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MATERIAL DIDATICO - PROTEÇÃO SOCIAL

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Introdução
Os direitos humanos equivalem aos direitos naturais garantidos a todo e qualquer indivíduo, que independe da sua classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político, e têm um caráter universal cujo ponto de partida é a dignidade da pessoa humana.
Cidadania é um conceito que se refere à situação de uma pessoa que pertence a comunidade de um país, apta a exercer a qualidade de ser cidadão. O vínculo com determinado país gera direitos e deveres civis, políticos e sociais assegurados pelas leis. Política pública é a soma das escolhas governamentais traduzidas em ações e deliberações do governo orientadas para solução de problemas que ocorrem na sociedade.
O objetivo deste fascículo é compreender essas três temáticas de grande importância para que as pessoas possam desempenhar o seu papel como cidadãos, buscando o exercício pleno da cidadania, conhecer seus direitos e deveres, inclusive o conjunto de direitos naturais que visam assegurar a dignidade da pessoa humana, acompanhar e reivindicar a criação de políticas públicas assim como usufruir das já existentes.
Ao longo deste fascículo, esses três conceitos serão explicados de forma detalhada para que cada um que faça a leitura possa assimilar as diversas compreensões e tenham elementos para uma atuação efetiva na construção da sociedade.
Direitos Humanos
2.1 Fundamentos e desenvolvimento histórico dos direitos humanos
Dentre os diferentes significados, o da palavra direito está ligado à teoria do Estado ou da política, que é o direito como ordenamento normativo, considerando que o nosso objeto de estudo está relacionado a uma ação pública governamental. Diante disso, direito é considerado:
É o conjunto de normas de conduta e de organização, apresentando por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência do grupo social. Tais como as relações: familiares, econômicas, relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das formas através das quais o grupo social reage a violação das normas de primeiro grau ou a institucionalização da sanção. (BOBBIO, 1999, p.349).
O surgimento dos direitos humanos tem relação com o conceito de direito. Historicamente, aparecem como um experimento dos homens para regulamentar os conflitos de interesses e disciplinar as relações entre eles. Foram pactuados e evoluíram diante da necessidade da sociedade de proporcionar direitos e deveres para todos os homens igualmente, isto é, o que se chama equilíbrio da ordem social (PIOVESAN, 2010).
Os grandes acontecimentos de conflitos, de guerras e de revoluções, como também das grandes invenções científicas e tecnológicas têm, em geral, uma ligação muito próxima, destacando a afirmação ou a ampliação dos direitos do homem. Exemplo disso, em 1948, após a 2ª Guerra Mundial, foi criada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, na Revolução Francesa, inspirada nos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade, a Declaração de Direitos da Revolução Americana e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2010).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, formada por 30 artigos que tratam dos direitos inalienáveis que devem garantir a liberdade, dignidade humana, igualdade, justiça e a paz mundial, foi adotada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e traduzida em mais de 500 idiomas. Além disso, inspirou as constituições de muitos estados e democracias recentes, inclusive o Brasil, que foi um dos países signatários. Hoje essa declaração é assinada pelos 192 países que compõem as Nações Unidas (LEÃO; NEVES; COUTINHO; NETO, 2019).
Nesse entendimento, direitos humanos são aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca do homem com que lida e proporciona direitos comuns a todo ser humano. Sabe-se que são universais, naturais ou acima e antes da lei, históricos e interdependentes, ou seja, independem do reconhecimento formal dos poderes políticos, embora devam ser garantidos por esses poderes. A igualdade aqui defendida não tem relação com:
As condições físicas, intelectuais ou psicológicas, pois cada pessoa tem sua individualidade, sua personalidade, sua cultura, sua religiosidade, e tem de ser respeitada. As pessoas são diferentes em sua subjetividade, porém mostram-se iguais enquanto seres humanos, com as mesmas necessidades e faculdades essenciais. Portanto, tem os mesmos direitos. (DALLARI, 1998, p.14).
Os direitos humanos equivalem aos direitos naturais garantidos a todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político, e têm um caráter universal cujo ponto de partida é a dignidade da pessoa humana.
2.2 As diversas gerações dos direitos humanos
Os direitos humanos são garantias que permutam ao longo do tempo e vão se adaptando às necessidades específicas de cada momento e se ressignificando no âmbito dos dados contextos históricos.
Há uma classificação criada em 1979 pelo jurista tcheco-francês Karel Vasak, denominada de “gerações de direitos”, baseada nos princípios da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade (VASAK, 1983). Didaticamente, os direitos humanos estão distribuídos em três dimensões ou gerações.
Ao buscar-se o conceito de direitos humanos, pode-se afirmar, sem grandes dificuldades, que são os direitos próprios de todos os homens enquanto homens. Para Comparato (2010), três aspectos devem ser levados em consideração no tocante à sua definição: primeiramente, são direitos naturais, visto que existem antes de qualquer lei; segundo, são direitos históricos, uma vez que evoluem em conformidade com novas necessidades sociais bem como pressões populares; e por último, são direitos universais, dado que são amplos, extensivos e atingem a todos, independentemente de fronteiras.
Complementando tal conceito, Santos (2004) afirma que a expressão “direitos humanos” pode ser atribuída aos valores ou direitos inatos e intrínsecos à pessoa humana, somente por ela ter nascido. São direitos que fornecem uma natureza essencial da pessoa humana, ou melhor, que não suscetíveis de volatilidade dependendo da época. Logo, são direitos inalteráveis, intransferíveis e imprescritíveis que se agregam à natureza da pessoa humana simplesmente pelo fato de ela existir no mundo do direito.
Intrínsecos a todos os seres humanos, os direitos humanos independem de raça, etnia, nacionalidade, religião, sexo ou qualquer outra condição em que o indivíduo se encontra. Os direitos humanos passam a figurar como direitos fundamentais a partir do momento que integram as legislações internacionais, caso da ONU e nacionais, por exemplo a Constituição Brasileira.
No Brasil, a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, é considerada um grande avanço como marco dos direitos humanos, pois buscou garantir direitos civis, culturais, sociais, econômicos e políticos por meio da instituição de um estado democrático de direito, capaz de assegurar o exercício dos direitos coletivos e individuais numa sociedade sem preconceitos, plural e fraterna (BRASIL, 1988).
Preceituam-se, na Constituição Federal, inúmeros deveres do Estado brasileiro, quer em termos de garantia que ele é obrigado a prestar, em razão do direito/obrigação que esta resguarda, quer em termos de prestação que se lhe impõe satisfazer. O que se designa competência, na realidade, é um complexo de deveres que se confere ao Estado como principal responsável pela execução de políticas públicas.
Ainda, no tocante aos serviços públicos básicos, destaca-se como dever do Estado garantir:
Logo, os direitos conferidos na Constituição ao cidadão, quão grandemente à coletividade, pleiteiam a imposição de deveres ao Estado para efetivá-los. Neste ponto, defronta-se a relação cidadão e sociedade frente ao poder do Estado. Aos primeiros (cidadão/sociedade), em diversas seções da Constituição Federal de 1988, no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, exatamente os direitos; ao último (Estado), os deveres.
Na Constituição Federalde 1988, os direitos fundamentais se explicitam de duas formas, os direitos expressamente positivados e os direitos implicitamente positivados. Os direitos fundamentais explícitos estão prescritos nos artigos 5º ao 17, da Carta Magna, no Capítulo I, precisamente na seção referente - Dos direitos e deveres individuais e coletivos; já no Capítulo II, encontra-se na parte - Dos direitos sociais; no Capítulo III, na seção Da nacionalidade; no Capítulo IV consta na parte - Dos direitos políticos e, por último no Capítulo V situa-se - Dos partidos políticos. Isso posto, são direitos protetivos frente a atuação estatal (BRASIL, 1988).
Os direitos fundamentais não estão restritos somente no Título II da nossa Carta Magna, mas também em seu artigo 5º, parágrafo 2º. Os direitos e as garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 1988).
Logo, Moraes (2011) afirma que os direitos e as garantias fundamentais estão previstos em todo o contexto da Constituição, e a previsão desses direitos podem ter sede nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
Cidadania
3.1 Conceito e definições
A expressão “cidadania” vem do latim e refere-se ao indivíduo que habita a cidade (civitas), induz diretamente à ideia de cidade, um núcleo urbano, ou seja, comunidade politicamente organizada. Então, etimologicamente pode-se dizer que cidadão é aquele que habita a cidade. Na Grécia, de acordo com Aristóteles, cidadão significava que não é cidadão porque vive na cidade, afinal, os estrangeiros e os escravos também ali vivem; tampouco são cidadãos aqueles que compartilham de um mesmo sistema legal, de levar ou ser conduzido diante do tribunal, pois residentes estrangeiros não possuem completamente esses direitos, sendo obrigados a apresentar um patrono, um cidadão responsável por eles; chamamos de cidadãos apenas aqueles que têm o poder de tomar parte na administração deliberativa ou judicial da cidade (GORCZEVSKI; MARTIN, 2011).
Devido às adversidades de se definir o termo cidadania, um conceito clássico é do sociólogo britânico Marshall (2002), que, ao estudar o desenvolvimento histórico da cidadania na Inglaterra, estabeleceu a diferença entre as três dimensões: civil, política e social, visto que a pessoa titular dos três elementos de direitos seria considerada cidadã.
Por uma ordem cronológica, primeiro veio o surgimento dos direitos civis, depois os direitos políticos e, por fim, os direitos sociais. Durante o nascimento dos direitos civis, ocorreu um acréscimo gradativo de outros direitos associados a uns que já existiam e que faziam parte da vida de todos os adultos de uma comunidade (OLIVEIRA, 2010).
A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. (DALLARI, 1998, p.14).
"A cidadania é um status conferido àqueles que são membros integrais de uma comunidade” (MARSHALL, 2002, p. 24). Logo, em um sistema de parâmetro de igualdade, todas as pessoas que possuem o status de cidadania também terão um mesmo conjunto de direitos e obrigações.
“A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade” (MARSHALL, 2002, p. 24). Nesta perspectiva, a desigualdade presente no sistema de classes sociais é possível ser aceitável, contanto que a igualdade de cidadania se mantenha reconhecida (MARSHALL, 2002).
3.2 A Constituição Federal do Brasil/1988: a “Constituição Cidadã”
Em 1988, sabe-se que ocorreu a Assembleia Constituinte que originou a Constituição Federal do Brasil. De todas as constituições que o país já teve, essa foi a democrática, recebendo o nome de Constituição Cidadã (SILVA, 2009).
Na Constituição de 1988, a cidadania apresenta-se como fundamento do Estado brasileiro, também é conhecida como a “Constituição Cidadã”. Para compreender o conteúdo semântico dessa cidadania, é importante lembrar que a cidadania tem um sentido dinâmico, ou melhor, em constante construção; além disso, que não se pode apreender o presente sem conhecer o longo caminho histórico percorrido até os dias atuais, ou seja, é necessário olhar para o passado; e, por fim, a cidadania mostra-se como um horizonte de possibilidades, levando consigo a força do que se quer fazer dela, isto é, mostrando o olhar para o futuro (SILVA, 2009).
Na atual Carta Maior, o termo Cidadania figura-se já no seu primeiro artigo como um dos fundamentos da República Federativa Brasileira:
Na busca de compreensão do termo cidadania, a Lei nº. 9265/1996, de 12 de fevereiro de 2016, lista quais são esses atos e nos ajuda a compreender o que é cidadania segundo a legislação brasileira:
3.3 O que é ser cidadão e como exercer a cidadania?
Após compreender os conceitos, das leis e da etimologia da palavra, é importante agora salientar a importância da cidadania não só como um conjunto de regramentos fundamentos na legislação que abarcam direitos e deveres das pessoas. É imprescindível que cada indivíduo tenha consciência cívica acerca dos seus direitos e deveres e como devem ser exercidos.
Portanto, para exercer a cidadania em todas as formas na sociedade, é dever de todos os sujeitos em conjunto. Morais (2013), nesse sentido, afirma que:
Cidadania implica sentimento comunitário, processos de inclusão de uma população, um conjunto de direitos civis, políticos e econômicos e, significa também, inevitavelmente, a exclusão do outro. Todo cidadão é membro de uma comunidade, como quer que essa se organize, e esse pertencimento, que é fonte de obrigações, permite-lhe também reivindicar direitos, buscar alterar as relações no interior da comunidade, tentar redefinir seus princípios, sua identidade simbólica, redistribuir os bens comunitários. A essência da cidadania, se pudéssemos defini-la, residiria precisamente nesse caráter público, impessoal, nesse meio neutro no qual se confrontam, nos limites de uma comunidade, situações sociais, aspirações, desejos e interesses conflitantes. Há, certamente, na história, comunidades sem cidadania, mas só há cidadania efetiva no seio de uma comunidade concreta, que pode ser definida de diferentes maneiras, mas que é sempre um espaço privilegiado para a ação coletiva e para a construção de projetos para o futuro (MORAIS, 2013, p.4).
Os direitos e deveres de todos os brasileiros estão escritos na Constituição Federal/88. Dessa forma, para conhecer os seus direitos, é importante conhecer o que diz os seus mais diversos artigos que a compõe.
A atuação efetiva da população nos assuntos do Estado é requisito para a construção de Estado Democrático e Social de Direito retratado pela Constituição Federal de 1988. “A cidadania transforma o indivíduo em elemento integrante da sociedade política, credenciando o sujeito a exercer direitos em face do Estado. A cidadania é o ápice dos direitos fundamentais” (SIQUEIRA JUNIOR, 2006, p.2). A política pública é uma forma para executar a ação ativa do Estado, solicitada pelos direitos constitucionais.
 SAIBA MAIS
Conheça as principais garantias previstas na Constituição Federal, essenciais para o exercício da cidadania.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html
Políticas públicas
4.1 Em busca de uma definição
Políticas públicas têm sido objeto de estudo de muitos autores, não tendo uma precisão conceitual tão simples, por isso tendo inúmeras definições.
A pesquisadora Celina Souza evidencia a imprecisão do conceito de “políticas públicas” indicando que pode se referir a diferentes objetos, a saber: um campo de atividade governamental, como exemplifica a política agrícola; uma situação social desejada, como a política de igualdade de gênero; uma proposta de ação específica, como a política de ações afirmativas, uma norma quanto ao tratamento de determinado problema, como apolítica de fontes de energia renováveis; ou mesmo um conjunto de objetivos e programas que o governo possui em um campo de ação, como a política de direitos humanos (SOUZA, 2006).
Para SARAIVA (2006), as definições sobre “políticas públicas” parecem bem semelhantes, entretanto há divergências de entendimento com ênfases diferenciadas, conforme se observa no quadro:
Na ausência de um consenso conceitual, um importante elemento para compreensão do que vem a ser “políticas públicas” é a consideração do contexto histórico em que elas estão inseridas. No tempo presente, vivenciamos a era das sociedades modernas que tem como característica a diferenciação social. Isso significa que seus membros não apenas possuem atributos diferenciados (idade, sexo, religião, estado civil, escolaridade, renda, setor de atuação profissional etc.), como também possuem ideias, valores, interesses e aspirações diferentes e desempenham papéis distintos no decorrer da sua existência. Isso faz com que a vida em sociedade seja complexa e compreenda diferentes padrões de interação: cooperação, competição, conflito (RUA; ROMANINI, 2013).
Uma boa definição é a utilizada por Maria das Graças Rua, que é categórica ao apresentar o entendimento de políticas públicas como “conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos”.
4.2 As políticas públicas no Brasil pós-Constituição Cidadã
Historicamente, as políticas públicas no Brasil se caracterizavam pela aguda centralização decisória e financeira na esfera federal, cabendo apenas aos estados e municípios o papel de executores das iniciativas formuladas pelo governo federal. As políticas públicas eram marcadas fortemente por uma fragmentação institucional, havendo pouca ou ausência de coordenação das ações entre os diversos órgãos, além de forte caráter setorial com discriminação pormenorizadas das estruturas especializadas em cada área de atuação governamental: educação, saúde, habitação etc. Além disso, a sociedade civil praticamente era excluída do processo de formulação de políticas, da implementação dos programas e do controle da ação governamental (CLEMENTINO, 2011).
Com o advento da “Constituição Cidadã” em 1988, que detém um caráter descentralizador, buscou-se delinear um novo federalismo entre União, Estados e municípios, afora a ampliação dos benefícios sociais garantidos pelo Estado visando criar um sistema de proteção social amplo destinado a redução das desigualdades socioeconômicas do País. Há também um avanço no sentido do surgimento de espaços institucionalizados do Estado com a sociedade civil e com o setor privado como os conselhos. Nesse modelo o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser coordenador e fiscalizador de serviços que podem ser prestados pela sociedade civil ou pelo mercado ou em parceria com esses setores.
A descentralização, por sua vez, não significa apenas transferir atribuições, de forma a garantir eficiência, mas é vista, sobretudo, como redistribuição de poder, favorecendo a democratização das relações entre Estado e sociedade bem como do acesso aos serviços.
No que concerne às noções de política pública e política social, existe uma diferenciação que merece notoriedade: pode-se mencionar que as políticas sociais fazem parte de um subconjunto pertencente a um conjunto maior que se denomina de políticas públicas, ou melhor, “toda política social é uma política pública, mas nem toda a política pública é uma política social” (RODRIGUES, 2010, p. 9).
A focalização das políticas sociais, por outro lado, é incorporada pelo reconhecimento da necessidade de se estabelecerem prioridades de ação em contexto de limites de recursos e pelo entendimento de que é preciso atender de forma dirigida a alguns segmentos da população, que vivem situações de injustiça social. Nesse sentido, diversas iniciativas, ações, planos setoriais e políticas públicas foram constituídas e/ou fortalecidas, tais como políticas para: criança e adolescente, juventude, idoso, gênero, LGBTI+, igualdade racial, pessoas com deficiência, dentre outros.
4.3 Ciclo de vida de uma política pública
Tudo se inicia a partir de um problema individual que poderá derivar para um problema social. Esse pode passar a ser um problema “público” quando ocorre a sua entrada na agenda pública. Dessa forma, não é qualquer problema social que terá status de problema político, mesmo que afete muitas pessoas. O chamado problema público é aquele presente na agenda pública e encampado pelas instituições na busca de soluções. O conceito já referido aqui por RUA (1998) de problema político é semelhante ao aqui agora utilizado de problema público.
Tudo começa com o surgimento de um problema, não de qualquer problema, mas de um considerado “público”. Esse elemento é essencial porque existem problemas que, embora afetem muitas pessoas (problema social), podem não ser considerados públicos. Por exemplo, o status subordinado das mulheres durante muito tempo não foi considerado um problema público, assim como a violência contra a mulher também não era considerada um problema público, mas um problema que deveria ser resolvido na esfera privada e no qual o Estado não deveria intervir. O que atualmente é considerado problema público provavelmente antes não era e possivelmente depois não será, pois a formação da agenda pública é mutante. Quando um problema tem o status de público? Quando é recuperado por alguma das múltiplas instituições que integram o governo (VÁZQUEZ; DELAPLACE, 2011, p. 36).
O Ciclo das Políticas Públicas é segmentado, por esse entendimento, em sete fases distintas: entrada do problema na agenda pública, estruturação do problema, conjunto das soluções possíveis, análise dos pontos positivos e negativos das soluções, tomada de decisão, implementação e avaliação.
Percebe-se que as etapas são compreendidas como uma unidade contraditória, visto que o ponto de partida não está claramente definido. As atividades de etapas distintas podem ocorrer simultaneamente ou podem apresentar-se parcialmente superpostas (RUA, 2014). O ciclo de políticas é uma abordagem para o estudo das políticas públicas, identificando, assim, fases sequenciais e interativas-iterativas no processo de produção. Confira melhor essas fases no quadro ao lado (p.15).
Souza (2006) afirma que uma política pública pode tanto ser parte de uma política de Estado quanto ser uma política de governo. Nesta perspectiva, é de suma importante entender essa diferença: uma política de Estado é toda política que, independentemente do governo e do governante, deve ser efetivada porque é resguarda pela carta constitucional. Em relação à política de governo, pode advir da alternância de poder. Consequentemente, cada governo tem seus projetos, que, por sua vez, se transformam em políticas públicas.
FAZCÍCULO 2
Introdução
Este fascículo, cujo teor se concentra no tema “Enfrentamento das Situações de Vulnerabilidade e Riscos Sociais”, no campo da proteção social não contributiva, vai expressar, prioritariamente, um esforço de compreender os múltiplos significados embutidos nesta temática.
No sentido de facilitar esta compreensão, o fascículo se estruturará em quatro tópicos. Em todos eles perpassará um fio condutor, cronologicamente articulado, no sentido de possibilitar entendimentos sobre a materialidade dos acontecimentos no plano do que se estabelece como proteção social não contributiva.
O primeiro tópico trata da questão social no cenário brasileiro, abordando a história desse conceito, afunilando para, mediante seu significado, indicar que a questão social desvela contradições e expõe as fragilidades do sistema de produção capitalista, de onde emergem a pobreza, o desemprego, a fome, a insalubridade habitacional, as enfermidades, o analfabetismo, o desabrigo, a violência e o isolamento social. Segue discorrendo sobre a noção de pobreza e subalternidade e termina por introduzir comentários a respeito dos conceitos de exclusão e desigualdade, termos correlatos à ideia de pobreza.
Por oportuno, osegundo destaca reflexões sobre o que vêm a ser direitos sociais mediante as manifestações das questões sociais, de cuja base se originam as promessas de igualdade e justiça presentes no sistema de proteção social não contributiva.
Seguindo este ordenamento lógico, o terceiro tópico põe em relevo a Política Nacional de Assistência Social, sua história, modelos, estrutura e objetivos, em sua missão de encontrar um sentido mais abrangente para a proteção social, concebida como produto de esforços simultâneos entre o Estado e a sociedade.
Tomando o reconhecimento das vulnerabilidades e riscos sociais enquanto condição de um dos eixos estruturantes da gestão do Sistema Único de Assistência Social (Suas), o tópico quarto discorre sobre a essência do conceito de vulnerabilidade e risco, observando onde eles se interpenetram e quais as estratégias de enfrentamento vivenciadas pelas famílias e pelos indivíduos nos territórios mediante as situações de instabilidade social. Finaliza pondo em pauta questões relacionadas à razão de ser da intersetorialidade como importante ferramenta de gestão no enfrentamento das situações de vulnerabilidade e riscos sociais no interior da Política Nacional de Assistência Social (PNAS).
A questão social no cenário brasileiro contemporâneo
2.1. Questão social
Pensar sobre a “questão social” supõe um encontro abrangente com significados de alta densidade explicativa. Isso acontece por envolver problemas da ordem da igualdade, da justiça, da liberdade, das diferenças e da paridade, enfim, polêmicas revestidas de discussões ideológicas, históricas e culturais, muitas vezes, de difícil compreensão.
Assim, convém começar dizendo que a “questão social” é impensável fora dos marcos da constituição da sociedade capitalista. Historicamente falando, não se trata de um problema novo, pois começou bem antes dos ímpetos concentradores do sistema financeiro internacional.
Em muitos casos, a questão social é também identificada como exclusão social, noção sobre a qual se vai falar nos parágrafos posteriores. A nominação à questão social surgiu no século XIX, a partir do aparecimento das primeiras manifestações de miséria e pobreza advindas da sociedade industrial. Aliás, o que se observa ao longo da história é que sempre existiu uma estreita relação entre cada um dos períodos da formação das sociedades capitalistas e os modelos de proteção social.
Para Castel, está-se vivendo uma nova velha questão social na contemporaneidade. E a maior novidade é sua relevância sobretudo a partir de 1990. A visibilidade da questão social, onde quer que ela se manifeste mundialmente, é um fato de significativa magnitude que, segundo Santos (2012, p. 17), ninguém, independentemente do seu campo ideopolítico, será capaz de negar a existência.
Reforçando o pensamento de que a questão social seja impensável fora dos marcos de constituição do modo de produção capitalista, cai por terra qualquer tentativa de compreendê-la naturalizando suas manifestações, tentando caracterizá-la como mudanças ocorridas nas formas de solidariedade ou coesão social na busca de uma aparente positividade capitalista.
Afirma-se, então, a existência real não da “questão social”, mas, sim, de suas formas de expressão. Seria, por exemplo, expressão da questão social: a pobreza, o desemprego, a fome, a insalubridade habitacional, as enfermidades, o analfabetismo, o desabrigo, a violência, a insegurança e o isolamento social, dentre outras formas de manifestações, como a ignorância, a resignação e o medo.
A emergência da questão social, portanto, desvela contradições sociais e expõe as fragilidades de um sistema em sua multidimensionalidade: econômica, política e social. A contradição fundamental inerente ao sistema de produção capitalista, centrado na exploração, na mais-valia e na repartição desigual da renda nacional entre as classes sociais, constitui a base do seu processo excludente, gerador e reprodutor da pobreza, assunto do próximo tópico deste fascículo.
2.2 Pobreza e subalternidade
Importa começar dizendo que a pobreza é uma categoria histórica e socialmente construída, jamais um fenômeno natural. Diz respeito a um fenômeno estrutural de natureza complexa e multidimensional que não pode ser interpretado como simples insuficiência de renda e privações de ordem material. Ela agrega a dimensão da desigualdade na distribuição da riqueza socialmente produzida, o não acesso a serviços básicos, à informação, ao trabalho, a uma renda digna e à participação política e social.
Trata-se, portanto, de uma das mais significativas formas de manifestação da questão social que, em muitos casos, convive com a miséria. Para Silva (2010), os pobres são produtos das relações que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural. Essas relações definem um lugar para eles na sociedade, um lugar que os desqualifica por suas crenças, seu modo de se expressar e seu comportamento social, percebidos como sinais de “qualidades negativas” e indesejáveis, haja vista sua procedência de classe e condição social. Trata-se, por conseguinte, de uma categoria política que se materializa na carência de direitos, de oportunidades, de informações, de possibilidades e esperança (SILVA, 2010, p. 1).
A pobreza faz parte da experiência cotidiana das sociedades. Por isso, carrega consigo uma tendência à banalização, à tolerância, aos caminhos fáceis. Aceita-se com conformismo a profunda incompatibilidade entre os ajustes estruturais da economia sob a égide do capital e os investimentos sociais que deveriam ser complementados pelo Estado.
A análise do fenômeno da pobreza deverá sempre levar em consideração as diferenças econômicas, históricas e culturais entre os países. Ser pobre no Brasil não é exatamente como ser pobre nos Estados Unidos, em Portugal ou na Espanha. Além disso, dentro de um mesmo país, existem diferenças de manifestações regionais e entre áreas urbanas e rurais.
No tocante à pobreza brasileira, em uma perspectiva histórica, sua sociedade tem sempre apresentado divergências entre indicadores econômicos que manifestam altos e baixos índices de indicadores sociais, sempre comparáveis aos países mais pobres do mundo. Outro ponto de significativo destaque é que a pobreza brasileira raramente tem sido considerada uma prioridade nacional, embora indicada como impossibilitada de reduzir os índices de desigualdade, por meio de seus próprios recursos, uma vez concentrados nas mãos das elites. Isso sem contar com a sua dependência do capitalismo internacional.
No momento atual, esse quadro tem se agravado, haja vista a lógica do modelo socioeconômico neoliberal globalizado, assentado no “mantra” do livre mercado, da livre competição e da redução do Estado no âmbito das políticas sociais públicas.
Nesta linha de raciocínio, as políticas públicas de cunho social, direcionadas para o enfrentamento da pobreza, não chegam a erradicá-la, mas apenas aliviam seus efeitos mais nefastos. Como se vê, nenhuma situação de pobreza advém de causas naturais, portanto poderá ser enfrentada como prioridade através de políticas públicas ativas e capazes de produzir bons resultados com o mínimo de desperdício nas áreas da educação, da saúde, da moradia e, sobretudo, do acesso à renda.
Enfim, a pobreza supõe inferioridade, dependência, subordinação em face de uma constante necessidade de auxílio, ajuda, proteção e também dependência emocional. A pobreza supõe lugares negativados para seus acometidos, o lugar da subalternidade. Entre estes encontram-se, principalmente, os moradores de rua, os presidiários, os doentes mentais e, mais fortemente, os sem-teto, os desempregados, os idosos asilados e os migrantes.
Esses sujeitos, de forma acentuada, revelam as contradições sociais e expõem, marcantemente, as fragilidades da formação política da sociedade.
2.3. Exclusão social
Foi em 1980 que o termo exclusão social ganhou espaço e visibilidade no debate político internacional. Presume-se que esta visibilidade tenha ocorrido em face da necessidade demelhores explicações sobre o crescente processo de empobrecimento e carência das populações.
O termo começou a agregar tendências de análises das mais variadas, indo desde as explicações focadas em causas psicológicas, condições de moradia, pobreza, inadaptação para o progresso, deficiência, marginalidade, até a ideia de novos pobres, ou seja, aqueles com participação aleatória na dinâmica econômica e social. O certo é que esta expressão ganhou notoriedade ao ponto de fazer supor que, enfim, havia surgido o entendimento final sobre a questão social.
Porém, mais recentemente, a expressão exclusão social passou a ser criticada, tanto pela sua abrangência e incapacidade explicativa quanto pelo seu uso abusivo. Trata-se de uma noção polêmica que comportará sempre a necessidade de reconstruir seu processo de aparecimento, emergência e consolidação no plano do pensamento social.
Por absorver os mais variados ângulos daquilo que pretende explicar, exclusão social tem se tornado uma noção por demais abrangente e essencializada, portanto desautorizada para proceder com caracterizações mais precisas na forma conceitual.
Mais comumente ela se relaciona às manifestações de mal-estar na sociedade contemporânea marcadas pelo problema do desemprego e, consequentemente, pelo crescimento da pobreza. Em certas circunstâncias é adotada, pelo senso comum, para designar vítimas da crise econômica e social em situações de carência pessoal, familiar e comunitária, entendidas como situações naturais inerentes àqueles que vivem à margem da sociedade.
O termo exclusão social também é usado para caracterizar minorias (negros, homossexuais, migrantes e deficientes físicos), além de pobres, desempregados, população de rua e moradores de favelas. Por isso, tornou-se uma expressão bastante usual entre governantes, políticos, jornalistas e pesquisadores. Continua sendo tema de conferências, teses, livros, pesquisas e artigos, por apresentar considerável eficiência para designar todo tipo de situação ou condição social de carência, risco de discriminação, vulnerabilidade e precariedade. A expressão exclusão social, portanto, corre o risco de não caracterizar nenhum fenômeno por querer dar conta de todos, explica. (ZIONI, 2006).
No próximo tópico passar-se-á ao subitem Desigualdade Social, como noção correlata à ideia de pobreza e exclusão social.
2.4. Desigualdade Social
A desigualdade social é considerada um problema social decorrente, sobretudo, da má distribuição de renda e da precariedade de investimentos nas áreas relacionadas com as necessidades humanas básicas: alimentação nutritiva e água potável; habitação digna; cuidados com a saúde; trabalho desprovido de risco; transporte; proteção à infância/adolescência; segurança social; ambiente físico saudável; acesso à escolarização/educação.
Ela expressa a diferença de renda entre determinados grupos de pessoas no interior de uma mesma sociedade. Hoje seus principais fatores relacionam-se à má distribuição de renda e administração dos recursos; à lógica de acumulação do mercado capitalista (consumo e mais valia); à falta de investimento nas áreas sociais, culturais, da saúde e da educação; à falta de oportunidade de trabalho e à corrupção. Suas consequências mais imediatas são: a fome, a desnutrição e a mortalidade infantil; o crescimento progressivo das taxas de desemprego; a distância entre ricos e pobres; as discriminações e privilégios entre as classes; o aumento dos índices de violência e criminalidade.
A busca de seu significado tem sempre como ponto de partida as contradições inerentes à dimensão da sociedade capitalista em sua dinâmica e estrutura.
Segundo relatório da OXFAM (2019), o Brasil aparece como um dos piores países em matéria de desigualdade de renda. Isso porque mais de 16 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Em relação à renda, o 1% mais rico recebe, em média, mais de 25% de toda a renda nacional.
Atualizando esta incursão na temática das desigualdades sociais, importa também destacar que, no contexto de pandemia da covid-19, o fosso das disparidades sociais tem-se mostrado muito mais acentuado, tanto nacional como globalmente.
Nesse cenário, caberá especialíssima atenção ao tema das desigualdades sociais no plano da garantia dos direitos e do fortalecimento das políticas públicas no combate às suas manifestações.
Direitos sociais: "a recusa das explicações simplificadoras"
3.1 Conceito e definições
Falar de direitos sociais neste peculiar momento de pandemia requer constante renovação dos instrumentos de análise para dar conta dos imensos desafios postos por esta nova situação que, além de esgarçar as desigualdades antes existentes, expõe novas desigualdades.
A economia neoliberal está sendo fortemente impactada pelo coronavírus. A sociedade e o Estado estão se tornando imprescindíveis para que as pessoas sobrevivam. A redistribuição de riquezas volta a ser prioridade na agenda dos países. Não há como esperar pelo funcionamento “automático infalível” dos mercados. Os direitos universais à renda, à saúde e à educação impõem-se como prioridades políticas.
Reexaminar o que são os direitos sociais, neste momento singular, impõe-se, portanto, como tarefa obrigatória. A possibilidade de uma sociedade mais justa e mais igualitária exige esse reexame.
Telles (1999, p. 2) observa que, não obstante a incorporação desses direitos na Carta Constitucional, percebe-se uma profunda defasagem entre os princípios igualitários da lei e a materialidade das desigualdades e exclusões na dinâmica das relações sociais ao longo do tempo e nos dias atuais.
Telles (1999) afirma, também, que falar de direitos sociais significa falar de perdas e sensações de impotência. Sendo assim, sugere deslocar a sensação de fragilidade para repensar sobre os direitos sociais a partir da materialidade dos reais problemas vivenciados, rumo às promessas de igualdade e justiça social embutidas nas cartas de intenções.
Em outras palavras, seria colocar os direitos na ótica dos sujeitos que vivenciam os reveses do processo de exclusão social e não conviver com as subalternidades próprias daqueles que são privados da palavra ou cuja palavra é descredenciada.
As questões sociais inerentes à exploração dos trabalhadores, a pobreza dos sem-teto e dos sem-terra, a desproteção das populações dos bairros pobres das grandes cidades, as humilhações impostas aos negros discriminados, a inferiorização das mulheres, a matança dos índios, a desqualificação dos quilombos e as violências impostas às populações empobrecidas são algumas das situações que precisam sair do discurso negativista para encontrar a promessa igualitária embutida na lei que propõe enfrentar as desigualdades, as discriminações e as violências cotidianas.
Não é essa concepção desfigurada de igualdade e justiça que deverá constituir a figura do cidadão. A imagem da pessoa necessitada, pedinte e pobre, despojada de sua dimensão ética, submetida aos imperativos da sobrevivência, não condiz com a noção de direitos, tampouco com a noção de cidadania.
No próximo tópico se dará destaque à Política Nacional de Assistência Social no campo da proteção social não contributiva.
A política nacional de assistência social no campo da proteção social não contributiva
Antes de discorrer sobre a Política Nacional da Assistência Social (PNAS), caracterizada como uma efetiva política de proteção social, é necessário adentrar o entendimento do que venha a ser o modelo de proteção social brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 é um marco histórico que amplia legalmente a proteção social para além da vinculação com o emprego formal. Neste marco, ocorre uma mudança qualitativa na forma de entender a proteção que vigorou no país até então.
Na Constituição de 1988, o modelo de proteção social passou a ser compreendido como um sistema de referência voltado para possibilitar acesso a condições de vida alicerçadas na dignidade humana, na justiça social, nos direitos e na vigilância social. Proteção Social que supõe guarda, amparo, apoio, defesae socorro a quem dela necessitar.
Sendo assim, a Política Nacional de Assistência (PNAS-2004) consolida que a proteção prevista em seu texto deverá afiançar segurança de acolhida e segurança de convívio relativo à vivência familiar, defendendo uma proteção mais vigilante e proativa.
Por meio da Constituição Federal de 1988, portanto, foi consolidada uma atenção especial para a proteção social, particularmente no capítulo de Seguridade Social (BRASIL, 1988), no qual se assegura o direito à saúde, à previdência e à assistência social. A saúde tem caráter universal, a previdência é contributiva e obrigatória e a assistência, constituída por indivíduos que não podem prover suas necessidades. Pela primeira vez na história, uma Constituição brasileira garante a assistência como direito do cidadão e dever do Estado.
Não resta dúvida de que o advento da Política Nacional de Assistência representa uma conquista significativa no plano das garantias dos direitos sociais no Brasil. Porém sua aprovação não passou sem grandes embates entre políticos e governantes, sobretudo de grupos adeptos da lógica neoliberal de “menos Estado e mais Mercado”, haja vista sua viabilidade econômica. Por isso, sua regulamentação só ocorreu em 1993, quando foram impulsionadas medidas constrangedoras à sua efetivação (SILVEIRA & OLIVEIRA, 2014, p. 295).
A consolidação da assistência social como política pública e direito social passou a exigir o enfrentamento de muitos e importantes desafios. A IV Conferência Nacional de Assistência Social, ocorrida em Brasília em dezembro de 2003, indicou, como principal deliberação, a constituição e a implementação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), condição essencial da Lei Orgânica da Assistência (Loas -1993), para garantir efetividade à assistência social como política pública.
A versão preliminar da PNAS foi apresentada ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) em 23 de junho de 2004, pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS/SNAS), tendo sido amplamente discutida e divulgada em todos os estados brasileiros por meio de seminários, encontros, reuniões, oficinas e palestras que garantiram o caráter democrático do processo. A Resolução do CNAS N°145, de 15/10/2004, aprova enfim, a Política Nacional de Assistência.
A ênfase na matricialidade sociofamiliar, o financiamento partilhado entre as esferas governamentais, o reconhecimento das vulnerabilidades e riscos sociais do território e o envolvimento da população constituem eixos fundamentais da assistência social. Sobre vulnerabilidade e riscos, matricialidade sociofamiliar e território, se falará no próximo tópico deste fascículo.
4.1. O conceito de vulnerabilidade e risco social: aspectos que se interpenetram
Foi na busca de compreender as grandes transformações ocorridas em algumas partes do mundo, na década de 1980, que os termos riscos e vulnerabilidade ganharam notoriedade no campo das Ciências Sociais, principalmente através dos estudos de Ulrich Beck e Anthony Giddens, autores de referência nas análises sociológicas com foco nas sociedades de risco.
Para Beck (2010), na sociedade de risco a ameaça global intimida a vida no planeta sob todas as formas e atinge, portanto, o ser humano, a fauna e a flora. Beck admite que a expansão e a mercantilização de risco não rompem com a lógica capitalista, pelo contrário, apresentam-se sob um novo estágio.
Já Anthony Giddens (1991) reconhece que o risco, na sociedade capitalista, tenha um alto poder lucrativo. Afirma que o capitalismo é imprescindível e impraticável fora do comércio e da transferência de riscos. Sendo assim, sugere que risco não seja automaticamente sinônimo de perigo nem de infortúnio ainda que relacionado, pois a pressuposição de perigo depende de avaliação prévia de danos futuros.
Como se percebe a noção de risco, tanto no ponto de vista de Beck como no de Giddens, é inseparável do sistema capitalista e crucial para o seu desenvolvimento.
Outro pensador dedicado ao entendimento dos rumos da proteção social foi Castel (2005), que se contrapôs à noção de “cultura do risco” formulada por Giddens. Para Castel os riscos não são democráticos e as injustiças sociais são gritantes na distribuição desses riscos nas sociedades de classe. Sugere, portanto, instâncias políticas transnacionais poderosas para impor limites às excitações do lucro, além de domesticar o mercado globalizado.
É comum entre os autores, até aqui citados, dizer que os termos risco e vulnerabilidade são inerentes à história do próprio capitalismo e que, em momentos de crise, eles ganham relevância, por referirem-se a uma considerável parcela da população que vive do trabalho, pondo em discussão a natureza da questão social.
Já Sposati, em sua tarefa de constituir uma proposta de política pública centrada na assistência social no Brasil, em 2001 já usava os termos vulnerabilidade e risco, que posteriormente foram incluídos no texto da Política Nacional da Assistência Social (PNAS). Os termos têm os seguintes empregos e concepções: vulnerabilidade no sentido de identificar situações de insegurança às quais os cidadãos se encontram expostos na sociedade de mercado, ou seja, insegurança e ameaças a serem cobertas pela PNAS; risco não em seu sentido imediato de perigo, mas como possibilidade de se antepor a situações futuras de perda da qualidade de vida pela ausência de uma ação preventiva (SPOSATI, 2001, p. 69).
Para Sposati (2006, p. 61), a assistência social exerce o papel de detectora de vulnerabilidades, ou seja, a PNAS deve definir quais vulnerabilidades sociais devem ser cobertas, indicando uma certa indissociabilidade entre os termos risco e vulnerabilidade, uma vez que, no seu raciocínio, os riscos expõem os sujeitos a situações vulneráveis.
Percebe-se, dessa forma, que os termos risco e vulnerabilidade ampliam o acesso à PNAS para além dos grupos indicados pela Loas, quais sejam: idosos, crianças e adolescentes e pessoas com deficiência. Diante dos debates e múltiplas concepções provocadas pelos sentidos de risco e vulnerabilidade, Sposati (2006), admite a existência de múltiplos sentidos, apontando, porém, sua intimidade com o sistema capitalista e que, no tocante ao risco, apenas um sentido estaria relacionado à assistência social, qual seja: aqueles riscos que levam à apartação, ao isolamento, ao abandono e à exclusão, podendo estender-se à violência física e sexual.
Enfim, Sposati, desta feita citada por Alvarenga, indica cinco fatores de risco que agravam as vulnerabilidades das famílias e das pessoas: separação espacial (territórios com acessos precários e infraestrutura ruim); padrão de coesão e convivência familiar comunitária e social (apartação, isolamento, discriminação, ausência de pertencimento); contingência da natureza (enchentes, deslizamentos e seca); etnias, gênero, religião, orientação sexual; e desigualdade econômica. (ALVARENGA, 201, p.63-64)
Como vimos, risco e vulnerabilidade não são termos sinônimos, atingem os sujeitos de formas e intensidades diferentes. Cada sujeito ou família responde de forma diferente às situações, e nem todas essas situações são motivo da ação, tampouco cobertas pela assistência social, embora seja, de sua competência, capacitar os sujeitos para o enfretamento das situações de risco e vulnerabilidade.
4.2. Indicadores de enfrentamento às situações de vulnerabilidade e riscos sociais vivenciadas pelas famílias nos territórios
A família constitui uma instituição de forte referência, haja vista o aprofundamento das condições de risco e vulnerabilidade social nas quais se encontra submetida a maioria das famílias brasileiras. Sendo assim, precisa ser alvo da atuação do Estado, por meio das políticas sociais públicas, em especial na área da assistência social.
Essa visibilidade suscita reflexões sobre o que venha a ser a família contemporânea brasileira em sua multiplicidade de formas e sentidos.
Considerada como instância básica da sociedade, dela se espera ser responsável, dentre outras funções, pela reprodução material e subjetiva deseus indivíduos, pelo cuidado com os seus membros e com a socialização primária de seus componentes. Há quem a considere ser a única instância responsável pelo bem-estar de seus integrantes. Convém, entretanto, adiantar que a família nem sempre é lugar de proteção.
A família no imaginário brasileiro é, de fato, um valor. É canal de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações sociais. Em face desses múltiplos significados, Osterne (1991, p. 92) prefere compreender família como “unidade de referência”, ou seja, um ponto focal no qual se pode desfrutar do sentido de pertencer e experimentar a sensação de segurança afetiva e emocional, apesar de condições adversas e mesmo independente das relações de parentesco e consanguinidade. Algo que possa ser pensado como o local de retorno, o destino mais certo.
Reconhecida como instância submetida, cotidianamente, às adversidades impostas pelo modelo econômico desigual e predatório, a família passou a ser incorporada como público privilegiado no âmbito da Política Nacional de Assistência, que traz como uma de suas diretrizes a centralidade na família para a concepção de seus benefícios, programas e projetos.
Enfim, a PNAS entende que as circunstâncias e os requisitos sociais circundantes do indivíduo e dele em sua família são determinantes para sua proteção e autonomia.
No próximo tópico serão abordadas questões relacionadas ao papel da intersetorialidade na operacionalização das políticas públicas voltadas para o enfretamento das situações de vulnerabilidade e riscos sociais, no interior da PNAS.
4.3. A intersetorialidade das políticas públicas no enfrentamento das situações de vulnerabilidade e riscos sociais
A abordagem intersetorial no âmbito da gestão pública significa mudança de paradigma no modelo de administração pública tradicional, antes baseada no modelo burocrático. Para Inojosa (2002), a ideia de intersetorialidade supõe um projeto político diferente para as políticas públicas, ou seja, um projeto que ponha efetivamente o cidadão no centro das decisões.
A intersetorialidade supõe também o cumprimento de decisões coletivas de planejamento e avaliação, além de uma atuação governamental em rede de compromissos. No detalhamento, sugere parcerias entre diferentes órgãos governamentais e participação popular na procura de soluções para problemas prioritários, antecipando ações de médio e longo prazo.
Hoje, existe um certo consenso de que o problema das políticas sociais públicas brasileiras não pode ser debitado somente na carência de recursos financeiros. Todos os anos, o Brasil faz uso de grande parte de seu Produto Interno Bruto (PIB) para serviço nas áreas da saúde, educação, saneamento, habitação, abastecimento d’água, previdência social, pensões, seguros e tantos outros. No entanto, são fartos os diagnósticos dando conta de que as políticas públicas, em seu aparato institucional e em todos os níveis de poder, caracterizaram-se como um somatório desarticulado de instituições executoras de políticas setoriais, agindo de maneira segmentada, sobrepondo clientelas e competências, além de pulverizarem recursos oriundos de uma diversidade desarticulada de fontes financiadoras.
Foi por consequência dessas constatações e a partir de avaliações sobre o caráter negativo da eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas, que a ideia da intersetorialidade começou a ser discutida e experimentada.
Não obstante o reconhecimento do valor da ideia da intersetorialidade, na prática este reconhecimento permanece restrito ao nível do discurso, pois não se definem situações ou oportunidades concretas para sua efetiva concretização. A tendência aponta mais para a especialização de saberes, funções e modos de intervenção. Para encontrar como se manifesta a ideia da intersetorialidade na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), convém resgatar alguns elementos da composição dessa história.
Conforme já citado em itens anteriores, a proteção social no teor da PNAS operacionaliza-se nas modalidades de proteção social básica, voltada para prevenir situações de vulnerabilidade e risco social através de ações de fortalecimento dos vínculos familiares; e proteção social especial, destinada a fortalecer e reconstruir vínculos familiares e comunitários no enfrentamento das violações de direitos.
Este modelo de proteção tem no Centro de Referência da Assistência Social (Cras) sua unidade estatal de base territorial onde as questões sociais se materializam. O Cras é considerado espaço estratégico para a efetivação dos eixos estruturantes da gestão do Sistema Único de Assistência Social (Suas): a descentralização política e administrativa dos serviços; a ênfase na matricialidade sociofamiliar e o financiamento.
Nos Cras, devem ocorrer as intervenções multiprofissionais e intersetoriais para articular programas, projetos e serviços com potencial para proteger famílias e pessoas. Para que o Cras se torne capaz de operacionalizar e materializar o Suas, as ideias de território, rede e intersetorialidade constituem elementos estruturantes.
É o princípio da territorialização que passa a orientar as ações de proteção social de assistência social nos municípios brasileiros. Observe-se que território deve ser compreendido, para além de uma delimitação físico-geográfica, como espaço onde a vida, as relações, as disputas, as contradições, os conflitos, as expectativas e os sonhos acontecem (BRASIL, MDS, PNAS, 2004).
O conceito de território também pode ser percebido em suas diferentes dimensões: natural, social, política, econômica e cultural. Para o Suas, o território é sua base material. Como a dimensão territorial absorve fatores das ordens social, econômica e cultural, é possível identificar os indivíduos que vivem situações de alto risco social e que, portanto, exigem uma atuação em rede (SILVEIRA & OLIVEIRA, 2014, p. 297).
Por rede se compreende uma estrutura formada por pessoas, instituições e organizações relacionadas entre si, baseada em valores e objetivos. São relações predominantemente horizontais, com potencial para estimular a democracia e a articulação entre pessoas. Esta rede precisa ser intersetorial e capaz de fazer conexões entre seus participantes. A rede é, enfim, uma categoria implícita e imbricada no território e tem forte sentido político e social.
O debate sobre território e rede remete, indubitavelmente, à ideia de intersetorialidade. Envolve, pois, o planejamento, a execução, o monitoramento e a avaliação de agendas pactuadas entre as várias políticas. Entretanto, a intersetorialidade pressupõe, igualmente, que a política econômica se conecte com as demais políticas sociais. Este é um de seus maiores desafios.
A intersetorialidade precisa ser reconhecida como uma forma de potencializar a proteção social, pois indica a junção e a articulação entre as políticas públicas em suas afinidades (SILVEIRA & OLIVEIRA, 2014, p. 300). Afinidades no sentido de que, direcionadas aos mesmos usuários, no caso idosos, crianças, adolescentes, famílias, juventudes e deficientes, podem e devem se potencializar conjuntamente, mesmo que a partir das especificidades de cada uma. Assim, se renuncia à velha história da fragmentação. O Cras, portanto, pode ser considerado um equipamento, por excelência, para fazer acontecer a intersetorialidade nos territórios.
É preciso não desistir da lógica da intersetorialidade, pois, embora na dinâmica da realidade os profissionais reconheçam o valor do seu significado, persistem muitas dificuldades para sua concretização. Prevalecem ainda os modelos corporativos, nos quais se destacam disputas profissionais e interinstitucionais, entraves burocráticos, problemas de ordem política, enfim, a prevalência da cultura da setorialização.

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