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A internacionalização da previdência social e os trabalhadores migrantes Leandro Madureira Silva Advogado associado da área previdenciária do escritório Alino & Roberto e Advogados (www.aer.adv.br). Pós-graduando em Direito Previdenciário (Instituto Brasiliense de Direito Público/Universidade Anhanguera/ UniDERP/LFG). Especialista em Direito Público. Ex-servidor do Ministério da Previdência Social. “Assim como ao Estado desenhar mecanismos de regulação para que os fluxos financeiros, de mercadorias e de conhecimento contribuam para o desenvolvimento nacional, também cabe a ele criar instrumentos que permitam que as migrações de trabalhadores ocorram sem que esses trabalhadores percam sua proteção social cabe e seus direitos previdenciários. Em ambos os casos, o estabelecimento de regras claras e a garantia de direitos parece ser condição necessária para o bem estar das pessoas e o progresso dos países.”(1) A máxima constitucional expressa no art. 193 objetiva garantir o bem-estar e a justiça social, pelo primado do trabalho. A previdência social é uma das facetas(2) dessa busca, uma expressão das ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade com o fim de atingir essa prerrogativa. A proteção social propiciada pelos benefícios previdenciários por eventos relacionados à idade, morte, doença e invalidez, quando os trabalhadores não mais possuírem condições de manter, por seu próprio trabalho, o seu sustento e o de seus dependentes perfaz um legítimo seguro social. Contudo, quando se pensa nos trabalhadores envolvidos em movimentos migratórios (1) MARINHO, Luiz; Ex-Ministro da Previdência Social; Apresentação do livro Migrações Internacionais e a Previdência Social, publicado em 2006, Ministério da Previdência Social. (2) Previdência social é espécie do gênero Seguridade Social. constata-se que, dificilmente, esse trabalhador atingirá os requisitos mínimos para obter em seu país de origem, ao fim de sua vida laboral, uma retirada do mercado de trabalho com a respectiva contraprestação previdenciária. Afinal, trata-se de um trabalhador que exerceu suas atividades, supondo-se condições formais e regulares, submetido a diferentes regimes previdenciários, em um ou mais países. Inobstante, não se pode olvidar que o atual cenário mundial é marcado por uma intensa relação entre os países nos contextos econômico, tecnológico, de investimentos e de informação. Na América Latina, o MERCOSUL surgiu como uma zona de livre-comércio, onde as relações entre os países pertencentes seriam favorecidas e propiciariam o desenvolvimento da região. A despeito do estágio de integração(3) alcançado mesmo após tantos anos de implementação, tem-se uma importante demonstração regional dessa tendência mundial. Já no continente europeu, a União Europeia conseguiu o feito (3) O nível de integração pode ser mensurado, tendo como referência três parâmetros: uma organização é tanto mais integrada quanto mais consegue controlar os instrumentos coercitivos e impor a observância das normas e dos procedimentos dela emanados; é tanto mais integrada quanto mais controla as decisões relativas à distribuição dos recursos; e, por último, é tanto mais integrada quanto mais constitui o centro de referência e de identificação dominante para os membros da própria organização (BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política/ Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Ed. Universidade de Brasília, 13. ed., 2009). 76 LTr - Jornal do Congresso de ser a primeira, e ainda única, união supranacional e econômica de diversos países membros. A globalização e os intensos processos de integração regionais entre os países e blocos econômicos são realidades que propiciam a migração de trabalhadores, que partem de seus países de origem em busca de melhores condições de vida e novas oportunidades de trabalho nos países de destino. A busca pela ascensão laboral, econômica, financeira e social é a principal causa ensejadora das migrações internacionais, ainda que outras existam(4). Viver e trabalhar no exterior para os brasileiros é, culturalmente, um fato absolutamente aceitável, principalmente quando concebida sob a ideia de um plano de médio prazo de retorno ao Brasil. A migração é, portanto, uma decorrência da própria globalização. Se temos de um lado um cenário mundial cada vez mais globalizado e tendente a um movimento de integração, temos também, de outro, uma população mundial igualmente incursa nessa movimentação. Assim, pensar a extensão da proteção social para os trabalhadores migrantes, buscar a garantia constitucional da ordem social também para aqueles que decidiram, sob qualquer motivação, viver e trabalhar no exterior, é uma ação que deve ser promovida pelo Estado. E essa pretensão não apenas pode como tem sido realizada por intermédio de acordos internacionais( 5). Os acordos internacionais de Previdência Social são os instrumentos jurídicos celebrados entre os países para garantir que os cidadãos agentes de movimentos migratórios contabilizem, conjuntamente, os períodos contributivos (ou períodos de seguro) vertidos em um e outro país. Ou seja, os períodos em que esses trabalhadores estiveram sob o amparo de segurados previdenciários em ambos ou mais países poderão ser computados e somados com o intuito de lhe garantir um benefício previdenciário. (4) Certamente, movimentos migratórios também decorrem de questões políticas, de perseguições, de situações de guerra, de processos de catástrofes e de desastres ambientais, entre outros diversos motivos. (5) Nas palavras de e destinado a produzir efeitos jurídicos”. Ao se retirar do mercado de trabalho(6), um brasileiro segurado da previdência de outro país poderá se aposentar contabilizando o período de Francisco Rezek, em seu Curso Elementar de Direito Público, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, contribuição feito no exterior, para outro regime previdenciário, com o período contributivo vertido no Brasil. Da mesma forma, um estrangeiro que venha viver e trabalhar no Brasil também poderá utilizar o seu tempo previdenciário em seu país para, em conjunto com o tempo contributivo vertido no Brasil, obter um benefício da previdência social. Vale ressaltar que esses acordos também viabilizam o trânsito temporário de trabalhadores entre os países. Aquele segurado que, por ventura, precise trabalhar temporariamente em outro país poderá se deslocar, por um período médio de 5 anos (a depender do que estabelece cada acordo), sem precisar se vincular à previdência estrangeira de destino. Assim, elimina-se a bitributação previdenciária pela celebração de acordos internacionais de previdência social, o que fomenta o intercâmbio de trabalhadores temporários e permite uma melhor qualificação e experiência para o trabalhador brasileiro, que é mandado para outro país, e para os brasileiros que recebem um colega estrangeiro. A totalização dos períodos de contribuição previdenciária pelos acordos internacionais de previdência dá a base legal para que se busque os benefícios previdenciários para os trabalhadores, além de seus dependentes e beneficiários, que não implementem as condições necessárias somente com o período de seguro existente em um único país. Ademais, os acordos internacionais de previdência social são insculpidos sob os princípios da reciprocidade e igualdade de tratamento previdenciário entre os cidadãos nacionais e estrangeiros. Consequentemente, o Brasil garantirá um benefício previdenciário para um cidadão estrangeiro da mesma forma que o garante para um brasileiro, ainda que esse benefício não (6) A saída do mercado de trabalho deve ser compreendida como decorrente da idade avançada, de uma eventual invalidez ou da própria morte desse trabalhador, o que levará, nasduas primeiras hipóteses a um benefício de aposentadoria e, em caso de morte, ensejará um benefício de pensão para s dependentes desse segurado. LTr - Jornal do Congresso 77 exista no país de origem desse trabalhador, bem como o mesmo ocorrerá para um brasileiro que trabalhe no exterior.(7) Ainda que de forma incipiente, percebe-se que a internacionalização da previdência social e a proteção dos trabalhadores envolvidos em movimentos migratórios são aspectos de um processo natural do mundo contemporâneo, onde as circunstâncias econômicas e políticas, manifestadas principalmente pelo interesse em novos (7) Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL, Decreto Legislativo n. 451/2001, art. 2º: “Os direitos à Seguridade Social serão reconhecidos aos trabalhadores que prestem ou tenham prestado serviços em quaisquer dos Estados Partes, sendo-lhes reconhecidos, assim como a seus familiares e assemelhados, os mesmos direitos e estando sujeitos às mesmas obrigações que os nacionais de tais Estados Partes com respeito aos especificamente mencionados no presente Acordo.”; Convenção 118 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada em 24 de agosto de 1968 pelo Brasil: Art. 7º § 1º.Os membros para os quais a presente Convenção estiver em vigor deverão, sob reserva das condições a serem fixadas de comum acordo entre os membros interessados de acordo com as disposições do art. 8º, esforçar-se-ão em participar a um sistema de aquisição, reconhecidos de conformidade com sua legislação aos nacionais dos membros para os quais a referida Convenção estiver em vigor, em relação a todos os ramos da previdência social para os quais os membros interessados houverem aceito as obrigações da Convenção. mercados, propiciaram e foram indispensáveis para o emaranhado e complexo movimento de relações inter-países. Desse contexto, decorre que a prospecção das garantias sociais é fruto do processo de integração regional econômica, mas também é necessária para o recrudescimento do mesmo, sendo certo que a conjugação de sistemas previdenciários de países distintos se presta como indispensável solução. Bibliografia Migrações Internacionais e a Previdência Social, Ministério da Previdência Social, Vol. 25, Brasília, 2007. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política/Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Ed. Universidade de Brasília, 13. ed., Brasília, 2009. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público — curso elementar. Ed. Saraiva, 8. ed., São Paulo, 2000. SOUTO MAIOR, Luiz A. P.; O Brasil em um mundo de transição. Brasília: Editora Universidade de Brasília/IBRI, Brasília, 2003.
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