5.5 Os alimentos e a oferta de vitaminas e minerais ................................................. 78 19.5.6 Recomendações de vitaminas e minerais na prática esportiva ........................... 79 19.5.7 Os micronutrientes e suas fontes alimentares ..................................................... 80 20 INTEGRAÇÃO DO METABOLISMO ENERGÉTICO ................................................ 81 20.1 Alimentação antes do exercício físico .................................................................... 82 20.2 Alimentação durante exercício físico ...................................................................... 82 20.3 Alimentação após exercício físico .......................................................................... 83 21 ALIMENTAÇÃO E OS TIPOS DE NUTRIENTES ...................................................... 84 21.1 Sistema anaeróbico ................................................................................................ 85 21.2 Sistema aeróbico .................................................................................................... 86 22 ALIMENTOS FUNCIONAIS E AS PERSPECTIVAS DE INOVAÇÃO ....................... 88 22.1 Histórico, conceitos básicos e mercado ................................................................. 88 23 BENEFÍCIOS DOS ALIMENTOS FUNCIONAIS PARA A SAÚDE ............................ 92 24 DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS COM ALEGAÇÃO FUNCIONAL ................ 96 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 100 6 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 7 2 NUTRIÇÃO, NUTRIENTES E ALIMENTAÇÃO EQUILIBRADA Todos os dias, fazemos escolhas alimentares que podem beneficiar ou prejudicar nossa saúde de alguma forma. A longo prazo, os efeitos dessas decisões podem ser muito significativos. Uma vida de más escolhas alimentares pode contribuir para o desenvolvimento de doenças. O consumo alimentar adequado, porém, trará benefícios ao longo de uma vida inteira. A boa nutrição, ao lado de outros fatores, como a hereditariedade e o meio em que uma pessoa vive, desempenha papel fundamental na prevenção e no tratamento de diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade, hipertensão arterial e osteoporose, entre outras mazelas. Os enfermeiros, como primeiro e principal ponto de contato de uma equipe de saúde com os pacientes, devem entender a importância dos princípios básicos de nutrição e ser capazes de explicar de maneira correta sobre alimentação saudável a seus pacientes. Para isso, o profissional de enfermagem precisa dominar informações sobre os alimentos, seus nutrientes e como eles atuam no organismo de um indivíduo (ANNA, 2018). 2.1 Nutrição No início do século XX, a ciência da nutrição tinha seu foco na descoberta dos nutrientes essenciais, estudando os efeitos da ingestão insuficiente e determinando as quantidades necessárias para prevenir essas deficiências. Desde então, foi evoluindo gradualmente e reconhecendo que a “boa” nutrição não é simplesmente uma questão de fornecer ao corpo quantidades suficientes de todos os nutrientes. Atualmente, percebe- se que a dieta ocidental, embora contenha todos os nutrientes em quantidades adequadas, está provavelmente contribuindo para o crescimento do número de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Muitas pesquisas têm se concentrado em descobrir quais nutrientes estão ligados a quais doenças, em um esforço para propor mudanças nos padrões de ingestão alimentar e, assim, promover a melhoria da saúde popular. A par disto, vamos pensar sobre o conceito de nutrição, observando que pode ser entendida tanto como ciência quanto como processo fisiológico. Vamos a três exemplos de definições (BARASI, 2003; MANN; TRUSWELL, 2011): 8 • “Nutrição é o estudo de alimentos e nutrientes vitais para a saúde e da forma como o corpo os usa para promover o crescimento, a manutenção e a reprodução de células, além das reações causadas pelos alimentos e seus respectivos nutrientes dentro do organismo.” — Nessa definição, o alcance da nutrição estende-se a qualquer efeito que os alimentos possam produzir nas funções humanas (saúde e desenvolvimento, resistência a infecções, estado mental e desempenho atlético). Há interação crescente entre a ciência da nutrição e a biologia molecular, o que pode ajudar a explicar as ações dos componentes da alimentação em nível celular e a diversidade das respostas bioquímicas do corpo humano (ANNA, 2018). • “Nutrição é o estudo da relação entre as pessoas e os alimentos.” — Essa definição observa desde os fatores que influenciam as escolhas alimentares de uma pessoa até os efeitos fisiológicos e bioquímicos no organismo e suas consequências para a saúde e para a sobrevivência. Procura entender porque as pessoas mantêm certos hábitos alimentares, mesmo quando alertadas de que eles podem não ser saudáveis. Desse modo, o estudo dos hábitos alimentares se relaciona com ciências sociais como a psicologia, a antropologia, a sociologia e a economia, entre outras (ANNA, 2018). • “Nutrição é a soma dos processos pelos quais os organismos vivos captam e transformam as diversas substâncias.” — Essas substâncias são os alimentos e nutrientes necessários ao crescimento, ao desenvolvimento e ao funcionamento normal do organismo (ANNA, 2018). A partir dessas propostas de definição, podemos dizer que a nutrição visa aplicar o conhecimento nutricional com o objetivo de promover a saúde e o bem-estar. Os nutricionistas orientam as pessoas sobre como modificar o que comem para manter ou recuperar a saúde ideal e participam do tratamento das doenças (ANNA, 2018). 2.2 Etapas do processo de nutrição A nutrição ocorre em três tempos: alimentação, metabolismo e excreção. 9 1. A alimentação (ou fornecimento da matéria), que compreende desde o instante em que se escolhe um alimento até o momento em que este é absorvido pelas vilosidades intestinais. 2. O metabolismo ou (retroca de matéria e energia), que começa quando os nutrientes são absorvidos e vai até o momento em que o organismo os utiliza como fonte de energia, para processos materiais construtores das células ou para depositá-los, na forma de reservas. 3. A excreção, que consistena eliminação da parte do alimento não utilizada pelo organismo. Essa eliminação é efetuada pelo tubo digestivo, pelos rins e pelos pulmões (DOVERA, 2007). 2.3 Nutrientes O alimento é toda substância ou mistura de substâncias, em estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, destinada a fornecer ao organismo humano os elementos normais, essenciais à sua formação, manutenção e desenvolvimento. Também pode ser definido como toda substância natural dotada de certas qualidades sensoriais (cor, sabor, aroma) e de um certo tônus emocional que aguçam o apetite e contêm uma variedade de nutrientes, segundo sua composição química (ANNA, 2018). Já os nutrientes são as substâncias químicas presentes nos alimentos e que são indispensáveis à saúde e à atividade do organismo. Os nutrientes são classificados em macronutrientes e micronutrientes, como vemos a seguir (ANNA, 2018): • macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos) — são substâncias químicas necessárias para o crescimento e outras funções do corpo humano. Também fornecem calorias. Os seres humanos e os animais precisam de quantidades maiores de macronutrientes do que de micronutrientes. • micronutrientes (vitaminas e minerais) — são substâncias químicas necessárias para várias funções do corpo, como prevenção de doenças, crescimento, desenvolvimento e manutenção das funções vitais. Os micronutrientes estão presentes 10 em menores quantidades no alimento e são necessários também em menores quantidades. 3 TRANSFORMAÇÃO DO ALIMENTO EM NUTRIENTES Os alimentos, quando ingeridos por uma pessoa, não estão em uma forma que o organismo possa utilizar de imediato. Ou seja, o corpo não aproveita o alimento em si, mas os nutrientes que ele contém. Para que isso ocorra, é necessário o processo de digestão dos alimentos. O trato gastrointestinal, também chamado de trato digestório e canal alimentar, é um tubo oco que se estende da cavidade bucal ao ânus e altera a forma e o tamanho dos alimentos que são ingeridos. Suas estruturas incluem as descritas a seguir (ANNA, 2018). • Boca — é onde começa a digestão, com a mastigação do alimento. O ato de mastigar quebra o alimento em pedaços, que serão mais facilmente digeridos. A saliva se mistura ao bolo alimentar para iniciar o processo de decomposição. • Faringe — é formada por paredes espessas e forrada pela mucosa faríngea, que facilita a rápida passagem do alimento para o esôfago. O movimento do alimento, da boca para o estômago, é realizado pelo ato da deglutição; • Esôfago — localizado na garganta, perto da traqueia, recebe o alimento que foi deglutido. Por meio de uma série de contrações musculares chamadas de peristaltismo, o esôfago fornece comida para o estômago. • Estômago — responsável por processar o alimento, misturando enzimas que continuam o processo de decomposição dos alimentos para que cheguem a uma forma utilizável. Produz o ácido clorídrico, que auxilia na decomposição. Quando o conteúdo do estômago é suficientemente processado, ele é liberado no intestino delgado. • Intestino delgado — os principais eventos da digestão e absorção ocorrem no intestino delgado. Ele é o órgão responsável pelo término da quebra dos alimentos, usando a bile e enzimas liberadas pelo pâncreas, e, em seguida, pela absorção de nutrientes na corrente sanguínea. É composto de três segmentos — o duodeno, o jejuno 11 e o íleo. O peristaltismo também ocorre nesse órgão, movimentando a comida e misturando-a com as secreções digestivas do pâncreas e do fígado. • Intestino grosso (cólon) — é formado pelo ceco, colo (ascendente, transverso, descendente e sigmoide), reto e ânus. Neste órgão, as fezes, ou resíduos que sobraram do processo digestivo, passam através do cólon por meio do peristaltismo, primeiro em estado líquido e, finalmente, em forma sólida. Também ocorre a síntese de determinadas vitaminas pelas bactérias intestinais e, finalmente, a eliminação de resíduos do corpo através da defecação. Os órgãos anexos do trato gastrointestinal são as glândulas parótidas, as glândulas submandibulares, as glândulas sublinguais, o fígado e o pâncreas (DOUGLAS, 2002). A Figura 1 ilustra um esquema do processo de digestão e absorção dos nutrientes. Figura 1. Esquema de digestão e absorção no trato gastrointestinal. Fonte: Testa ([2014], documento on-line) 12 3.1 Alimentação Alimentação é o ato de comer, ou seja, ingerir alimentos. Trata-se de um ato voluntário e consciente, que depende da vontade do indivíduo, mas é essencial à sua saúde e até à sobrevivência. Quando comida ou nutrientes específicos são fornecidos de modo insuficiente, algumas adaptações fisiológicas ocorrem para minimizar os efeitos dessa carência. Com o tempo, porém, surgirá um estado grave de deficiência. De acordo com os conceitos expressos, a alimentação tem por finalidade: • fornecer energia potencial; • prover o organismo de nutrientes para os processos de crescimento, manutenção e para as necessidades próprias da gravidez e lactação. No processo de construção de tecidos, inclui-se a reparação das perdas sofridas e a reposição das reservas mobilizadas; • fornecer água e eletrólitos necessários para a regulação homeostática do meio interno, expressos pelas constantes físico-químicas, de concentração e de hidratação (DOVERA, 2007). A alimentação, entretanto, não é apenas uma necessidade fisiológica, visto que é o homem quem escolhe o alimento para o seu consumo, decidindo quais alimentos e quais quantidades vai consumir, como vai adquiri-los e prepará-los e com quem vai compartilhá-los. Essas decisões estão relacionadas a fatores religiosos, econômicos, socioculturais, psicológicos e ambientais. Veremos a seguir algumas das razões pelas quais o ser humano se alimenta (ANNA, 2018). 3.2 Necessidade fisiológica As pessoas se alimentam porque sentem fome. Os sinais relacionados a todos os processos relacionados ao ato de comer, de seu início até sua cessação, são integrados e organizados pelo cérebro. A visão, o cheiro ou até mesmo a lembrança da comida desencadeiam a fase cefálica do apetite, que estimula fome e prepara o aparelho 13 digestivo para a ingestão de alimentos. Quando uma pessoa começa a se alimentar, a comida estimula os sentidos do paladar e do tato (por meio da textura e consistência da comida). A presença de alimentos no organismo, por sua vez, libera uma séria de hormônios que vão trazer a sensação de saciedade e avisar o indivíduo que o estômago está cheio. Esses hormônios são a colecistocinina (CCK), o neuropeptídeo Y, a grelina e a leptina (MAHAN; ESCOTT-STUMP, RAYMOND, 2013). 3.3 Hábitos e costumes Como já visto, a alimentação pode ser um ato fisiológico, mas é influenciada também por outros fatores, como os hábitos e costumes. Em regiões do mundo e segmentos sociais em que a comida está prontamente disponível, a ingestão tende a ocorrer a qualquer hora do dia ou noite, sem levar em conta a saciedade. Assim, muitas pessoas ingerem várias refeições diárias, mesmo não sentindo fome, pois desenvolveram o hábito de comer em intervalos curtos ao longo do dia. Esse comportamento pode fazer com que a sensação de saciedade ou fome nunca seja experimentada. O cérebro, portanto, não tem o insumo necessário para reconhecê-las, o que pode resultar em má regulação do comportamento alimentar em algum momento da vida (BARASI, 2003). A saciedade é o que limita a ingestão de alimentos e está associada a uma sensação de plenitude. Os hormônios liberados pelo organismo durante e após o processo de alimentação ajudam a promover essa sensação (ANNA, 2018). 3.4 Razões psicológicas Comer é uma atividade prazerosa e pode satisfazer algumas das necessidades emocionais dos indivíduos. A depressão ou a ansiedadepodem fazer com que as pessoas busquem conforto na comida. Acredita-se que isso se deve ao sentimento de segurança que os pais transmitem aos filhos quando lhes oferecem comida, ligando-a a sentimentos positivos relacionados a cuidados parentais e amor. É comum, por exemplo, abraçar uma criança quando se machuca ou sofre uma queda, e, em seguida, lhe 14 oferecer algo para comer (muitas vezes um doce ou biscoito). Para alguém que está triste, o alimento funciona como algo reconfortante. Para alguém que está alegre, como uma recompensa. É por essa razão, aliás, que a palavra “comemoração” deriva do verbo comer (ANNA, 2018). 3.5 Alimentação equilibrada A alimentação equilibrada é um conceito muito discutido por médicos e nutricionistas. Seu entendimento pode parecer fácil hoje, quando palavras como "carboidratos", "fibras", "frutose" e "ácidos graxos ômega-3" fazem parte de conversas cotidianas entre pessoas que não são profissionais ou estudiosos da área da nutrição. Nas últimas décadas, porém, a pesquisa científica ampliou rapidamente a compreensão da nutrição humana, mas isso pode fazer com que uma dieta saudável pareça muito mais complicada do que costumava ser. É por isso que há tanta contradição na área de nutrição. São muitas informações, especialmente na mídia não científica, que acabam gerando confusão sobre o tema (ANNA, 2018). Uma alimentação equilibrada é aquela que proporciona a energia e os nutrientes necessários para que o organismo funcione corretamente. Para alcançar uma nutrição adequada deve haver o consumo de todos os macronutrientes de forma equilibrada. Um bom exemplo de alimentação equilibrada seria o consumo de (ANNA, 2018): • vegetais e frutas frescas; tubérculos como batatas, raízes como cenouras, folhosos como alface e agrião e bananas, laranjas, morangos etc.; • cereais integrais; arroz, trigo, milho, centeio; • leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha; • oleaginosas (nozes, amêndoas, castanhas); • carnes de todos os tipos e ovos; • leite e derivados: queijos, iogurtes, manteiga, creme de leite; • gorduras: principalmente as provenientes de azeite de oliva, abacate e coco; • líquidos: água, chás, chimarrão, água com gás. 15 Consumindo esses grupos de alimentos de modo equilibrado, o indivíduo receberá não somente os macronutrientes, mas também os micronutrientes, fibras e água necessários à sua saúde (ANNA, 2018). Em relação à quantidade de calorias necessárias, é importante verificar que cada pessoa tem níveis diferentes de necessidade, de acordo com vários fatores, como idade, sexo, altura, peso, estado fisiológico ou patológico e prática de atividade física. Os homens geralmente precisam de mais calorias do que as mulheres. Pessoas que se exercitam precisam de mais calorias do que as sedentárias (ANNA, 2018). Os seguintes exemplos de ingestão diária de calorias são baseados nas diretrizes do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE, 2016): • Crianças de 2 a 8 anos — 1.000 a 1.400 calorias. • Meninas de 9 a 13 anos — 1.400 a 1.600 calorias. • Meninos de 9 a 13 anos — de 1.600 a 2.000 calorias. • Mulheres ativas de 14 a 30 anos — 2.400 calorias. • Mulheres sedentárias com idade entre 14 e 30 anos — 1.800 a 2.000 calorias. • Homens ativos com idade entre 14 e 30 anos — 2.800 a 3.200 calorias. • Homens sedentários com idade entre 14 e 30 anos — 2.000 a 2.600 calorias. • Homens e mulheres ativos com mais de 30 anos — 2.000 a 3.000 calorias • Homens e mulheres sedentários com mais de 30 anos — 1.600 a 2.400 calorias. Como pode ser visto, esses são exemplos bem genéricos de recomendação energética, ou seja, apenas estimativas. O cálculo de um plano alimentar individualizado deve ser feito por nutricionistas, utilizando fórmulas específicas, de acordo as variáveis já citadas (sexo, idade, peso, estatura e prática de atividade física). 4 LEIS E PRINCÍPIOS DA ALIMENTAÇÃO A alimentação deve ser avaliada a partir de um aspecto quantitativo e outro qualitativo, sobre os quais estão centrados, do ponto de vista funcional, todos os 16 processos reguladores do organismo e do meio interno. Isso significa que o processo de comer não deve ser guiado exclusivamente pelos instintos e pelos hábitos alimentares, pois nem sempre esses poderão servir de base para uma seleção dos alimentos capazes de atender a todas as exigências do organismo (DOVERA, 2007). Cada indivíduo tem exigências alimentares distintas, segundo as características de seu organismo e sua situação biológica. A alimentação deve seguir certas regras para a instituição da chamada dieta “correta”. Essas regras são constantes e aplicáveis a todos os casos e em todas as idades, tanto para indivíduos sadios como para doentes (ANNA, 2018). A dieta não consiste somente na enumeração de um conjunto de valores de nutrientes aconselhados. É algo mais, que deve atender a certas exigências, entre as quais promover o equilíbrio entre os constituintes nutricionais e a adequação às necessidades individuais, em todos os casos. Todos os componentes da alimentação, quantitativa ou qualitativamente considerados, estão subordinados a regras ou normas, em parte estabelecidas em 1935, quando o Dr. Pedro Escudero, considerado o pai da nutrição na América Latina, propôs quatro Leis da Alimentação (atualmente entendidas com um conjunto unitário) que estão descritas a seguir: • Lei da Quantidade — afirma que a quantidade dos alimentos deve ser suficiente para satisfazer as necessidades energéticas e nutricionais do organismo e mantê-lo em equilíbrio. Se os alimentos não fornecem energia suficiente, o organismo mobilizará energia de reserva, produzindo-se um balanço negativo (entrada menor que a saída), condição que provoca o emagrecimento. Se os alimentos fornecerem energia em excesso, será produzido um balanço positivo e o indivíduo ganhará peso. Tanto o excesso quanto a falta serão prejudiciais ao organismo, pois cada indivíduo necessita de quantidades específicas de carboidratos, proteínas, gorduras, fibras, vitaminas, minerais e de água para manter suas funções orgânicas e atividades diárias. Isto depende do sexo, da idade, do estado fisiológico e da atividade física. A dieta que cumpre essa lei denomina-se dieta suficiente. • Lei da Qualidade — afirma que os alimentos de todos os grupos devem ser consumidos, ou seja, o regime alimentar deve ser completo; não pode omitir nenhum 17 nutriente, pois a falta de algum deles produz efeitos nocivos. Por isso, não se pode prescrever uma dieta unilateral, de frutas, leite, vegetais, etc., pois essas não provêm todos os nutrientes indispensáveis. Quando uma alimentação não fornece um ou mais nutrientes necessários ou o faz em quantidades abaixo do mínimo aconselhado, denomina-se dieta incompleta. • Lei da Harmonia — destaca a necessidade de manter uma relação adequada entre as distribuições de nutrientes ingeridos, ou seja, não basta que a alimentação contenha todos os nutrientes indispensáveis. Estes devem guardar certas proporções para que o organismo os utilize convenientemente e sem provocar alterações. A dieta que cumpre essa lei denomina-se dieta harmônica. • Lei da Adequação — consiste em adaptar a dieta às necessidades nutricionais, sociais e psicológicas dos indivíduos, ou seja, é necessário primeiramente ter consciência da finalidade para prescrever um regime alimentar. Para uma pessoa sadia, a finalidade é conservar a saúde. Para o doente, curar a doença e recuperar a saúde. Para a criança, assegurar o crescimento e o desenvolvimento. Igualmente, a alimentação deve adequar- se aos hábitos individuais; à situação socioeconômica do indivíduo; ao aparelho digestivo e a órgãos ou sistemas eventualmente alterados. A dieta que cumpre essa lei denomina- se dietaadequada (DOVERA, 2007; CHÁVEZ-BOSQUEZ; POZOS-PARRA, 2016). É importante observar que as leis da alimentação são conexas e concordantes, de modo que o não cumprimento de uma leva, forçosamente, ao não cumprimento das demais. Portanto, escolher uma dieta saudável envolve saber quais misturas de alimentos selecionar e em quais quantidades, visto que as essas leis foram criadas para atender às necessidades nutricionais (ANNA, 2018). Essas leis são a base da teoria da nutrição, pois servem como regra para o planejamento de cardápios. No entanto, foram estabelecidas em linguagem natural, que tem a desvantagem de permitir diferentes interpretações, dependendo do ponto de vista pessoal, do conhecimento e da experiência do indivíduo. De fato, discrepâncias de entendimento podem ser encontradas na literatura, especialmente na internet, com diferentes interpretações, em diferentes países (CHÁVEZ-BOSQUEZ; POZOS-PARRA, 2016). 18 Como a nutrição é essencial para a boa saúde e para a prevenção de doença, todos os indivíduos envolvidos na área da saúde precisam ter um conhecimento completo da nutrição e das leis da alimentação. Ressalta-se que esse estudo precisa dar ênfase à promoção da saúde (ANNA, 2018). 5 QUALIDADE DE VIDA Compreende-se que a alimentação e a saúde estão estreitamente ligadas pelo menos desde o início da prática da medicina, de que temos registro na Grécia Antiga, por volta dos séculos IV e V a.C. São atribuídas a Hipócrates construções teóricas sobre a importância da alimentação nos tratamentos de saúde. Os gregos usaram o conceito de diaita (dieta) com duas interpretações diferentes: por um lado, foi vinculado ao tratamento de doenças e, ao mesmo tempo, foi concebido como uma forma de preveni-las e preservar a saúde (ANNA, 2018). Embora os gregos, por meio da Escola Hipocrática, já considerassem a alimentação como essencial à vida, o conhecimento científico sobre esse assunto foi gerado muitos anos depois. A produção acadêmica sobre alimentos vem progredindo constantemente ao longo dos séculos, notavelmente nos séculos XVIII e XX. Alguns marcos da produção de conhecimento que contribuíram para os fundamentos científicos do modelo alimentar serão descritos brevemente (ANNA, 2018). • Século XV — Leonardo da Vinci introduz os primeiros rascunhos sobre o metabolismo. Isso constitui o primeiro passo para elucidar a base metabólica da nutrição. • Séculos XVI e XVII — É realizado o primeiro estudo sobre nutrição humana, evidenciando que o escorbuto está associado ao baixo consumo de frutas cítricas (James Lind). Há também avanços relevantes no campo da química, incluindo a descoberta dos primeiros elementos como cloro, glicerol e oxigênio, entre outros (Carl Wilhelm Scheele). • Em 1770, já no século XVIII, são descritas as principais etapas do metabolismo humano (Antoine Lavoisier). • Séculos XIX e XX — Ocorrem a primeira pesquisa sobre a digestão humana (William Beaumont); a descoberta sobre os compostos intermediários na conversão de 19 álcool durante a fermentação e a primeira classificação para o alimento (Justus von Liebig). Em 1850, é proposto o conceito de unidade de energia (Atwater e Francis Benedict). • Século XX — A ciência gera extensa produção acadêmica explicando as funções do corpo a partir de sua anatomia e fisiologia. Com o avanço tecnológico, ocorre maior desenvolvimento da pesquisa em saúde e alimentação, consolidando-se o entendimento da nutrição como essencial à saúde (ÁLVAREZ, 2018). As pesquisas científicas realizadas na área de nutrição influenciaram mudanças de concepção quanto à relação entre alimentação e saúde no mundo ocidental, embora a alimentação saudável possa ter várias definições e significados. Quando relacionamos a alimentação equilibrada a indivíduos adultos, as pesquisas têm focado principalmente na prevenção de DCNTs, como obesidade, câncer, hipertensão e diabetes melito tipo 2, visto que essas doenças são causas de morte prematura e também de perda de qualidade de vida (ANNA, 2018). Para a Organização Mundial da Saúde, uma alimentação equilibrada ajuda a prevenir a desnutrição em todas as suas formas, bem como uma série de DCNTs (HEALTHY..., 2018, documento on-line). A mesma deve ser diversificada e saudável e variar de acordo com as necessidades individuais (por exemplo, idade, sexo, estilo de vida, grau de atividade física), contexto cultural, disponibilidade local de alimentos e hábitos alimentares. As recomendações de promoção da alimentação saudável focam: • na importância da variedade de alimentos como fonte de nutrientes; • no equilíbrio na escolha dos alimentos, baseada nas necessidades individuais e coletivas; • na moderação do consumo de certos alimentos. Nos últimos 50 anos, o conceito de uma dieta equilibrada mudou. Sua interpretação anterior era de uma dieta que deveria fornecer os macronutrientes em quantidades suficientes para evitar deficiência. Acreditava-se que, se os macronutrientes fossem consumidos na quantidade correta, também seriam ingeridos, em quantidade 20 suficiente, as vitaminas e os minerais. Isso pode ter sido verdade quando a dieta continha principalmente comida próxima ao estado natural, com poucos alimentos processados e industrializados no mercado (ANNA, 2018). Mais recentemente, percebeu-se que o simples consumo de macronutrientes não leva à boa saúde, como evidenciado pelas altas taxas de "doenças ocidentais", como as doenças cardiovasculares, o câncer, bem como a obesidade. Claramente, algo estava errado nessa abordagem. Apenas nas últimas décadas o conceito de "equilíbrio" evolui para mostrar que as proporções de diferentes grupos de alimentos devem ser inclusas na dieta para atender tanto as necessidades de energia e macronutrientes, bem como alcançar um equilíbrio de micronutrientes que pode promover a saúde (BARASI, 2003). Uma alimentação equilibrada, portanto, tem o objetivo de: • reduzir o risco de algumas doenças, incluindo doenças cardíacas, diabetes melito tipo 2, derrame, alguns tipos de câncer e osteoporose; • reduzir a pressão alta; • baixar os níveis de colesterol LDL e triglicerídeos; • melhorar o bem-estar; • melhorar a capacidade do organismo de combater doenças; • melhorar a capacidade de se recuperar de doenças ou ferimentos; • aumentar o nível de energia (WARDLAW; SMITH, 2013). As necessidades nutricionais devem ser atendidas principalmente a partir de alimentos e não de suplementos alimentares. Os indivíduos devem procurar atender suas necessidades nutricionais por meio de padrões saudáveis de alimentação que incluam alimentos ricos em nutrientes. Os alimentos em formas densas em nutrientes contêm vitaminas e minerais essenciais e também fibras alimentares e outras substâncias naturais, que podem ter efeitos positivos na saúde (ANNA, 2018). Em alguns casos, alimentos enriquecidos e suplementos dietéticos podem ser úteis para fornecer um ou mais nutrientes que, de outra forma, poderiam ser consumidos em quantidades inferiores às recomendadas (BARASI, 2003). No entanto, só devem ser 21 consumidos com orientação profissional, para evitar a ingestão excessiva, que também pode ser prejudicial ao organismo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (HEALTHY..., 2018, documento on-line) algumas recomendações para se manter uma alimentação equilibrada e obter seus benefícios são as listas a seguir. • Consumir frutas, legumes, leguminosas, nozes e grãos integrais. • Consumir pelo menos 400 g (5 porções) de frutas e vegetais por dia. As batatas, batata-doce, mandioca e outras raízes amiláceas não são classificadas como frutas ou vegetais. • Menos de 10% da energia total ingerida deve ser proveniente de açúcares adicionados aos alimentos, o que equivale a 50 g (ou cerca de 12 colheres de chá) para umapessoa de peso saudável consumindo aproximadamente 2000 calorias por dia. Idealmente, esta proporção deveria ser inferior a cinco por cento, o que traria benefícios adicionais à saúde. Os açúcares são normalmente adicionados aos alimentos ou bebidas pelo fabricante, cozinheiro ou consumidor, e também podem estar naturalmente presentes em mel, xaropes, sucos de frutas e concentrados de sucos de frutas (ANNA, 2018). • Menos de 30% da ingestão total de energia deve ser proveniente de gorduras. São preferíveis as gorduras insaturadas (encontradas em peixes, abacate, nozes e azeite, por exemplo). As gorduras trans industriais (encontradas em alimentos processados, fast food, salgadinhos, frituras, pizza congelada, tortas, biscoitos, margarinas e cremes) não fazem parte de uma dieta saudável. • Consumir menos de 5 g de sal (equivalente a aproximadamente 1 colher de chá) por dia e usar sal iodado. Salientamos que todos os alimentos se encaixam para atender às necessidades nutricionais, sem exceder os limites, como os de gorduras saturadas, açúcares adicionados, sódio e calorias totais. Todas as formas de alimentos, inclusive frescas, enlatadas, secas e congeladas, podem ser utilizados. Também é necessário ressaltar 22 que uma alimentação saudável é adaptável, visto que qualquer padrão alimentar pode ser ajustado às preferências pessoais e socioculturais do indivíduo (ANNA, 2018). Os profissionais de saúde, principalmente enfermeiros e nutricionistas, podem interagir com as pessoas para que essas adaptem suas escolhas e desenvolvam uma alimentação saudável considerando suas preferências culturais, étnicas, tradicionais e pessoais, bem como questões financeiras e de acesso ao alimento. É mais provável que uma alimentação saudável, aconselhada visando esses fatores, seja motivadora, aceita e mantida ao longo do tempo, com o potencial de levar a mudanças significativas na ingestão alimentar e, consequentemente, melhorar a saúde (ANNA, 2018). 6 BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Os alimentos vegetais são dotados de micronutrientes, e a compreensão sobre a biodisponibilidade é essencial para que se possa melhorar o valor nutricional, principalmente em países em desenvolvimento. A biodisponibilidade depende principalmente das sinergias alimentares, e estas podem ser usadas para diminuir a deficiência de micronutrientes em populações mais carentes (VENTURI, 2018). Avaliar corretamente a adequação das ingestões de nutrientes de uma dieta requer não apenas conhecer o conteúdo de nutrientes dos alimentos ingeridos, mas também verificar até que ponto o nutriente está disponível para absorção e utilização no corpo humano. Sabe-se que a biodisponibilidade dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios) geralmente é alta, sendo que mais de 90% da quantidade ingerida é absorvida e utilizada pelo corpo. Por outro lado, os micronutrientes, como as vitaminas, minerais e compostos fitoquímicos bioativos, como os flavonoides e carotenoides, podem ter seu processo de absorção e utilização bastante variado após a ingestão. Esse fato pode ocorrer devido às interações entre nutrientes e à presença de fatores antinutricionais, o que afeta diretamente a biodisponibilidade desses nutrientes, reduzindo seus efeitos benéficos no corpo (VENTURI, 2018). 23 6.1 Conceitos básicos O termo biodisponibilidade de nutrientes foi definido pela primeira vez nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration (FDA) como uma maneira de compreender a proporção em que as substâncias consideradas ativas são absorvidas, tornando-se disponíveis no sítio de ação do órgão-alvo. Também se desejava verificar a forma química, o tamanho e quanto era absorvido, além de sua disponibilidade no organismo. Após a década de 1980, o termo biodisponibilidade passou a ser usado também na área da Farmácia. Passou a integrar a Nutrição, uma vez que, por meio dela, compreende-se que a ingestão de um alimento não garante sua utilização, e que alguns fatores podem interferir diretamente na absorção e utilização dos nutrientes pelo organismo, conforme Cozzolino (2009). Podem exercer interferência no processo de utilização desses nutrientes fatores como sexo, idade, estado fisiológico e nutricional, além da matriz alimentar em que os nutrientes estão inseridos, a interação entre nutrientes e condições de preparo, entre outros fatores. Entendido como um conceito-chave, o termo biodisponibilidade corresponde a uma fração de um determinado nutriente que, após ser consumida, digerida e absorvida, torna-se disponível para encontrar o órgão-alvo e desempenhar suas funções no organismo humano, conforme Mota et al. (2015). Portanto, o termo biodisponibilidade significa “[...] grau de absorção de um nutriente ingerido e o quanto ele está disponível para ser usado pelo corpo”, como resumido por Wardlaw (2013, p. 331). A biodisponibilidade visa a descrever os efeitos de uma sequência de eventos metabólicos, incluindo digestão, solubilização, absorção, liberação, transformações enzimáticas, secreção e excreção na utilização de nutrientes, conforme Schönfeldt, Pretorius e Hall (2016). Outros conceitos são importantes para a compreensão da biodisponibilidade: • Fatores antinutricionais: compostos naturais ou sintéticos que interferem na absorção de vários nutrientes (como vitaminas ou minerais) no corpo humano. Por exemplo, fitato e oxalato, que podem interferir na absorção de minerais, como cálcio, ferro, magnésio e zinco. 24 • Bioacessibilidade: fração de nutriente que é liberada da matriz alimentar e está disponível para absorção intestinal. • Biodisponibilidade: fração de nutrientes ingeridos que está disponível para utilização em funções fisiológicas normais e para armazenamento. • Bioatividade: efeito de um determinado agente, como alimento, drogas ou vacina, em um organismo vivo ou em tecido vivo. • Alimentos excipientes: alimento projetado especificamente para aumentar a biodisponibilidade de compostos bioativos. • Fitoquímicos: produtos químicos de plantas não nutrientes que têm propriedades protetoras ou preventivas de doenças em seres humanos. Há mais de mil fitoquímicos conhecidos, conforme Chang (2018). A biodisponibilidade de nutrientes é amplamente estudada, não só devido à capacidade dos nutrientes em suprir a demanda fisiológica do organismo, mas devido ao comprometimento da absorção de nutrientes, em função dos fatores de interação entre eles. Esses fatores podem intensificar ou impedir a absorção e a utilização pelo organismo, comprometendo, assim, o correto funcionamento do metabolismo e influenciando o desenvolvimento de doenças, conforme Dupont et al. (2018). Então, ao prescrever uma dieta, é necessário observar não só a quantidade de alimentos, incluindo os macronutrientes e os micronutrientes, mas a biodisponibilidade no organismo e suas interações com outros nutrientes, otimizando assim, a dieta e as recomendações nutricionais. Estudos laboratoriais in vitro e in vivo vêm sendo desenvolvidos com a finalidade de se obter os mecanismos de ação dos nutrientes, simulando o sistema digestório humano e avaliando os parâmetros de absorção de diferentes nutrientes. O objetivo é avaliar como ocorre a absorção dos nutrientes, associando-os aos parâmetros bioquímicos e hematológicos. Estudos em humanos são de difícil controle, pois há uma infinidade de variáveis que interferem no processo de digestão, absorção e utilização dos nutrientes e que variam de um indivíduo para outro (VENTURI, 2018). Nesse sentido, a avaliação da absorção de nutrientes em um indivíduo humano pode ser realizada com o uso de métodos de isótopos estáveis, quantificação sanguínea 25 antes e após a ingestão de nutrientes e quantificação de nutriente ingerido e excretado. Esses métodos são importantes, principalmente,para estudar possíveis causas de determinadas doenças relacionadas à disponibilidade de nutrientes (VENTURI, 2018). A biodisponibilidade de nutrientes tem fundamental importância sobre os micronutrientes, incluindo os compostos bioativos. Exercem efeito na disponibilidade dos nutrientes as propriedades físico-químicas, a forma de processamento e preparo dos alimentos, a presença ou ausência de outros componentes alimentares que melhoram ou inibem a absorção e a matriz alimentar, além da mistura entre os alimentos. Fatores referentes ao indivíduo também influenciam na biodisponibilidade do nutriente, como estado de saúde, idade, fatores genéticos e estilo de vida, conforme apontam Nair e Augustine (2018). A biodisponibilidade aborda duas características essenciais (VENTURI, 2018): 1. a taxa de absorção (a rapidez com que o agente bioativo entra na circulação sistêmica); 2. a extensão da absorção (quanto do composto bioativo atinge a circulação sistêmica). A baixa biodisponibilidade significa a falha do ingrediente em atingir uma concentração mínima eficaz no sangue para produzir os resultados biológicos desejados, conforme Jafari e McClements (2017). Normalmente, várias etapas diferentes determinam o destino biológico dos agentes bioativos após a ingestão, conforme Jaworski e Fabisiak (2018); são elas: • liberação do agente bioativo da matriz dietética; • digestão por enzimas no intestino; • adesão e absorção pela camada mucosa do intestino; • transferência através da parede intestinal (passagem e/ou entre o epitélio das células) para o sistema linfático ou a veia porta; • distribuição sistêmica; • deposição sistêmica (armazenamento); 26 • uso metabólico e funcional; • excreção (via urina ou fezes). Além das etapas determinantes do destino biológico dos compostos bioativos, é observada a presença de intensificadores e inibidores de nutrientes que podem interagir uns com os outros e com outras dietas e componentes no local de absorção, afetando uma mudança na biodisponibilidade que pode ser potencializadora ou inibidora; essa última pode causar um efeito nulo (VENTURI, 2018). Os intensificadores podem agir de diferentes maneiras, como manter um nutriente solúvel ou protegê-lo da interação com inibidores. Os inibidores, por outro lado, podem reduzir a biodisponibilidade, ligando o nutriente em uma forma que não é reconhecida por sistemas de captação na superfície das células intestinais, deixando o nutriente insolúvel e, portanto, indisponível para absorção, ou promovendo a competição pelo mesmo sistema de captação, conforme Jafari e McClements (2017). A microestrutura dos alimentos é um dos principais fatores que regem a biodisponibilidade de vários nutrientes e fitoquímicos. Alimentos podem ter em sua composição macromoléculas, como proteínas e polissacarídeos, lipídios, açúcares e micronutrientes, fitoquímicos e água. Esses componentes estão dispostos em diferentes matrizes alimentares naturalmente ou devido ao processamento (VENTURI, 2018). A biodisponibilidade de compostos bioativos é afetada pela digestão no sistema gastrointestinal, que inclui transformação, transporte e absorção em diferentes locais (estômago, intestino delgado e intestino grosso). A Figura 2 apresenta diferentes condições específicas do trato digestivo que influenciam a digestibilidade dos alimentos e, consequentemente, a biodisponibilidade dos nutrientes e compostos bioativos, conforme aponta Chang (2018). A desintegração alimentar durante a digestão resulta na liberação de nutrientes, que estarão disponíveis para manter a homeostase. A fase oral é crucial, especialmente para alimentos sólidos e semissólidos. A mastigação, o primeiro passo mecânico da digestão, transforma o alimento em partículas menores, prontas para serem lubrificadas. A saliva agrega a comida mastigada em um bolo antes de engolir e protege a superfície da mucosa de danos por alimentos grosseiros. Também atua como um solvente de 27 compostos de sabor e contém atividades enzimáticas que iniciam a digestão de macronutrientes, particularmente a hidrólise de carboidratos. A amilase salivar pode hidrolisar uma grande proporção de amido antes de o alimento atingir o intestino delgado, dependendo da capacidade de tamponamento de alimentos — sendo capaz de manter o pH gástrico dentro de uma faixa em que essa enzima ainda está ativa — e da perda dramática da organização estrutural dos grânulos de amido (gelatinização) em resposta ao tratamento térmico. A fase oral também permite a liberação de moléculas responsáveis pelo sabor, que podem atuar como sinais biológicos e gerar saciedade (VENTURI, 2018). Figura 2. Influência de diferentes condições específicas do trato digestivo que influenciam a digestibilidade dos alimentos e, consequentemente, a biodisponibilidade de nutrientes e compostos bioativos. Fonte: Adaptada de Christos Georghiou/Shutterstock.com; Chang (2018). 28 Quando o alimento entra no estômago, o bolo alimentar vai encontrar um conjunto de diferentes condições físico-químicas diferentes da cavidade oral. As secreções ácidas produzidas pela mucosa gástrica e pelas enzimas digestivas, como a lipase gástrica ou a pepsina, transformarão o bolo em um quimo, afetarão a estrutura dos alimentos e modularão a taxa de esvaziamento gástrico. A taxa de esvaziamento gástrico depende da carga calórica da refeição e da osmolaridade e das estruturas do quimo. A hidrólise de macronutrientes é iniciada no estômago para proteínas e lipídios e na boca para carboidratos, sendo concluída no intestino delgado, sob a ação de enzimas altamente eficientes, como lipase pancreática, tripsina, quimiotripsina, elastase e A-amilase pancreática. É também aí que ocorre a maior parte da absorção de nutrientes, devido à estrutura do epitélio intestinal, que é coberto por vilosidades que aumentam a superfície de absorção (VENTURI, 2018). O epitélio intestinal libera uma grande quantidade de enzimas que ajudam a completar a quebra de nutrientes antes de sua absorção. O epitélio também é coberto por uma camada de muco, cujo efeito protetor contra bactérias patogênicas deriva da presença de glicoproteínas, as mucinas, e também de grânulos de DNA gerados por apoptose de células epiteliais. Os sais biliares facilitam a capacidade de uma partícula alimentar passar por essa camada protetora (VENTURI, 2018). Finalmente, constituintes não digeridos, em particular as fibras solúveis (pectina, alginato, carragenina, etc.) e insolúveis (celulose, hemicelulose, lignina), atingirão o intestino grosso, onde serão metabolizados pela microbiota intestinal. Todo o processo digestivo é regulado por hormônios gastrointestinais, que podem retardar ou acelerar a motilidade intestinal. Por exemplo, um excesso de triglicérides atingindo o íleo (parte distal do intestino delgado) terminará na produção de peptídeos GLP1 e PYY, que retardarão o esvaziamento gástrico, permitindo a melhor hidrólise e a absorção de lipídios. Sensores são visivelmente encontrados ao longo de todo o trato gastrointestinal (especialmente no duodeno), onde são capazes de ligar peptídeos dietéticos, ácidos graxos livres e micronutrientes para regular o processo, conforme Dupont et al. (2018). Macronutrientes, como lipídios, carboidratos e proteínas, têm sido utilizados para aumentar a biodisponibilidade de compostos bioativos. Tem sido demonstrado que esses macronutrientes influenciam na biodisponibilidade de fitoquímicos de várias fontes. 29 Carboidratos, sejam eles açúcares simples ou polissacarídeos, podem afetar a biodisponibilidade de compostos bioativos por numerosos mecanismos. Por exemplo, os polissacarídeos podem afetar o processo de digestão e absorção de lipídios em todo o trato gastrointestinal,impedindo a interação de enzimas, como a lipase; assim, a taxa de digestão lipídica é afetada. Os lipídios incorporados em hidrogéis à base de amido proporcionam maior biodisponibilidade de b-caroteno, com maior taxa de digestão lipídica. Possivelmente isso acontece porque o amido é capaz de prevenir a formação dos agregados de moléculas lipídicas no trato gastrointestinal, aumentando a acessibilidade da lipase (VENTURI, 2018). Proteínas e peptídeos possuem capacidade antioxidante, o que pode impedir a degradação de fitoquímicos no trato gastrointestinal. Como exemplos, as antocianinas do mirtilo ligadas a proteínas têm uma melhor taxa de absorção, enquanto a presença de proteína láctea, a lactoferrina, reduz a biodisponibilidade do b-caroteno. Alguns compostos fitoquímicos, como quercetina, curcumina, piperina e algumas catequinas, têm sua biodisponibilidade aumentada quando consumidos na presença de proteínas, pois esses fitoquímicos interagem com os transportadores nas membranas celulares do epitélio e podem afetar potencialmente a biodisponibilidade de compostos bioativos (VENTURI, 2018). O cálcio desempenha um papel importante na digestão da gordura do leite. No sistema digestivo, o cálcio aumenta a lipólise, a liberação de ácidos graxos de triacilgliceróis, mas também limita a absorção de ácidos graxos saturados. Estudos realizados in vitro com queijos demonstraram que diferentes estruturas de queijo levam a comportamentos diferentes durante a digestão, demonstrando o potencial papel da matriz de queijo como um modulador de liberação de lipídios. Queijos do tipo cheddar, com diferentes níveis de cálcio e diferentes tipos de gorduras lácteas (com diferentes teores de ácidos graxos de cadeia longa), tiveram seu perfil de bioacessibilidade lipídica observado durante um modelo de digestão no trato gastrointestinal simulado in vitro, conforme Chang (2018). 30 7 FATORES QUE AFETAM A BIODISPONIBILIDADE DOS NUTRIENTES Vários fatores na dieta podem influenciar a biodisponibilidade de nutrientes. A magnitude dessa biodisponibilidade dependerá de inibidores ou promotores em qualquer refeição, que estão relacionados ao tipo de nutriente, à matriz alimentar, às ligações moleculares dos nutrientes e à quantidade que será consumida pelo indivíduo. Ressalta- se também a influência dos fatores relacionados ao próprio indivíduo que podem afetar a biodisponibilidade de nutrientes, como o estado nutricional do mesmo, os fatores genéticos e as interações com outros nutrientes, drogas ou fatores antinutricionais, conforme Schönfeldt, Pretorius e Hall (2016). Em 1996, na Conferência Internacional da Biodisponibilidade, foi adotado o termo mnemônico SLAMANGHI para facilitar a memorização dos potenciais fatores que afetam a biodisponibilidade, cujo significado representa todos os aspectos que devem ser considerados nos estudos de biodisponibilidade. Nele, cada letra tem um significado, conforme Cozzolino (2009): • S = species (especiação do nutriente); • L = linkage (ligação molecular); • A = amount in the diet (quantidade na dieta); • M = matrix (matriz onde o nutriente está incorporado); • A = attenuators of absorption and bioconversion (atenuadores da absorção e bioconversão); • N = nutrient status (estado nutricional do indivíduo); • G = genetic factors (fatores genéticos); • H = host related factors (fatores relacionados ao indivíduo); • I = interactions (interações). As recomendações de ingestão dietética ou dietary recommended intakes (DRIs) utilizam em sua elaboração a biodisponibilidade de nutrientes, ou seja, considera-se que nas refeições usuais, em média, no mínimo 90% da quantidade ingerida será aproveitada pelo organismo. Essa aproximação pode ser adequada para os macronutrientes. Por 31 outro lado, micronutrientes, fitoquímicos e outros compostos bioativos variam amplamente na extensão em que são absorvidos e utilizados (THE EUROPEAN FOOD INFORMATION COUNCIL, 2010). A otimização das recomendações desses nutrientes, em particular, pode contribuir com a melhora das práticas e a manutenção e recuperação do estado nutricional. Portanto, considerar a biodisponibilidade dos nutrientes em função da alimentação e da nutrição característica de cada indivíduo é de grande valia para a terapia nutricional, conforme Reis (2004). Como já citado anteriormente, a retenção dos nutrientes no organismo é dependente de condições relacionadas aos alimentos e nutrientes, conhecidas como fatores extrínsecos, ou relacionadas ao indivíduo (hospedeiro), conhecidas como fatores intrínsecos. Esses fatores serão descritos a seguir (VENTURI, 2018). 8 FATORES EXTRÍNSECOS QUE AFETAM A BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Em geral, os fatores relacionados à dieta (ou fatores extrínsecos) apresentam menor influência na biodisponibilidade de macronutrientes do que de micronutrientes. Desses últimos, a biodisponibilidade de ferro e zinco é especialmente afetada. Para alguns micronutrientes (por exemplo, iodo, vitamina C, tiamina), o efeito de fatores dietéticos na biodisponibilidade parece ser muito limitado, e para micronutrientes como riboflavina, vitamina B12, magnésio e cromo, os estudos são escassos. Em alguns casos (por exemplo, o da vitamina B6), os dados de biodisponibilidade existentes são difíceis de serem interpretados, devido às dificuldades metodológicas, conforme Marze (2017). A seguir serão descritos os fatores extrínsecos. 8.1 Especiação A especiação está relacionada com a forma química na qual o elemento se encontra no alimento ou na dieta, que é o primeiro passo para se determinar a sua retenção e utilização pelo organismo. Os nutrientes podem estar presentes nos alimentos 32 na forma livre ou combinada, necessitando ou não de digestão para serem absorvidos. O estado de oxidação é também um fator importante, conforme aponta Cozzolino (2009). Um exemplo clássico da forma química é o ferro. Há dois tipos de ferro na dieta: ferros heme e não heme. O primeiro é encontrado apenas em carne, peixe e aves, enquanto o último ocorre em alimentos de origem vegetal. O ferro heme decorre principalmente das moléculas de hemoglobina e mioglobina responsáveis pelo transporte e armazenamento de oxigênio no sangue e nos músculos, respectivamente. Uma vez liberada da matriz alimentar, a molécula heme age como um anel protetor em torno do átomo de ferro central. Assim, protege o ferro da interação com outros componentes alimentares, mantendo- -o solúvel no intestino, sendo absorvido intacto por meio de um sistema de transporte específico na superfície das células intestinais. Em contraste, o ferro não heme é pouco solúvel no intestino e facilmente afetado por outros componentes da dieta. Portanto, apenas uma pequena fração é absorvida pelas células (THE EUROPEAN FOOD INFORMATION COUNCIL, 2010). O Quadro 1 mostra alguns exemplos de nutrientes para os quais a biodisponibilidade é afetada pela sua forma química (VENTURI, 2018). 33 Quadro 1. Exemplos de nutrientes para os quais a biodisponibilidade é afetada pela sua forma química Fonte: Adaptado de Gibson (2007). 8.2 Ligação molecular A estrutura química, a polaridade e o tipo de conexão em que esses produtos químicos estão presentes nos nutrientes são importantes fatores externos. Devido à presença de ligações covalentes ou iônicas, por pontes de hidrogênio em grupos sulfídricos, bem como dos modelos de ligação nas esferas de coordenação dos nutrientes e dos ligantes e seus estados de oxidação, pode-se ter solubilidades diferentes em água, em meio ácido ou básico, que poderão ter influência na biodisponibilidade dos nutrientes, conforme Cozzolino (2009) e Pressman, Clemens e Hayes (2017). A maioria das vitaminas solúveis em águaestá ligada às proteínas. Algumas vitaminas requerem a presença de enzimas específicas; por exemplo, a biotina necessita 34 da enzima biotinidase para realizar hidrólise e liberar o composto antes da absorção. No caso das vitaminas lipossolúveis, o grau de absorção é determinado pela sua estrutura química e polaridade, conforme Jaworski e Fabisiak (2018). Em relação às proteínas, vê-se que as mesmas são extremamente sensíveis ao calor, ao pH e aos processos mecânicos. O aquecimento do leite pode afetar a estrutura da β-lactoglobulina, aumentando a taxa de digestão pelas enzimas tripsina e quimiotripsina a 37°C. No entanto, a digestão é reduzida após o aquecimento a 78°C. A proteína do leite que sofre esterilização (no caso de leites que passam pelo processo U.H.T.) tem maior resistência à digestão do trato gastrintestinal em relação ao leite não aquecido, devido à agregação proteica induzida pelo calor no leite, com a formação de agregados solúveis ligados a micelas. O aquecimento a 100°C pode modificar a estrutura primária de proteínas por isomerização e destruição de aminoácidos (arginina, cisteína, isoleucina, lisina, treonina), conforme Chang (2018). 8.3 Quantidade ingerida Em relação às quantidades ingeridas em uma refeição ou dieta, verifica-se que o organismo normal tenta manter sua homeostase e, geralmente, absorve mais quando suas reservas estão diminuídas e menos quando as reservas estão adequadas ou excessivas. Por outro lado, o excesso de um nutriente pode interferir no aproveitamento de outro. Portanto, ao se avaliar a biodisponibilidade de um nutriente específico, se não forem verificadas as reservas do mesmo no organismo, as respostas poderão ser interpretadas de maneira equivocada, conforme Cozzolino (2009). 8.4 Matriz alimentar A estrutura alimentar, ou matriz alimentar, consiste na organização dos constituintes dos alimentos em múltiplas escalas espaciais e suas interações. Essa estrutura é fornecida pela natureza ou durante o processamento e a preparação de alimentos, conforme Deglaire (2013). 35 O primeiro passo para tornar um nutriente biodisponível é liberá-lo da matriz alimentar e transformá-lo em uma forma química que pode se ligar e entrar nas células do intestino ou passar entre elas. Isso é chamado de bioacessibilidade. Os nutrientes se tornam bioacessíveis pelos processos de mastigação e digestão enzimática inicial dos alimentos na boca, misturando-se com ácido e outras enzimas no suco gástrico após a deglutição e, finalmente, sendo liberados no organismo no intestino delgado, o principal local de absorção de nutrientes. Nesse local, com a ação das enzimas fornecidas pelo suco pancreático, continuam quebrando a matriz alimentar (THE EUROPEAN FOOD INFORMATION COUNCIL, 2010). A matriz alimentar provavelmente tem o maior efeito sobre a absorção de carotenoides e folatos. Ambos os micronutrientes podem ser aprisionados na matriz insolúvel ou na estrutura celular de determinados alimentos vegetais, reduzindo sua biodisponibilidade, conforme Gibson (2007). 8.5 Potencializadores e inibidores de absorção A presença nas dietas de ligantes antagônicos ou facilitadores pode ter influência na absorção e na bioconversão para a forma ativa, ou seja, para a forma funcional do elemento, conforme Deglaire (2013). Dessa forma, os nutrientes podem interagir uns com os outros e com outros componentes da dieta — os potencializadores e os inibidores —, afetando a biodisponibilidade. Os potencializadores podem agir de maneiras diferentes para manter um nutriente solúvel ou protegê-lo da interação com inibidores, de acordo com Schönfeldt, Pretorius e Hall (2016). Como vimos anteriormente, os inibidores, por outro lado, podem reduzir a biodisponibilidade de três formas, conforme apontam Schönfeldt, Pretorius e Hall (2016): • ligando o nutriente em uma forma que não é reconhecida por sistemas de captação na superfície das células intestinais; • fazendo com que o nutriente fique insolúvel e, portanto, indisponível para absorção; ou competindo pelo mesmo sistema de captação. 36 9 FATORES INTRÍNSECOS QUE AFETAM A BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Os fatores internos que afetam a biodisponibilidade incluem o estado nutricional, os fatores do próprio indivíduo e os fatores genéticos. Vamos abordar cada um desses fatores a seguir (VENTURI, 2018). 9.1 Estado nutricional Antes do início de um estudo de biodisponibilidade, é necessário conhecer o estado nutricional do indivíduo, pois esse pode ser um fator de erro na determinação da biodisponibilidade. Devido a isso, muitos estudos costumam avaliar previamente a capacidade de absorção de uma dose considerada de referência. Assim, verifica-se a eficiência da absorção de um nutriente presente em um alimento, comparada com uma dose de referência padrão. O resultado será a razão entre os dois, conforme Cozzolino (2009). 9.2 Fatores genéticos Os genes não afetam apenas a forma como os indivíduos se parecem, como se comportam e como podem estar mais propensos a certas doenças, já que certas variantes genéticas também podem afetar a maneira como os nutrientes são absorvidos e utilizados (VENTURI, 2018). Podemos citar como exemplo indivíduos portadores de hemocromatose, que possuem variações no gene C282Y, fazendo com que o corpo não consiga regular a absorção de ferro, ocorrendo um aumento dos níveis deste no organismo. Nos últimos anos, um tipo de variante genética tem atraído atenção dos pesquisadores. Mutações do gene MTHFR afetam a produção da enzima metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), ou do gene 677TT, que auxilia na absorção do ácido fólico. As pessoas com a variação no gene 677TT podem apresentar deficiência severa de MTHFR e um risco aumentado 37 de inadequação de folato, bem como problemas neurológicos e psiquiátricos associados, conforme aponta Matthews (2018). 10 FATORES RELACIONADOS AO INDIVÍDUO (HOSPEDEIRO) Segundo Bohn et al. (2017) e Pressman, Clemens e Hayes (2017), os fatores relacionados ao indivíduo envolvem: estado alimentado ou em jejum do indivíduo; • idade; • estado de saúde geral e estado do trato gastrointestinal: taxa de esvaziamento gástrico, estado de motilidade, hora do dia e estilo de vida; • presença de doença aguda ou crônica do indivíduo (por exemplo, insuficiência hepática e função renal comprometida); • gravidez; • presença de doenças: unidade de cuidados intensivos, queimaduras, câncer, HIV; • estado pós-operatório: recuperação ativa da intervenção cirúrgica e estágio de cicatrização; • uso de fumo ou álcool. 10.1 Interações Praticamente qualquer nutriente pode causar efeitos adversos se ingerido em quantidades excessivas. Tais efeitos indesejáveis podem depender da toxicidade inerente do excesso de ingestão, mas, muitas vezes, são causados pelo efeito antagonista do excesso de nutrientes na biodisponibilidade de outros componentes da dieta. Da mesma forma, substâncias não nutritivas, como drogas ou contaminantes naturais, podem interferir na utilização de nutrientes (VENTURI, 2018). Embora o termo interação denote um efeito bidirecional, muitas interações são unidirecionais, ou seja, um nutriente afeta a disposição biológica de outro, que permanece mais ou menos passivo. Interações bidirecionais são mais comuns entre 38 nutrientes com propriedades físico-químicas similares e compartilhando um mecanismo comum de absorção ou metabolismo. Finalmente, algumas interações uni ou bidirecionais são afetadas pela presença de um terceiro constituinte dietético. Interações com nutrientes não costumam ser aditivas, conforme Caballero (2013). As interações podem ocorrer (VENTURI, 2018): • entre nutriente e nutriente; • entre fármaco e nutriente; • entre nutriente e fármaco; • entre fitoterápicos e nutriente.11 MANEIRAS DE DIMINUIR OU ELIMINAR FATORES ANTINUTRICIONAIS PRESENTES NOS ALIMENTOS Os fatores antinutricionais são compostos químicos sintetizados em alimentos naturais pelo metabolismo normal das espécies por meio de diferentes mecanismos — por exemplo, inativação de alguns nutrientes, diminuição do processo digestivo ou utilização metabólica de alimentos. Esses compostos são frequentemente associados a alimentos de origem vegetal e, se consumidos em excesso, principalmente quando não processados, exercem efeito contrário à nutrição ótima, conforme Farzana (2017). Os fatores antinutricionais são também conhecidos como metabólitos secundários nas plantas e demonstraram ser altamente benéficos para a saúde, devido à presença de compostos bioativos. Porém, um fator importante que limita a utilização mais ampla desses alimentos é a ocorrência de efeitos deletérios no homem e nos animais. Eles interferem na digestibilidade, na absorção ou na utilização de nutrientes e, se ingeridos em altas concentrações, podem acarretar efeitos danosos à saúde, como diminuir sensivelmente a disponibilidade biológica dos aminoácidos essenciais e minerais, além de poder causar irritações e lesões da mucosa gastrintestinal, conforme Gemede e Ratta (2014). O conhecimento da presença dos fatores antinutricionais se faz cada vez mais necessário, pois a busca por alimentos saudáveis tem aumentado, especialmente na 39 população brasileira. A seguir serão descritos alguns desses fatores, em quais alimentos eles são encontrados, seus efeitos no organismo e algumas maneiras para diminuir ou eliminá-los do organismo (VENTURI, 2018). 11.1 Taninos Os taninos são compostos polifenólicos adstringentes da planta que se ligam ou precipitam proteínas e vários outros compostos orgânicos. Como principais características podemos citar que possuem pesos moleculares que variam de 500 a mais de 3.000, são solúveis em água e possuem grupos hidroxilafenólicos, que permitem a formação de ligações cruzadas estáveis com proteínas, além da capacidade de se combinarem com celulose e pectina para formar complexos insolúveis. Segundo Benevides et al. (2014) e Farzana (2017), os principais efeitos adversos dos taninos no organismo são: • redução da digestibilidade das proteínas, carboidratos e minerais; • redução da atividade de enzimas digestivas (tripsina, quimiotripsina, amilase e lipase); • diminuição da absorção de ferro; • danos à mucosa do sistema digestivo; • fermentação intestinal e aumento de gases. Em determinados alimentos, os taninos podem sofrer reações de escurecimento enzimático e diminuir a sua palatabilidade, devido à adstringência. As principais fontes de taninos são as leguminosas, como ervilhas, feijões, soja, grão de bico, entre outras. Eles também são encontrados em castanhas, avelãs, amêndoas, amendoins, nozes, pistaches e pecãs, além de cereais integrais. Umas das maneiras de inativar ou reduzir os taninos é por meio do cozimento; sem utilizar a água do remolho, reduz-se cerca de 65 a 80% do teor de taninos. Deve-se deixar de molho por 12 horas ou mais (VENTURI, 2018). 40 11.2 Nitratos e nitritos Podem estar presentes naturalmente nos alimentos de origem vegetal e animal e na água, em decorrência do uso de fertilizantes na agricultura e de conservantes nas carnes. Os nitritos podem originar compostos N-nitrosos (nitrosaminas), que podem ter potencial carcinogênico, teratogênico e mutagênico. No trato gastrointestinal, o nitrato pode ser convertido em nitrito pela ação de bactérias, e este pode ser transformado em nitrosaminas no estômago. As principais fontes de nitratos são as plantas (80 a 90%), e as principais fontes de nitritos são os produtos processados e curados e expostos à alta temperatura, conforme Benevides et al. (2014). Uma das maneiras de se evitar o consumo de nitritos que podem se transformar em nitrosaminas é dar preferência ao bacon de qualidade ou artesanal, que contenha apenas sal. Outra dica é não usar calor muito alto para cozinhar, ou usar o micro-ondas, conforme sugerem Benevides et al. (2014). 11.3 Oxalatos O oxalato é um sal formado a partir de ácido oxálico, como o oxalato de cálcio, que tem sido pesquisado por ser amplamente distribuído em plantas e por formar ligações com minerais, como cálcio, magnésio, sódio e potássio. Essa combinação química resulta na formação de sais de oxalato, e a elevada quantidade desse composto na urina aumenta o risco de formação de cálculos renais de oxalato de cálcio, pois o mesmo é pouco solúvel na urina, podendo também causar irritações na mucosa intestinal. Cerca de 75% de todos os cálculos renais são compostos, principalmente, de oxalato de cálcio. Portanto, a restrição da ingestão desse antinutriente na dieta previne a nefrolitíase recorrente em alguns pacientes, conforme Gemede e Ratta (2014). As principais fontes de oxalato são o espinafre, a beterraba, o cacau e o farelo de trigo. Uma das maneiras de se inativar os oxalatos é por meio do cozimento, que reduz significativamente esse composto e pode ser uma estratégia eficaz para diminuir a oxalúria em indivíduos com predisposição para o desenvolvimento de cálculos nos rins. 41 A fervura dos alimentos fontes é melhor do que cozinhá-los ou assá-los, conforme apontam Benevides et al. (2014). 11.4 Fitatos O ácido fítico (hexafosfato de mioinositol ou InsP6) é uma das principais formas de armazenamento de fósforo em plantas, e seus sais são conhecidos comumente como fitatos. Estes regulam várias funções celulares, como o reparo do DNA, a remodelação da cromatina, a endocitose, a potencial sinalização hormonal, importante para o desenvolvimento de plantas e sementes, entre outras funções nas plantas. Na alimentação humana, é frequentemente considerado um antinutriente, por causa de sua capacidade de formar quelantes com proteínas e minerais, como cálcio, magnésio, ferro e zinco, formando, assim, complexos solúveis resistentes à ação das enzimas do trato gastrointestinal e diminuindo a disponibilidade desses minerais, conforme Mohan, Tresina e Daff odil (2016) e Jafari e McClements (2017). Como consequência dessa ligação não seletiva com as proteínas, o fitato tem demonstrado inibir a ação de um número de enzimas importantes na digestão, incluindo pepsina, tripsina e alfa amilase, conforme apontam Mohan, Tresina e Daffodil (2016). Entretanto, o consumo adequado de fitatos é benéfico para a saúde, pois estão presentes em alimentos que contêm muitas fibras, como leguminosas, sementes, cereais e oleaginosas. O ácido fítico retarda a absorção pós-prandial de glicose, reduzindo a biodisponibilidade de metais pesados tóxicos, como cádmio e chumbo, e exibe atividade antioxidante por quelar o ferro e o cobre. Estudos in vivo e in vitro demonstraram que o ácido fítico exibe propriedades anticancerígenas significativas (tanto preventivas como terapêuticas), reduzindo a proliferação celular e aumentando a diferenciação de células malignas, com possível reversão para o fenótipo normal, e está envolvido nos mecanismos de defesa do hospedeiro e na revogação do tumor, conforme apontam Mohan, Tresina e Daffodil (2016). Diversas maneiras têm sido usadas para inativar os fitatos, entre elas, imersão, cocção e fermentação, segundo Sokrab, Ahmed e Babiker (2012). O cozimento inativa o fitato, fazendo-o perder a sua capacidade inibitória. Deixar de remolho o alimento por 12 42 horas ou mais também é importante. Nesse método, deve-se usar algum alimento fonte de vitamina C para deixar de molho (limão). Outras formas de processamento, como moagem e fermentação, também se mostraram úteis, conforme Benevides et al. (2014). 11.5 Inibidores de proteases Os inibidores de proteases apresentam a especificidade de inibir as enzimas proteolíticas e, consequentemente, reduzem
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